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Artigo: Direito Penal de Papel: Considerações sobre a violência e a menoridade penal

Warley Belo

Advogado Criminalista/MG
Professor de pós-graduação/UFJF
Mestre em Ciências Penais/UFMG

Como citar: BELO, Warley. Direito Penal de Papel: Considerações sobre a violência e a
menoridade penal. Disponível na internet http://www.ibccrim.org.br, 13.03.2007

"O Brasil não é para principiantes".

Tom Jobim

Um adolescente de 16 anos era integrante do grupo que arrastou o corpo de João Hélio, 6 anos,
por 7 quilômetros pelas ruas do Rio de Janeiro no início de 2007. Volta, à tona, o debate sobre a
diminuição da maioridade penal e sobre as causas da violência, como se os crimes fossem
inesperados e imprevisíveis. Foi assim também quando se assassinou um famoso jornalista no
Rio, se queimou um índio Pataxó em Brasília, com o caso Daniela Perez ou com o caso Miriam
Brandão... Uns mais discutidos na mídia, outros menos. Observe-se mesmo que a reação da
sociedade é muito maior, agora, do que quando, todos os dias, assassinam inocentes (menores
também) nas grandes capitais brasileiras ou mesmo quando ocorreu a chacina da Candelária,
onde sete crianças foram friamente executadas. É preciso, entretanto, relembrar dois fatos: a
prisão não resolve o problema da criminalidade e o menor já se sujeita a medidas repressivas.

A ambição ortopédica desmedida e revolucionária de diminuir a idade penal é um pensamento


tacanho (a par de sua inconstitucionalidade e desrespeito à Convenção da ONU). É idéia
corriqueira, ingênua e, por isso mesmo, perigosa. Nesses momentos, por ignorância emotiva ou
sensacionalismo, é normal que pessoas venham aos jornais para defenderem a diminuição da
idade penal, o aumento das penas, a pena de morte ou mesmo (pasmem) violências de presos
contra outros presos dentro dos presídios[1] como forma de se alcançar uma Justiça platônica.

O único fato é que a violência vem se traduzindo em um medo social comum.

Assaltos, seqüestros e todos os infortúnios do mote violência-crime-escândalo passam a ser


noticiados diariamente nas rádios, jornais e programas televisivos para alimentar a sede sádica
que nos condicionaram a cultuar.

A mídia nos deixa bem alertas, periódica e esteriotipadamente que a violência é cada vez mais
presente, mais próxima e bate à nossa porta. Passíveis a tudo e a todos os tipos de sugestões,
assistimos, assimilamos e reproduzimos no nosso dia-a-dia a violência que não pede licença ante
nossos olhos.

A imprensa, ao invés de nos emancipar da violência, nos domestica. Desse modo, a luta contra a
violência é muitas vezes obstaculizada ainda dentro de casa, pior, no nosso próprio consciente.

Quase sempre, aguardamos a nossa vez de compartilharmos, na carne, o que vemos e ouvimos. O
trágico é que essa nossa atuação1 fica no ar, pois não sabemos se seremos atores-vítimas ou
atores-autores da violência. É que o medo social, essa paranóia de nos vermos envoltos a assaltos
ou agressões, nos impele a termos respostas também violentas. Estamos condicionados a
responder com violência à violência que nos espreita. A resolvermos inamistosamente as nossas
querelas mais imediatas porque o sistema é falho e se o sistema é falho, resolvo eu.

Grades, cercas elétricas, cães assassinos, armas. A força pela força. Nesse aspecto, entra também
o Direito Penal, o primo raivoso do Direito. Aquele que estigmatiza, marca, fere, mata, exclui
legalmente da sociedade de modo eterno os que ousam cair nas raias da persecutio. O Direito
Penal que, antes de ser um guardião dos bens mais caros da sociedade, vem se tornando um
ciclone de violências e arbitrariedades, de mandos e desmandos, de espoliação e crueldade. O
Direito Penal também combate a violência com violência.

Nos Códigos, por vezes, somos chamados a ler com entusiasmo leis como a da execução penal
ou a do Estatuto da Criança e do Adolescente. Seria a parte racional do Direito Penal? Aquela
parte que se preocupa com o homem e não em demasia com a vingança ou com os tecnicismos?

Num primeiro momento relevamos ao mais longínquo rincão de miséria dessa imensa nação que,
sim, nossa Carta é cidadã e dela exsurgem leis cidadãs. Mas, por um momento, nos
desprendemos das linhas dos Códigos e nos atemos à realidade que nos ronda. Chegamos à triste
conclusão de que essas leis só existem no papel e que, em assim sendo, só atingem cidadãos de
papel, criminosos de papel, menores de papel. Vivemos em um Estado de Direito de papel. Por
conseguinte, só é capaz de assegurar a nossa liberdade, a nossa vida, também no papel.

Leis de papel não mudam a realidade. Logo, deve ser a realidade a grande culpada. Ela impede
que, de nossas perfeitas leis, tenhamos perfeitos horizontes. Ah... se não fosse a realidade!

A realidade que, muitas vezes, nos desanima de sair de casa à noite. Nossos carros, agora, sempre
andam com vidros cerrados - com blindagem contra arma de fogo de preferência. E, o pior, há
provas de que essa paranóica realidade social tem razão de ser, pois descobrimos, a pouco, que a
lei de papel não segura as munições dos AR-15, dos HK-47 ou até mesmo dos simples .38.
Descobriu-se que a lei de papel mandou criar a polícia e que essa não sabe distinguir quem é o
bandido de quem é o cidadão pacato. Começou-se a desconfiar da lei. Claro, porque a realidade
está posta e não urge modificar-se. Vamos, então produzir mais leis. Vamos aumentar as penas,
diminuir a idade penal, criar procedimentos sofisticados. Quem sabe, assim, vamos mudar a
realidade!? E, pacientemente, continuamos a esperar Godot...

Quem sabe, então, o problema não seja a lei?

2. A Violência entre nós

Conheces o nome que te deram,

não conheces o nome que tens.

José Saramago

São duzentos furtos por minuto no Brasil, segundo o Ministério da Justiça. Em São Paulo, há um
furto de automóvel por minuto. Em 1995, o Ministério da Saúde informou que as mortes
advindas de assassinatos e acidentes (153.000 pessoas) era maior do que as mortes advindas de
doenças. De 1980 a 2000, 2,07 milhões de pessoas morreram por causas violentas - homicídio,
suicídio, acidentes e outras causas não naturais - no país, segundo a pesquisa Síntese dos
Indicadores Sociais, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Deste total,
598.367 pessoas foram vítimas de homicídios, cerca de dois terços delas, 369.101, na década de
90. Os números mostram uma inversão: enquanto, em 1980, os acidentes de trânsito eram a
principal causa de mortes violentas, em 2000 os homicídios assumem esse posto. Os homicídios
representaram quase 40% das mortes violentas. Nesses últimos 20 anos, a taxa de mortalidade
por homicídios no Brasil aumentou 130%, de 11,7 para 27 por 100 mil habitantes. O Rio de
Janeiro vive uma guerra não declarada ao observarmos as 18.920 mortes pela violência entre o
início de 2004 e outubro de 2006, segundo os dados oficiais. É mais de seis vezes o número de
americanos mortos no Iraque desde 2003. Em 2000, mais de 45.000 pessoas foram assassinadas
no Brasil. No período de janeiro a março de 2002 foram mortos no conflito Palestina/Israel cerca
de 130 pessoas, só no Rio de Janeiro, no mesmo período, morreram mais de 200 pessoas vítimas
da violência. A USP informou que em 1989, a cada dois dias, uma criança era assassinada por
policiais ou grupos de extermínio. Foram mortas porque alguém achou que estavam fazendo algo
de errado, posteriormente, constatou-se que a grande maioria nada tinha com o tráfico de drogas
ou com a violência. Nada tinham, mas pa ssaram a ter: tornaram-se vítimas, rectius, vítimas reais.
Contraditoriamente, no final das contas, só serviram para as estatísticas quase sempre maquiadas
dos órgãos públicos. Há guerras e guerras. Esta que enfrentamos pode parecer quase invisível,
com soslaios de luz.

Os números já eram assustadores, mas, em 1991, com a CPI que investigou a violência contra as
crianças chegou-se à conclusão que vivemos em um Estado de absurdos. Se antes se falava em
mortes de crianças de dois em dois dias, após a CPI constatou-se que, na verdade, ocorriam
quatro mortes de crianças por dia. Constatou-se também que essas crianças eram vítimas das
mais variadas explorações desde o trabalho infantil até a exploração sexual. Todos esses fatos
ocorrem em um Estado que se proclama Democrático de Direito, mas que não consegue
resguardar o mínimo necessário: a vida das pessoas.

Não obstante a maioria desses dados, muitos brasileiros não são sensíveis à violência contra a
criança; mormente quando se trata de meninos de rua. É dizer que muitos concordam
implicitamente com essa violência. A rua, desse modo, vem se tornando um local propício para
se propalar a violência, tanto por parte dos cidadãos - nós - como por parte do Estado, através da
polícia e demais instituições de proteção ao menor, quanto por parte dos próprios menores.

Os menores um dia irão se tornar maiores, se sobreviverem até lá. E a única escola desses
menores terá sido a rua. Do menino marginal surgirá o maior marginal, o homem marginal, o
adulto marginal (veja-se o documentário Ônibus 174). Esse adulto que foi talhado diuturnamente.
Esculpido, moldado e forjado pela sociedade violenta que lhe negou as condições básicas da vida
porque vivemos em um Estado de exclusão às claras. Nosso Estado é um Estado de espoliação de
Direitos. Por trás de um garoto abandonado certamente existirá um adulto abandonado. E o
garoto abandonado de hoje será o adulto abandonado de amanhã. E o círculo se fecha,
viciosamente. A causa tornou-se o efeito e o efeito é a causa.

Todos nós somos vítimas e algozes desse sistema. Todos nós. Vítimas de uma sociedade que não
consegue garantir um mínimo de paz social. E o que se procura como resposta? O Direito Penal.
Aumentam-se as penas, diminui-se a idade penal, endurece-se a reprimenda etc. Temos que o
Direito Penal só vem surtindo efeito mesmo é no papel. É um Direito Penal de papel que só
existe em uma sociedade de papel, só protege pessoas de papel e só cria expectativas de melhora
nos discursos amorfos que ressoam contundentes nos palanques do Congresso.
A igualdade e a democracia são exaltadas em nível de discurso, mas, contraditoriamente, a
prática se revela alarmante em desigualdades e privilégios.

O Brasil é um país rico em recursos naturais, humanos e culturais. Possuímos 8,5 milhões de
quilómetros quadrados com 21,2 milhões de toneladas de reservas minerais metálicas (ouro,
cobalto etc.), 7,9 milhões de toneladas de reservas de minerais não-metálicos (diamantes, quartzo
etc.), potencialidade elétrica na ordem de 129.000 MW/ano, sendo que o país detém 14% de toda
água doce utilizável do planeta. Áreas para as mais diversas plantações (produzimos mais de 90
milhões de toneladas de grãos e exportamos 14 bilhões de dólares em produtos agrícolas e
agroindustriais). Temos enorme potencialidade de extração vegetal e produção animal,
contemplado com mais de 7.000 km de costa marítima adequada ao turismo e à pesca que
alcança o expressivo número de 800 mil toneladas/ano. O maior parque industrial da América
Latina está no Brasil. Até 1998, éramos a 8ª. economia do mundo, de acordo com o valor do PIB.
Em 2001, passamos para a 11ª. posição. Entretanto, a qualidade de vida do povo (170 milhões) é
igual ou mesmo pior que as dos mais pobres países africanos, além dos problemas sociais graves
que vão desde a mortalidade

infantil, abandono de menores, descaso com os idosos, analfabetismo, prostituição, doenças


endêmicas etc.

Basta saber que são cerca de 500 mil meninas prostituídas nas ruas do Brasil, de cada mil
brasileiros que nascem, 90 morrem antes de completarem 5 anos por causa da fome ou doença.
No Brasil, mais de 8 milhões passam fome vivendo com menos de R$ 90,00 reais por mês, e 150
mil crianças morrem por ano por falta de alimentação. Treze por cento da população é analfabeta.
O déficit habitacional é de cerca de 6,6 milhões de habitações! E ainda pululam vorazes vozes
com a nobre intenção de diminuir a criminalidade aumentando a pena, como se uma lei que
modificasse a reprimenda penal se transmutasse em pão e oportunidade social para saciar a classe
de desprovidos desse país, verdadeiramente um dos motivos da violência que nos assola.

É a sociedade que, como fator criminógeno, vê o criminoso como doença social que precisa ser
escondida, quando pouco, ou mesmo morta, extirpada, do convívio dos cidadãos decentes,
saudáveis, devendo portanto pagar pêlos seus atos anti-sociais.

Presos, entram no círculo vicioso da produção da violência e da criminalidade. Querem, depois,


modificá-los com palavras de moral. Presos, são condicionados como ratos ou cães a serem
violentos. Depois, nós, demandamos santidade deles. Os presos se tornam cada dia mais
incapazes de conviver em sociedade e mais aptos a cometerem novos delitos e agressões contra a
sociedade.

Dessa ordem, não é verdade que a questão da violência e da criminalidade se restrinja tão
somente ao comportamento ostensivo dos ditos marginais, senão de toda a sociedade, de todos as
ilegalidades, arbitrariedades e abusos perpetrados pêlos mais diversos guetos sociais.

E ainda pululam vorazes os setores políticos que querem responder com penas mais duras,
diminuição da idade penal e outras tantas artimanhas eleitoreiras e demagógicas. Ainda caímos
nesse non sense paranóico de simplificarmos os mandos e desmandos dos outros como se fossem
os outros os errados. Os outros, não nós. Eles, os criminosos. Não nós, os corretos e ordeiros.

O Estado se posiciona como o grande defensor da boa sociedade, mas se esquece de fazer
efetivar as leis de papel no mundo real. Eles os criminosos, nós os bons e o Estado que despeja
leis em forma de toneladas de papéis que nada dizem para a contenção do grave problema social.
A Lei dos Crimes Hediondos é o seu mais sintomático exemplo.

E o discurso se repete, e a consequência já o sabemos: não irá diminuir a violência. Mas teimam
em trilhar esse caminho, como se a persistência em promulgar leis penais compulsivamente fosse
o pó de pirlimpimpim, do imortal Lobato, que permite transportar para outros tempos e espaços o
Reino das Maravilhas.

3. A questão da maioridade penal

Do rio que tudo arrasta, se diz que é violento;

mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem.

Bertold Brecht

Rezam, o art. 228 da CF e art. 27 do CPB, que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. No caso, a
legislação especial é o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no. 8069/90). Esse, por sua vez,
em seu art. 104, tem os mesmos dizeres.

Aos dispositivos acima transcritos, eventual projeto proporia a diminuição da idade penal para 16
(dezesseis) ou 14 (quatorze) anos, conforme corrente doutrinária e setores da sociedade. A
situação é bem delicada, pois a Comissão de Segurança votou relatório no dia 16 de abril de 2002
onde o único ponto que não houve deliberação foi a proposta para a diminuição da idade penal.

Em que pese a nossa Constituição garantir a inviolabilidade dos direitos e garantias individuais (e
ser inimputável até os 18 anos é um direito individual) e se tratar de questão imodificável (art. 60,
§4°., IV, CF), nem por essa flagrante tentativa inconstitucional de modificar a imputabilidade
penal nos renderemos à discussão.

Entendem, os desejosos da modificação, que estando os menores de 18 anos imunes à pena não
se sentem ameaçados pela coerção penal. Acham-se a salvo de penas e da prisão. E assim,
quando são surpreendidos pela polícia gritam aos berros que são intocáveis.

Acrescentam que o menor de 16 anos tem a maioridade constitucional, pois podem eleger o
Presidente da República, fato esse bastante para responderem pelos seus atos criminalmente.

Concluem dizendo que a diminuição da idade penal irá resolver o problema da


criminalidade...

Preliminarmente, convém assinalar que a questão do desrespeito às normas não é característica


dos nossos jovens infratores. Essa característica é também do Estado que não respeita o que o
ECA garante e impõe como Direitos das crianças e dos adolescentes. Saúde, educação,
alimentação e, até mesmo, simples respeito são Direitos inexistentes da esmagadora população
jovem do nosso país que fica à sorte da vida nos centros urbanos e rurais. Será que se o Estado
respeitasse os Direitos dos jovens a situação seria a mesma?

A modificação que se pretende implantar viria a ser a grande mazela para o sistema penitenciário.
Números recentes comprovam que o número de presos (180 mil) é o dobro da capacidade de
hotelaria (90 mil), isso sem contar com os 345 mil mandados de prisão a cumprir. Em se
diminuindo a idade penal de duas, uma: ou os menores de 18 anos cumpririam pena com os
menores de 14 ou 16 anos, ou, na melhor das hipóteses, haveria de se ter novos prédios
destinados a esses infratores porque é insuportável a idéia de ver um jovem de 14 anos junto com
outros presos de 40 ou 50 anos. A verdade é que, num país onde quase a metade da população
tem menos de 18 anos, parece que não haveria espaço físico para tanto delinqüente. Aliás, já não
o há.

A prisão sempre foi uma instituição hipócrita. Ela não serve para reintegrar, mas para esconder os
criminosos, excluí-los. O sistema penal é bruto e foi feito para esse fim. Essa constatação frustra
as ambições do poder moderno, que (como mostrou Michel Foucault em Vigiar e Punir) aposta
na capacidade de reeducar apenas segregando os criminosos.

Outro argumento utilizado é de que a diminuição da idade penal iria atemorizar os menores que
deixariam de pensar que são intocáveis.

O pensamento é o mesmo que norteou a lei dos crimes hediondos, qual seja, que a
maior punição resultaria na diminuição daqueles crimes definidos ou equiparados aos
hediondos. Ora, dados recentes provam que isso não ocorreu, pelo contrário, a exemplo, no
Rio de Janeiro, em 1990 houve 30 extorsões mediante seqüestro, em 1992, o número
passou a ser 120 (cento e vinte). A verdade é que lei, apenas, não resolve (antes
resolvesse...). A lei sozinha não resolverá o problema da criminalidade juvenil, assim como a
lei dos crimes hediondos não resolveu o problema dos crimes hediondos e, ainda, trará
seríssimos problemas à reintegração social do infrator.

Nem se diga, por revés, que o menor é impune. Padece de estudo do ECA quem é
autor dessa afirmação. Há punições rigorosas no Estatuto, inclusive com medidas de
restrição da liberdade ao autor de infração penal grave (Arts. 108 e 122, incs. l e II do ECA).
Aliás , para os menores, a privação da liberdade pode mesmo existir sem os pré-requisitos
exigidos para uma prisão preventiva, por exemplo. Nesse aspecto, o ECA é até mais
rigoroso. A mídia é a principal responsável pela propagação do engano à população. O ECA
prevê, sim, providências sócio-educativas contra o menor-infrator. Talvez, e, aqui, sim, uma
discussão razoável, devêssemos incluir uma hipótese de internação do infrator (que é medida
sócio-educativa voltada para sua proteção e também da sociedade) maior que três anos (ou
sobrepor a idade de 21 anos). Trata-se de, apenas, um pequeno ajuste nos artigos 112 e 121 do
ECA.

O que não se pode confundir é a inimputabilidade penal (para os menores de 18


anos) com irresponsabilidade penal ou impunidade. Os menores são sim punidos, ou pelo
menos, podem ser.

Sobre a tese de que o voto facultativo para presidente da República já é prova suficiente da
responsabilidade nada mais significa do que dar uma opção à metade da população do país de
escolher o chefe do Executivo. Por outra, é também na Carta Magna que se diz expressamente
que a responsabilidade penal começa aos dezoito anos. Agiu acertadamente o legislador, pois
sabemos que nosso país é deficiente no sistema escolar, há evasão em níveis altíssimos, sem que
isso preocupe as autoridades, e o sistema penitenciário está em crise e superlotado. Por outra, por
que não aumentar, já que o problema todo é esse, a idade dos que podem votar para os 18 anos?

Num país em que os adultos e governantes em geral não têm sido o que se poderia denominar de
exemplo no limite vergonhoso no trato da dignidade e honestidade, chega a tangenciar ao
conceito de pilhéria, para não dizer tragédia, a ideia de reduzir-se a idade penal. Como se a culpa,
no frigir dos ovos, dos desmandos e mandos ignominiosos que levam a nação ao buraco a baixo
no trato da violência fosse dos jovens que, por conta disso, paladinos das desgraças, devessem ser
punidos severamente. Mais severamente, retifique-se.

Parece que o Governo (Federal, Estadual e Municipal) deveria, antes, se preocupar em fornecer
mecanismos para fazer valer as leis já existentes. Por que não pensar em dar escola para os
meninos de rua? Por que não pensar em, num ato altruísta e magnânimo, fornecer meios para que
os miseráveis que moram debaixo das pontes e viadutos possam se alimentar?

Por certo, diminuir a idade penal cheira melhor à sociedade que engole cada dia mais legisladores
demagógicos que pensam na próxima eleição.

Por outra, os crimes que os menores participam que assustam a sociedade e fazem os defensores
da idéia de diminuir a idade penal lançarem discursos populistas são aqueles nos quais esses
menores são utilizados pelos adultos. Ora, por que não se prendem, então, os adultos? Aqui, sim,
temos a impunidade. Se o adulto fosse punido, talvez não corromperia o menor. Chega mesmo às
raias do espanto a tentativa de se incriminar - no papel - o jovem menor de 18 anos, quando o
Estado - isso é público e notório - não consegue controlar nem aqueles que são absolutamente
imputáveis.

Ao invés de diminuir a idade penal, deveriam, os governantes, cumprir as leis existentes.


Restaurariam, assim, a credibilidade e o jovem infrator seria adequadamente tratado, além de ter
garantido esse verdadeiro direito adquirido que lhe é inalienável, indisponível e irrenunciável.

Somos, desde logo, absolutamente contrários à tese de diminuir a


idade penal para diminuir a criminalidade. Trata-se de um estelionato científico, uma
desonestidade demagógica. Ainda que o nosso sistema prisional funcionasse - mesmo
assim - seria uma monstruosidade legal mandar para a cadeia quem não tem uma formação
biopsicológica completa. Crianças e adolescentes têm que aprender a serem cidadãos e não
criminosos.

Dirão, os apressados, que os jovens, hoje, têm internet e televisão, sabem mais do que os jovens
sabiam antigamente. Ora, senhores, de quem estamos falando? Dos jovens das classes alta e
média ou dos miseráveis? Internet? Televisão? Há jovens que não sabem, sequer, dizer o nome
do presidente da República...

As causas da violência juvenil não estão no jovem, mas estão fora dele. Mesmo porque, se
prevalecer o convencimento de que será realmente necessário diminuir a idade penal, é bom ir
pensando em dois detalhes: onde enjaular os jovens infratores e como transformar os meninos-
criminosos de 10, 12, 13 anos de idade em homens-domesticados aos 16 anos de idade.

4. Conclusão

Digo: o real não está na saída nem na chegada,

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.

João Guimarães Rosa


Recentemente, no Rio de Janeiro, noticiavam os jornais, uma senhora dirigia seu automóvel com
o filho ao lado. De repente foi assaltada por um adolescente que a roubou, ameaçando cortar a
garganta do garoto. Dois dias depois, a mesma senhora reconhece o assaltante na rua. Acelera o
carro, atropela-o e mata-o, com a aprovação dos que presenciaram a cena.

A violência começa a gerar expectativas, padrões de respostas, a fornecer atitudes. A idéia


reinante é que só a força resolve os conflitos. A violência passou a ser uma tendência de reação,
uma reação adquirida nos nossos tempos. Há uma cultura da violência que gera expectativas e
fornece respostas. A sua proliferação demonstra que as leis perderam o poder normativo e os
meios legais de coação só existem para uma parcela ínfima de delinqüentes. O crime passa a ser,
proporcionalmente à reprimenda penal, interessante e, o pior, justificável, ante as desigualdades
sociais. A lógica da brutalidade acaba por nivelar os sentimentos por baixo. Todos se sentem
vulneráveis. Todos procuram atacar primeiro.

Dessa perspectiva, é óbvio, nada pode ser feito apenas pela lei penal.

Há um prenúncio do caos; tudo parece ultrapassar a capacidade humana de enfrentar a violência.


Não interessa, no momento, saber quem deu origem ao jogo da violência, mas, sim,
simplesmente, como responder- violentamente - à violência.

A questão da violência e da criminalidade exigem séria reflexão. Assim sendo, a postura cómoda
de procurar aumentar as penas de prisão, diminuir a idade penal ou unir as polícias, por si só, não
garantirão a diminuição dos índices de violência e criminalidade.

Obviamente não se trata de considerar a violência ou o crime como insolúvel, mas de entendê-los
como conseqüências de todo este processo desumanizante que perpassa a sociedade. É preciso ir
além, romper com as desigualdades, a exclusão social, efetivar a ética, a política séria, pois, como
o disse Goethe, o homem perigoso é o que nada tem a perder.

Nem todos os fins justificam qualquer meio. No drama de Camus, um dos personagens, o
revolucionário, declara: nós matamos para construir um mundo onde ninguém mais matará,
aplicando a máxima maquiavélica segundo a qual o fim justifica os meios. Porém, a sua
companheira interrompe-o: E se isso não acontecer?

A reação irracional acumula inverdade patente e pensamento justiceiro. A violência nunca será
debelada em nossa sociedade, não há uma solução final para o crime (leia-se Totem e Tabu de
Freud). As pessoas querem resolver o problema da criminalidade em prazo curto, quase que se
fosse possível resolve-lo através de mágicas ou encantamentos. Mas, não se pode: sobra a
balbúrdia, a inquietação generalizada, a desordem intelectual que, os juristas, não podem perfilar,
pois não há nada de novo, os discursos são os mesmos desde Amaral Netto. Na verdade, não falta
punição, faltam investimentos e decisões políticas e sociais.

[1] O professor de Ética Renato Janine Ribeiro (Folha de São Paulo, Mais!, 18 de fevereiro de
2007) expõe seu pensamento: "Quando penso que desses infanticidas, os próprios colegas da
prisão se livrarão, confesso sentir um consolo. (...) Se não defendo a pena de morte, é apenas
porque acho que é pouco."

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