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POSSE E PORTE DA ARMA DE FOGO NO BRASIL

JEFFERSON Alves dos Santos Batista1

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo estudar a posse e o porte de arma de
fogo no Brasil. A metodologia utilizada é a pesquisa e a compilação de conteúdo
bibliográfico. Está dividida didaticamente em quatro capítulos. Inicialmente, tratar-se-
á do Estatuto do Desarmamento analisando o propósito da Lei e seus efeitos ao longo
dos anos. O segundo capítulo ocupa-se em expor os tipos penais do Estatuto do
Desarmamento. O terceiro capítulo dedicar-se-á sobre os novos decretos
armamentistas, tendo como base o fato de que no ano de 2003 o Estatuto do
Desarmamento regulamentou o porte e a posse de arma de fogo no Brasil. O quarto
capítulo trata sobre a inversão da curva da taxa de homicídios no Brasil a partir de
2018.

PALAVRAS-CHAVES: Estatuto do desarmamento. Porte de arma de fogo. Posse de


arma de fogo. Taxa de homicídios no Brasil.

INTRODUÇÃO

Nos últimos 20 (vinte) anos o tema proposto neste artigo vem sendo
amplamente discutido nas esferas dos três poderes do Brasil, Legislativo, Executivo e
Judiciário. Essa discussão, em sua grande parte, tenta centralizar o tema se o direito
a possuir ou portar arma de fogo no Brasil é um direito básico, fundamental ou
necessário.
Para os seus defensores, o direito do cidadão de ter o porte de arma de fogo é
levantado como um direito fundamental, à luz do expresso no artigo 5º CF. Tal direito
não é claramente distinguido no caput do artigo 5º, mas pode ser interpretado como
implícito, de modo que o porte da arma de fogo é um instrumento de defesa a vida ou
a sua propriedade, entre outros. “Art. 5º Todos são iguais perante a Lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.” (BRASIL, 1988, [s/p]).

1 Discente no 10º período do Curso de Direito da Universidade Santa Cruz, de Curitiba-PR.


jeffersoncwb.adv@gmail.com. Artigo protocolado no dia 16/11/2022, como Trabalho de conclusão de
Curso de Direito, sob orientação do Professor Mestre Israel Rute.
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O conceito de arma de fogo nada mais é do que um dispositivo que impele um


ou vários projéteis através de um cano pela pressão de gases em expansão
produzidos por uma carga propelente em combustão.
No artigo 5º da Constituição Federal de 1988, apresenta uma série de direitos
e garantias reconhecidos para o efeito de assegurar e proclamar o seu pleno exercício
e condições necessárias que permitam ao indivíduo ao respeito pela sua dignidade
humana. (BRASIL, 1988, [s/p]).
Ao mesmo tempo, visa proteger essas condições mínimas de vida, que
garantem o respeito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
bem como limitar as restrições que o Estado pode efetivamente lhes impor.
Em contra partida com essa discussão, foi sancionado Lei Nº 10.826/2003, o
Estatuto do desarmamento, que teve como principal foco o desarmamento da
população com o propósito de diminuir a taxa de homicídios no Brasil.
Enquanto os defensores da arma de fogo acreditam que o instrumento é item
essencial para a garantia à tutela do direito à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade, os legisladores não entenderam desta forma e consideraram o artefato
como principal motivo do elevado número de homicídios no Brasil.
Já no ano de 2019, houve uma grande flexibilização para aquisição da arma de
fogo em todo território brasileiro, através dos chamados “decretos armamentistas” que
serão apresentados nos capítulos a seguir.
Sendo assim, a pesquisa desenvolvida pretende clarear de fato os efeitos do
desarmamento no país, desde a sanção da Lei no ano de 2003 até os dias atuais,
bem como o que temos de novo no cenário legislativo/jurídico relacionado ao tema.

1. O ESTATUTO DO DESARMAMENTO

1.1 ESBOÇO HISTÓRICO DO ESTATUTO

No ano de 1997, teve início a história do desarmamento no Brasil. Muitos


estudiosos e entes da segurança pública começaram a debater o tema quanto ao
controle de armas de fogo através do Decreto Nº 2222/1997. A partir daí, começaram
a relacionar o aumento de homicídios no país com o fácil acesso às armas de fogo.
(BLUME, 2016).
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Somente no ano de 2003, após comissão mista formada por senadores e


deputados federais, ambos os projetos que tramitavam nas respectivas casas foram
analisados com finalidade de reescrever uma Lei conjunta, da qual, nasceu o Estatuto
do Desarmamento (Lei Nº 10.826/2003). (BRASIL, [s/p]).
No dia 23 de outubro de 2005 a população foi consultada através de referendo
sobre a proibição do comercio de armas de fogo e munições no país.
O artigo 35 da Lei 10.826/2003 apresentava a seguinte redação: “É proibida a
comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para
as entidades previstas no art. 6º desta Lei". (BRASIL, [s/p]).
Sendo assim, a população foi consultada sobre a possibilidade de proibir ou
não as vendas de armas de fogo e munições no Brasil. A pergunta realizada pelo
referendo foi: “O comércio de armas de fogo e munição dever ser proibido no Brasil?”.
Os eleitores puderam optar pela simples resposta “sim” ou “não”, ou pelo voto branco
ou nulo. O resultado final foi de 59.109.265 votos respondendo "não" (63,94%),
enquanto 33.333.045 votaram pelo "sim" (36,06%). (BARBOSA & QUINTELA, 2015).
O referendo funcionou de acordo com uma eleição normal. A população votou
em suas respectivas seções eleitorais através das urnas eletrônicas.
A única exceção foi dos brasileiros que moravam no exterior não puderam votar
pois não houve votação nas representações diplomáticas brasileiras. Os brasileiros
residentes no Brasil que se encontravam no exterior na data da votação, foram
obrigados a justificar a ausência, junto à zona eleitoral, em um prazo de 30 (trinta) dias
após o seu retorno ao Brasil. (FOLHA,2022)
Apesar do referendo tratar de pergunta única sobre a proibição ou não da
comercialização da arma de fogo no Brasil, subentende-se que o povo além de não
querer a proibição da comercialização, também não queria ser desarmado, pois a
arma de fogo é um meio para garantir a tutela à vida, à segurança e à propriedade
privada, já que o estado não consegue de forma eficiente fazê-lo.
Nesta perspectiva e com o acréscimo de estatísticas relacionadas ao aumento
dos homicídios, da criminalidade, emergem vários questionamentos sobre se a Lei do
desarmamento foi realmente uma boa escolha para o Brasil.

1.2 REGULAMENTAÇÃO DO ESTATUTO


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A Lei Federal Nº 10.826, de 2003, estabelece certas condições notórias, como


ter mais de 25 (vinte cinco) anos de idade, comprovar ocupação lícita e comprovação
de residência, além de comprovar capacitância técnica, mental e psicológica para o
uso do equipamento (arma de fogo), declarar necessidade efetiva e não ter sido
sentenciado criminalmente ou responder inquérito policial. (BRASIL, 2003, [s/p])
A Polícia Federal faz a análise do preenchimento dos requisitos legais sobre a
concessão do porte/posse da arma de fogo aos cidadãos, a entidade federal, tem a
discricionariedade de conceder ou não o acesso as armas aos cidadãos comuns.
Não se pode confundir a posse com o porte da arma de fogo no Brasil. A posse
de arma é a autorização legal para o cidadão adquirir e mantê-la em determinado
local, como sua propriedade, seja uma casa, uma chácara ou um local de trabalho,
sem retirá-la do mesmo.
Já porte é a permissão legal para poder trazer consigo uma arma de fogo fora
de sua residência ou local de trabalho e até poder adentrar em locais públicos como
shoppings e restaurantes sem qualquer restrição.
Como citado acima, de acordo com a Lei do Desarmamento, é preciso cumprir
vários requisitos para a concessão do porte/posse no Brasil.

Art. 4º. para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá,
além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I- Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas
de antecedentes criminais fornecidas pela justiça federal, estadual, militar e
eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo
criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;
II- Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de
residência certa;
III- comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o
manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento
desta Lei. (BRASIL, [s/p]).

Os requisitos acima apresentados não garantem o direito ao cidadão comum


ter o direito de possuir ou portar uma arma de fogo, ainda sim terá seu pedido avaliado
pela Polícia Federal, que avaliará a efetiva necessidade do pedido.
Após o referendo de 2005, o Ministério da Justiça junto com a Polícia Federal
lançou campanha para indenizar quem, de forma voluntária, entregasse sua(s)
arma(s).
Uma segunda campanha foi produzida em 2008. A mobilização acumulou cerca
de 570.000 armas recolhidas. Foi o Estatuto que deu início à campanha de
desarmamento e prévio pagamento de indenizações àqueles que voluntariamente
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cedessem suas armas à polícia Federal a qualquer momento, elevando o grau de


dificuldade para o cidadão possuir uma arma e incentivou a população a se desarmar.
(MINISTÉRIO DESCENDÊNCIA; ALVES; TAMEIRIO, 2017).

1.3 ANÁLISE GERAL DA LEI 10.826/2003

Decorridos quase 20 (vinte) anos da sua sanção, ainda se questiona se a Lei é


benéfica ou não à sociedade, pois os teóricos e as entidades de segurança fizeram
correlação ao aumento dos homicídios no país devido ao fácil acesso a arma de fogo
antes da virada do último século.
Com o decréscimo do número de armas de fogo, havia uma forte expectativa
que o índice de mortes decorrente do uso da arma de fogo diminuísse no Brasil, porém
os números de homicídios nos anos que sucederam o Estatuto foram ainda piores,
ultrapassando países que se encontram em estado de guerra.
Em 2016, 62.517 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, o que equivale a
uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 (cem) mil habitantes. É o equivalente a 30
(trinta) vezes em comparação com a taxa da Europa. O Estatuto do Desarmamento
não proporcionou uma queda, mas sim um aumento nas taxas de crimes violentos e
por armas de fogo, o que demonstra a ineficácia de tal Lei federal. (ATLAS DA
VIOLÊNCIA, 2018).
O gráfico 1.3.1 mostra a evolução das 3 (três) taxas de homicídios calculadas
mundialmente entre 2000 e 2013, de modo que podem ser notados 6 (seis) a 9 (nove)
homicídios por 100.000 habitantes. É importante notar que desde 2007 houve uma
convergência acentuada de taxas, especialmente entre a taxa de homicídios da
Nações Unidas (ONU) e a taxa de homicídios de alta qualidade da OMS. (ATLAS DA
VIOLÊNCIA, 2018).
Isso se deve principalmente ao fato de que o banco de dados ONU usado para
assassinatos não incluía dados sobre o número de assassinatos cometidos no Brasil
até 2007, que responde por uma proporção significante de incidentes em todo o
mundo. Outro aspecto importante é o fato de o banco de dados ONU contém dados
de homicídios até 2012, excluindo 2013. (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018).
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Gráfico 1.3.1 - Evolução da taxa de homicídios mundial (por 100 (cem) mil habitantes)
(2000 a 2013).

FONTE:

As tabelas a seguir 1.1 e 1.2 apresentam a evolução das taxas de homicídios


entre os anos 2000 a 2013 nos 14 (quatorze) países com as maiores taxas calculadas
do mundo.

Tabela 1.1- Evolução das taxas de homicídios dos países selecionados por 100 (cem)
mil habitantes, segundo OMS alta qualidade (2000 a 2013)
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FONTE: FMI/World Economic Outlook Database, ONU/Divisão Estatística, ONU/Office on Drugs and
Crime e OMS/Mortality Database. O número de homicídios por pais foi obtido pela soma das seguintes
CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal.
Elaboração Diest/Ipea e FBSP. T.

Tabela 1.2 - Evolução das taxas de homicídios dos países selecionados por 100 (cem)
mil habitantes, segundo ONU (2000 a 2013)

FONTE: FMI/World Economic Outlook Database, ONU/Divisio Estatisticn, ONU/Office on Drugs and
Crime e OMS/Mortality Database. O número de homicídios por país foi obtido pela soma das seguintes
CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal.
Elaboração Diest/Ipea e FBSP.

De acordo com o Sistema de informações sobre Mortalidade do Ministério da


Saúde (SIM / MS), houve 62.517 homicídios no Brasil em 2016. Isso implica que, pela
primeira vez na história o país ultrapassou o patamar de trinta mortes por 100.000
habitantes (taxa igual a 30,3).
Esse número de casos consolida uma mudança no patamar desse indicador
da ordem de 60.000 a 65.000 casos por ano e está longe dos 50.000 a 58.000 óbitos
ocorridos entre 2008 e 2013, conforme mostra o gráfico 2.1.
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Gráfico 2.1 Brasil: Número e taxa de homicídios (2006 a 2016)

FONTE: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de


Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica e MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre
Mortalidade - SIM. O número de homicídios na UF de residência da vítima foi obtido pela soma das
seguintes CIDS 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal.
Elaboração List/Ipea e FBSP.

Após os números apresentados nos gráficos 1.1,1.2 e 2.1, é assustador pensar


que se a intenção do Estatuto era reduzir o número de homicídios com correlação à
arma de fogo, tal Lei não teve a eficácia esperada e o resultado foi um aumento de
quase 50% (cinquenta porcento) do número de homicídios em pouco mais de uma
década, saltando de 45.000 mortes para 65.000 mortes por ano.

2. TIPOS PENAIS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO

O Estado deveria abster-se de interferir nas escolhas dos indivíduos no que diz
respeito ao pleno desenvolvimento da liberdade individual, igualdade e segurança dos
cidadãos, mas no que diz respeito ao porte de armas, há restrições impostas restritivas
e burocráticas. A Lei atual é a Lei nº 10.826/2003 (Lei do Desarmamento), sendo que
a proibição do porte de arma de fogo foi institucionalizada no artigo 6º da referida Lei.
Conforme o artigo 6º, “Art. 6o. É proibido o porte de arma de fogo em todo o
território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para...”
(BRASIL, 2003 [s/p]).
O legislador no referido artigo 6°, da Lei N°10.826/2003 normaliza a proibição
do indivíduo de portar armas de fogo em todo o território nacional, salvo raras
exceções.
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O delito de porte ilegal de arma de fogo, previsto no artigo 12.º do referido


diploma, consiste em manter arma de fogo no interior da residência (ou dependência
da mesma) ou até mesmo no seu local de trabalho. Deste modo, o crime de porte
ilegal está consagrado no artigo 14.º e pressupõe que a arma de fogo esteja a circular
ou a ser encontrada fora da residência ou durante o seu trabalho. (BRASIL,2003 [s/p]).
O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) (BRASIL 2003, [s/p]) prevê a
posse e o porte irregular de arma de fogo e suas penas, conforme segue.
Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido:

Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou
munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda
no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do
estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e
multa. (BRASIL,2003 [s/p]).

Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido:

Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a
arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (BRASIL,2003).

Ainda no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), tem-se no artigo 6º a


previsão sobre quem lhe é permitido o porte de arma de fogo que são:

I – Os integrantes das Forças Armadas;


II os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do
art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança
Pública (FNSP);
III - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de
50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes,
quando em serviço;
IV - Os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os
agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República;
V - os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52,
XIII, da Constituição Federal;
VI - Os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os
integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
VII - as empresas de segurança privada e de transporte de valores
constituídas, nos termos desta Lei;
VIII - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de
Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário;
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IX - Os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição


Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo
de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no
exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido
pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do
Ministério Público - CNMP. (BRASIL,2003 [s/p]).

Sendo assim, nota-se que o tema foi taxado de forma proibitiva no que tange
ao Estatuto do Desarmamento, regulando e restringindo o acesso a arma de fogo para
a grande maioria da população, com exceções expressamente previstas como as
citadas acima.

3. DOS DECRETOS ARMAMENTISTAS

O candidato à presidência no ano de 2018, Jair Messias Bolsonaro, tomou


como promessa de campanha a facilitação da aquisição de armas de munições para
os caçadores, colecionadores e atiradores, conhecidos como CAC’s. Naquele mesmo
ano foi eleito como presidente do Brasil.
Foi então que através do Decreto Nº 9846/19 veio a primeira regulamentação
para a aquisição das armas de fogo no Brasil para os CAC’s. Tal regulamentação,
apesar de já prevista no Estatuto do Desarmamento, não avançou e os legisladores
desde então evitaram tratar sobre o tema. Vários projetos Lei foram protocolados nas
casas legislativas, porém sem nenhum avanço sobre o tema.
Basicamente, o CAC teria direito de portar uma arma de fogo de calibre curta,
municiada, alimentada e carregada, pertencente ao seu acervo e cadastrada no
Sinarm ou Sigma, nas ocasiões que estiverem se deslocando para treinamento ou
participando de competições ou retornando destas para sua residência ou local de
cadastro do armamento. (MARTINEZ, 2020, [s/p]).
O Decreto Nº 9846/19 trouxe objetivos específicos tais como: estabelecer
regras e procedimentos de registro, o cadastro e aquisição das armas e de munições
por CAC’s.
Suas principais atribuições seriam que as armas de fogo deveriam ser
cadastradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, o Sigma, gerenciado
pelo Exército brasileiro. O Certificado de Registro emitido ao CAC teria validade de 10
anos.
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Para obtenção do Certificado de Registro ao CAC, comumente chamado de


“CR” pelos praticantes de Tiro Desportivo, deveria respeitar alguns requisitos tais
como:
a. Ter no mínimo 25 (vinte cinco) anos de idade;
b. Comprovar idoneidade moral e a inexistência de inquérito policial
criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais;
c. Comprovar ocupação lícita e residência fixa;
d. Comprovar periodicamente, a capacidade técnica para manuseio da
arma de fogo;
e. Comprovar aptidão psicológica para o manuseio da arma de fogo,
atestada através de laudo fornecido por psicólogo com registro profissional
ativo em Conselho Regional de Psicologia. (BRASIL,2019).
Já no ano de 2021, através do Decreto Nº 10.629/21 foram feitas algumas
alterações na regulamentação trazida pelo Decreto Nº 9,846/19 que passou a vigorar
no dia 12 de fevereiro de 2021.
Algumas dessas alterações foram devido a situação de pandemia do Corona
Vírus que o país enfrentava, flexibilizando cada vez mais a compra de insumos,
munições, materiais e ferramentas de recarga de munição entre outros.
O novo decreto trouxe a possibilidade de que lojistas pudessem comercializar
armas de pressão ou “airsoft” sem ter a necessidade de ter o “CR”.
Também se flexibilizou a possibilidade de que pessoas pudessem praticar o
tiro recreativo, não desportivo e sem habitualidade, dentro dos estandes sem a
necessidade de ter o “CR”, sempre acompanhado de instrutor de tiro, sendo de inteira
responsabilidade do proprietário do estande a instrução, manuseio, prevenção e
acompanhamento deste praticante. (BRASIL,2021)
Um avanço na legislação foi a possibilidade de os clubes de tiro importarem
armas, munições e demais produtos controlados diretamente dos fabricantes para fins
de comercialização ou para seu uso dentro do clube de tiro. (BRASIL,2021)
É também um consenso entre os atiradores desportivos, que a modalidade,
contribui para a proteção patrimonial e permite que o mesmo se capacite para atuar
em situações de legítima defesa.
De acordo com Rogério Greco (2015, p.402), a legítima defesa é o meio
empregado capaz de cessar a injusta agressão:
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Meios necessários são todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da


agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer.
Costuma-se falar, ainda, que meio necessário é ‘aquele que o agente dispõe
no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo
desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua
disposição no momento’. Com a devida vênia daqueles que adotam este
último posicionamento, entendemos que para que se possa falar em meio
necessário é preciso que haja proporcionalidade entre o bem que se quer
proteger e a repulsa contra o agressor. (GRECO, 2015, p.402).

Para os policiais que tem o porte por prerrogativa de função poderá utilizar as
suas armas registradas no Sigma para defesa pessoal no dia a dia.
Estima-se que já existe mais de 1 (um) milhão de armas registradas no país e
que, existem aproximadamente 600 (seiscentos) mil CAC’s com registro regular em
todos o território nacional.
E, por fim, vale destacar que o Laudo de capacidade técnica para o manuseio
da arma de fogo que antes deveria ser comprovado anualmente, poderá ser
substituído por atestado de habitualidade emitido pela entidade de tiro ou agremiação
com comprovação mínima de 6 (seis) jornadas no estande de tiro, em dias alternados,
para treinamento ou participação de competições.

4. INVERSÃO DA CURVA DE HOMICÍDIOS NO BRASIL

Sestrem (2022, p.9) ressalta que: “A partir do ano de 2018, a taxa de homicídios
que chegou a patamares de 65.000 mortes por ano, começa a regredir, atingindo em
2021 o menor patamar dos últimos 10 (dez) anos com 47.500 mortes”.
Para os especialistas, há diferentes variáveis que devem ser consideradas para
a inversão da curva de homicídios no Brasil das quais, a principal, seria a diminuição
nos conflitos entre facções criminosas.
O Gráfico 3 (três) apresenta a evolução das taxas de homicídio (Tx.Homic), das
taxas de homicídios por arma de fogo (Tx. Homic.PAF) e das taxas de Crimes
Violentos Letais Intencionais (Tx.Cvli) no Brasil entre 2008 e 2021 . (CERQUEIRA, LIS
KHAN, BUENO, 2022, p. 9).

Gráfico 3– Evolução das taxas de Letalidade no Brasil, 2008 a 2021


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Fonte: (Cerqueira, Lis Khan, Bueno, 2022, p.9).

O gráfico revela uma forte correlação temporal entre os indicadores e também


mostra uma queda acentuada nos óbitos em 2018 e 2019. Em 2020 e 2021 houve um
aumento e depois uma diminuição da letalidade, em magnitude proporcional entre
esses 2 (dois) anos e menor intensidade que o observado nos 2 (dois) anos anteriores.
(CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Um aumento de homicídios durante a pandemia de COVID 19 tem sido
observado em muitos países, sendo a interpretação mais aceita a redução da
vigilância em espaços públicos, a convivência forçada durante a quarentena e as
disputas por mercados ilegais. (CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Assim, conforme demonstrado no gráfico apresentado, percebe-se que a
queda acentuada dos homicídios se inicia um ano antes do Governo Bolsonaro e,
consequentemente, antes do afrouxamento da legislação armamentista
(CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Segundo Flavio Quintela e Bene Barbosa (2015, p.71), existem outras
maneiras que poderiam reduzir ainda mais essa alta taxa de homicídios que
comparado com países da Europa, é muito elevado. Medidas como:
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a. Reformar o sistema judiciário para garantir celeridade nos


julgamentos e impedir os subterfúgios legais que geram impunidade;
b. Reformar o sistema correcional, abolindo excrescências como os
indultos e as visitas conjugais, construindo vagas para abrigar toda a
população carcerária do Brasil de forma segura;
c. Extinguir a figura da menoridade penal, que permite hoje que
criminosos saiam impunes depois de cometer crimes hediondos
como assassinatos, estupros e sequestros, às vezes porque estão a
alguns dias de completar 18 anos de idade;
d. Punir policiais corruptos e criar um plano de carreira para os policiais
honestos, baseado na meritocracia, e integrar as bases de dados de
todas as polícias do país para facilitar a identificação de criminosos;
e. Desenvolver as carreiras de perito criminal, atraindo profissionais de
alta capacitação técnica, e construir laboratórios de análise criminal
com capacidades tecnológicas modernas;
f. Equipar a polícia com armamento que faça frente ao dos criminosos,
que chegam ao cúmulo de possuir artilharia antiaérea própria de
forças militares, e que são frequentemente desviados das forças de
segurança de países como Bolívia, Venezuela e Paraguai;
g. Reforçar todo o policiamento das fronteiras, por onde entram as
armas contrabandeadas.

Portanto, é cedo para assegurar que os decretos armamentistas que facilitaram


a aquisição da arma de fogo no país, contribuíram ou não, para a diminuição da taxa
de homicídios nos últimos anos, entretanto não podemos desconsiderar que o cidadão
está cada vez mais buscando a aquisição do porte/posse para sua auto proteção, de
sua família e da propriedade privada, que deveria ser em tese, garantida pelo Estado.

5. CONCLUSÃO

Pelo que foi analisado neste artigo, o Estatuto do Desarmamento que trata da
matéria de segurança pública, não surtiu o efeito esperado, pois se esperava uma
redução da taxa de homicídios com a proibição do porte/posse de arma de fogo.
No primeiro capítulo, podemos verificar a questão histórica do Estatuto do
desarmamento, Lei Nº10.826 de 22 de dezembro de 2003, foi apresentado que sua
origem se deu através de estudos de especialistas juntamente com entes da
segurança pública e também da vontade popular. Percebe-se, todavia, que após o
referendo de 2005 a população votou contra a proibição da comercialização da arma
de fogo e munições no país. O Estatuto tinha objetivo de reduzir a taxa de homicídio
e criminalidade, porém não surtiu o efeito esperado.
Já no segundo capítulo, analisamos os tipos penais e as imposições legais que
o Estatuto trouxe, de forma proibitiva, a posse/porte de arma de fogo no país,
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resguardado raríssimos casos. O processo de obtenção da posse/porte de arma de


fogo se tornou exageradamente burocrático ao cidadão comum.
Entretanto, no terceiro capítulo, foi apresentado os novos decretos, chamados
como “decretos armamentistas” que flexibilizaram a compra e venda da arma de fogo
e insumos em todo território nacional, bastando o cidadão cumprir com os requisitos
básicos exigidos pela Lei para aquisição, registro, permissão, bem como o porte de
trânsito para a arma de fogo. Hoje estima-se que já existem mais de 1 (um) milhão de
armas registradas no Brasil e mais de 600 mil CAC’s com permissão das autoridades
para obter arma de fogo.
No quarto capítulo, analisamos a curva da queda da taxa de homicídios a partir
de ano de 2018 que, coincidiu com o mesmo período da flexibilização da aquisição de
armas de fogo, entretanto existem outros fatores que devem ser considerados como
a Pandemia do Corona Vírus e diminuição das brigas entre facções criminosas.
Concluímos que o Estatuto não foi plenamente eficaz em seu proposito inicial
em desarmar a população, pois as taxas de homicídios tiveram comportamento oposto
e continuaram aumentando absurdamente nos anos que se seguiram.
Na mesma linha de conclusão, entendemos que ainda é cedo, para afirmar,
que os decretos armamentistas contribuíram para a redução da taxa de homicídio dos
últimos 4 (quatro) anos no Brasil, período que, houve a inversão da taxa de homicídios,
porém coincidiu com outros fatores como Pandemia do Corona Vírus e diminuição
entre facções criminosas.

6. REFERÊNCIAS

BARBOSA, Bene., QUINTELA, Flavio. Mentiram para mim sobre o


desarmamento.1ª Edição. Brasil: CEDET, 2015.

BLUME, Bruno André. O Estatuto do Desarmamento deve ser revisto?


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10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre o registro, o cadastro e a
aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores.
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BRASIL, Lei Nº10.826, de 22 de dezembro de 2003, Dispõe sobre registro,


posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional
de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília: Presidência
da República. 2020. Disponível em:
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