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FEVEREIRO 2024 70ª EDIÇÃO

Clube de Revistas R E V I S T A
Foto: Pexels

Um novo
George Soros?
Conheça o bilionário
que doa milhões para
grupos de esquerda

Rodrigo Constantino: Os artistas que “fizeram


Bolsonaro deu o L” e agora são pagos
um golpe com o seu dinheiro
Clube de Revistas
Índice

Editorial: Castigo sem crime 03

Rodrigo Constantino: Bolsonaro deu um golpe 12

Samia Marsili: Criança é igual videogame 17

Um novo George Soros? Quem é o bilionário que


43
doa milhões a grupos de esquerda

Bolsonaro reage a cerco judicial enquanto


Clube de 54
crescem especulações acerca da sua iminente Revistas
prisão

Cissa Guimarães, Camila Pitanga, Emicida,


mulher do Freixo: eles “fizeram o L” e agora são 65
pagos com o seu dinheiro

Diga não à nova versão de “A Cor Púrpura”, que


82
deturpa o clássico de Spielberg

💡 USUÁRIO DE ANDROID: PARA NAVEGAR UTILIZANDO OS


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2
A ex-juíza Ludmila Grilo, que vive nos Estados Unidos e teve suas contas
bancárias bloqueadas no Brasil.| Foto: Reprodução redes sociais

EDITORIAL.

Castigo sem crime

Na semana passada, a ex-juíza Ludmila Lins


Grilo anunciou que suas contas bancárias no
Brasil teriam sido bloqueadas por ordem do
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal – a informação foi divulgada

3
Clube de Revistas
em uma live em seu canal do YouTube, que só
teve como ser assistida por brasileiros que usam
serviços de VPN, já que o acesso convencional
aos perfis da ex-magistrada também está
vetado por ordem do STF. À Gazeta do Povo,
Ludmila ainda disse que seu advogado nem teria
sido informado da decisão; segundo seu relato,
foi a gerente do banco onde ela mantinha conta
quem a teria informado sobre o bloqueio e a
procedência da decisão judicial.

Ludmila foi aposentada compulsoriamente pelo


Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e respondia
a processos disciplinares no Conselho Nacional
de Justiça, supostamente por ter violado
normas da Lei Orgânica da Magistratura, como
a que proíbe juízes de se manifestar sobre
processos em curso, seus ou de outros –
Ludmila era uma das vozes mais críticas aos

4
inquéritos abusivos conduzidos pelo STF, como
o das “fake news” e o das “milícias digitais”.
Além disso, no início deste ano ela revelou estar
vivendo nos Estados Unidos desde 2022, mesmo
ainda estando à frente da Vara de Infância e
Juventude de Unaí (MG) – seu afastamento pelo
CNJ se deu em fevereiro de 2023.

Independentemente dessas circunstâncias, que


não é nosso objetivo no momento avaliar, o fato
é que há uma enorme desproporcionalidade em
inúmeras medidas que vêm sendo aplicadas,
não apenas no caso de Ludmila, mas também no
de várias outras pessoas, sempre no âmbito dos
inquéritos abusivos e sigilosos do Supremo.

5
Medidas desproporcionais, que
violam direitos básicos de cidadãos,
tomadas sem motivo razoável que
as justifiquem, não merecem outra
qualificação que não seja a de
arbítrio puro e simples

A ex-magistrada nem de longe seria a única a


ter suas movimentações bancárias no Brasil
bloqueadas. Jornalistas e formadores de opinião
como Rodrigo Constantino – colunista da
Gazeta – e Paulo Figueiredo Filho já foram alvo
da mesma medida; em um outro caso,
Alexandre de Moraes também chegou ao ponto
de ordenar, por duas vezes, o bloqueio das
contas da filha adolescente de Oswaldo
Eustáquio, que tem contra si ordem de prisão e
se encontra na Espanha. O que salta aos olhos,
nestes casos, é a falta completa de nexo entre as

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medidas e os supostos crimes “contra a
democracia” pelos quais todas essas pessoas
estariam sendo investigadas – isso quando se
sabe pelo que são investigadas, dado o caráter
sigiloso dos inquéritos.

Até mesmo os empresários investigados pelo


“crime de opinião do WhatsApp”, assim como
dezenas de outras pessoas físicas ou jurídicas
que supostamente financiaram protestos e
manifestações, já tiveram suas contas
desbloqueadas; se eles, que têm um poderio
econômico muito maior, podem movimentar
livremente seus recursos, não há motivo para
seguir restringindo esse direito a quem jamais
teria como bancar ataques ao Estado
Democrático de Direito. Além disso, no caso
específico de Ludmila Grilo, o bloqueio a
impediria de receber sua aposentadoria, o que,

7
na prática, constitui um confisco que priva a
ex-magistrada de valores essenciais para sua
manutenção, algo que nem mesmo juízes
condenados por corrupção chegaram a sofrer.

Ao bloqueio de contas bancárias soma-se,


ainda, a já corriqueira derrubada de perfis em
mídias sociais, que configura aquele tipo de
censura prévia vedado expressamente pela
Constituição e que deixa os cidadãos sujeitos a
terem acesso apenas àquilo que o STF permite,
como bem apontou Ludmila. Em outros casos, a
Justiça já ordenou o cancelamento de
passaportes, deixando brasileiros como
Constantino e Figueiredo “prisioneiros” nos
Estados Unidos, onde também estão radicados.
Tudo isso, recorde-se, sem que haja qualquer
justificativa convincente que explique qual a
adequação entre a medida e as ações daqueles

8
que são atingidos por ela, e que até o momento
não chegaram a ser denunciados por crime
algum – assim como Bruno Monteiro Aiub, o
Monark, repetidamente punido por Alexandre
de Moraes em decisões nas quais o ministro não
é capaz de citar que artigos do Código Penal
teriam sido desrespeitados pelo influenciador.

Medidas desproporcionais, que violam direitos


básicos de cidadãos, tomadas sem motivo
razoável que as justifiquem, não merecem outra
qualificação que não seja a de arbítrio puro e
simples. Busca-se simplesmente sufocar a voz
ou os meios de subsistência daqueles brasileiros
considerados “incômodos”, impondo aos alvos
das medidas judiciais essa versão moderna da
“morte civil”, em que a pessoa segue existindo,
mas completamente privada do direito de se
expressar sobre qualquer assunto. E tal

9
perseguição político-ideológica sempre se
esconde sob o pretexto de “preservação da
democracia”, esta mesma que é rotineiramente
agredida pela banalização desse tipo de medida,
ainda por cima oriunda de uma “criatividade
jurídica” de Moraes, pois bloqueio de contas e
suspensão de perfis não constam do artigo 319
do Código de Processo Penal. Ninguém é
obrigado a concordar com Ludmila Grilo
quando ela afirma que o Brasil já passou a
Venezuela e se aproxima da China em termos de
autoritarismo; mas qualquer um com bom
senso haverá de constatar que essa rotina de
“castigos sem crime” está muito longe do que
se espera ver em uma democracia.

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O ex-presidente Jair Bolsonaro| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

OPINIÃO.

Rodrigo Constantino
Bolsonaro deu um golpe

Jair Bolsonaro deu um golpe. Não usou armas, é


verdade. Não contou com as Forças Armadas,
também é fato. Mas ele usurpou o poder todo
para si e passou a agir como um ditador. As

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ações praticadas por ele não deixam margem a
dúvidas. Assim que Bolsonaro deu o golpe, a
primeira coisa que ele fez foi aparelhar o
Supremo Tribunal Federal. Ciente de que tudo
hoje passa pelo STF - mesmo o que não deveria
- e que poucos ministros podem basicamente
mandar no país, Bolsonaro aparelhou com
bolsonaristas o Supremo.

Seria terrível se esses parágrafos


fossem verdade, não é mesmo?
Ainda bem que são pura ficção. Na
verdade, um pesadelo que tive.

Um deles, para não deixar qualquer


desconfiança nos indecisos, chegou a gritar
"Nós derrotamos o lulismo" num evento com
policiais e bombeiros. Os ministros supremos,

12
após o golpe bolsonarista, passaram a perseguir
parlamentares de esquerda, além de censurar
jornalistas ligados ao petismo.

Um dos ministros bolsonaristas no STF chegou


a partir para cima de uma juíza associada ao
esquerdismo. Com base em firulas inventadas,
ele deu um jeito de conseguir sua aposentadoria
precoce. Como ela fugiu para a Venezuela, não
foi possível prendê-la, mas o ministro
bolsonarista decretou o congelamento de suas
contas bancárias no Brasil.

Todo golpe precisa contar com a imprensa. O


canal bolsonarista passou, então, a mentir
diariamente, passando pano para o ditador,
tratando-o como um democrata legítimo,
justificando cada medida absurda e
normalizando falas abjetas.

13
Lula é o presidente, e salvou nossa
democracia. Alexandre de Moraes é
um juiz imparcial que protege nossa
Constituição.

Quando o ditador tratou uma negra como


certamente uma sambista que curte batuque, só
pela cor da pele, o canal bolsonarista fez
tremendo esforço para dizer que era só uma
brincadeira.

Uma vez ditador consagrado, Bolsonaro passou


a reverenciar abertamente as piores ditaduras
fascistas do planeta, chegando a receber um
deles com tapete vermelho e obrigando nossos
militares a prestar continência ao assassino. A
mídia bolsonarista, como sempre, ficou em
silêncio, ou repetindo que Bolsonaro salvará a
democracia.

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A corrupção tomou conta do país. Um
ex-governador bolsonarista condenado a mais
de 400 anos e que confessara os crimes foi solto
pelo STF aparelhado, e virou influencer nas
redes sociais, caindo no samba durante o
carnaval. Tudo era festa para os safados,
seguros da impunidade garantida pelo ditador e
seus comparsas supremos.

Censura prévia a jornalistas, veículos de


comunicação corrompidos, instrumentalização
de importantes instituições como o STF e a
Polícia Federal para fins partidários,
perseguição aos adversários, chegando a usar a
PF para prender com base em pretextos
ridículos o presidente do PT num ano eleitoral
importante, tudo isso certamente configura
uma ditadura.

15
Seria terrível se esses parágrafos acima fossem
verdade, não é mesmo? Ainda bem que são pura
ficção. Na verdade, um pesadelo que tive.

Quando acordei, respirei aliviado: foi apenas um


sonho. Lula é o presidente, e salvou nossa
democracia. Alexandre de Moraes é um juiz
imparcial que protege nossa Constituição. A
imprensa faz jornalismo sério e independente. E
nenhum corrupto famoso está solto e sambando
na cara do povo honesto. Viva o Brasil, gente!

Autor: Rodrigo Constantino


Economista pela PUC com MBA de Finanças pelo IBMEC,
trabalhou por vários anos no mercado financeiro. É autor
de vários livros, entre eles o best-seller “Esquerda Caviar”
e a coletânea “Contra a maré vermelha”. Contribuiu para
veículos como Veja.com, jornal O Globo e Gazeta do Povo.
Preside o Conselho Deliberativo do Instituto Liberal. **Os
textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do
Povo.

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16
| Foto: Lubov Lisitsa/Pixabay

OPINIÃO.

Samia Marsili
Criança é igual videogame

Eu não tenho dúvida – e penso que todos


aqueles sensatos, cujos olhos passarem por
estas linhas, também não têm – de que existem,

17
sim, verdades absolutas, valores inegociáveis e
paradigmas incontestes. O relativismo, essa
visão de popularidade fácil, que rejeita a
objetividade, não oferece resistência ao seu
próprio argumento, e degenera muito logo
numa opinião boboca, bolha de sabão verbal. E,
no que concerne à educação das nossas
crianças, a falta dessa clareza pode ser bastante
grave, pois dela depende o destino, real e
concreto, de pessoas de verdade, desses seres
humanos que são confiados pela Vida ao nosso
cuidado e à nossa orientação.

A educação que oferecemos aos nossos filhos


depende daquelas coisas que são, para nós,
verdadeiras, as nossas crenças mais básicas
conforme as quais norteamos as nossas ações –
mais ou menos conscientemente, com maior ou
menor semelhança com aquelas ideias que

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professamos verbalmente, e que talvez
gostaríamos que fossem nossas verdadeiras
crenças. Assim, quanto mais profundamente
conscientes formos dos valores que nos
norteiam, melhor; e quanto mais semelhantes
forem a nossa palavra e a nossa vida, quanto
mais coerentes formos como o paradigma que
elegemos, melhor.

Até aqui, tudo isso vale igualmente para os


partidários do relativismo, que, em princípio,
podem buscar também uma “relativa coerência
interna”. A sinuca deles começa quando
afirmam que não há verdade, e sim “verdades”,
igualmente válidas e de mesmo valor, e que
afinal, como recorda o tango, “todo es igual,
nada es mejor”. Por melhores que sejam suas
intenções, a educação que oferecerão aos seus
filhos será fragmentada, estremecida por

19
qualquer vento de opinião. Valerá a “verdade”
dos pais, ou a das crianças? Ou qualquer uma
que vier de fora, do mundo? Portanto, não basta
“sermos sinceros” quanto àquilo em que
acreditamos, quanto à “nossa verdade”,
apenas. Esse processo precisa, de fato, estar
apoiado numa busca por desenterrar em nós a
verdade em que cremos no fundo; mas em seu
centro mesmo deve estar uma sincera e
persistente busca por conhecer a verdade
objetiva, e sobretudo por reconhecê-la, quero
dizer, aceitá-la, não fechando os olhos quando
for menos conveniente. Sem isso não vem o
passo seguinte, que é obstinar-se em modelar
nossas ações, pensamentos e sentimentos em
concordância com ela.

Então, sim, é preciso nos esclarecermos sobre


aquilo que é imprescindível na educação das

20
crianças, quais são os pontos inegociáveis e os
objetivos do nosso plano educativo, enfim,
aquelas coisas que entendemos como sendo
boas para o ser humano e que não podemos nos
furtar de legar aos nossos filhos. Nós os
ensinaremos a serem honestos, a falarem a
verdade, a serem justos, perseverantes,
estudiosos; mostraremos a eles que, na família,
o amor é incondicional e que jamais os
abandonaremos; queremos que sejam
generosos, autônomos, livres. – Sim, é
verdade... Mas atenção, pois também nisso
existe um ardil.

Nessa preocupação por se agarrar ao


inegociável, por fazer qualquer coisa para dar
essas coisas aos nossos filhos, custe o que
custar, há pais que se agarram de forma estática
e chapada aos ideais, grandiosos e inatingíveis,

21
e correm o grave perigo de errar justamente por
negligenciar a justa parcela de relatividade da
vida: a que se dá na progressão no tempo.

Para saber como agir em cada


momento, o mais importante é que
nós estejamos atentos ao processo
evolutivo pelo qual as crianças estão
passando, e nos relacionemos com
ele de uma maneira ativa e
consciente, promovendo as
alterações em nossa atitude

Muitos pais, honestamente comprometidos por


dar a seus pequenos uma boa educação,
aferram-se a alguns pontos de honra ou a
alguns atributos como a coisas fixas, quase
materiais, que não precisassem sofrer nenhuma

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adequação, nenhuma adaptação ou acomodação
no caso concreto.

E não estou me referindo a “concessões”, no


sentido de “não levar tudo a ferro e fogo” –
não!, de modo algum me refiro a um laxismo
dessa ordem. Falo da maneira própria de essas
coisas se darem na realidade, na nossa realidade
humana, que é sujeita ao tempo, e que faz com
que a educação de um ser humano seja uma
sucessão encadeada de fases, com seus períodos
mais morosos, e também seus saltos; períodos
que exigem firmeza e constância, e momentos
que exigem uma ação rápida e cortante, além de
todas as adaptações gradativas que esse jogo
inclui.

Dois exemplos comuns, que ilustrarão de


imediato o que quero dizer: o primeiro, pais que

23
tratam seus filhinhos pequenos como se fossem
mais velhos e já tivessem o dever de se
controlar, como se já tivessem a capacidade de
se guiar e uma consciência de moralidade,
compreendendo condições complicadas e
merecendo castigos – quando, na verdade,
estão ainda muito aquém de tudo isso, e é de
guiamento dos pais que precisam. Ou, segundo
exemplo, pais que tratam seus filhos mais
velhos como criancinhas de colo, que não lhes
exigem nada e não lhes permitem dar os justos
passos de seu amadurecimento, ou importunam
os adolescentes com demandas infantis. Em
ambos os casos, esses pais, por mais bem
intencionados que sejam, e mais corretos em
seus princípios, estão deslocados no tempo,
desfocados quanto ao momento do processo,
como quem abrisse uma crisálida antes da hora,

24
ou então quisesse meter a borboleta ali dentro
novamente.

Eu escutei uma frase muito tempo atrás e, desde


então, ela não me saiu mais da cabeça, e eu já a
repeti diversas vezes. Esta: “Criança é igual
videogame: quando a gente acostuma, muda de
fase”. Não são assim esses jogos? São pensados
e desenvolvidos de tal maneira que, quando
começamos a nos acostumar com seus desafios,
a dominar os seus reveses e a sentir que somos
bons jogadores, ah!, então termina aquela fase,
e somos promovidos a uma nova. A uma nova
em que tudo volta a ser difícil, e na qual temos
novamente de engajar o nosso cérebro e a nossa
coordenação... O que funciona numa fase não
funciona na outra, embora o objetivo final do
jogo continue, lá ao fim, sendo o mesmo. Essa
progressão é que é a graça do negócio. Bem,

25
parece que existe uma engraçada analogia entre
o videogame e a educação de crianças, e que esta
é uma boa maneira de pensarmos sobre a nossa
maternidade, e os pais sobre a paternidade: há
alguns conceitos com os quais concordamos, e
que em si mesmos são de fato verdadeiros, mas
que não podem ser aplicados igualmente em
todos os momentos do crescimento das
crianças, pois cada fase exige a sua acomodação
própria, ainda que todas visem ao mesmo fim.

Falando assim, parece uma coisa óbvia. Mas


acontece que, assim como o nosso cérebro pode
levar um tempo para interpretar a nova fase do
videogame, do mesmo modo na vida familiar a
gente pode acabar “ligando o automático”, se
confundindo e jogando o jogo errado.
Gostaríamos que nosso filho fizesse tal coisa
quando ele tivesse determinada idade, e

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acabamos aplicando a coisa imediatamente – e
fracassando, é claro. Ou, em vez de se antecipar,
continuamos repetindo algo que aprendemos a
fazer com os bebês quando eles já estão
chegando aos 4 anos – e começa a dar muito
errado, é claro... Para saber como agir em cada
momento, o mais importante é que nós
estejamos atentos ao processo evolutivo pelo
qual as crianças estão passando, e nos
relacionemos com ele de uma maneira ativa e
consciente, promovendo as alterações em nossa
atitude, não às tontas, sempre com uma
intencionalidade educativa; não apenas
reagindo àquilo que vem deles, como se fossem
estímulos para nós, pois assim seremos sempre
pegas de surpresa, o salto não dará pé – e game
over.

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Vamos analisar brevemente três exemplos, três
dessas coisas boas e verdadeiras que, contudo,
carecem de atenção quanto ao momento e à
forma em que serão oferecidas ou ensinadas,
três das que há pouco mencionamos en passant:
liberdade, autonomia, e segurança afetiva.

Primeiro, a liberdade. Sempre que o assunto é


educação, não falta quem apareça para encher a
boca e dizer que “é preciso respeitar a liberdade
das crianças! O seu filho é uma pessoa única, e
uma pessoa única tem seus próprios gostos, e
deve tomar as próprias decisões. Não podemos
ser mães superprotetoras, ou pior ainda, mais
autoritárias, e tomar todas as decisões por eles.
Então, se a criança não gosta de fazer
determinada coisa, você, como mãe, não pode
obrigá-la a fazer. Se ela tem um determinado
jeito, você, como mãe, não pode querer mudar

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esse jeito e imprimir nela as suas próprias
expectativas, que estão carregadas de escolhas
ideológicas. O seu filho é uma outra pessoa
diferente etc.”.

Isso é verdadeiro? É claro que sim. É coisa


indiscutível que a criança é uma pessoa humana
e, portanto, tem suas tendências individuais,
seus talentos e defeitos próprios, seus gostos,
preferências, e trilhará sua própria história. E é
fato que tudo isso merece respeito; é fato que
não queremos imprimir nas crianças uma
conduta independentemente de quem elas são:
não estamos amestrando animais nem
programando robôs. No entanto, não podemos
perder de vista que, quando as crianças são
pequenas, até completarem seus 6 ou 7 anos,
elas ainda não dispõem das faculdades da
inteligência e da vontade, isto é, nem mesmo

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elas têm acesso pleno a suas capacidades de
pessoa humana. O processo de amadurecimento
dessas faculdades seguirá, pelo menos, até os
12.

Para que as crianças atinjam a


autonomia em tudo – sono,
alimentação, banho, escovação de
dentes, pontualidade, organização,
estudo – e nós possamos exigir
essas coisas deles, é necessário antes
que ensinemos como se faz. E não
adianta ensinar uma vez

Para o ser humano empreender uma ação livre,


é preciso que o faça de maneira consciente, isto
é, que conheça a gradação de bem e mal relativo
em cada uma das opções a cada momento, e que
então delibere sobre aquilo que quer de fato

30
fazer, articulando os elementos da
circunstância e com força suficiente para não
ceder às dificuldades que ela impõe. Se as
crianças ainda não têm operantes as duas
faculdades que lhes permitiriam fazer isso, é
uma tolice acreditar que, deixando-as ao léu,
para escolher o que querem ao seu próprio
sabor, nós as estamos criando livres. Ao
contrário: é conduzindo-as na conquista de
bons hábitos, sendo para elas uma luz de
interpretação do mundo e uma vontade auxiliar,
durante as primeiras fases, que as
capacitaremos para serem livres, quando o
momento da maturidade chegar.

Conforme chega a adolescência, a coisa vai


mudando de figura, e a mesma liberdade, que
almejamos para eles desde o início, vai se
concretizando de outra forma. A entrada na

31
adolescência marca o progressivo aumento de
autonomia que nós podemos lhes dar,
acompanhando o quanto estão maduras para
usarem, por si sós, a própria inteligência e
vontade, e de assumir a responsabilidade por
seus atos. É a hora em que as nossas palavras,
em que uma boa conversa orientando sobre o
que é bom e o que é mau, dando razões, passa a
fazer sentido, um sentido que não havia antes,
em argumentar com uma criança que não
dispõe do uso da razão. Se nós respondíamos
publicamente por tudo que nossos filhos faziam
até então, a partir de agora essa atribuição
passa a ser paulatinamente assumida pelo
próprio adolescente, na medida em que queira
ser respeitado como alguém crescido, até
tornar-se um jovem adulto e se emancipar.

32
Algo semelhante vale para a autonomia. Como
mães, desejamos que os nossos filhos sejam
pessoas autônomas, que consigam fazer as
coisas sozinhos, tocar a própria vida sem
depender de que os outros façam as coisas para
eles. Ora, é para isso que os estamos educando,
não? Para a vida, e não para que fiquem
agarrados à barra da nossa saia para sempre.
Verdade? A mais pura verdade. Porém, onde
erram os pais? Em querer que os filhos façam
sozinhos as coisas que eles simplesmente não
sabem fazer, porque não aprenderam ainda a
fazer; em querer que eles tenham um
autodomínio e um domínio de certos processos
que é praticamente impossível aprender por
conta própria, sem ensiná-los.

Dois exemplos clássicos são o sono e o estudo.


Muitos pais creem ingenuamente que o corpo

33
do bebê ou da criança pequena pode, por si só,
desenvolver uma autonomia na condução de
uma rotina de sono, que respeitasse suas
necessidades biológicas, como se a criança não
fosse guiada pelos sentidos, pela diversão e por
todas as coisas que a estimulam ao seu redor,
que a convidam a despertar. Não; somos nós que
devemos conduzir o seu ânimo para o momento
de dormir, e firmar o seu costume, o seu hábito
de ir para a cama no horário certo, tanto à noite
como nas sonecas, zelando para que repouse
horas suficientes e tenha saúde e disposição
para as atividades do dia. Ou por acaso nós,
adultos, não precisamos respeitar certa
disciplina para não dormir mais tarde do que
deveríamos, acordar pontualmente pela manhã,
e não dormir demais quando a ocasião se
apresenta? A depender dos nossos desejos de
rédea solta, não estaria bem cuidada a nossa

34
saúde. Essa força de vontade que temos, a
criança ainda não tem; portanto, mais uma vez:
para que tenha a autonomia que desejamos para
ela como um bem, é preciso antes formá-la nos
bons hábitos, mostrando de perto como se faz, e
conduzindo – o que, ao olhar desatento, que
não leva em conta a progressão das fases do
crescimento e da educação, parece o oposto da
autonomia.

O mesmo vale para o exemplo do estudo: não


adianta simplesmente ordenar que as crianças
estudem, estipular os horários e exigir que
sejam cumpridos e que os resultados sejam
satisfatórios. Não adianta ralhar que “você
precisa estudar para ser alguém na vida, a sua
escola é cara, você tem oportunidades que
outros gostariam de ter, e eu, na sua idade...”.
Nada disso vai funcionar se, antes, não

35
ensinarmos os nossos filhos a estudar, o que se
dá, num primeiro momento, sentando mesmo
ao seu lado, e mostrando, passo a passo, como
se faz. A virtude da estudiosidade é uma
conquista.

Enfim, para que as crianças atinjam a


autonomia em tudo – sono, alimentação,
banho, escovação de dentes, pontualidade,
organização, estudo – e nós possamos exigir
essas coisas deles, é necessário antes que
ensinemos como se faz. E não adianta ensinar
uma vez. É preciso ensinar durante muito
tempo, de perto, pelo tempo necessário até que
isso se introjete e você seja capaz de avaliar se
realmente ele aprendeu, para que só então
possa exigir. Isso, nesta idade dos primeiros
anos, não é mimar, é ensinar de fato.
Certamente a perspectiva e o nível de exigência

36
muda com um adolescente que tenha sido bem
educado. Parece o oposto da autonomia, mas
não é: é a sua condição. Sim, educar é um longo
processo, e o dinamismo da coisa está em
compreender quando “mudamos de fase”.

Agora, sobre a segurança afetiva, um exemplo


um pouco no sentido contrário ao dos dois
anteriores. Devemos dar aos nossos pequenos a
certeza de que são amados e queridos
incondicionalmente, devemos fazer com que se
sintam seguros e protegidos, conosco e no seio
da nossa família. Sim, é evidente que sim. O que
não quer dizer que, conforme eles crescem, não
devamos exigir nada deles, nem lhes atribuir
deveres dentro desse mesmo lar e ser firmes,
com receio de que se sintam menos amados.
Amar incondicionalmente, e fazê-los se sentir
assim amados, não é o mesmo que alimentar as

37
suas más inclinações, e deixá-los avançar na
direção da preguiça, da gula, da inveja, do
egoísmo. Quero que meu filho se sinta amado,
então, quando ele me pede, dou a comidinha em
sua boca, e sorrio sempre: “É claro, meu amor”.
Ou então: “Filho, deixa que a mamãe amarre
seus sapatos. Meu filho, deixa que a mamãe faça
a cama para você. Deixa que a Joana, que
trabalha aqui em casa, arrume os seus
brinquedos para vocês, já que você tem tanta
coisa para fazer, ir para o futebol, a natação, o
inglês. Sim, pode dormir na cama com a gente.
Não precisa ajudar a mamãe a limpar, não, pode
ir brincar... Deixa que eu lavo a louça, deixa que
eu faço tudo. A mamãe te ama, então deixa que
eu faça tudo por você!” Assim, a “segurança
afetiva”, que é uma coisa boa e necessária,
estará avançando sem nuances, com o mesmo
peso e os mesmos traços para fases

38
subsequentes, impedindo que seus desafios
próprios emerjam. Descompassada no processo
evolutivo, ela não só impede progressos como
causa alguns males, por vezes graves. Quando
tratamos crianças mais velhas como
bebezinhos, o afeto se torna, aí sim,
condescendência, mimo.

É preciso sempre compreender em


que momento aquela criança,
aquele adolescente ou jovem está, e
qual é o próximo passo; o que já foi
conquistado, e pode ser exigido, e
qual é o próximo desafio, em que
fase nós estamos para vencer esse
jogo

Em nome da segurança afetiva, há quem pense


ser preciso, também, fazer tudo exatamente

39
igual com todos os filhos, e tratá-los sempre de
maneira idêntica, acreditando que, se for de
outro modo, um vai se sentir mais amado que o
outro, ou até mesmo rejeitado. Isso é um erro,
pois cada criança é diferente: além de serem
pessoas diferentes, com seus temperamentos e
tendências próprios, têm idades diferentes, e
estão em momentos diferentes do seu
desenvolvimento. Atender às exigências
emocionais de cada uma delas requer,
exatamente, compreender a fase, e não
acachapar um padrão de comportamento
idêntico. Equanimidade, sim, e não igualdade, é
dar a cada um dos nossos filhos aquilo de que
ele precisa em cada momento, considerando
todas as coisas.

Os exemplos, para ilustrar essa questão,


poderiam se multiplicar ao infinito, porque tudo

40
na educação, sempre, tem a ver com esse ponto.
É preciso sempre compreender em que
momento aquela criança, aquele adolescente ou
jovem está, e qual é o próximo passo; o que já
foi conquistado, e pode ser exigido, e qual é o
próximo desafio, em que fase nós estamos para
vencer esse jogo. As crianças mudam desde que
nascem, e logo nas primeiras semanas nós já
precisamos estar atentos para acompanhar seus
novos passos na amamentação, e depois nas
cólicas, na chupeta, e no caminhar, na fala, no
desfralde... até que, num piscar de olhos,
estaremos mostrando para eles as coisas ruins
do mundo, que até há pouco escondíamos,
porque estão prontos para as compreender de
forma madura, e para pensá-las criticamente.

Na maternidade, não se trata apenas de


conhecer a marcha e ir tocando em frente, de

41
pensar “agora aprendi a fazer, é só seguir”, ou
“isso deu certo, basta repetir”. Temos de estar
constantemente revisando e repensando as
nossas atitudes educativas

E nós mesmos, como mães e pais, vamos a todo


momento mudar de fase junto com os nossos
filhos para partilharmos a vitória.

Autor: Samia Marsili é médica, palestrante, escritora, mãe


de 7 filhos e esposa do Dr. Italo Marsili, um dos psiquiatras
mais influentes do país. Ela deixou o consultório médico e a
residência em Pediatria para se dedicar integralmente à
pesquisa e à prática da criação de filhos, aconselhando
milhares de famílias por meio de seus conteúdos digitais.
**Os textos da colunista não expressam, necessariamente, a opinião da
Gazeta do Povo.

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42
Hansjörg Wyss: perfil discreto, influência palpável| Foto: Divulgação/Wyss Foundation

Influência oculta

Um novo George Soros? Quem é


o bilionário que doa milhões a
grupos de esquerda
Por Gabriel de Arruda Castro

O novo George Soros não vive em Nova York,


mas numa cidade de 1.500 habitantes no remoto

43
estado de Wyoming, o menos populoso dos
Estados Unidos.

“Novo” é modo de falar: Hansjörg Wyss tem 88


anos. Mas só recentemente é a que influência
dele passou a ser notada.

Wyss possui um fortuna estimada em US$ 6


bilhões, ou aproximadamente R$ 30 bilhões, e
distribui quantias generosas a grupos de
esquerda e, indiretamente, ao Partido
Democrata.

Assim como Soros, ele usa o dinheiro ganho no


mercado para promover causas progressistas.
Assim como Soros, que nasceu na Hungria,
Wyss é europeu: ele nasceu na Suíça. Mas não se
sabe se (como Soros), Wys possui cidadania dos
Estados Unidos. Por isso, ele tem sido acusado
de burlar a legislação ao interferir na política

44
local, que restringe a interferência de
estrangeiros em assuntos de governo.

Modus operandi similar

Nos últimos anos, a atuação do bilionário


George Soros se tornou um tema frequente na
direita; a Open Society, criada pelo
megainvestidor, distribui milhões de dólares
por ano a organizações progressistas.

Ao injetar recursos em entidades que defendem


a legalização das drogas, a desciminalização do
aborto e a pauta radical no campo da
sexualidade, Soros costuma ser acusado de
desequilibrar o debate e de exercer uma
influência desproporcional na elaboração de
políticas públicas.

45
Agora, Hansjorg Wyss começa a gerar uma
preocupação semelhante entre liberais e
conservadores. Com uma desvantagem: o
destino de seus repasses é menos transparente
que os da Open Society, a organização criada
por Soros.

Escândalo e acusação de abuso sexual

Hansjörg yss nasceu em 1935 e foi criado em um


apartamento em Berna, a poucos minutos de
caminhada de uma área de floresta. O contato
com a natureza fazia parte da sua rotina desde
cedo.

Wyss se formou em engenharia na Suíça e se


mudou para os Estados Unidos, completou um
MBA em Harvard.

46
Antes disso, como aluno de intercâmbio,
conseguiu um emprego no Departamento de
Estradas do estado do Colorado, que é
conhecido pelas paisagens naturais
exuberantes. Ele diz ter se apaixonado pela
paisagem da região, o que reforçou nele o desejo
de atuar em defesa do meio-ambiente.

Como engenheiro e executivo, Wyss trabalhou


para a Chrysler e para a Monsanto. Mas ele fez
sua fortuna como CEO da Synthes, uma
fabricante de próteses. Embora não tenha
fundado a empresa, ele foi responsável por criar
a sucursal americana da companhia, em 1974.

O sucesso da Synthes americana foi colocado em


xeque em 2009, quando executivos da empresa
foram presos depois que investigadores federais
descobrirem que um material experimental
desenvolvido pela companhia causara a morte

47
de pacientes. Segundo os promotores, a Synthes
descumpriu as normas do FDA, a agência do
governo americano que regula o setor de saúde.

Em 2012, a companhia acabou vendida para a


Johnson & Johnson for US$ 20,2 bilhões.

No ano seguinte, a imagem de Wyss sofreu


outro golpe: ele fechou um acordo de US$ 1,5
milhão para encerrar um processo de abuso
sexual aberto por uma ex-funcionária da
empresa.

Ainda assim, seu poder financeiro o manteve


como uma figura influente, embora discreta, na
esquerda progressista. Essa influência
aumentou depois de 2016, quando o bilionário
direcionou recursos para organizações
contrárias ao então presidente Donald Trump.

48
Natureza e futebol

O bilionário suíço criou a Fundação Wyss em


1998. Em sua página oficial, a organização
afirma apoiar projetos “que melhorem vidas,
deem poder a comunidades e reforcem
conexões com a terra”.

Wyss, que mantém o sotaque alemão, é recluso.


Em 2019, em uma rara aparição pública, ele
definiu a proteção ao meio-ambiente como sua
causa "número 1". A prioridade "número 2" são
as causas envolvendo minorias. A declaração foi
dada na cerimônia em que ele recebeu o prêmio
de Filantropo do Ano da National Geographic
Society. Ele vestia terno, gravata e tênis para
trilhas na natureza.

Dois anos depois, ele ganhou um perfil do New


York Times. Na reportagem, Wyss é descrito

49
como alguém que usa organizações "opacas",
que "mascaram" os destinatários finais das
doações.

O jornal também explicou que, por meio dessas


organizações intermediárias, o dinheiro de
Wyss foi usado para financiar a infraestrutura
do Partido Democrata.

Além das causas progressistas, Wyss dedica


parte do seu tempo ao futebol. Desde maio de
2022, ele também é um dos quatro donos do
Chelsea, um dos times de futebol mais
tradicionais da Inglaterra.

Relatório mostra influência

Um relatório do Americans for Public Trust, um


think tank conservador, jogou luz sobre a
influência de Wyss.

50
O documento afirma que ele já despejou US$
475 milhões em organizações progressistas
americanas.

Ele faz isso por meio de duas organizações


sediadas nos Estados Unidos e lideradas por
cidadãos americanos: a Fundação Wyss e o
Fundo de Ação Berger.

A principal destinatária dos recursos de Wyss


nos Estados Unidos é a Arabella Advisors, uma
rede de organizações de esquerda que funciona
como intermediária dos repasses. Pela falta de
transparência a respeito do destino dos
recursos, a Arabella costuma ser classificada
como uma organização de "dark money".

Um braço da Arabella, a Sixteen Thirdy, recebeu


US$ 209 milhões de Wyss. Dentre outras coisas,
o grupo financiou organizações que veicularam

51
ataques a candidatos republicanos. Outro ramo
da Arabella, o New Venture Fund, recebeu US$
57,8 milhões de Wyss e usou o dinheiro para,
dentre outras coisas, influenciar a cobertura da
imprensa a favor das causas do Partido
Democrata.

A lista das entidades financiadas pelo bilionário


suíço também inclui a Planned Parenthood,
principal rede de clínicas de aborto dos Estados
Unidos. A entidade recebeu US$ 6 milhões de
Wyss.

"A tentativa, por parte um bilionário


estrangeiro, de burlar a lei em uma tentativa
flagrante de transformar o governo e a política
dos EUA devem alarmar todos os americanos”,
afirma o relatório do Americans for Public
Trust.

52
Em seu relatório, think tank pede uma
investigação sobre a atuação de Wyss e sugere
que o Congresso aprove uma lei impedindo que
estrangeiros contribuam com ongs americanas
da mesma maneira que eles já são proibidos de
fazerem doações a campanhas eleitorais nos
Estados Unidos.

Enquanto isso não mudar, Hansjörg Wyss deve


continuar sendo um dos desconhecidos mais
influentes dos Estados Unidos.

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53
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) promete se defender em público de todas as
acusações pelas quais é investigado.| Foto: Elaine Menke/PL

Operação Tempus Veritatis

Bolsonaro reage a cerco judicial


enquanto crescem especulações
acerca da sua iminente prisão
Por Sílvio Ribas

Entre o fim do recesso parlamentar e o carnaval,


a política nacional foi impactada pela percepção

54
de que o cerco judicial a Jair Bolsonaro (PL) e
seus aliados está se estreitando. A operação
Tempus Veritatis, desencadeada pela Polícia
Federal (PF) no dia 9 de fevereiro e autorizada
pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo
Tribunal Federal (STF), para investigar suposta
tentativa de golpe de Estado, teve como alvo de
maior destaque o ex-presidente, resultando no
impedimento para ele deixar o país e criando
dificuldades para a sua atuação como
protagonista do jogo de poder.

Nos dias seguintes, especulações intensas


circularam nos corredores do Congresso, entre
observadores e na sociedade acerca dos
desdobramentos da operação da PF,
especialmente em relação à possibilidade de
uma prisão iminente de Bolsonaro. Enquanto
alguns acreditam que o STF já reuniu os

55
elementos suficientes para solicitar a detenção
do ex-presidente, muitos acreditam na opção
dos integrantes da Corte pela cautela, de modo a
permitir evolução mais substancial do inquérito
antes de chegar a um veredicto a ser submetido
ao plenário.

Mas também tem sido recorrente o comentário


de bastidores sobre a delicadeza da situação,
considerando a sensibilidade em torno de uma
medida tão extrema, especialmente entre os
simpatizantes do principal nome do PL, que o
veem como vítima de uma implacável
perseguição política contra a oposição em geral
e a direita em particular. Não por acaso, além da
prisão temporária do presidente da legenda,
Valdemar da Costa Neto, o STF determinou a
incomunicabilidade entre os alvos e até entre os
seus próprios advogados.

56
Na prática, sublinham os líderes oposicionistas,
entre os quais o senador Rogério Marinho
(PL-RN), as estratégias que estão sendo
montadas pelo maior partido de oposição do
país foram prejudicadas pelo Judiciário, com
apoio do Planalto. Uma das expectativas dos
aliados do Planalto, que era um distanciamento
do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB),
apoiado por Bolsonaro na corrida pela reeleição,
não se concretizou. Pelo contrário, ele fez um
apelo para que a Justiça e os formadores de
opinião levem em conta a presunção de
inocência do ex-presidente.

Críticos veem excessos do STF em decisões


contra Bolsonaro

Além disso, existem receios de contestações


quanto à possibilidade de condenação de um réu

57
sem foro privilegiado, condição atual de
Bolsonaro, o que alguns interpretam como um
reflexo do atual estágio de ativismo judicial.
Esse avanço reiterado contra garantias da
defesa já recebe críticas inclusive da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), que passou a se
queixar de excessos contra os réus em processos
relacionados aos atos de vandalismo do 8 de
Janeiro. O ministro aposentado do STF Marco
Aurélio Mello criticou a operação da PF que
mirou Bolsonaro, considerando a decisão de
Alexandre de Moraes como "extremada". Em
entrevista à revista Veja, lamentou que a
operação tenha "enxovalhado" o perfil "de um
cidadão".

A Tempus Veritatis, baseada na delação do


tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens do ex-presidente, tem grande parte dos

58
investigados entre integrantes das Forças
Armadas, outro aspecto também considerado
inédito e politicamente sensível por muitos
analistas. No entanto, parlamentares da
oposição destacam que o principal pano de
fundo é mesmo uma interferência deliberada
nos planos partidários para as eleições
municipais, especialmente do PL. O STF
determinou a incomunicabilidade entre os alvos
da operação, incluindo seus advogados, o que,
na prática, desarticulou estratégias do maior
partido de oposição, com o apoio do Planalto.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), ao ser


cobrado pela oposição para reagir às invasões
do Judiciário nos gabinetes de deputados do PL
e se pronunciar sobre a Tempus Veritatis,
esquivou-se, dizendo que o Congresso não pode
nada fazer sobre ações da PF e do STF. Ele

59
rejeitou, contudo, a inclusão do partido de
Bolsonaro como objeto de investigação,
defendendo a necessidade de "partidos fortes
para a democracia". O presidente do Congresso,
senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assim
como Lira, tem preferido o silêncio diante das
cobranças da oposição sobre a nova etapa de
ativismo judicial. Para dificultar ainda mais as
demandas de oposicionistas, o retorno efetivo
das atividades pós-Carnaval deve ocorrer
apenas na próxima semana.

Fora do poder, Bolsonaro é alvo de várias


investidas da Justiça

Desde que deixou a Presidência, Bolsonaro


enfrenta diversas investigações, incluindo
aquela que o tornou inelegível no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), envolvendo uma

60
reunião com embaixadores para avaliar o
sistema eletrônico de votação. Além dos
supostos casos de desvio de joias, falsificação de
cartão de vacina e aparelhamento da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), entre outros, a
investigação sobre uma suposta tentativa de
golpe de Estado é considerada a mais grave,
aquela que pode levar à prisão.

Bolsonaro e seus aliados argumentam, contudo,


que as operações da PF visam excluí-lo do
cenário eleitoral de 2024 e 2026. Para se
defender, Bolsonaro convocou um ato público
na Avenida Paulista, em São Paulo, para a tarde
de 25 de fevereiro, último domingo do mês.
Além de querer rebater "todas as acusações dos
últimos meses", ele pediu a presença de
milhares de apoiadores para proporcionar uma
“defesa do Estado Democrático de Direito” e

61
“uma foto”, em outras palavras, uma
demonstração de alentado apoio popular. Nesse
particular, destacou que os apoiadores não
devem levar cartazes e faixas contra “quem
quer que seja”.

A advertência pode ser uma prevenção contra as


recorrentes acusações de que Bolsonaro
promove “incitações” contra as instituições.
Não faltaram críticos que vissem na convocação
uma forma de ele se refugiar de uma prisão
iminente. Por precaução, a ex-primeira-dama
Michelle Bolsonaro cancelou a turnê que faria
esta semana nos Estados Unidos, em razão dos
últimos acontecimentos.

62
Indícios de trama golpista vistos pela PF e STF
são contestados

Durante a operação da PF, agentes encontraram


no escritório de Bolsonaro, em Brasília, o que
seria a minuta de um discurso de anúncio de
decreto de estado de sítio no país. No entanto,
esse documento já estava presente em outro
inquérito, chamado de "minuta do golpe", e foi
pedido por ele aos advogados com acesso aos
autos para ser impresso e lido. Quanto ao vídeo
da reunião ministerial de julho de 2023, onde
estaria sendo discutida a trama golpista, a
recepção entre os seguidores de Bolsonaro foi
positiva, interpretando-a como preocupação
com os rumos do país após as eleições.

A PF, por sua vez, insiste numa "dinâmica


golpista" nas falas da reunião, na troca de

63
mensagens e em outros indícios. Embora haja
indícios consistentes, analistas acreditam que a
prisão de Bolsonaro ainda este ano poderia
transformá-lo em um mártir, sendo uma
medida a ser considerada apenas em caso de
condenação judicial. Mas o surgimento de mais
dados e alegações de obstrução da Justiça
podem precipitar uma decisão pela privação de
sua liberdade.

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64
Cissa Guimarães com Lula na gravação de clipe usado durante a campanha.|
Foto: Reprodução/Instagram @CissaGuimaraes

Toma lá, dá cá

Cissa Guimarães, Camila


Pitanga, Emicida, mulher do
Freixo: eles “fizeram o L” e
agora são pagos com o seu
dinheiro
Por Omar Godoy

65
Cissa Guimarães, “a garota que quebra o coco,
mas não arrebenta a sapucaia” (nas palavras de
Miguel Falabella, seu antigo colega no ‘Vídeo
Show’), está de volta à tevê. No próximo dia 26,
a atriz e apresentadora assume o comando do
‘Sem Censura’, histórico programa diário de
debates da TV Brasil, emissora do Governo
Federal.

Fora do ar desde 2021, quando teve seu contrato


com a Globo rompido depois de quatro décadas,
Cissa receberá da EBC (a Empresa Brasil de
Comunicação, gestora do canal) R$ 840 mil por
ano, o equivalente a um salário mensal de R$ 70
mil.

Houve quem se indignou com o valor,


principalmente por se tratar de um órgão
público. Outros lembraram que ela recebia o

66
dobro na televisão da família Marinho para
participar de apenas uma atração semanal (o ‘É
de Casa’).

O buraco, no entanto, é bem mais embaixo.


Afinal, Cissa Guimarães integra o grupo – cada
vez maior – de artistas, jornalistas e
influenciadores que apoiaram Lula nos últimos
anos e depois foram beneficiados pela
Secretaria de Comunicação Social com cargos ou
cachês de publicidade institucional. A começar
pela própria diretora de Programação e
Conteúdo da EBC, Antonia Pellegrino.

Roteirista de filmes como ‘Tim Maia’ e ‘Bruna


Surfistinha’, ela é filiada ao PT, neta do
psicanalista (e comunista) Hélio Pellegrino
(1924-1988) e casada com Marcelo Freixo, atual
presidente da Embratur. Também cumpre o que

67
parece ser um requisito básico para se dar bem
nessa área do governo: mantém uma boa
relação com a primeira-dama Janja Silva.

Com um salário mensal de R$ 27,3 mil, Antonia


tem se cercado de outras figuras que “fizeram o
L” e agora estão colhendo os frutos de sua
militância. Como o jornalista e ex-editor do site
Intercept Brasil, Leandro Demori. Conhecido
pela série de reportagens ‘Vaza Jato’ (sobre a
proximidade do ex-juiz Sergio Moro com os
procuradores da Operação Jato), ele ganhou um
talk-show próprio e uma remuneração anual de
cerca de R$ 430 mil na tevê do governo.

Em novembro do ano passado, já contratado


pela EBC, Demori usou suas redes sociais para
reforçar um ataque coordenado da esquerda ao
trabalho de outra jornalista, Andreza Matais, do

68
Estado de S. Paulo – autora de matérias que
comprovaram a participação de Luciane
Barbosa Farias, a “Dama do Tráfico”, em
eventos promovidos pelos ministérios dos
Direitos Humanos e da Justiça e Segurança
Pública.

O apresentador do ‘Dando a Real com Demori’


(nome de seu programa na TV Brasil) ainda foi a
principal fonte de um texto, publicado na
revista "vermelha” Forum, intitulado “Como o
Estadão se tornou porta-voz da extrema direita
atual?”. Segundo a publicação, ele revelou uma
“trama complexa que envolve bilionários em
busca da construção de um grande meio de
comunicação para combater o PT e a esquerda
como um todo”.

69
Mas os exemplos de lulistas agraciados com
cargos na EBC não param por aí. Depois de
ensaiar uma candidatura a deputado federal
pelo PSB fluminense, e apoiar publicamente
Lula em 2022, o ex-global Marcos Uchôa virou
assessor da presidência da empresa estatal – e
hoje acompanha o petista em suas viagens pelo
mundo, além de ancorar as lives ‘Conversa com
o Presidente’. Remuneração mensal: R$ 17,8
mil.

A documentarista Maria Augusta Ramos,


gerente-executiva de Conteúdo da tevê, é
notória por dirigir filmes como ‘O Processo’
(um panfleto contra o impeachment de Dilma
Roussef) e ‘Amigo Secreto’ (também sobre o
vazamento das mensagens entre Sergio Moro e
os procuradores da Lava Jato). Seu salário, por
mês, é de R$ 21,4 mil.

70
Há boquinhas disponíveis até para
“influenciadores digitais” engraçadinhos. O
publicitário Jeferson Monteiro, criador do perfil
chapa-branca Dilma Bolada, recebia R$ 17,8 mil
para ser “produtor educativo” na Gerência
Executiva de Produção, Aquisições e Parcerias
de Conteúdos Educativo da EBC. “Recebia”, no
tempo passado, porque Monteiro acabou sendo
exonerado no final de 2023.

O motivo? Ele resolveu passar uma temporada


viajando pela Europa antes mesmo de ter direito
às primeiras férias na empresa pública.

Mas deu tudo certo para o publicitário, que logo


em seguida retomou sua função na equipe de
comunicação do prefeito carioca Eduardo Paes
(PSD) – anfitrião de um jantar oferecido para
Lula, na quarta-feira (6), na residência oficial

71
do chefe do executivo municipal. Seu “soldo”
no Rio é ainda maior: R$ 32,8 mil.

Incluído na faixa dos R$ 17,8 mil, outro


influencer muito popular, Murilo Pereira
Ribeiro, o Muka, foi nomeado em janeiro para o
cargo de gerente de pauta da EBC. Na prática,
será um dos debatedores fixos do ‘Sem Censura’
(cuja apresentadora mais lembrada,
ironicamente, é uma jornalista agora associada
à direita, Leda Nagle, que comandou o
programa entre 1996 e 2016).

Muka é agenciado pela Mynd8, empresa


responsável por perfis pró-Lula e pela carreira
de influenciadores acusados de compartilhar
conteúdos falsos que teriam desencadeado a
morte, por suicídio, de uma jovem de 22 anos (o

72
famoso “Caso Choquei”). Também é –
surpresa! – amicíssimo de Janja.

Mulher de Marcelo Freixo, a roteirista Antonia Pellegrino é a diretora de


Programação e Conteúdo da Empresa Brasil de Comunicação (crédito: Fernando
Frazão/Agência Brasil)

Artistas-lulistas receberam R$ 30 mil para


estrelar campanha do Ministério da Saúde

Bem relacionada no meio cultural, a


primeira-dama conseguiu que vários artistas

73
participassem, sem receber cachê, de dois
eventos simbólicos da nova era do marido no
poder: a regravação do clipe para o jingle ‘Sem
Medo de Ser Feliz’ (aquele do refrão ‘Lula lá’),
durante a campanha, e o Festival do Futuro,
realizado em Brasília no dia da posse, em
janeiro do ano passado.

Mais de 20 atores e cantores aparecem no vídeo,


entre eles alguns que já haviam gravado a
versão original de 1989 (Chico Buarque, Marieta
Severo, Lucélia Santos, Cristina Pereira). Entre
os “novatos”, estão pelo menos duas
celebridades mais tarde recompensadas
financeiramente: Cissa Guimarães e Camila
Pitanga. Esta última, por meio da participação
em uma campanha do Ministério da Saúde
criticada pelo alto custo dos cachês oferecidos a
17 convidados – R$ 30 mil “por cabeça”.

74
Criadas para conscientizar a população sobre a
importância das vacinas, as peças publicitárias
foram estreladas por nomes como Emicida, Caio
Blat, Camila Morgado, Leandra Leal, Paulo
Betti, Natália Lage, Sheron Menezes e Ivan
Baron (o ativista portador de necessidades
especiais que subiu a rampa com Lula na posse).
Todos, sem exceção, declararam seu apoio em
algum momento ao presidente – basta uma
passada por suas redes sociais para confirmar.

Outra campanha da pasta da Saúde, com foco na


prevenção de infecções sexualmente
transmissíveis, pagou R$ 120 mil para quatro
influencers publicarem mensagens temáticas
no Instagram. A maior fatia do bolo, R$ 50 mil,
ficou com Rafael Chalub, conhecido na internet
como Esse Menino.

75
Em 2021, Chalub viralizou com um vídeo em que
ironizava o ex-presidente Jair Bolsonaro por
causa da denúncia – feita pelo senador Randolfe
Rodrigues (sem partido-AP) durante a CPI da
Covid – sobre os mais de 50 e-mails enviados
pela farmacêutica Pfizer (e não respondidos
pelo governo) para solicitar um posicionamento
quanto à compra de vacinas.

“O desgoverno Bozo ignorou 57 e-mails da


Pfizer ano passado. Eles queriam fazer o Brasil
de vitrine para imunização, até ofereceram
vacinas pela metade do preço quando não viam
sinais de resposta. Era pra gente tá vacinado,
muitas pessoas morreram e estão morrendo por
capricho desse bosta. #forabolsonaro”, dizia a
legenda do post.

76
Questionado sobre o custo dos cachês, o
Ministério da Saúde afirmou, por meio de uma
nota, que o valor pago às celebridades estava
abaixo do preço de mercado e era menor que o
recebido por participantes das campanhas de
publicidade da gestão anterior.

O influencer Rafael Chalub, conhecido como Esse Menino, recebeu R$ 50 mil para
participar de uma campanha do Ministério da Saúde (crédito: Divulgação/Doma
02)

77
Pastor progressista que cantou de graça na
posse estrelou campanha de final de ano

Os gastos com a produção do Festival do Futuro


até hoje não foram informados por Janja. Só se
sabe que os recursos foram doados por partidos
aliados, empresários, centrais sindicais e
entidades da sociedade civil. Segundo o
colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, o
evento custou R$ 8 milhões – mesmo com as
atrações musicais tocando sem ganhar cachê.

Na ocasião, muita gente, inclusive do lado


“canhoteiro”, detonou os organizadores por
terem escalado somente cantores da chamada
“esquerda festiva”, enquanto nomes realmente
populares ficaram de fora.

78
O sertanejo, gênero musical hegemônico do
Brasil (e cujos principais astros têm
posicionamentos conservadores), não foi
representado no evento – protagonizado por
cantores como Pablo Vittar, Gaby Amarantos,
Chico César, Maria Rita e a ministra Margareth
Menezes (outra que “fez o L” na campanha e
ganhou – muito – com isso).

No meio dessa fauna, chamou a atenção a


presença do pastor e cantor gospel Kleber
Lucas. Contestado dentro do próprio meio
evangélico por suas posturas progressistas, ele
também se apresentou de graça no festival. Mas
embolsou alguma grana mais tarde.

O religioso foi uma das estrelas da campanha “O


Brasil é um só povo”, lançada em dezembro de
2023 pela Secretaria de Comunicação (e cujo

79
valor gasto será divulgado apenas quando
terminar, ainda neste ano).

Elogiada por Lula, o que rendeu pontos ao


ministro Paulo Pimenta, a iniciativa buscava
promover a união nacional e combater a
intolerância motivada pela polarização política
(uma mensagem, convenhamos, totalmente
oposta à postura diária do próprio presidente).

Kleber Lucas aparece na primeira peça da série


de comerciais, cantando com Sandra de Sá,
Jorge Vercillo, a funkeira Lelê e o músico de axé
Manno Góes. E adivinha para quem eles
pediram votos na eleição passada?

Mesmo Vercillo, que já chegou a fazer críticas


ao PT em entrevistas antigas, acabou optando
pelo voto útil “vermelho” no segundo turno.

80
“Prefiro Ciro, mas entre Lula e Bolsonaro, voto
em Lula”, declarou para o jornal O Dia.

Diante da previsão de despesas do governo com


publicidade oficial para este ano – R$ 647
milhões, contra R$ 359 milhões em 2023 –, é de
se esperar que ainda mais aliados sejam
reconhecidos pelos serviços prestados ao
presidente. Parafraseando aquele famoso
bordão da direita: “quem ‘fez o L’, lucra”
(menos o povo, claro).

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81
A indicada ao Oscar Danielle Brooks vive Sofia, papel que foi de Oprah Winfrey no
“A Cor Púrpura” original| Foto: Warner Bros./Divulgação

Nos cinemas

Diga não à nova versão de “A


Cor Púrpura”, que deturpa o
clássico de Spielberg
Por Armond White

A canção das mulheres furiosas, Hell, No!, na


nova adaptação cinematográfica-musical de A

82
Cor Púrpura, em cartaz nos cinemas brasileiros
desde a semana passada, busca uma resposta
hostil dos espectadores, algo diferente de
qualquer coisa do romance epistolar original de
Alice Walker ou do maravilhoso filme clássico
de 1985, de Steven Spielberg. Esta nova versão
de A Cor Púrpura foi produzida por Oprah
Winfrey de acordo com o oportunismo do Black
Lives Matter e do feminismo vingativo do
#MeToo.

Oprah fugiu completamente do conto popular


de Celie, da irmandade de Walker. Uma pobre
adolescente negra na Geórgia de 1909, Celie é
estuprada por seu pai e depois dá à luz a dois
filhos que são tirados dela, ao mesmo tempo em
que é contratada por um homem abusivo. Ela
então é separada de sua querida irmã, Nettie.
Spielberg trouxe à tona as qualidades

83
Dickensianas da história desta sobrevivente,
preservando sutilmente a afirmação de Walker
sobre o empoderamento feminino: a subtrama
lésbica na qual Celie encontra confiança por
meio das atenções amorosas de uma cantora de
blues, Shug Avery. Foi um avanço tão grande
que o filme conquistou o público fora de
Hollywood e da academia feminista, apesar de
sua rejeição por parte dos críticos mais
entendidos.

Resenhas extremamente positivas desta nova


versão, baseada na recauchutagem musical de
Oprah na Broadway em 2004, enfatizam os
créditos raciais e de gênero de seu elenco e
equipe. Essa é a divisão implícita em Hell, No! –
a música mais empolgante do show mediano.
Cantada pela corpulenta personagem Sofia
(papel de Oprah em 1985, agora encarnado pela

84
Taystee de Orange Is the New Black, Danielle
Brooks, que recebeu indicação ao Oscar de
Melhor Atriz Coadjuvante), a canção não apenas
confronta a autoridade masculina e a violência
doméstica, mas seu refrão repetitivo rejeita o
tradicional companheirismo homem-mulher.

Esse foco narrativo grosseiro viola o perdão e a


união familiar que deram calor ao filme de
Spielberg – e o tornaram popular. A
reformulação musical de A Cor Púrpura de
Oprah é essencialmente desafinada e
desagradável. Foi dirigida pelo inexperiente
cineasta nigeriano Blitz Bazawule, escrito
grosseiramente por Marcus Gardley e
interpretado por um elenco de atores de
segunda categoria, como se em desconfiança
consciente e em desafio ao filme de Spielberg
que agrada ao público, como se fosse um

85
monumento às conquistas dos brancos que
precisava ser demolido. Bazawule e Gardley
favorecem a misandria punitiva que atinge os
homens negros e que recentemente livrou a
América de proeminentes figuras culturais
negras de outrora, como Bill Cosby e R. Kelly,
tornando o matriarcado negro dominante,
como nos filmes Pantera Negra: Wakanda Para
Sempre e A Mulher Rei. Hell, No! afirma a
amargura que sempre esteve logo abaixo da
superfície do feminismo despótico e da astuta
perseguição racial de Oprah.

Exageros históricos

Este remake desnecessário de A Cor Púrpura


parece adicionalmente motivado pelo ímpeto do
Black Lives Matter de desmantelar a unidade
familiar e desintegrar a cultura. (As cenas que se

86
passam em juke joints, pequenos
estabelecimentos com música, coloca homens
negros irresponsáveis contra mulheres negras
trabalhadoras.) Visualmente inexpressiva, essa
versão carece do potencial musical de
aprimoramento emocional (em oposição ao
impacto no filme de Spielberg das imagens
exuberantes de Allen Daviau, que os racistas dos
anos 80 chamaram de “Disneyficado”). Na
versão de Bazawule, todos os pontos sobre a
subjugação negra e feminina tornam-se
demasiado óbvios, ao estilo dos lamentos dos
millennials.

Esses menestréis cantores e dançarinos não são


mais realistas do que os personagens de
Spielberg. São exageros históricos. Meninas
negras são apresentadas descansando em
galhos de árvores, como as feministas

87
simbólicas em Retrato de uma Mulher, dirigido
por Jane Campion. Elas usam longos vestidos
brancos como as mulheres Gullah em Filhas do
Pó. Os negros rurais vivem em casas
gigantescas, frequentam enormes edifícios de
igrejas onde celebrações gospel excessivamente
coreografadas rivalizam com os bacanais
cartunescos dos Os Irmãos Cara-de-Pau.
Prisioneiros listrados cantam uma canção de
gangue, batendo marretas na terra sem trilhos
de trem. E a saída bissexual de Celie e Shug
(vivdas pelas atrizes Fantasia Barrino e Taraji P.
Henson) é flagrante, em vez de convincente e
compassiva.

A ofensa final vem da aparente ignorância de


Bazawule e Gardley sobre a cultura negra
americana na era pós-Guerra Civil. Eles
substituem a discreta sensibilidade sexual de

88
Spielberg pela escandalosa. Um ridículo número
de dança em preto e branco mostra as mulheres
indo a um encontro no cinema, onde elas se
fantasiam como figuras de Fred Astaire-Ginger
Rogers girando em cima de um disco de
gramofone gigante, no estilo Busby Berkeley –
corrigindo a negligência da Velha Hollywood,
mas ignorando a infatigável energia bruta dos
filmes raciais da época. Mais grosseiramente,
Push the Button, interpretada por Taraji P.
Henson, bate e mói a relação sáfica sem
intimidade emocional, apoiada por um coral em
câmera lenta roubado de Air Erotica, de Bob
Fosse, em All That Jazz.

Oprah, a charlatã cultural

Os truques iconoclastas de Bazawule, Gardley e


Oprah os impedem de apreciar como Spielberg

89
reaproveitou os tropos de Hollywood para
atualizar e iluminar uma história negra épica
como parte da saga americana. Eu poderia
preencher um segundo volume de “Make
Spielberg Great Again”, detalhando como Oprah
não consegue justificar A Cor Púrpura como
cinema negro. Esse filme insulta a ideia da
cultura americana ao prescrever a
incompetência cinematográfica segregada e
baseada na raça. A participação de Spielberg
neste estratagema sugere a tentativa de um
liberal branco cheio de culpa de se apagar “para
um bem maior”, mas isso exigiria que Oprah e o
seu exército negro igualassem ou melhorassem
a visão imaginativa e comovente de Spielberg.
(Perdeu o Oscar em 1986 para o agora esquecido
romance colonialista Entre Dois Amores.)

90
Em 1985, quando o filme de Spielberg gerou
polêmica por causa de sua ousadia radical, o
grande dissidente Melvin Van Peebles defendeu
o talento artístico de Spielberg, dizendo: “Eu só
queria ter dirigido o filme tão bem quanto ele”.
Agora, essa pálida A Cor Púrpura resume a
escassez artística de uma época em que uma
charlatã cultural como Oprah usa a raça e a
astúcia feminista para nos enganar nas
realizações mais criativas da América.

© 2024 National Review. Publicado com


permissão. Original em inglês.

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