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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO

CURSO: Direito (2023.1) - primeiro período


DISCIPLINA: Hermenêutica Jurídica

DOCENTE: Thiago Arruda

DISCENTES: Jaana Hellen Alves Paiva e Thiago Natanael de Brito Oliveira

SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a História Jurídico-Social de


Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: leituras
básicas de sociologia jurídica. São Paulo: Pioneira, 1980b, p. 109-117.

RESENHA CRÍTICA - Boaventura de Sousa Santos: Notas sobre a História


Jurídico-Social de Pasárgada.

Em primeira análise, é imprescindível destacar que o termo “Pasárgada” é um nome


fictício dado pelo autor português Boaventura de Sousa Santos a uma favela no Rio de
Janeiro cujo nome ele preferiu omitir. De acordo com Boaventura de Sousa Santos, o
objetivo do texto é trazer um estudo a respeito de como o Estado se relaciona com os
direitos fundamentais das pessoas em um mundo capitalista, baseado principalmente na
busca por lucro. O autor aponta para o “pluralismo jurídico”, termo este referente às
diversas formas de controle em um espaço. Em Pasárgada, ambiente retratado no
experimento social em questão, o fator que mais incide é o do conformismo com a luta
de classes.

Além disso, é decorrido sobre o conceito de favela, sendo ele definido como um
conglomerado ilegal de unidades autônomas, em especial devido aos terrenos serem
irregulares. Esses espaços estão em situação de vulnerabilidade em relação aos demais
espaços, uma vez que é notório neles uma organização não formal, como a estatal, e sim
um conjunto coletivo de normas aplicadas e concordadas entre os moradores da
comunidade. Após dedicar parte da sua publicação nos revelando as principais
palavras-chaves para o seu estudo, Boaventura de Sousa Santos nos traz um exemplo e
um objetivo prático em relação à luta comunitária, que é o da defesa de suas terras e
propriedades, uma vez que estão no centro de disputas territoriais contra indivíduos de
uma classe social mais privilegiada, ou seja, configura a existência de uma luta de
classes.

Posteriormente, nos é falado a respeito da importância de compreender o contexto


histórico de Pasárgada para a aprofundação deste estudo, entender sobre como a favela
saiu do seu auge, na década de 1960, para uma realidade onde as forças coletivas estão
sucateadas. No entanto, Boaventura de Sousa Santos se vê diante de um cenário pouco
favorável a um estudo com riqueza de referências, devido à quase inexistência
documental acerca de como se deu a formação histórica daquele local, restando apenas
as conformar-se com as informações passadas através das fontes orais, ou seja, ouvir
dos próprios moradores a respeito do que eles sabem sobre o caso. Este é um problema
grave, tendo em vista a realidade presente da baixa instrução educacional nessa
coletividade social, onde o tecido é composto por pessoas pobres e marginalizadas à
sociedade.

No capítulo seguinte, são expostas as informações coletadas com os moradores de


Pasárgada em suas entrevistas. A principal delas é a disparidade entre as realidades da
década de 1930 e a atualidade de Pasárgada, em especial no que concerne à terra. De
acordo com os mais velhos, em sua gênese, não existia conflitos de terra no local, pelo
contrário, havia grandes extensões de terra para cada habitante novo. Tempos em que
construíam e derrubavam sem se preocuparem com sanções e perseguições. Já na
década de 1940 os conflitos de posse começaram a surgir, e estes e eram resolvidos com
base na força braçal e com uso da violência, como é retratado na página 4, as disputas
eram travadas com “facas e revólveres”. Aliás, vale destacar que, devido ao avanço do
sistema de justiça e o educacional, a probabilidade de ocorrer violência em disputas de
terras era bem maior do que atualmente.

Posteriormente, os moradores entrevistados falam a respeito das disputas entre os


habitantes e a polícia em que, não bastasse os problemas de propriedades, havia
entraves relacionados a violência policial que, segundo moradores, era habitual na
comunidade, sob a justificativa de combate aos criminosos. Essa realidade não é
comum apenas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, mas em todas as habitações
ilegais ao olhar do Estado, como foi possível observar também no documentário
“Pinheirinho dos Palmares”, realidade encontrada no estado de São Paulo.
Para além de todos os entraves já mencionados, é necessário expor a omissão do
poder judiciário. O fato se dava, segundo moradores, devido ao distanciamento da
classe jurídica para com os residentes de Pasárgada. A figura imposta de advogados e
juízes ao imaginário popular e o abismo econômico e social entre as partes, provocava o
imbróglio. Além disso, soma-se o fato de que a comunidade ali instalada, era ilégal aos
olhos do Direito vigente. Dessa maneira, não haviam condições para que a defesa destes
entes sociais fosse efetuada, e, caso essa defesa chegasse a alguma instância, produziria
o efeito contrário: a penalização dos moradores. A situação retratada neste experimento
social revela a inacessibilidade da justiça para com as partes desfavorecidas, entes a
qual a instituição jurídica deveria atuar como promotora dos direitos básicos de cada
cidadão, e não ao contrário, ceifando vidas inocentes.

Os moradores declararam em suas entrevistas para Boaventura de Sousa Santos que


o Estado negava assistência aos moradores daquele local em todas as áreas
governamentais, pelo fato dos mesmos estarem inseridos em um local que era fruto de
posse. A revelação implica que, para o poder, mais grave era construir uma moradia em
local que estava em desuso do que a negação arbitrária do Estado em prover aos
cidadãos o que lhes é de direito e está contido no artigo quinto da Constituição Federal
de 1988. Nessa seara, foi possível encontrar policiais, também, de certa forma,
operadores do Direito, afirmando que há disparidade entre o direito em teoria e prática,
já que os profissionais da segurança pública são instruídos, pelo Estado, a aplicar o
rigor da lei aos mais pobres, pelo fato de estarem ilegalmente domiciliados.

É preciso destacar, também, que na época do estudo “Notas sobre a História


Jurídico-Social de Pasárgada”, não havia uma organização social sólida naquele local.
Por isso, o acesso à justiça, que, em certos casos, já é dificultado pelo sistema, tornou-se
ainda mais acentuado, promovendo a inexistência jurídica naquele cenário, já que houve
uma privatização possessiva do direito, como é revelado na dissertação do autor
portugûes.

Ainda, é preciso destacar a respeito das mudanças ocorridas em casos de disputas de


posse e propriedade. Dentre elas, se destaca a formalização dos conflitos, que se
manifesta através das várias ferramentas estabelecidas pelo Código Civil, que podem
ser utilizadas, em uma disputa possessória, por ambas as partes, tais como: legítima
defesa da posse, manutenção da posse, interdito proibitório, etc. Esses dispositivos
ajudaram, sem dúvidas, a realizar uma melhor análise desses conflitos sociojurídicos.
.

Ademais, vale ressaltar a respeito da violência policial citada no experimento social.


Como destacado pelo autor, infelizmente, essa realidade ainda é hodierna e, para
constatá-la, basta ficarmos atentos aos jornais televisivos onde, vez ou outra, são vistas
noticías de pessoas inocentes, em sua maioria negros, que foram mortos pela polícia em
uma perseguição aos criminosos, sempre com a imoral desculpa de que foi atingido e
vitimado por uma “bala perdida”.

Em suma, é necessário reiterar que a justiça tende a ser inacessível, capitalista e


arbitrária, criando, assim como em Pasárgada, uma situação de suspensão jurídica. O
texto alerta para que nós, juristas em formação, sejamos mais cautelosos e abertos com
aqueles que verdadeiramente e de modo mais urgente necessitam dos serviços da classe
jurídica, e sejamos capazes de provocar a ruptura do sistema capitalista com o poder
judiciário.

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