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1- O episódio da invasão do Congresso americano pode ser definido de diversas

formas complementares. Parece-me que é um fenômeno com diversos significados:

um deles é o de estertor – ato final - de uma ameaça de golpe parte de Trump, um ato
final, imagina-se, de um longo discurso de deslegitimação dos resultados eleitores,
começado há meses atrás e que evidentemente fracassou no seu sentido objetivo e
imediato, ou seja, os resultados prevaleceram estão sendo reconhecidos e efetivados.
Neste sentido, de parte desta ameaça, é a expressão de uma derrota do trumpismo e,
por tabela, dos seus aliados. Faltou força: faltaram votos pra um resultado geral mais
embolado, faltou gerar mais dúvidas razoáveis que permitissem sobretudo aos outros
poderes (judicial, legislativo, forças armadas, estaduais) embarcar na linha de Trump,
o que não quer dizer que não haja militares e juízes simpatizantes dele, faltou suporte
da burguesia que majoritariamente neste momento aposta em Biden.

Mas penso que há outros níveis de significação que deveríamos observar. Aquele
gesto foi também uma espécie de ensaio farsesco que por mais inconsistente e até
ridículo que possa parecer e por mais que gere desmoralização imediata pros seus
protagonistas e pra Trump e o trumpismo demonstra a possibilidade de mobilização
de massas de uma direita antiliberal. Veja, estamos falando de uma mobilização
fadada ao fracasso, avisada previamente, apoiada apenas por grupos muito
extremados, sem qualquer apoio aparente de aparelhos privados de hegemonia
realmente importantes, que não foi antecedida de mobilizações bem sucedidas antes.
Mesmo a gente considerando que o Presidente ajudou a incitá-la ele apareceu muito
isolado politicamente nisso. E mesmo assim, houve alguns milhares de radicalizados,
que ocuparam o Congresso e contaram com algum grau de leniência dos serviços de
segurança.

E daí? Daí que isso quebra alguns vasos sagrados do grande pacto da democracia
liberal daquele país. A incolumidade das instituições é manchada pela extrema direita.
Para já creio que signifique uma descredibilização deste campo. Mas é ilusório
acreditar que a extrema direita norte-americana vá desaparecer a partir disso. Ela é
um sintoma de uma doença mais profunda, conta com diversos recursos políticos e
fontes de simpatia e com uma situação internacional que pode alimentar seu discurso
permanentemente. Há uma miríade de grupos de ED que estavam lá representados
inclusive por suas bandeiras : dos confederados, dos anarco-capitalistas, o
supremacismo branco presente também. Esses pequenos grupos alternam-se e
substituem-se de maneira muito fluída e rápida na formação de referência pras bases
de massas como a que elegeu Trump e lhe deu o lugar de 2 a pessoa mais votada da
histórias nestas últimas eleições – apesar de todos os absurdos que disse e fez. Eu não
sei como a invasão do Capitólio será representada no futuro – se como um episódio
exemplar vergonhoso, se como um gesto de denúncia corajasa do sistema – mas eu
alerto que é um erro, um erro, desconsiderar que de fundo ele alarga a perspectiva de
atuação antiinstitucional, anti-ordem, da extrema direita. Provavelmente não haverá
outras invasões de capitólio nas próximas décadas, como não haverá outras
nomeações de juízas com traços de fundamentalismo religioso evidentes pra Suprema
Corte, mas o fato é o que o horizonte de um arranjo político institucional mais à
direita e mais conservador; à direita da democracia liberal do pós guerra abriu-se. E é
uma ilusão confundir a posição conjuntural da burguesia daquele país – ora
comprometida com Biden E com a estabilidade institucional – com um compromisso
inquebrável com estas instituições. O compromisso da burguesia estadunidense é com
o lucro, como demonstraram largamente ao longo da história contemporânea em
todos os golpes e ditaduras que ajudaram a sustentar mundo afora. A novidade pra
eles é que a tensão na parede direita, digamos, desta ordem passou a ser uma
possibilidade doméstica também. Devemos estar atentos, portanto, para além da
conjuntura de desmoralização de Trump ao risco de um reordenamento da política
dos EUA num lugar mais à direita nas próximas décadas.

2 e 3 – A extrema direita no plano mundial é muito ampla e muito diversificada

De forma geral ela mantém um compromisso formal de fachada com o jogo


institucional e, por isso, se demarca do trumpismo neste episódio.

Brasil

Futuro

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