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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ

CURSO DE DIREITO

NOMES ALUNOS

ESTATUTO DO DESARMAMENTO: UM CAMINHO POSSÍVEL PARA A SOLUÇÃO


OU MAIS PROBLEMAS?

2023.1
Este trabalho tratará sobre a revogação do Estatuto do Desarmamento, Projeto de
Decreto Legislativo nº 175, de 2017. Antes de falar sobre a revogação, temos que entender
como era o Brasil antes e do que se trata esse Estatuto. Houve uma época em que armas eram
vendidas como algo normal nas vitrines das lojas. Fazia parte até do vestuário, um acessório;
como uma bolsa. Ver pessoas armadas na rua era bastante comum. No período do Império,
cidadãos de diversos cantos do país tinham porte de arma legalizado sem burocracia alguma.
O povo era incentivado pelo próprio governo a andar armado. Era uma Política de Estado.
Isso porque o próprio governo não tinha recursos para montar um exército ou polícia para
proteção do país, e aí entrava a atuação da população. E mesmo assim, a sensação de proteção
ficava cada vez mais distante.

Ainda nos anos 80, começou uma discussão pela criação de uma legislação nacional
que regulamentasse a comercialização e posse de armas de fogo, que foi quando o governo
passou a ver o índice de criminalidade crescer absurdamente e entendeu a importância de uma
política pública para tentar dar um basta no que estava acontecendo. Esse embate durou mais
de 20 anos, pois uma parte da população a favor das armas também se impôs. Em 2004, o
Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, com a tentativa de diminuir os altos índices de
homicídios e acidentes envolvendo armas de fogo.

O que era fácil de fazer nos anos 80/90, começou a ficar mais burocrático e rigoroso.
Os registros de armas começaram a ser controlados, a publicidade desses produtos foi
proibida, a quantidade de pessoas que portavam armas foi diminuindo. Se alguém tivesse
alguma arma clandestina em casa, deveria regularizar ou entregar ao poder público em troca
de indenização. Nisso, a descoberta de porte de arma irregular que antes era simples de
resolver, passava a se tornar crime.

O resultado de todas essas medidas pareceu animador. Entre 2003 e 2004, o número
de armas roubadas caiu 60%. O de acidentes e internações por ferimentos à bala diminuiu
10,5% no Rio de Janeiro. As mortes por armas de fogo reduziram. Nos 14 anos antes, subiram
5,5%/ano. Já nos 14 anos depois, a porcentagem baixou para 0,85%/ano.

Mas esse processo não aconteceu sem resistência. No Referendo realizado em 2005,
a população foi às urnas e respondeu uma pergunta: “o comércio de armas de fogo e munição
deve ser proibido no Brasil?”. O resultado foi que 63,94% votaram “não” e derrubou um dos
artigos mais restritivos do Estatuto do Desarmamento. O desarmamento da população civil
continuou sendo alvo de críticas por diferentes setores da sociedade. E a contestação dos
resultados do Estatuto no combate à violência ganhou força. 15 anos após o referendo, as
armas ainda continuavam a ser responsáveis por 70% dos homicídios no país. Desde 2011, as
taxas atingiram números similares aos apresentados antes da vigência do Estatuto.

No ano de 2023 completa 20 anos do estatuto do desarmamento lei nº 10.826, de 22


de dezembro de 2003. Essa polêmica lei passou por um referendo 1 popular onde 63% da
população participante decidiu contra a proibição da comercialização de armas de fogo e
munição em solo pátrio, ou seja, a decisão foi pela ampliação do acesso da população às
armas2. Interessante questão se levanta aqui; qual seja: mesmo sendo o referendo uma
convocação com consulta posterior ao ato legislativo, cabendo a nação ratificar ou rejeitar a
proposta, o povo rejeitou a lei, se manifestando no sentido de maior acesso às armas e
munições e mesmo tomando essa decisão a vontade popular não foi respeitada. O nosso
ordenamento jurídico maior, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 14 determina que:
"a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto, e também, nos termos da lei,
pelo plebiscito, referendo e pela iniciativa popular". Temos aqui o caráter vinculante da
decisão popular que não foi respeitado. Esse desrespeito a soberania popular ensejou uma
série de projetos de lei no sentido de revisão do referido estatuto que limitou a
comercialização e o porte de armas de fogo.

O tema do desarmamento é certamente muito polêmico, e, portanto, deve ser tratado


com muito cuidado, principalmente nas regiões do interior do país, onde observamos nos
últimos anos que a violência é crescente. A sensação de impunidade e a ausência do estado no
que se refere a segurança pública, transmite para a população uma sensação de que estamos
entregues a própria sorte e que, por isso, cada cidadão ou cidadão deveria prover a sua própria
segurança, já que o estado é ineficiente ou omisso nesse tema. De uma forma genérica,
podemos afirmar que vivemos em uma sociedade muito violenta (racismos, misoginia,
xenofobia etc.). De forma mais específica, verificando os dados do Instituto de Pesquisa
Econômica e Aplicada (IPEA) e trabalhando apenas com o recorte sobre os homicídios de
jovens por armas de fogo no Brasil num período aproximado de 20 anos, os dados são
alarmantes e são apresentados no gráfico abaixo:

1
Sobre plebiscito e referendo ver: https://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-e-referendo
2
Ver artigo: DE JESUS, Luiz Augusto Souza. Desarmamento no Brasil: uma análise social e jurídica. Revista
NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar, Volume XI, Número 11, 2016, p. 142 a 161. Disponível em:
http://docs.uninove.br/arte/pdfs/REVISTA_NPI_Edicao_2016.pdf#page=142
Homicídio de Jovens por Armas de Fogo. Fonte: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/165

Mesmo com a redução das taxas em vermelho (mais de 5.504 mortes no ano de
2000) nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, tivemos um crescimento expressivo do
número de mortes em amarelo e laranja que vão de 563 morte até 2.123 morte. Esses dados
nos fornecem uma “foto” imprecisa, porém, assustadora do número de mortos nesses anos
específicos tomando como recorte somente jovens mortos por armas de fogo. Levando-se em
consideração o país violento no qual vivemos e as demais mortes que resultaram das mais
diferentes formas de violência temos certamente um cenário homicídios ainda mais
assustador.

Imaginemos então que a legislação permita não só o porte como a posse de armas de
fogo3; a partir daí podemos pressupor duas situações: a primeira – de paz – resultaria daquilo
que convencionou-se chamar de “paz armada” 4 ou, mais tarde a doutrina do Mutual assured
destruction5 (MAD) que numa tradução livre poderia ser lido como “destruição mútua
assegurada” onde, em ambos os casos, tanto na “paz armada” quanto no MAD, a paz seria
mantida por medo da reação violenta do outro e assim não haveria atos hostis. A segunda,
mais provável de acontecer em nosso país seria o aumento vertiginoso dos homicídios por
conta do acesso mais fácil às armas. Aquilo que antes era “apenas” uma briga de bar e teria
como resultado a lesão corporal sem morte, bem como os feminicídios, os atentados em

3
“Ter a posse de uma arma de foto significa manter uma arma em casa ou no trabalho. Já o porte garante o
direito de andar na rua com a arma”. Fonte: Agência Senado.
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/09/08/projeto-convoca-plebiscito-sobre-estatuto-do-
desarmamento
4
Termo comumente utilizado para se referir ao período anterior a Primeira Guerra Mundial (final do século XIX,
início do XX) em que ocorreu uma verdadeira escalada na produção de armas pelas potências europeias da
época. A paz armada não foi capaz de evitar o início da primeira grande guerra.
5
A doutrina do Mutual Assured Destruction ocorre durante a Guerra fria (1945-1989), onde o grande temor era a
destruição do planeta por meio das armas nucleares de EUA e URSS.
escolas, os acidentes com armas de fogo em casa, dentre outros passariam a engrossar o rol de
mortes violentas no Brasil.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DE JESUS, Luiz Augusto Souza. Desarmamento no Brasil: uma análise social e jurídica.
Revista NPI – Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar, Volume XI, Número 11, 2016, p. 142 a
161. Disponível em:
http://docs.uninove.br/arte/pdfs/REVISTA_NPI_Edicao_2016.pdf#page=142
https://www.camara.leg.br/noticias/546746-AO-COMPLETAR-15-ANOS,-ESTATUTO-DO-
DESARMAMENTO-PODE-SER-REVISTO

https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/165

https://www.politize.com.br/entenda-o-projeto-de-lei-de-revogacao-do-estatuto-do-
desarmamento/

https://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/plebiscito-e-referendo

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/09/08/projeto-convoca-plebiscito-sobre-
estatuto-do-desarmamento

M.S. Aleixo & G.A. Behr, Revista Brasileira de Criminalística. v. 4, n. 1, p. 12-18, 2015

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