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UNIVERSIDADE DE ITAÚNA

Direito

CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA VS BRASIL

Emilly Guedes Esteves

Lohanne Bárbara Garcia Carvalho

Salatiel da Glória

Vinicius Antony Gonçalves Pinto Moreira

Itaúna – MG

2023
Emilly Guedes Esteves

Lohanne Bárbara Garcia Carvalho

Salatiel da Glória

Vinicius Antony Gonçalves Pinto Moreira

CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA VS BRASIL

Trabalho apresentado como forma de


aprofundamento nos estudos da disciplina de
Direito Humanos do segundo período de
Direito da Universidade de Itaúna.

Discente: Drª Renata Mantovani

Itaúna
2023

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Sumário
1.INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 4
2.HISTÓRICO ....................................................................................................................................... 5
3.PERSPECTIVAS NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO .......................................................... 8
4.PROCESSO PERANTE A CORTE CIDH ................................................................................... 13
5.DIREITOS VIOLADOS ................................................................................................................... 19
6.DA CONDENAÇÃO ........................................................................................................................ 21
7.A SENTENÇA.................................................................................................................................. 22
8.CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 26
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 27

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1.INTRODUÇÃO

O sétimo caso analisado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos


(CIDH), também conhecido como CASO FAVELA NOVA BRASÍLIA, trata-se da análise
do arbítrio da força policial brasileira na resolução dos conflitos dentro de suas
periferias, mais precisamente na favela Nova Brasília, que compõe, hoje, parte do
Complexo do Alemão, no estado do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como missão remontar os passos


dados para que o caso chegasse a Corte, bem como apresentar os possíveis avanços
proporcionados por seu julgamento.

O Caso Favela Nova Brasília versus Brasil, trata-se de duas incursões policiais
ocorridas nos dias 18 de outubro de 1994 e 08 de maio de 1995. Em ambas as
operações tiveram como resultado a morte de 13 homens cada. O Estado Brasileiro
foi acusado de violar os direitos humanos, como o direito à vida e a integridade
pessoal, tendo em vista que sua ação, por intermédio da força policial utilizada para
frear o tráfico de drogas, resultou na morte de 26 homens e em 3 abusos sexuais, nos
anos de 1994 e 1995.

A importância da condenação dá-se em virtude do surgimento da possibilidade


de contestação da conduta policial, tendo em vista que representa a força bruta do
Estado. Discutir sobre a forma com a qual as operações policiais são realizadas, abre
margem para que o país possa traçar melhorias de segurança pública, assim como
impedir que abusos ocorram, diminuindo, consequentemente, o número de inocentes
vitimados nessas operações. Dessa forma, garantiremos a segurança jurídica, bem
como o devido processo legal, incluindo o direito à defesa.

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2.HISTÓRICO

Em 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995 ocorreu na favela nova Brasília


localizada no complexo do alemão no rio de Janeiro duas incursões policiais que
tinham como objetivo combater a criminalidade.

A primeira incursão de 1994 tinha por volta de 80 policiais civis e militares de


diversas delegacias do rio de janeiro que supostamente tinha o objetivo de combater
o tráfico de drogas e prender traficantes. Durante a incursão os policiais invadiram por
volta de cinco residências localizadas na comunidade, e efetuaram disparos com arma
de fogo contra os ocupantes ou detendo e posteriormente executando sumariamente
os moradores, levando os seus corpos para a praça principal da comunidade.

A operação resultou com a morte de 13 homens, sendo quatro deles menores


de idade. O mais jovem tinha 14 anos e o mais velho tinha 30. Os corpos das vítimas
tinham de dois a quinze ferimentos por bala, sendo que, em um dos casos, a vítima
havia levado um tiro em cada olho as mortes foram justificadas como “resistência à
prisão” e não há registro que os policiais tenham se ferido durante a incursão.

Em duas casas invadidas, os policiais interrogaram e cometeram atos de


violência sexual contra três mulheres, duas delas meninas de 15 e 16 anos. De acordo
com o depoimento de duas das vítimas, identificadas como L.R.J e C.S.S, dez policiais
entraram em uma das casas atirando, as chutaram e deram socos, mandaram que
elas se deitassem de barriga para baixo e desferiram golpes com uma ripa de madeira
em suas nádegas. Os agentes as abusaram fisicamente e verbalmente enquanto
questionavam sobre o paradeiro de um traficante. A vítimas L.R.J e C.S.S foram
abusadas sexualmente pelos policiais sob ameaça de serem mortas. A outra vítima,
identificada como J.F.C, afirmou que estava dormindo com seu namorado, que era
traficante de drogas, quando cerca de dez policiais invadiram a casa, os dominando e
começando a agredi-los. Segundo a mulher, os agentes aplicaram pontapés em suas
pernas e estômago, enquanto lhe perguntavam sobre o paradeiro de um traficante de
drogas chamado “Macarrão”. Além disso, alegou que um policial lhe tocou os seios
enquanto os demais olhavam. André, o namorado de J.F.C, foi levado vivo da casa,
mas acabou morto posteriormente.

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Pouco mais de seis meses depois, na manhã de 8 de maio de 1995, um grupo
de 14 policiais civis entrou na Favela Nova Brasília, com o apoio de dois helicópteros,
em operação que supostamente tinha como objetivo deter um carregamento de armas
que seria entregue a traficantes da comunidade. Segundo testemunhas, houve um
tiroteio entre policiais e os supostos traficantes. E de forma semelhante ao caso
anterior, como resultado da incursão, três agentes do Estado foram feridos e 13
homens da comunidade foram mortos, sendo dois deles menores de idade. Eles foram
levados ao Hospital Getúlio Vargas, mas já chegaram ao local sem vida. A vítima mais
jovem tinha 17 anos e a mais velha 25, sendo que a maioria tinha 20 anos ou menos.
Os corpos tinham de um a dez ferimentos por bala. As mortes também foram
registradas como “autos de resistência com morte dos opositores”.

Levantamento Histórico
O surgimento das grandes favelas no Rio de Janeiro remonta o início do Brasil
Republicano, quando o então presidente Rodrigo Alves iniciou por volta de 1903 um
projeto de reurbanização de áreas da cidade, mais precisamente o centro e a região
portuária. O objetivo principal dessa conduta era transformar a capital em um lugar
mais agradável aos olhos de quem desembarcasse no solo brasileiro, recriando uma
pequena Europa nos trópicos.

Com essa medida, além de outras mais, como a inserção de melhores


condições sanitárias para parcela da população, várias habitações comunitárias,
popularmente conhecidas como “cortiços” foram demolidos deixando seus moradores
desabrigados. É relevante ressaltar que as populações abrigadas por essas moradias
eram pertencentes aos mais baixos grupos da sociedade, como as empregadas
domésticas, as lavadeiras e as costureiras - em boa parte filhos e netos de ex-
escravos. A desocupação compulsória provocada pelo Estado não rendeu à essas
pessoas nenhuma indenização e, por esse motivo, muitas pessoas ficaram sem
refúgio. Como alternativa, e dentro de suas condições, essas comunidades
adentraram os morros que circuncidavam a área recém desapropriada, a fim de que
ficassem próximos dos seus locais de trabalho e conseguissem manter com suas
funções. Assim, os morros ou favelas, foram crescendo em dimensões e em número
de moradores, tendo como inicialização a união de forças de uma parcela da

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sociedade esquecida e desacreditada pelo poder Estatal. Dessa forma, podemos
inferir que as comunidades marginalizadas brasileiras surgiram como forma de
sobrevivência sobre as vistas de um Estado omisso e que o povo não teve outro auxilio
a não ser aquele que advinha daqueles que estavam em condições semelhantes.

A partir disso, podemos compreender que as raízes da segregação e das


violações do Estado para com os moradores das periferias sobrevêm do fundamento
do próprio Estado e que, portanto, não seria estranho encontrar duas forças que se
opõem constantemente, tendo em vista que aqueles que moram dentro das favelas
desconhecem a real proteção do Estado, mas ao contrário vivem na pele a contenção
de virem de onde vêm.

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3.PERSPECTIVAS NO DIREITO INTERNO BRASILEIRO

Ambas as investigações, realizadas no âmbito nacional, foram tocadas pelos


próprios órgãos responsáveis pelas incursões, tendo, portanto, um caráter parcial, o
que contribuiu com a impunidade, durante anos, dos casos.

A investigações sobre a incursão policial de 18 de outubro de 1994


A chacina do dia 18 de outubro de 1994, ficou a priori sob responsabilidade da
Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que
participou da incursão policial, e abriu inquérito sobre o ocorrido, nesse sentido os
óbitos foram registradas como morte por resistência em confronto armado, além disso
foram colhidos depoimentos apenas de seis policiais envolvidos no caso, e nenhuma
testemunha foi chamada, ou ouvida, além de que não foram realizadas perícias no
local do confronto. Ademais, as vítimas de violência sexual, só chegaram a ser
mencionadas por intermédio da carta escrita pela jornalista Fernanda Portugal a
Divisão de Assuntos Internos da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Divai).

A investigação da jornalista Fernanda Portugal, para o jornal O Dia, embora


tenha sido importante para a abertura de um inquérito policial que investigasse
administrativamente as condutas dos policiais, não surtiu muitos efeitos de
responsabilização para os envolvidos. A matéria teve mais relevância para
conhecimento público do ocorrido. Quanto as vítimas de violência sexual, elas foram
submetidas a exames de corpo de delito quase um mês após o ocorrido, em 12 de
novembro do mesmo ano, não constando, portanto, nenhum tipo de sinal de violência.
Essas investigações ocorreram devido a criação da Comissão Especial de
Sindicância, em 19 de outubro de 1994 pelo então governador do estado do Rio de
Janeiro Nilo Batista (PDT). O grupo contava com o Secretário Estadual de Justiça, a
Corregedora Geral da Polícia Civil, o Diretor-Geral do Departamento Geral de Polícia
Especializada e dois representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).

Somente em dezembro a Comissão Especial deu um parecer quanto a situação


ocorrida, revelando que algumas mortes poderiam ter ocorrido de forma arbitraria e
que abusos sexuais poderiam ter sido cometidos contra menores, a partir desse
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posicionamento o caso chegou às mãos do Ministério Público, entretanto poucas
coisas foram feitas para punir os responsáveis, tendo em vista a morosidade do
processo.

Um novo inquérito policial foi aberto em 5 de dezembro por solicitação da


DETAA para que os policiais da DRE (citados no início da explanação) despossem
perante o delegado. Dos nove policiais ouvidos, sete confirmaram participação na
chacina, mas todos negaram envolvimento aos abusos sexuais.

De acordo com a prova nos autos, não houve nenhuma atuação processual
relevante entre 1995 e 2002. Em 27 de agosto de 2002, os autos do IP No 52/94
(iniciado pela DETAA) foram renumerados com o nº 141/02 pela Corregedoria Interna
da Polícia Civil (COINPOL).

Em 15 de dezembro de 2003, o inquérito IP nº187/94 (iniciado pela DRE) foi


renumerado pela COINPOL com o número IP nº 225/03. Entre 22 de janeiro de 2004
e 26 de fevereiro de 2007, foram apresentadas várias solicitações de concessão de
prazo para o cumprimento de diligências ordenadas. Apesar de, desde 22 de
novembro de 1994, o Secretário de Estado da Polícia Civil ter solicitado que o IP nº
187/94 fosse enviado à DETAA (par. 126 supra), somente em 2007 o IP No 187/94
(renumerado como IP No 225/03 pela COINPOL) foi unificado com o IP No 52/94
(renumerado como IP No 141/02 pela COINPOL). Ambos os autos foram agrupados
no IP No 141/02 da Corregedoria Geral de Polícia.

Depois de unificados os autos, duas medidas foram adotadas: em 15 de


fevereiro de 2008, o delegado encarregado da incursão policial de 18 de outubro de
1994 foi citado para prestar depoimento sobre os fatos e, em 19 de setembro de 2008,
uma ordem de citação determinou a busca dos familiares das supostas vítimas
assassinadas. Em 30 de abril e 13 de agosto de 2009, foram solicitados novos prazos
para o cumprimento das diligências que faltavam. Em 14 de agosto, foi emitido o
relatório final, dando conta de que se extinguia a ação penal, aplicando-se a prescrição
por decurso de prazo. Em 18 de agosto de 2009, o relatório final foi enviado ao
Ministério Púbico. Em 1º de outubro de 2009, o Ministério Público solicitou o
arquivamento do caso “em razão da inevitável extinção de punibilidade pela
prescrição”. Em 3 de novembro de 2009, o Juiz da 31ª Vara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, baseando-se nas considerações do Ministério
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Público, determinou o arquivamento do IP nº 141/02. Em consequência da emissão
do Relatório de Mérito No 141/11 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
e seu envio ao Ministério Público do Rio de Janeiro, em 7 de março de 2013, o
Subprocurador-Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro) solicitou o desarquivamento do inquérito sobre o massacre (chacina) ocorrido
em 18 de outubro de 1994. Entre as justificativas para esse pedido, o Subprocurador-
Geral salientou que o inquérito original (IP Nº 141/94) se referia a crimes de “abuso
de autoridade, agressões, torturas, bem como outras infrações penais”, e não aos
homicídios efetivamente ocorridos naquela data. Do mesmo modo, nem o Chefe de
Polícia, nem o Procurador, nem o Juiz que confirmou o arquivamento do inquérito se
manifestaram sobre os crimes que efetivamente ocorreram nesse dia na favela Nova
Brasília. Nesse sentido, o relatório aprovado pelo Subprocurador-Geral destaca que,
com efeito, ocorreram homicídios, inclusive latrocínio, bem como violências sexuais,
tortura e abuso de poder. Por outro lado, o documento mostra que os delitos de
violência sexual estariam prescritos e não poderiam ser investigados novamente.
Posteriormente, em 16 de maio de 2013, o Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro, por meio do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado
(GAECO), iniciou uma ação penal contra seis implicados na operação da Favela Nova
Brasília pelo homicídio das 13 vítimas.

Em 21 de maio de 2013, a 1ª Vara Criminal admitiu a denúncia e ordenou a


prática de diversas diligências. Entre junho e agosto de 2013, os acusados
apresentaram suas contestações à ação penal. Em 18 de dezembro de 2013, foi
realizada uma audiência de instrução e julgamento com a presença dos seis
acusados. Em 17 de janeiro de 2014, o Ministério Público solicitou que fossem
localizadas J.F.C, C.S.S. e L.R.J (jovens vítimas dos abusos sexuais). Em 7 de julho
de 2014, a audiência de instrução e julgamento prosseguiu com a ausência de um
acusado e duas testemunhas oferecidas pelo Ministério Público. Em 1º de setembro
de 2014, o Ministério Público solicitou novamente a realização de diligências para
localizar J.F.C, C.S.S. e L.R.J., que não haviam podido ser localizadas.

Com relação à violência sexual contra C.SS., L.R.J e L.F.C., as autoridades


públicas jamais realizaram uma investigação sobre esses fatos concretos.

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Investigação sobre a incursão policial de 8 de maio de 1995
Quanto a investigação da segunda operação policial realizada na Favela Nova
Brasília em 8 de maio de 1995, a Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos contra
Estabelecimentos Financeiros (DRRFCEF) da Polícia Civil do Rio foi a responsável
por iniciar a investigação. Na mesma data, dois membros que participaram da
operação registraram boletim de ocorrência, qualificando os fatos como “tráfico de
drogas, grupo armado e resistência seguida de morte” e informando os nomes dos
policiais que participaram da incursão.

Foi concedido aos policiais envolvidos “promoção por ato de valentia” a todos
os agentes envolvidos na operação e ainda naquele mês dezenove policiais foram
ouvidos como testemunha e afirmaram, em termos gerais, ter havido um confronto
com forte fogo cruzado e a apreensão de drogas e armas.

Em 21 de setembro de 1995, o encarregado do inquérito emitiu seu relatório


final e o encaminhou para o MP-RJ, dizendo que não havia a necessidade de
nenhuma diligência probatória adicional. Isso porque, a operação policial havia sido
destinada a interceptar a entrega de um carregamento de armas, e que a polícia havia
reagido por conta de ataque sofrido por parte de moradores da favela. Entretanto
segundo relatório da perita em setembro de 2002, aproximadamente sete anos
depois, dispunham que “algumas das lesões por armas de fogo descritas “[decorriam]
muito mais da preocupação da sobrevivência com a eliminação do opositor, do que
com a preocupação de apenas neutralizar a ação do oponente”. Além disso, sete
corpos, apresentavam sinais de lesões causadas por objetos contundentes e fraturas.

Em novembro de 2004, o inquérito chegou às mãos da Corregedoria Interna da


Polícia Civil (Coinpol). O chefe da Polícia Civil submeteu o inquérito IP nº 120/01 à
competência da COINPOL. Em 29 de dezembro de 2004, esse inquérito policial
recebeu um novo número: IP No 217/04.

Em 27 de janeiro de 2005, o Delegado da COINPOL encarregado do inquérito


resumiu o andamento das investigações e solicitou a busca judicial, relativa à
existência, ou não, de processos civis apresentados contra o Estado do Rio de Janeiro
por parte dos familiares das vítimas fatais entre 1995 e 2000. E, em 23 de setembro
de 2008, o delegado encarregado desse inquérito emitiu um relatório concluindo que
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“em aproximadamente treze anos de investigação, o que foi coligido aos autos nos
remete à ocorrência de um confronto armado que, em consequência da complexidade
inerente a uma ‘guerra’, culminou com mortes e pessoas mortas feridas”.

Em 2 de outubro de 2008, os autos foram enviados ao Ministério Público,177


que solicitou seu arquivamento em 1º de junho de 2009. Em 18 de junho de 2009, o
Juiz da 3ª Vara Criminal decidiu arquivar o processo. Em 31 de outubro de 2012, o
Ministério Público apresentou um relatório sobre a possibilidade de desarquivar o
inquérito, salientando que houvera falhas em sua condução. Em 11 de dezembro de
2012, o Juiz da 3ª Vara Criminal resolveu que não era possível desarquivá-lo. Não
obstante isso, em 10 de janeiro de 2013, o Procurador-Geral de Justiça deu
competência ao Ministério Público para investigar. Em 9 de julho de 2013, a Divisão
de Homicídios abriu um novo inquérito policial.

Como parte da investigação policial, em 11 de julho de 2013, solicitou-se à


Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos (DFAE) o envio do histórico de armas;
em 1º de agosto de 2013, foram enviados três históricos e, em 18, 19 e 20 de
novembro, diversas testemunhas dos fatos de 8 de maio de 1995 prestaram
depoimento. Em 21 de outubro de 2014, o Ministério Público apresentou o relatório
das diligências de análise das armas. Entre novembro de 2014 e maio de 2015,
conduziram-se diligências relativas às armas usadas na incursão policial. Finalmente,
em 7 de maio de 2015, foi proferida a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro determinando o arquivamento da ação penal e a nulidade das provas
produzidas após o desarquivamento do expediente do Ministério Público, por estar em
contradição com o decidido pelo Poder Judiciário. Além disso, o Tribunal de Justiça
considerou que os acusados estariam sofrendo “tortura psicológica” decorrente da
“perpetuação investigatória” por 19 anos. Até o julgamento pela Corte nenhum policial
havia sido responsabilizado pelas mortes ocorridas nos anos de 1994 e 1995 na
Favela Nova Brasília.

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4.PROCESSO PERANTE A CORTE CIDH

Até chegar a Corte Interamericana de Direitos Humanos, as ações que


denunciavam os crimes e abusos cometidos por agentes estatais nas incursões
policiais ocorridas em 1994 e 1995 na favela Nova Brasília, percorreram um longo
caminho, e contaram com a participação de diferentes instituições de defesa dos
direitos humanos.

A participação destas instituições foi de fundamental importância para impedir


que os crimes ocorridos na favela Nova Brasília fossem ignorados pela justiça
brasileira e arquivados por falta de uma investigação mais séria e isenta.

Neste contexto, se faz importante conhecer um pouco destas instituições e


suas atuações na defesa internacional dos direitos humanos, motivo pelo qual segue
uma breve apresentação com dados compilados de seus sites institucionais.

Ações da Comissão Interamericana de Direitos


Em novembro de 1995, o escritório brasileiro do Centro de Justiça e o Direito
Internacional – CEJIL/Brasil, entrou com petição na Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, denunciando os crimes e abusos cometidos por policiais na favela
Nova Brasília em maio de 1995, apontando a grave violação da Convenção Americana
de Direitos Humanos, e em janeiro de 1996, a Comissão envia o caso ao governo
brasileiro para conhecimento e possível contestação, sem um retorno satisfatório do
governo brasileiro, a Comissão produz um relatório de admissibilidade e m setembro
de 1998, que resultou em audiências de conciliação ocorridas entre os anos de 2005
e 2008, mas sem grandes avanços na solução da questão.

Em julho de 1996, o escritório brasileiro do Centro de Justiça e o Direito


Internacional – CEJIL/Brasil, entrou com nova petição na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, desta vez denunciando os crimes e abusos cometidos por
policiais na favela Nova Brasília em outubro de 1994, tendo a Comissão apresentado
a ação ao governo brasileiro para possível contestação em novembro de 1998, e em
fevereiro de 2001, a Comissão emite seu relatório de admissibilidade, passando a
trabalhar por uma solução amistosa com o Estado brasileiro. O Instituto de Estudos

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da Religião – ISER, se uni ao CEJIL, e se torna co-peticionário nas duas ações já
impetradas na Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre os crimes e
abusos cometidos por policiais nas operações realizadas na favela Nova Brasília nos
anos de 1994 e 1995.

Em outubro de 2011, a Comissão decide tramitar conjuntamente os dois casos,


dado à similaridade dos fatos ocorridos, indicando o mesmo padrão de atuação das
forças policiais naquela comunidade, que resultaram em 13 mortes em cada uma das
incursões policiais, somando 26 óbitos, além das acusações de abuso sexual contra
03 mulheres moradoras da comunidade.

Diante dos fatos, a CIDH apresentou ao governo brasileiro 08 recomendações


de ajustamento de condutas com vistas a apuração e punição dos culpados pelas
violações ocorridas, e as devidas reparações por meio de indenização às pessoas
atingidas pelas ações criminosas praticadas por agentes do Estado. Entre as
recomendações, solicitou uma exaustiva investigação sobre as violações ocorridas,
observando o vínculo existente entre a violência das ações e o uso excessivo da força
letal por parte das forças policiais, cobrando ainda apuração de possíveis negligencias
e obstruções causadas por agentes públicos no tramite legal das apurações,
destacando a necessidade de retirar dos registros policiais a justificativa das mortes
ocorridas nas ações policiais como “resistência à prisão”, passando a relatar com mais
clareza a dinâmica das mortes ocorridas, além da reformulação do conteúdo dos
cursos de formação policial, de modo a garantir o respeito aos direitos do cidadão,
sem distinção de raça, gênero ou condição social.

O processo na Corte
Diante da inércia do governo brasileiro em avançar no cumprimento das
recomendações apresentadas, a CIDH decide remeter o caso à Corte Interamericana
de Direitos Humanos em maio de 2015, solicitando ao Tribunal que declarasse a
responsabilidade internacional do Brasil pelas violações constantes do relatório de
mérito de 2011, e que ordenasse ao Estado o cumprimento das mesmas
recomendações incluídas no relatório.

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O Brasil só reconheceu a competência da Corte em 10 de dezembro 1998,
fixando ali um marco temporal para as apurações do Tribunal, que só poderia se
manifestar sobre fatos posteriores àquela data. O estabelecimento do marco temporal,
não impediu que a Corte prosseguisse com a apuração e julgamento das violações
decorrentes da omissão do Estado na apuração dos crimes relacionados às ações
peticionadas pela CIDH, mais especificamente “as ações e omissões estatais” que
ocorreram ou continuaram ocorrendo após o Brasil reconhecer a competência da
Corte, tais como a “forma inadequada como foram realizadas as investigações”, que
tinham o objetivo de responsabilizar as vítimas falecidas e não verificar a legitimidade
do uso da força letal; o descumprimento da devida diligência e de prazo razoável na
investigação e punição dos responsáveis pelas 26 mortes e pelos atos de tortura e
violência sexual; e a omissão na reabertura das investigações pela tortura e violência
sexual, que permitiu que a ação penal prescrevesse.

Exceções preliminares interpostas pelo Brasil no Tribunal


Na primeira fase do processo, o Brasil interpôs sete exceções preliminares, um
recurso utilizado para evitar o julgamento de mérito pelo Tribunal de parte ou da
totalidade das acusações apresentadas, e que foram julgadas juntamente com o
mérito da ação.

Primeira exceção preliminar - o Brasil acusa a Comissão Interamericana de ter


publicado o Relatório de Mérito antes do envio da demanda à Corte, o que resultaria
na inadmissibilidade do caso.

A Corte esclareceu que a Convenção Americana prevê dois relatórios distintos:


um preliminar (artigo 50) e o outro definitivo (artigo 51). O relatório definitivo não pode
ser publicado caso a Comissão decida submeter o caso à jurisdição da Corte. Já o
relatório preliminar, que foi o publicado pela CIDH, pode ser divulgado após a
submissão do caso ao Tribunal. Não reconhecendo a exceção apresentada.

Segunda exceção preliminar - o Brasil alegou incompetência ratione personae,


apontando incongruências entre os nomes relacionados no relatório da Comissão e
no escrito de petições e argumentos dos representantes, e que em alguns casos o
vínculo de parentesco não estava comprovado. Além disso, argumentou que a Corte

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só deveria analisar os fatos alegados em relação às vítimas cujo os representantes
apresentassem procurações dos familiares.

A Corte acolheu parcialmente a exceção preliminar, considerando como vítimas


apenas as pessoas identificadas e arroladas no Relatório de Mérito da CIDH, mas
rejeitou a solicitação para que somente as pessoas que haviam outorgado procuração
aos representantes fossem consideradas, bem como negou a alegação relacionada
com a suposta falta de relação de algumas supostas vítimas com os fatos do caso.

Terceira exceção preliminar - o Brasil alegou incompetência ratione temporis em


relação aos fatos anteriores à data de reconhecimento da jurisdição da Corte, exigindo
o reconhecimento deste marco temporal. Alegou ainda incompetência ratione
temporis em relação à Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e,
em especial, da Convenção de Belém do Pará, afirmando que a aplicação da
convenção, ratificada após os fatos, culminaria em violação do princípio de
irretroatividade dos tratados.

A Corte considerou parcialmente fundamentado o pedido de exceção,


reconhecendo a data de 10 de dezembro de 1998, como marco temporal para análise
das violações, independente do instrumento analisado.

Quarta exceção preliminar – o Brasil alegou incompetência ratione materiae por


violação do princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos, argumentando que duas familiares de vítimas mortas durante as operações
haviam apresentado demanda por danos morais internamente, e que ambas as
solicitações haviam sido negadas, sendo que os familiares não teriam recorrido das
sentenças. Para o Estado brasileiro, a Corte atuaria como um tribunal de recursos de
quarta instância caso condenasse o país a pagar indenização após negativa interna.

Na decisão, os juízes negaram a acusação afirmando que “nem a Comissão


nem os representantes solicitaram a revisão de decisões internas relacionadas com
avaliação de provas, dos fatos ou da aplicação do direito interno” e que “é objeto de
estudo de mérito analisar as alegações sobre se os processos judiciais internos foram
idôneos e eficazes, e se os recursos tramitaram e foram solucionados devidamente”.

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Quinta exceção preliminar – o Brasil alegou incompetência ratione materiae quanto às
alegadas violações de direitos previstos na Convenção Interamericana para Prevenir
e Punir a Tortura. O Estado alegou que o artigo 8 do tratado prevê que um caso só
poderá ser submetido a instâncias internacionais depois de haver esgotado os
recursos internos e que, portanto, a Corte só poderia analisar as violações na medida
em que o Estado expressamente reconhecesse sua competência contenciosa. Na
mesma exceção, o Brasil também apontou incompetência ratione materiae quanto à
Convenção de Belém do Pará, afirmando que o artigo 12 do tratado autorizaria
somente a Comissão Interamericana a analisar violações.

A Corte rejeitou a alegação, destacando que o Tribunal “pode exercer sua


competência contenciosa a respeito de instrumentos interamericanos distintos da
Convenção Americana, quando estabeleçam um sistema de petições objeto de
supervisão internacional no âmbito regional”, não havendo a necessidade de
declaração específica de aceitação de competência da Corte em um tratado. Também
reforçou sua jurisprudência consolidada em dezenas de casos quanto a sua
competência para analisar violações aos dois instrumentos em questão.

Sexta exceção preliminar – o Brasil apontou suposta falta de esgotamento prévio de


recursos internos, ressaltando que na fase de admissibilidade do caso, levou ao
conhecimento da Comissão Interamericana o fato de que investigações policiais
estavam em curso no momento da denúncia, o que demonstraria que o Brasil não
renunciou ao seu direito de alegar falta de esgotamento prévio. Alegou ainda que, à
exceção de duas pessoas, nenhuma das supostas vítimas recorreu ao Poder
Judiciário para solicitar reparação pecuniária por danos materiais e morais.

A Corte rejeitou a alegação, esclarecendo que o momento oportuno para essa


alegação é antes da análise de admissibilidade da petição pela Comissão
Interamericana. E que o Tribunal concluiu que “as contestações do Estado perante a
Comissão não atenderam aos requisitos de uma exceção preliminar de falta de
esgotamento de recursos internos, porquanto não especificaram os recursos internos
pendentes de esgotamento, ou que estavam em curso, nem expuseram as razões
pelas quais consideravam que eram procedentes e efetivos”.

Sétima exceção preliminar - o Brasil alegou a inobservância do prazo legal de


submissão do caso à Comissão, alegando que a CIDH deveria ter examinado o
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período entre os fatos e a apresentação da denúncia ao órgão, e não o lapso
transcorrido entre os fatos e os relatórios de admissibilidade.

A Corte julgou improcedente a alegação, reafirmando sua jurisprudência


anterior no sentido de que é o momento de admissibilidade da petição, e não o de sua
apresentação, que deve ser considerado ao analisar se houve esgotamento dos
recursos internos. O Tribunal também destacou que analisar a “disponibilidade ou
efetividade das ações nas investigações” cabe ao exame de mérito do caso e
entendeu que “não foi prejudicado o direito de defesa do Estado”.

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5.DIREITOS VIOLADOS

A Comissão Interamericana destacou como “inaceitável” o tempo transcorrido


sem que houvesse uma determinação preliminar sobre a legalidade do uso da força
letal pela polícia carioca. Ressaltou também a imparcialidade, tornando assim as
investigações parciais e vagarosas. Outro ponto destacado, foi a utilização do termo
“autos de resistência” para caracterizar como legitimas as mortes causadas pelos
policiais, transferindo a responsabilidade do acontecido para as vítimas. Com base
nisso, solicitou que o Estado fosse declarado responsável pela violação dos artigos
8.1 e 25.1, em relação com o artigo 1.1 da Convenção, em prejuízo dos familiares dos
26 mortos. Solicitou também que mais uma vez o Brasil fosse acusado pela violação
dos mesmos artigos supracitados, mas dessa vez em prejuízo de L.R.J, C.S.S e J.F.C
acrescentando também a violação do artigo 7 da convenção de Belém do Pará.

Foi alegada a completa violação do princípio da duração razoável do processo,


que visa garantir que os processos, seja na seara judicial ou administrativa, tramitem
em prazo razoável e que sejam assegurados os meios para rápida efetivação e
andamento dos feitos, isso ocasionou a obstrução do acesso das vítimas, nesse caso,
familiares das vítimas, a justiça.

Quanto as três jovens que sofreram violência sexual, foi enfatizado que elas
apenas foram examinadas um mês depois do ocorrido, assim, qualquer vestígio de
violência já havia desaparecido de seus corpos, e que, por mais de 20 anos, não foi
realizada nenhuma diligência para investigar e punir os responsáveis. Eles solicitaram
a responsabilização do Brasil pela violação dos artigos 5, 8 e 25, em relação com os
artigos 1.1 e 2, da Convenção Americana; dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura; e do artigo 7 da Convenção de Belém
do Pará. Em relação à C.S.S e J.F.C., que eram menores de idade à época, apontaram
também violação do artigo 19 da Convenção Americana.

Em seus argumentos, a Comissão Interamericana destacou que a impunidade


e a maneira com que as investigações foram conduzidas, de maneira a estigmatizar
os mortos e suas famílias, causaram aos familiares dos assassinados e às três vítimas
de violência sexual, sofrimento, angústia, insegurança, frustração e impotência. Com

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base nisso, solicitou que o Estado fosse considerado responsável pela violação do
artigo 5.1 da Convenção, em relação com o artigo.

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6.DA CONDENAÇÃO

• O Estado é responsável pela violação do direito às garantias judiciais de


independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo
razoável, estabelecidas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em prejuízo a 37
familiares de vítimas da chacina de 1994 e de outros 37 familiares de vítimas
da chacina de 1995.
• O Estado é responsável pela violação do direito à proteção judicial, previsto
no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos
artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, em detrimento de 37 familiares de
vítimas da chacina de 1994 e de outros 37 familiares de vítimas da chacina de
1995.
• O Estado é responsável pela violação dos direitos à proteção judicial e às
garantias judiciais, previstas nos artigos 25 e 8.1 da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, e os
artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura,
bem como o artigo 7 da Convenção Belém do Pará, em detrimento de L.R.J.,
C.S.S. e J.F.C.
• O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal,
previsto no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de 15 dos
familiares dos mortos e de L.R.J., C.S.S. e J.F.C.
• O Estado não violou o direito à integridade pessoal, previsto no artigo 5.1 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do
mesmo instrumento, em detrimento de outros 66 familiares dos mortos.
• O Estado não violou o direito de circulação e de residência, estabelecido no
artigo 22.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo
instrumento, em detrimento de C.S.S., J.F.C. e L.R.J.

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7.A SENTENÇA

Medidas impostas pela corte


• O Estado deverá conduzir eficazmente a investigação em curso sobre os
fatos relacionados às mortes ocorridas na incursão de 1994, com a devida
diligência e em prazo razoável, para identificar, processar e, caso seja
pertinente, punir os responsáveis. A respeito das mortes ocorridas na incursão
de 1995, o Estado deverá iniciar ou reativar uma investigação eficaz a respeito
desses fatos. O Estado deverá também, por intermédio do Procurador-Geral
da República do Ministério Público Federal, avaliar se os fatos referentes às
incursões de 1994 e 1995 devem ser objeto de pedido de Incidente de
Deslocamento de Competência.
• O Estado deverá iniciar uma investigação eficaz a respeito dos fatos de
violência sexual.
• O Estado deverá oferecer gratuitamente, por meio de suas instituições de
saúde especializadas, e de forma imediata, adequada e efetiva, o tratamento
psicológico e psiquiátrico de que as vítimas necessitem, após consentimento
fundamentado e pelo tempo que seja necessário, inclusive o fornecimento
gratuito de medicamentos. Do mesmo modo, os tratamentos respectivos
deverão ser prestados, na medida do possível, nos centros escolhidos pelas
vítimas.
• O Estado deverá proceder às publicações mencionadas na sentença, nos
termos nela dispostos.
• O Estado deverá realizar um ato público de reconhecimento de
responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso e sua
posterior investigação, durante o qual deverão ser inauguradas duas placas em
memória das vítimas da sentença, na praça principal da Favela Nova Brasília.
• O Estado deverá publicar anualmente um relatório oficial com dados relativos
às mortes ocasionadas durante operações da polícia em todos os estados do
país. Esse relatório deverá também conter informação atualizada anualmente
sobre as investigações realizadas a respeito de cada incidente que redunde na
morte de um civil ou de um policial.

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• O Estado, no prazo de um ano contado a partir da notificação da sentença,
deverá estabelecer os mecanismos normativos necessários para que, na
hipótese de supostas mortes, tortura ou violência sexual decorrentes de
intervenção policial, em que prima facie policiais apareçam como possíveis
acusados, desde a notitia criminis se delegue a investigação a um órgão
independente e diferente da força pública envolvida no incidente, como uma
autoridade judicial ou o Ministério Público, assistido por pessoal policial, técnico
criminalístico e administrativo alheio ao órgão de segurança a que pertença o
possível acusado, ou acusados.
• O Estado deverá adotar as medidas necessárias para que o Estado do Rio
de Janeiro estabeleça metas e políticas de redução da letalidade e da violência
policial.
• O Estado deverá implementar, em prazo razoável, um programa ou curso
permanente e obrigatório sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro,
destinado a todos os níveis hierárquicos das Polícias Civil e Militar do Rio de
Janeiro e a funcionários de atendimento de saúde. Como parte dessa
formação, deverão ser incluídas a presente sentença, a jurisprudência da Corte
Interamericana a respeito da violência sexual e tortura e as normas
internacionais em matéria de atendimento de vítimas e investigação desse tipo
de caso.
• O Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza
necessárias para permitir às vítimas de delitos ou a seus familiares participar
de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida pela polícia
ou pelo Ministério Público.
• O Estado deverá adotar as medidas necessárias para uniformizar a expressão
“lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” nos relatórios
e investigações da polícia ou do Ministério Público em casos de mortes ou
lesões provocadas por ação policial. O conceito de “oposição” ou “resistência”
à ação policial deverá ser abolido.
• O Estado deverá pagar as quantias fixadas na sentença, a título de indenização
por dano imaterial, e pelo reembolso de custas e gastos.

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• O Estado deverá restituir ao Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas, da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a quantia desembolsada durante a
tramitação do presente caso.
• O Estado deverá, no prazo de um ano, contado a partir da notificação desta
sentença, apresentar ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para
seu cumprimento.

Cumprimento da Sentença

• Investigação de violência sexual:

Em setembro de 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) instaurou


procedimento investigatório criminal para apurar os crimes de violência sexual,
conforme determinação da Corte Interamericana. A investigação ficou a cargo do
Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP-RJ.

No início de agosto de 2019, no âmbito do inquérito, o órgão trouxe especialista


colombiana para realizar perícia das mulheres vítimas de violência sexual em 1994. A
perícia foi feita de acordo com o Protocolo de Istambul, conjunto de diretrizes
internacionais para documentação de tortura e suas consequências. O laudo
apontou que uma das vítimas "apresenta um transtorno de estresse pós-traumático
crônico, com sintomas depressivo e ansioso". A perícia também considerou que "há
consistência e coerência entre o relato dos fatos, as experiências traumáticas e os
sintomas esperados em pessoas que sofreram eventos traumáticos descritos".

Em 19 de dezembro de 2019, o Ministério Público denunciou o inspetor da


Polícia Civil Rubens de Souza Bretas e o ex-policial militar José Luiz Silva dos Santos
pelas agressões e crimes sexuais contra L.R.J e C.S.S. Os dois também são acusados
pelas mortes da chacina ocorrida em 1994. Segundo o MP-RJ, os dois agentes
atuaram junto com outros policiais que ainda não foram identificados e com o também
policial militar Plínio Alberto dos Santos, que não foi denunciado por ter sido morto em
2018.

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• Dados da letalidade policial:

O Estado brasileiro ainda não cumpriu a determinação de publicar anualmente


relatório oficial com dados de homicídios ocorridos durante operações policiais ao
redor do país. Naturalmente, também não cumpriu a determinação de que esse
relatório inclua as investigações realizadas a respeito de cada incidente.

• Placa memorial:

O Estado promoveu reunião com os representantes das vítimas em 19 de


março de 2018, acatando, com poucos ajustes, a proposta dos familiares acerca do
conteúdo das placas em memória das vítimas. De acordo com o veículo, a
inauguração das placas na praça principal da Favela Nova Brasília ocorreria até 12
de maio daquele ano.

Segundo a coordenadora do ISER Isabel Pereira, a realização do ato ainda não


ocorreu por algumas divergências entre os familiares e o Estado quanto ao local e às
autoridades que vão comparecer na inauguração, entre outras questões.

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8.CONCLUSÃO

Esse caso reapresenta, não apenas o ocorrido nos anos de 1994 e 1995 na
favela Nova Brasília, mas sim, todo um contexto histórico de descriminalização e
negligência. Temos mais uma vez, o Estado inferiorizando as minorias e usando sua
autoridade para reprimir. O padrão de vítimas permanece o mesmo, negros, pobres,
socialmente descriminalizados e inferiorizados. Mais uma vez temos a negligência do
Estado em cumprir com o seu dever de proteger os bens públicos e além disso em
cumprir com o que lhe foi determinado pela Corte. Das designações feitas pela Corte
Internacional poucas foram realizadas, como exemplo temos a assistência psicológica
que deveria ser concedida aos familiares das vítimas e até o presente momento não
se concretizou. O caso permanece em aberto e até o ano de 2019 seu julgamento não
havia iniciado, alguns dos acusados já faleceram. A indolência do judiciário é mais
uma prova do quanto o Estado negligência seus cidadãos.

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REFERÊNCIAS
https://www.preparaenem.com/historiadobrasil/modernizacaoexpulsaoreurbani
zacao-rio-janeiro.htm

https://reubrasil.jor.br/caso-favela-nova-brasilia-versus-brasil/amp/

https://myrnamack.org.gt/biografia-helen-mack-chang/

https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/pt/cidh/mandato/que.asp

https://www.gov.br/mdh/ptbr/navegueportemas/atuacaointernacional/sentenca
sdacorteinteramericana/copy_of_FavelaNovaBrasiliaSentenca.pdf

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