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Terceiro

O porte de armas aumenta ou diminui a violência?


Na dança de estatísticas sobre armas de fogo e criminalidade, cada
um escolhe os dados que sustentam a própria opinião
Por Leandro Narloch Atualizado em 31 jul 2020, 00h09 - Publicado em 6 nov 2015, 15h2

O viés da confirmação (a tendência de valorizar e interpretar fatos e


estatísticas de modo que confirmem a própria opinião) está atuando com toda
a força nas discussões sobre mudanças no Estatuto do Desarmamento.
Quem defende ou se opõe à medida, que facilitará a compra e o porte de
armas, usa dados dos mais diversos sobre armas de fogo e violência. O
complicado é que há uma dose de verdade mesmo nas afirmações mais
divergentes.
Pode-se afirmar, por exemplo, que países entre os mais pacíficos do mundo
baniram armas para uso pessoal. É o caso do Japão, onde a taxa de homicídios
é de 0,3 por 100 mil habitantes. (No Brasil, há oito armas a cada cem
habitantes, e a taxa de homicídios é de 20 por 100 mil).
Mas a afirmação contrária também é possível. Alemanha, Suécia e Áustria têm mais
30 armas de fogo por cem habitantes – e taxas baixíssimas de homicídio. Honduras, o
país mais violento do mundo, tem proporcionalmente muito menos armas (seis a cada
cem habitantes).
Armar a população resulta em mais violência em um país? O economista Daniel
Cerqueira, como mostrou a VEJA desta semana, concluiu que cada ponto percentual
de aumento do número de armas de fogo resulta num crescimento de 2% do número
de vítimas.
Já Benê Barbosa, autor de “Mentiram para mim sobre o desarmamento”,
mostra números opostos e igualmente convincentes. A violência despencou
nos Estados Unidos na última década, enquanto a venda de armas de fogo
subiu. No Brasil, os estados mais violentos são justamente os que possuem
menos armas legalizadas.
É possível ainda que as armas de fogo tenham um efeito ambivalente –
aumentem e ao mesmo tempo diminuam a violência. O maior porte de armas
talvez faça crescer os casos de homicídio e suicídio, mas reduza a taxa de furto,
latrocínio e violência contra a mulher.
Nessa dança de estatísticas, cada um acredita no que quiser. Eu fico em cima
do muro. O total de armas legalizadas não me parece um fator relevante para
aumentar ou diminuir a violência em um país. O que determina a
criminalidade é o império da lei.
Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/o-porte-de-armas-
aumenta-ou-diminui-a-violencia/>.

Artigo: Armas para quê?


Os países democráticos e desenvolvidos implementam políticas públicas
baseados em conhecimento científico, em pesquisas rigorosas, e não em
“achismo” como nós
Antônio Rangel Bandeira*
postado em 08/10/2019 09:00

Desde a Conferência da ONU sobre tráfico de armas em 2001, o mundo avançou muito
no controle de armas. Só o Brasil está regredindo nessa política. Até mesmo países
conhecidos como paraísos das armas se alinham a essa tendência. Na Suíça, 63,7% da
população votaram em plebiscito por maiores restrições às armas. Sua fabricante de
armas Ruag foi proibida pelo Parlamento de abrir fábrica no Brasil para não botar em
risco a reputação da Suíça, diante da violência que suja a imagem do Brasil. A Nova
Zelândia também tornou a lei de armas mais restritiva, depois do massacre em duas
mesquitas no ano passado. Até o governo Trump, acossado por massacres sucessivos,
promete rever a liberação da venda de armas para quem não comprove bons
antecedentes criminais e saúde mental.
Trabalhei com um grupo de especialistas da ONU, dando treinamento para militares e
policiais de 19 países, e comprovei a preocupação crescente com o controle de armas.
Devemos aprender com a experiência de outros povos. Por exemplo, o Japão, que
abandonou uma cultura militarista que tinha até a Segunda Guerra, investiu na cultura de
paz, em educação, no bom treinamento da polícia, e tem uma das leis mais restritivas
sobre uso de armas por civis. Resultado: em todo o ano de 2017, teve apenas três
homicídios por arma de fogo, enquanto o Brasil amargou 47.500 homicídios naquele ano,
130 por dia!
Os países democráticos e desenvolvidos implementam políticas públicas baseados em
conhecimento científico, em pesquisas rigorosas, e não em “achismo” como nós. Cresce
com nosso governo o desprezo pela ciência, e políticas passam a ser norteadas por
ideologia e crenças atrasadas. Como a de incentivar a autodefesa, para que o cidadão se
defenda sozinho, em vez de se melhorar a polícia para que proteja todos os cidadãos com
eficiência. Isso quando todo especialista sabe que a arma é boa para ataque, mas
precária para autodefesa, porque quem assalta conta a seu favor com o determinante
fator surpresa. Em 1995, o deputado Jair Bolsonaro foi assaltado, e levaram sua moto e a
pistola Glock que portava. Ele admitiu na ocasião: “Mesmo armado, me senti indefeso”.
Essa é a realidade do assalto, e não a fantasia do cinema. Pesquisas mostram que, de
cada 10 pessoas que reagem com arma a um assalto armado, sete são baleadas. Os
números falam por si. O resto é ilusão.
No Congresso, parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas pela indústria
de armas querem derrubar nossa lei de controle de armas. Lei admirada e copiada a nível
internacional por ter evitado a morte de mais de 197 mil brasileiros, num período de 12
anos, segundo pesquisa do respeitado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do
governo. O chamado Estatuto do Desarmamento tem contido o aumento dos homicídios,
que só não são mais baixos porque não foram feitas reformas na polícia, no sistema
prisional, no Judiciário, nem se reprime com inteligência o narcotráfico e as milícias.
Como a violência urbana é um fenômeno complexo, exige um somatório de medidas, não
bastando o controle de armas. Mas sem a lei vamos abrir as portas do inferno, agravando
uma situação que faz do Brasil, em números absolutos de homicídios, o país mais violento
do mundo.
Contrariando a vontade de 70% dos brasileiros, que segundo o Datafolha de julho
passado se manifestaram contra o porte de armas, isto é, que civil possa andar na rua
com arma na cintura, a chamada Bancada da Bala pretende tentar aprovar o porte.
Contra essa ameaça, que nos igualaria aos EUA nos massacres frequentes em escolas e
igrejas, 15 entidades importantes, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a
Iniciativa das Religiões Igrejas Unidas, e parlamentares contrários à violência armada,
vão promover um ato amanhã, às 15 horas, na Câmara Federal. Constará do lançamento
do meu novo livro “Armas para quê?” (Editora LeYa), dedicado in memorian à jornalista
do Correio Braziliense Valéria de Velasco, que tanto lutou pela aprovação e
implementação do Estatuto do Desarmamento, e debateremos formas de preservar uma
lei que tem salvado tantas vidas. Convocamos os brasilienses de bem a apoiarem essa
luta, para que o Congresso coloque a segurança da população acima dos interesses do
monopólio da indústria CBC/Taurus.

*Sociólogo e ex-consultor da ONU

Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/10/08/
internas_opiniao,795622/artigo-armas-para-que.shtml>.

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