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Desde a Conferência da ONU sobre tráfico de armas em 2001, o mundo avançou muito
no controle de armas. Só o Brasil está regredindo nessa política. Até mesmo países
conhecidos como paraísos das armas se alinham a essa tendência. Na Suíça, 63,7% da
população votaram em plebiscito por maiores restrições às armas. Sua fabricante de
armas Ruag foi proibida pelo Parlamento de abrir fábrica no Brasil para não botar em
risco a reputação da Suíça, diante da violência que suja a imagem do Brasil. A Nova
Zelândia também tornou a lei de armas mais restritiva, depois do massacre em duas
mesquitas no ano passado. Até o governo Trump, acossado por massacres sucessivos,
promete rever a liberação da venda de armas para quem não comprove bons
antecedentes criminais e saúde mental.
Trabalhei com um grupo de especialistas da ONU, dando treinamento para militares e
policiais de 19 países, e comprovei a preocupação crescente com o controle de armas.
Devemos aprender com a experiência de outros povos. Por exemplo, o Japão, que
abandonou uma cultura militarista que tinha até a Segunda Guerra, investiu na cultura de
paz, em educação, no bom treinamento da polícia, e tem uma das leis mais restritivas
sobre uso de armas por civis. Resultado: em todo o ano de 2017, teve apenas três
homicídios por arma de fogo, enquanto o Brasil amargou 47.500 homicídios naquele ano,
130 por dia!
Os países democráticos e desenvolvidos implementam políticas públicas baseados em
conhecimento científico, em pesquisas rigorosas, e não em “achismo” como nós. Cresce
com nosso governo o desprezo pela ciência, e políticas passam a ser norteadas por
ideologia e crenças atrasadas. Como a de incentivar a autodefesa, para que o cidadão se
defenda sozinho, em vez de se melhorar a polícia para que proteja todos os cidadãos com
eficiência. Isso quando todo especialista sabe que a arma é boa para ataque, mas
precária para autodefesa, porque quem assalta conta a seu favor com o determinante
fator surpresa. Em 1995, o deputado Jair Bolsonaro foi assaltado, e levaram sua moto e a
pistola Glock que portava. Ele admitiu na ocasião: “Mesmo armado, me senti indefeso”.
Essa é a realidade do assalto, e não a fantasia do cinema. Pesquisas mostram que, de
cada 10 pessoas que reagem com arma a um assalto armado, sete são baleadas. Os
números falam por si. O resto é ilusão.
No Congresso, parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas pela indústria
de armas querem derrubar nossa lei de controle de armas. Lei admirada e copiada a nível
internacional por ter evitado a morte de mais de 197 mil brasileiros, num período de 12
anos, segundo pesquisa do respeitado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do
governo. O chamado Estatuto do Desarmamento tem contido o aumento dos homicídios,
que só não são mais baixos porque não foram feitas reformas na polícia, no sistema
prisional, no Judiciário, nem se reprime com inteligência o narcotráfico e as milícias.
Como a violência urbana é um fenômeno complexo, exige um somatório de medidas, não
bastando o controle de armas. Mas sem a lei vamos abrir as portas do inferno, agravando
uma situação que faz do Brasil, em números absolutos de homicídios, o país mais violento
do mundo.
Contrariando a vontade de 70% dos brasileiros, que segundo o Datafolha de julho
passado se manifestaram contra o porte de armas, isto é, que civil possa andar na rua
com arma na cintura, a chamada Bancada da Bala pretende tentar aprovar o porte.
Contra essa ameaça, que nos igualaria aos EUA nos massacres frequentes em escolas e
igrejas, 15 entidades importantes, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a
Iniciativa das Religiões Igrejas Unidas, e parlamentares contrários à violência armada,
vão promover um ato amanhã, às 15 horas, na Câmara Federal. Constará do lançamento
do meu novo livro “Armas para quê?” (Editora LeYa), dedicado in memorian à jornalista
do Correio Braziliense Valéria de Velasco, que tanto lutou pela aprovação e
implementação do Estatuto do Desarmamento, e debateremos formas de preservar uma
lei que tem salvado tantas vidas. Convocamos os brasilienses de bem a apoiarem essa
luta, para que o Congresso coloque a segurança da população acima dos interesses do
monopólio da indústria CBC/Taurus.
Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2019/10/08/
internas_opiniao,795622/artigo-armas-para-que.shtml>.