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Movimentos

A CUT será prisioneira de centrais pelegas?


Jandyra Uehara, Ismael César e Ivonete Alves
Desde o golpe de 2016, os neoliberais e a extrema direita implementaram
um conjunto de medidas para desmontar, enfraquecer e aniquilar o
movimento sindical. Temer estruturou o desmonte com a Reforma
Trabalhista, o enfraquecimento das negociações coletivas e com o fim
abrupto do imposto sindical e sem qualquer outra forma de financiamento.
Em 2019, Bolsonaro criou o GAET (Grupo de Altos Estudos do Trabalho)
que formulou propostas antissindicais, que primavam pela deslegitimação
da representação coletiva, criminalização das lutas, desarticulação da
estrutura sindical e estímulo à desproteção sindical.
Após seis anos de uma verdadeira guerra contra o movimento sindical é
urgente que se estabeleçam instrumentos legais e institucionais e normas
que garantam a autonomia do movimento sindical para que este não fique
à mercê dos mandos e desmandos a cada troca de governo. É preciso
garantir aos sindicatos o seu livre funcionamento, assim como a definição
da contribuição solidária democraticamente aprovada pelo conjunto
dos/das trabalhadores/as em assembleia.
É necessário portanto ampliar e aprofundar o debate sobre o atual modelo
sindical. O capitalismo neoliberal tenta incutir na classe trabalhadora a
meritocracia e o individualismo. Contra ele devemos responder com
associativismo classista e ação coletiva. Contra a fragmentação e a
pulverização devemos responder com unidade e reorganização.
Em janeiro de 2023, foi divulgado para a direção da CUT o “Projeto de
valorização e fortalecimento da negociação coletiva, diretrizes e
estratégia para a atualização do sistema de relações do trabalho e
do sistema sindical”.
Em abril, depois de vários adiamentos, a proposta elaborada no Fórum das
Centrais Sindicais, foi apresentada na forma de projeto de lei e/ou outros
instrumentos. Um dos principais problemas para a análise desta proposta é
que se tratava de um documento ambíguo, sem uma formulação objetiva e
sem fundamentação teórica ou histórica, posto que a discussão de
estratégia da luta sindical, conjuntura e luta de classes passa ao largo
deste processo.
Em 22 de maio, a Executiva Nacional da CUT se reuniu para deliberar sobre
o projeto de reforma sindical, com as diretrizes fechadas no Fórum das
Centrais Sindicais. Esperávamos um projeto de lei ou outros instrumentos
normativos, mas novamente o que se apresentou foram diretrizes, sob o
argumento de que a proposta final será fruto de negociação com o
empresariado e o governo.
A maioria das diretrizes tem acúmulo de discussão na CUT e relativo
consenso como, por exemplo, de quais regras atuais devem ser mantidas,
a negociação coletiva como princípio e o fim das negociações individuais,
regulamentação da negociação coletiva no setor público, regras de aferição
de densidade e representatividade sindicais, regras para impedir práticas
antissindicais, financiamento aprovado pelas categorias em assembleia,
regras estatutárias democráticas, entre outros pontos.
Mas o ponto central desta proposta no que se refere às relações de
trabalho é a criação de um Conselho de Autorregulação das Relações de
Trabalho (CART), composto por duas câmaras:
1) Câmaras de Autorregulação Sindical dos Trabalhadores o Sub-Câmaras;
2) Câmaras de Autorregulação Sindical Empresarial o Sub-Câmaras,
conferindo-lhes autonomia para regular a organização dos trabalhadores,
mensurar representatividade e representação e solucionar conflitos.
Esta proposta é a institucionalização do Fórum das Centrais como instância
burocrática e decisória que determinará as regras de relações sindicais e da
organização sindical de cima para baixo a partir dessa cúpula formada pelo
triunvirato CUT, Força Sindical e UGT ou quem sabe por mais centrais a
partir da disputa pelo comando da burocracia.
Este modelo além de se utilizar de muitos conceitos defendidos pelo
empresariado no que chamam de “valorização da negociação coletiva”, é
cópia malfeita de estruturas sindicais europeias que foram implementadas
no contexto da construção do estado de bem-estar social, quando a fim de
conter o avanço das ideias socialistas entre a classe trabalhadora, várias
concessões, benefícios e avanços foram conquistados. A Alemanha, por
exemplo, ratificou a Convenção 87 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) que estabelece a liberdade sindical há mais de 70 anos e
os/as trabalhadores/as conquistaram, nos limites do capital, direitos
econômicos e organizativos que estão distantes das nossas expectativas.
Trata-se de um modelo organizativo altamente burocratizado e concentrado
em grandes e poucos sindicatos nacionais. Ou seja, um contexto histórico,
econômico, social e sindical muito diferente do nosso e transplantar um
sistema de relações de trabalho deste tipo vai contribuir para aprofundar
retrocessos, flexibilização de direitos e descaracterização da CUT como
organização autônoma e combativa da classe trabalhadora.
O Fórum da Centrais Sindicais será institucionalizado e a CUT aprisionada
às decisões de um Conselho de Autorregulação cuja maioria é formada por
centrais pelegas alinhadas com a centro direita. A unidade forjada a duras
penas após o golpe de 2016 não é sólida, é conjuntural, principalmente
frente aos interesses destas centrais em relação a espaços institucionais no
governo LULA.
Além disso, a CUT nunca aprofundou experiências internas de
autorregulação, bem como permanecem intensos os conflitos e disputas
intersetoriais existentes no seu interior, a exemplo dos existentes no setor
público (municipais x educação e saúde) e rurais (Contag x Fetraf). Levar
estes conflitos para serem tratados em um conselho de autorregulação com
a Força Sindical, UGT ou CTB é no mínimo intensificá-los.
Nossa luta de fortalecimento sindical e da negociação coletiva dependem de
uma CUT protagonista na mobilização e na vanguarda das lutas em defesa
das reivindicações da classe trabalhadora. A mobilização e a luta da classe
trabalhadora são as bases para a negociação de avanços de direitos e da
própria estrutura sindical e não a criação de estruturas burocráticas que
visam a conciliação de classes e a diluição política. A participação da CUT
no Fórum das Centrais Sindicais, deve ter como objetivo unificar as lutas e
propostas quando for possível, mas é fundamental manter nossa autonomia
e posição classista e não aceitar o rebaixamento das nossas pautas.
Na atual conjuntura, a prioridade da CUT no que se refere ao
fortalecimento da negociação coletiva deve ser a revogação da Reforma
Trabalhista e todos os entraves impostos, principalmente o negociado
prevalecer sobre o legislado; a democratização do Conselho de Relações do
Trabalho; o financiamento sindical; a regulamentação da negociação no
setor público; o direito de greve e a coibição de práticas antissindicais.
Mudanças estruturais neste momento, num cenário de instabilidade e numa
correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional, é sinônimo de
enfraquecimento da classe trabalhadora e fortalecimento do empresariado
na sua sanha de flexibilizar direitos e manter seu padrão de acumulação às
custas da intensificação da exploração do trabalho.
A votação desta proposta na Executiva Nacional da CUT se deu em duas
partes; primeiramente foi votada por unanimidade o que era consensual.
Uma segunda votação se deu sobre o ponto de dissenso: a criação de um
Conselho Nacional de Autorregulação das Relações de Trabalho.
A Articulação de Esquerda, a CUT Independente e de Luta, a EPS- Esquerda
Popular Socialista e a MS–Militância Socialista se posicionaram e votaram
contra o CART. A Articulação Sindical que tem ampla maioria na Central e a
CSD–CUT Democrática e Socialista defenderam e votaram favorável.
A proposta com estas diretrizes foi aprovada por maioria e entregue ao
governo e aos empresários. A julgar pelos últimos acontecimentos na
Câmara dos Deputados nas votações do arcabouço fiscal e da medida
provisória da reforma ministerial, a tendência é que esta reforma sindical
saia muito pior do que entrou.
Jandyra Uehara, Ismael César e Ivonete Alves integram a executiva
nacional da CUT

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