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Simpósio Violação de Soberani…


Soberani…
A censura e os tempos
atuais do Brasil de Crivella
e Bolsonaro
POR SOS BRASIL SOBERANO · PUBLISHED 11 DE SETEMBRO DE 2019 · UPDATED 11 BUSCA
DE SETEMBRO DE 2019

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A ordem de Crivella para censurar um livro em quadrinhos, por


conter imagens de dois personagens homens se beijando (foto), é
abusiva e ilegal. No entanto, scais da Prefeitura foram à Bienal do
Livro do Rio de Janeiro para “identi car” e “lacrar” livros
supostamente “impróprios”. A Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB/RJ) imediatamente manifestou seu “repúdio” e considerou o
ato de Crivella “arbitrário”.

Em seguida, a direção da Bienal conseguiu uma liminar junto ao


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) contra Crivella e a
favor do direito dos autores e expositores de comercializar o livro
“Vingadores – A cruzada das crianças”. O desembargador Heleno
Ribeiro Pereira Nunes considerou que a postura da Prefeitura
re ete “ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente
assegurada”. Não faltaram críticas a ele de bolsonaristas da
internet. Quando parecia que a justiça tinha sido feita, acordamos
com a notícia de que a liminar do desembargador Heleno Nunes
foi suspensa pelo presidente do TJ-RJ. Por m, Gilmar Mendes e
Dias Toffoli, ministros do Supremo Tribunal Federal, suspenderam
a censura.

O prefeito do Rio de Janeiro tentou se defender nas redes sociais,


a rmando que tentava “cumprir a lei e defender a família”. A
Prefeitura ainda usou uma fake news para justi car a ação. No
Twitter, um dos autores do livro, o desenhista britânico Jim
Cheung, mostrou-se surpreso e alegou que o livro é de 2010 e que
Crivella está “fora de contato com os tempos atuais”. A nal, o que
são os tempos atuais do Brasil de Crivella, Dória e Bolsonaro?

Desde 2014 o país passou por uma guinada à direita e o populismo


de extrema-direita tomou conta de diversas esferas de poder. Atos
como o de Crivella se tornaram recorrentes. Em 2018, o Colégio
Santo Agostinho, da Zona Sul do Rio Janeiro, suspendeu o uso do
livro “Meninos sem pátria” que era considerado “comunista” por
pais de alunos. Na semana passada, o Governador João Doria
mandou recolher das escolas de São Paulo um material didático
que, segundo ele, conteria “ideologia de gênero”. Bolsonaro não faz
por menos. Censurou um comercial do Banco do Brasil e a agência
brasileira de cinema, a ANCINE. Mostrou desejo por interferir nos
conteúdos cobrados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
e quer recontar a história da ditadura militar de 1964-1985/88. Em
2017, o próprio Crivella já havia censurado a exposição
“Queermuseu” e nada foi feito pela Justiça contra essa
arbitrariedade.

Todos episódios re etem, segundo Manuel Castells, um conjunto


de crises no século XXI, sendo a mãe de todas, a crise da
democracia liberal. A eleição de Crivella, Dória, Witzel e Bolsonaro
fazem parte de uma cadeia de acontecimentos que incluí o Brexit,
a eleição de Trump nos EUA, a crise dos partidos na Espanha e o
crescimento da AfD na Alemanha. Para Castells, tais
acontecimentos estão diretamente conectados com o 11 de
Setembro de 2001 (marco da guerra contra o terror), com a crise
global de 2008, com o surgimento de novas tecnologias
(smartphone e redes sociais) e com uma reação à globalização.
Em suma, diz o sociólogo espanhol, o ocidente vive uma crise de
representação política e um processo de decadência dos partidos
tradicionais. O Brasil de Crivella e Bolsonaro é apenas mais um
exemplo disso. Nas palavras da antropóloga e historiadora
brasileira Lilia Schwarcz, vivemos nos tempos atuais
“democraduras”.

A censura do livro “Vingadores” nos permite observar questões


profundas. Concordo com o historiador argentino Frederico
Finchelstein, quando a rma em entrevista ao jornal El País que
“Bolsonaro é um dos populistas mais próximos do fascismo”.
Também concordo com ele, quando diz que “não há fascismo sem
ditadura”. Hannah Arendt lembra que a guerra tornou o nazismo
abertamente totalitário. Portanto, embora não possamos falar em
fascismo sem ditadura e sem a guerra, também não podemos
ignorar o colapso moral e humano que testemunhamos nas
democraduras dominadas pelo populismo de extrema-direita.

No Brasil, vive-se uma confusão entre o certo e o errado, ou entre o


legal e o ilegal desde 2015. Ordens ilegais são cumpridas, já as
legais, contudo, são desobedecidas, a partir de um novo padrão de
moralidade lava-jatista. A nal, qual lei Crivella estava cumprindo
quando buscava supostamente defender a família? Deve-se
lembrar que, no Brasil, o casamento civil de pessoas do mesmo
sexo ou gênero está previsto em lei (Resolução 175 do Conselho
Nacional de Justiça). Em julho de 2015, foi sancionada no Estado
do Rio de Janeiro a lei nº 7041 que “estabelece penalidades
administrativas aos estabelecimentos e agentes públicos que
discriminem as pessoas por preconceito de sexo e orientação
sexual”. Por m, em junho deste ano, o Supremo Tribunal Federal
tornou a homofobia e a transfobia crimes equivalentes ao racismo.

Mas, ao obedecerem às ordens de Crivella, os scais da Prefeitura


cometeram atos ilegais? No Brasil, os agentes públicos podem
desobedecer a seus superiores hierárquicos para não
desrespeitarem a lei? Segundo o Estatuto dos Servidores Federais,
a Lei n. 8.112/90, em seu art. 116, inciso IV, é dever do servidor
público “cumprir as ordens superiores, exceto quando
manifestamente ilegais”. O artigo 22 do Código Penal de 1940, ao
abordar o tema do crime e da obediência hierárquica, a rma: “Se o
fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a
ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da coação ou da ordem”. O estatuto dos servidores
municipais do Rio de Janeiro é omisso nessa matéria. A
desobediência de servidor pode ser punida com advertência,
suspensão (em caso de reincidência) ou demissão, se a
insubordinação for considerada grave. Não há ressalva sobre
ordens superiores ilegais. De toda forma, no ordenamento jurídico
brasileiro, nenhuma lei municipal pode se sobrepor às leis
estaduais, federais e à Constituição.

O que chama a atenção na crise política e institucional brasileira é


o caos jurídico. O fenômeno das fake news e a campanha de
desinformação na internet tornam tudo ainda pior. Na campanha
eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro foi entrevistado pelo
jornal de maior audiência do país, o Jornal Nacional, e tentou
entregou uma cartilha falsa, a qual ele chamava de “kit gay”.
Embora a entrega não tenha sido permitida pelos âncoras do
jornal, a reação da imprensa foi tímida e a fake news do “kit gay”
dominou a campanha de Bolsonaro. O Poder Judiciário, por sua
vez, vem assumindo posições controversas, pois está rachado e
parte de seus membros parece seguir bandeiras ideológicas. A
insegurança jurídica é tema atual.

A posse de Bolsonaro embaralhou ainda mais o certo e o errado, o


legal e o ilegal, o verdadeiro e o falso no país. A crise econômica e
a política do ódio agravam ainda mais o cenário. O resultado é
avassalador: um aumento do número de mortes na periferia em
ações policiais, especialmente de negros; um crescimento brutal
do número de estupros e de feminicídios; forte homofobia e
mortes de homossexuais e transsexuais; bem como uma
disparada no número de crimes ambientais, como no caso das
queimadas na Amazônia. Bolsonaro vem perdendo popularidade e
um de seus lhos está no centro de um escândalo de corrupção e
de possível envolvimento com milícias ligadas, inclusive, ao
assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco.
Porém, mais um processo de impeachment seria péssimo para o
país. Como alternativa, foi lançado em São Paulo na semana
passada o movimento de oposição à Bolsonaro com mais de 10
partidos, da esquerda à direita, chamado “Direitos Já, Fórum pela
Democracia”.

No Brasil, não há um regime totalitário e tampouco existem leis


que invertam o imperativo moral do “não matarás” para o
“matarás”. Mas, vive-se hoje uma forma de banalidade do mal,
antessala do fascismo. Há uma confusão na faculdade do juízo e
uma deterioração dos valores humanos no íntimo de pessoas
comuns, que não necessariamente são fascistas. Não faltam
exemplos disso na internet e no nosso dia a dia. O ódio
transformou parentes em inimigos. Nesse ambiente extremamente
polarizado do Brasil, direitos humanos virou sinônimo de defesa de
bandidos. Em 2018, livros sobre a história dos direitos humanos
foram rasgados na biblioteca central da Universidade de Brasil
(UNB), em mais um ato de intolerância. Embora Jim Cheung esteja
coberto de razão, faltou-lhe perceber o que são os tempos atuais
do novo Brasil de Crivella, Bolsonaro, Doria e Witzel. Falta-nos
diálogo e dialética.

* Pedro Muñoz é professor do Departamento de História da PUC-


Rio. historiador pela UERJ e psicólogo pela UFRJ. Doutor em
História das Ciências pela Fiocruz, com doutorado sanduíche pela
Freie Universität Berlin.

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Tags: Cultura Direitos e cidadania Política

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