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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE JOÃO PESSOA - UNIPÊ

CURSO DE GRADUAÇÃO DE DIREITO

MATEUS CAVALCANTE SILVA

ESTIGMAS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NAS RELAÇÕES ÉTNICO-


RACIAIS

JOÃO PESSOA
2023
MATEUS CAVALCANTE SILVA

Estigmas da legislação brasileira nas relações étnico-raciais

Artigo submetido à Coordenação do curso


de Direito, do Centro Universitário de João
Pessoa - UNIPÊ, como requisito parcial
para obtenção do título de bacharel em
Direito.

Orientador (a): Prof. Dr. Raffael Costa


Diniz

João Pessoa, ____ de ______________de 2023


Banca examinadora:
______________________________________________
Pro. Ms. Raffael Henrique Costa Diniz ORIENTADOR(A)
Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ

______________________________________________
Nome do professor participante da banca de avaliação
Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ

______________________________________________
Nome do professor participante da banca de avaliação
Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ

NOTA:_______
SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................1
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................2
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS.........................................................................................2
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.........................................4
2.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA......................................................................................5
2.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.................................................................................7
3 RACISMO ESTRUTURAL..............................................................................................8
3.1 PERFILAMENTO RACIAL NO BRASIL.................................................................9
3.2 FATORES HISTÓRICOS DO RACISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. .11
3.3 HC Nº 660930 – SP................................................................................................13
4 População Carcerária..................................................................................................15
4.1 CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS...............................................................................15
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................17
REFERÊNCIAS......................................................................................................................19
2

ESTIGMAS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS


STIGMAS OF BRAZILIAN LEGISLATION IN ETHNIC-RACIAL RELATIONS

Mateus Cavalcante Silva

RESUMO
O presente artigo objetiva fornecer por meio de pesquisa bibliográfica, uma visão
acerca dos direitos fundamentais aplicado na teoria do perfilamento racial e os
estigmas trazidos consigo na legislação brasileira. Sendo abordado aspectos como
origem, conceito, natureza jurídica, relação com os direitos humanos, relação com o
princípio da dignidade da pessoa humana, aplicabilidade e as consequências e
disparidade entre a população negra para os demais cidadãos. Irá tratar também do
HC tramitado no STJ acerca da temática, assim como também os fatores históricos
que levaram o perfilamento racial até os dias atuais. Com isso mostrará a existência
do perfilamento racial como consequência do racismo estrutural existente e a
ineficácia jurídica com o tema.

Palavras-chave: perfilamento racial; racismo; direitos fundamentais; abordagem


policial; racismo estrutural.

ABSTRACT
This article aims to provide, through bibliographical research, a vision about the
fundamental rights applied in the theory of racial profiling and the stigmas brought
with it in Brazilian legislation. Aspects such as origin, concept, legal nature,
relationship with human rights, relationship with the principle of authority of the
human person, applicability and consequences and disparity between the black
population and other citizens are maintained. I will also deal with the HC processed
in the STJ on the subject, as well as the historical factors that led to racial profiling
until the present day. With this, it will show the existence of racial profiling because of
the existing structural racism and the legal ineffectiveness with the theme.

Keywords: racial profiling; racism; fundamental rights; police approach; structural


racism.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho analisa a legislação brasileira nas relações étnico-raciais,


acentuando os direitos fundamentais e princípios constitucionais, utilizando-se da
metodologia de estudo bibliográfica. Com isso, será abordado a conceituação e
3

importância dos direitos fundamentais, sendo direitos mínimos e necessários para


subsistência humana, como direito a vida, saúde e liberdade.
Os direitos fundamentais, são direitos presentes no ordenamento jurídico
brasileiro, contidos na lei maior do país. Assim como também os princípios
constitucionais, que exercem um importante papel, como ponto primordial a ser
seguido ao constituir uma lei para regulamentação de atos da vida pública,
atenuando o princípio da isonomia, princípio da legalidade e o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Com isso será abordado os fatores históricos do Brasil, nas relações étnico-
raciais, em foco na população negra, desde a primeira lei que aboliu a escravidão,
as consequências sociais, racismo estrutural e a evolução da legislação brasileira no
tempo. Dessa maneira, havendo um direcionamento ao perfilamento racial e a
inconstitucionalidade, com inobservância aos direitos fundamentais e aos princípios
constitucionais. Além do mais, o perfilamento racial vislumbra como presunção de
crime a cor da pele. Sendo mostrado também casos de perfilamento racial na
legislação brasileira.

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, assim como condiz o título, está relacionado a


princípios, são direitos mínimos, essenciais e necessários para que se viva em
sociedade, que é amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, levando
sempre em consideração a razão, pondo o ser humano e sua essência como fonte.
O Brasil durante boa parte da sua história, teve os direitos fundamentais dos
cidadãos manchado, sendo a população negra vítima da inobservância dos direitos
fundamentais, um exemplo disso foi o trabalho escravo, que foi o pilar da relação de
trabalho durante o período colonial. O trabalho escravo, é um tipo de trabalho no
qual sua base é a exploração, onde não há a preservação do mínimo necessário
para uma vida digna, exercendo trabalhos braçais, que se exigia na maioria das
vezes grandes esforços, sem remuneração, advindo do tráfico de escravos negros,
não existindo o direito à liberdade. (TST, S/N, 2021)
4

Sendo assim, apenas em 1888, o Brasil foi o último país ocidental a abolir
oficialmente a escravatura, que ocorreu com a Lei Áurea, porém sem um mínimo
projeto social de inclusão a sociedade conforme mostra no site informativo do TST:

O Brasil foi o último país ocidental a abolir oficialmente a escravatura, que


ocorreu com a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. A abolição da
escravatura, todavia, restringiu-se a conceder liberdade formal aos ex-
escravos, sem implementar quaisquer políticas públicas inclusivas
relacionadas, como, por exemplo, a reforma agrária, a ampliação do
mercado de trabalho para os libertos, o acesso à educação, à saúde etc. Se
partirmos da premissa de que, “como alguns estudos recentes
demonstraram, a liberdade era (e é) não uma categoria clara e definida,
mas, ao invés disto, um emaranhado de concepções sobre direitos e
proteções”, poder-se-ia afirmar que nem a prerrogativa básica de cidadania,
a liberdade, foi efetivamente concedida.
A despeito das inúmeras discussões historiográficas que permeiam o estudo
da escravidão no Brasil, o fato é que o Brasil tem a sua história marcada por
quase quatro séculos de escravidão, caracterizados pela ausência de
garantia de direitos humanos básicos, exploração, violência e segregação
racial e social. (TST, 2021, P.S/N)

A legislação brasileira houve fortes avanços com a Constituição Federal de


1988, no qual veio para revolucionar as políticas públicas e sociais do Brasil, por
esse motivo é conhecida como a carta Magna da inclusão social, onde veio para
aproximar toda a nação e com a narrativa e tentativa de equidade, sendo os direitos
fundamentais previstos no título II do livro. Para José Afonso da Silva:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a


este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. (SILVA, 2005. p. 178).

Dessa forma segundo a conceituação de José Afonso, pode-se citar como


exemplo a Lei maior brasileira, que trouxe os direitos fundamentais como base de
toda sua formação, preservando e tendo como princípios os direitos fundamentais,
não sendo uma mera finalidade de regra social de convivência, mas sim um direito
positivado, que passou por todo devido processo legal, respaldado em lei, ou seja,
os direitos fundamentais são aqueles que estão atrelados a normas jurídicas, no
qual sem ele o ser humano não convive ou sequer sobrevive.

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


5

O princípio da dignidade da pessoa humana está contido no ordenamento


jurídico brasileiro, e prioriza o ser humano acima de tudo, para a sua preservação e
proteção.
Sendo assim, tem-se em vista também, que as normas e as leis tenham como
base esse princípio, e tomem ele como uma das razões existentes no sistema
legislativo, para que a razão permaneça sempre presente, e garanta que costumes
arcaicos não retomem a sociedade, trazendo malefícios a nação, desrespeitando o
convívio em sociedade e empatia ao próximo.
Um exemplo clássico de conceito do princípio da dignidade da pessoa
humana é de Immanuel Kant, que trata em seu livro “fundamentação da metafísica
dos costumes” a cerca desta problemática, e relata que em tempos passados, a
população tinha como base nas leis, a religião e seus Deuses, sendo assim criada
sem respaldo na razão. Dessa maneira Kant conceitua a dignidade, com a junção da
finalidade, onde se tem o homem como fim em si mesmo, e a autonomia da vontade,
vejamos:

O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como


fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela
vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a
ele mesmo como nas que se dirigem // a outros seres racionais, ele tem
sempre de ser considerado simultaneamente como fim. (KANT, 2007, P. 68)

Segundo o autor, o homem é um fim e não um meio, dessa forma, o


tratamento e direitos que o homem racional traz para si, e para o próximo, criando o
conceito de valoração do que há no mundo e o que tem dignidade. Valor é tudo
aquilo que se pode valorar, ou seja, estipular preço, pois diferente da dignidade é o
meio e não o fim, podendo ser trocado, vendido ou substituído. Entretanto a
dignidade é algo impossível de se estipular valor, é algo que está intrínseco ao
homem em sua natureza e totalidade, não podendo ser vendido, substituído ou
muito menos trocado, pois se sobrepõe a qualquer precificação existente. (KANT,
2007, p. 68).
Um indivíduo apenas por ser humano, já detém da dignidade. Esta é uma
qualidade inerente a condição humana, devendo-se ser considerada e respeitada
por todos. Constitui a dignidade um valor universal, independente das diferenças
físicas, intelectuais, psicológicas, todos são detentores de igual dignidade. Embora
todos sejamos diferentes em suas particularidades e individualidades, apresentam
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em sua condição humana as mesmas necessidades. A dignidade é constituída por


um conjunto de direitos compartilhado por todos os homens, em igual proporção.
Portanto, contesta-se a ideia de que a dignidade humana seja fundamentada na
autonomia da vontade, pois a titularidade dos direitos existenciais, decorre da
própria condição humana, independentemente de qualquer capacidade, seja ela de
se expressar ou até mesmo relacionar. Dispensa a compreensão da própria
existência, pois um homem continua sendo homem, mesmo que perdeu a
consciência da própria dignidade merece tê-la. (André, 2003, p.317).
Dessa forma segundo André Gustavo Corrêa de Andrade, Juiz de Direito do
TJ/RJ, em sua publicação na revista da EMERJ, apenas pelo ato de nascer, todo ser
humano é detentor de dignidade, sendo uma qualidade inerente a condição humana,
configurando um valor universal, independente da cultura ou qualquer outro fator,
seja, psicológico ou até mesmo intelectual, estando distante de qualquer fator físico,
e sim apenas da condição humana.

2.2 PRINCÍPIO DA ISONOMIA

O princípio da isonomia conforme conceituado na constituição brasileira, tem


como finalidade o alcance a igualdade, para que as leis contidas no ordenamento
jurídico tenham a mesma eficácia e alcance para todos, conforme o art. 5º:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição; (BRASIL, 1988).

Faz-se mister ainda salientar conforme constante também na lei maior, o


princípio da isonomia possui uma eficácia supraconstitucional, pois trata-se de um
princípio e direito, no qual as demais normas, devem observar e ter como base,
sendo um dos direitos fundamentais, que possui a finalidade de trazer para a
sociedade a ideia concretizada de igualdade, para que haja equilíbrio na sociedade,
tais como saúde, educação dentre outros, garantindo os direitos fundamentais e que
todos os cidadãos sejam tratados com equidade, para que a Lei seja eficaz e
alcance a todos:
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“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.” (BRASIL, 1988).

Por esse motivo, a partir da perspectiva de países como o Brasil, onde há em


seu contexto históricos altos índices de desigualdade e uma grande disparidade
econômica entre os cidadãos, deve-se tomar medidas para que de fato haja
igualdade.
Nesse sentido, segundo a Agência do senado, o Brasil apresenta 0,539 pelo
índice de Gini (O Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico
italiano Corrado Gini e publicada no documento “Variabilità e Mutabilità” em 1912.),
com base em dados de 2018. Está enquadrado entre os dez países mais desiguais
do mundo, sendo o único latino-americano na lista onde figuram os africanos. E
ainda, se ampliar a faixa de 1% para os 10% dos brasileiros mais ricos, a
participação na renda do país sobe para 41,9% do total. Ou seja, os outros 90% da
população conseguem menos do que 60% da renda total, só para evidenciar a
tamanha disparidade. (Agência Senado, 2021, P. S/N).
Sendo assim não basta que a Lei seja igual para todos, pois há uma
desigualdade em grande escala existente no país sob população, devendo-se tratar
os diferentes de maneira diferente, para que haja paridade na aplicação das leis
vigentes e no equilíbrio da sociedade, principalmente na população mais afetada
pela desigualdade, social e econômica, que decorre por gerações, onde se tem os
negros como grandes afetados. Segundo Rui Barbosa:

[…] a regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente


os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social,
proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar
com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria
desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos
conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a
cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se
todos se equivalessem. (Rui, 2019, P.36)
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Dessa maneira é de extrema importância que se tenha como alicerce esse


princípio em qualquer ordenamento jurídico para que acima de tudo esteja presente
também a equidade, na garantia de acesso aos direitos e normas ali presentes. Com
isso as normas brasileiras, devem-se aplicar como base a isonomia para que as
normas sejam alcançadas e exercidas por todos, preservando assim os preceitos
fundamentais, o princípio da dignidade da pessoa humana e sendo positivada
seguindo o princípio da legalidade.
Vale salientar ainda, que a busca por igualdade possui fatores históricos
entrelaçados, que foram alcançados por diversas lutas, protestos e revoltas para
alcança-la, conforme consta em registros no site IME.USP, 2014 A tríade "liberdade,
igualdade, fraternidade" foi um fator marcante na luta por igualdade, onde no
primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos contém essa tríade:
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos,
dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito
de fraternidade". (Setzer, 2014, P. S/N)
Logo, com a influência da revolução francesa na busca por igualdade, e com
a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, demais países no mundo,
inclusive o brasil passaram a aderir o princípio da isonomia, pois foi um fato mundial,
que deixou explicito uma luta, onde se buscava combater os privilégios contidos no
clero e da nobreza, para que toda a população gozasse de direitos iguais, e não
apenas classes isoladas.

2.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade, tem por objetivo zelar a liberdade, para que o


cidadão exerça sem forças coercitivas exteriores os seus direitos, garantindo assim
a supremacia do Estado, além de trazer segurança jurídica, para que os atos da
vida pública não haja incerteza do que deve ou não ser feito, e assim haver uma
descrição do certo ou errado, com o intuito de combater a arbitrariedade estatal,
contido no ordenamento jurídico brasileiro mais precisamente no artigo 5º, inciso II
da constituição brasileira onde diz que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Brasil, 1988).E sendo conceituado
segundo doutrinador Clever Vasconcelos:
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Cuida-se de um princípio basilar do Estado Democrático de Direito e


tem o fito de combater a arbitrariedade estatal.A norma constitucional tem
como destinatários os três Poderes e os particulares. Deste modo, o Estado,
ao impor um comportamento positivo, uma ação, ou uma conduta negativa,
uma abstenção, deverá fazê-lo por meio de Lei. Enquanto isso, nas relações
privadas, aquilo que não for proibido será permitido.
Em outras palavras, por tal princípio somente lei poderá criar
comandos veiculando uma obrigação – fazer – ou uma abstenção – não
fazer. Na falta da lei, será permitido a todos fazer ou não fazer o que bem
entenderem. Trata-se de um princípio que visa combater a arbitrariedade
estatal. (VASCONCELOS 2017, p. 222)

Sendo assim o princípio é de suma importância para o entendimento de


liberdade, cujo qual todo cidadão é livre para fazer o que bem entende, desde que
não seja proibido por lei, trazendo assim uma segurança jurídica, amparado pela
constituição onde apenas a lei pode criar direitos e deveres, conforme também
mencionado pelo grande professor e jurista Pedro Lenza, 2006, “No âmbito das
relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o
princípio da autonomia da vontade. (Lenza, 2006, p.54)
Dessa maneira, pode-se subentender que é inaceitável não só socialmente,
como também juridicamente, a criação de perfilamento em relações coercitivas do
Estado, pois o papel dos órgãos e cargos do estado é administrar e exercer seu
papel com base na lei.
Sendo dessa maneira incompatível com qualquer intimidação coercitiva que
não provém da lei, pois não sendo dessa maneira teria desequilíbrio com o princípio
da legalidade, que por mais que exista a lei, ela não estaria sendo cumprida,
trazendo insegurança jurídica, falta de liberdade e inconformidade com princípio da
isonomia, que é essencial para qualquer democracia.

3 RACISMO ESTRUTURAL

Para o entendimento do perfilamento racial, cabe pontuar e entender


inicialmente o racismo estrutural, aos olhos doutrinadores contemporâneos,
entende-se que a concepção de racismo estrutural, é aquela que está entrelaçada
com a sociedade, e que vai além de fatores psicológicos.
Sendo assim, pode-se entender que tem como ponto inicial vestígios de uma
sociedade preconceituosa, no qual prevaleceu a divisão entre etnias e outras formas
de preconceito, caracterizando os afrodescendentes como uma raça pejorativa.
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Dessa maneira os atos racistas foram normalizados ao longo do tempo, sendo


decorrente da própria estrutura social, conforme explica o Doutor em Direito Silvio
Almeida.
O racismo é decorrente da própria estrutura social, ou seja, está
contido no modo “normal” que constituem as relações políticas, econômicas,
jurídicas e familiares, não sendo uma doença social, e sim algo que está intrínseco
na sociedade. O racismo é estrutural. Comportamentos institucionalizados e até
mesmo individuais da sociedade são constituídos por uma sociedade no qual o
racismo é uma regra, e não uma exceção. O racismo faz parte de um processo
histórico da sociedade, no qual está enraizado desde as suas origens, e tomam
força como atitudes e comportamentos racistas normalizadas pela sociedade.
(Almeida.Silvio, 2018, P.38) Conforme expresso "O racismo se expressa
concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica.", dessa maneira, a
sociedade impõe por si só padrões de uma raça privilegiada, onde tem-se um
sistema que se sobrepõe sob esta minoria desprivilegiada, seja na esfera política,
econômica ou jurídica.
Com isso "Ser negro no Brasil é, pois, com frequência, ser objeto de um olhar
enviesado. A chamada boa sociedade parece considerar que há um lugar
predeterminado, lá embaixo, para os negros e assim tranquilamente se comporta."
Conforme expressa o artigo "Ser negro no Brasil hoje", publicado pelo geógrafo
Milton Santos na Folha de S. Paulo, em 2000.
Ademais, conforme bem diz, há um olhar enviesado, e ao ligar com a
conceituação do doutor Silvio almeida, é algo estrutural que transcende de geração
para geração, fazendo com que pessoas normalizem em seu dia a dia, atitudes e
falas racistas, pois é algo que está em sua essência.

3.1 PERFILAMENTO RACIAL NO BRASIL

O Brasil tem como consequência de sua história, a concepção de racismo


estrutural, fazendo-se parte dessa estrutura o perfilamento racial, que é embate de
discursões acerca da temática por todo o mundo. A ONU (Organização das Nações
Unidas) discutiu o perfilamento racial, criando um guia “Prevenindo e Combatendo o
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Perfilamento Racial de Pessoas Afrodescendentes: Boas Práticas e Desafios” no


qual conceituou o perfilamento racial da seguinte maneira:

O termo “perfilamento racial” se refere ao processo pelo qual as


forças policiais fazem uso de generalizações fundadas na raça, cor,
descendência, nacionalidade ou etnicidade ao invés de evidências objetivas
ou o comportamento de um indivíduo, para sujeitar pessoas a batidas
policiais, revistas minuciosas, verificações e reverificações de identidade e
investigações, ou para proferir um julgamento sobre o envolvimento de um
indivíduo em uma atividade criminosa. O perfilamento racial resulta
diretamente na tomada de decisões discriminatórias. Há exemplos de
agências de aplicação da lei que visam as pessoas afrodescendentes são
frequentes em diferentes países. (ONU, 2020, S/N).

Portanto é compreensível o entendimento de que o Estado por sua totalidade,


tem o dever de exercer seu papel coercitivo, em alguns casos utilizando da força
através dos agentes policiais. Entretanto, é inaceitável que se utilize dessa prática
para a presunção de crime.
Cabe ressaltar que segundo o guia da ONU, esse tipo de prática viola uma
série de princípios e direitos fundamentais, previstos no direito internacional dos
direitos humanos. Estes incluem os princípios de igualdade e não discriminação
contidos na da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 2 do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigos 1, 2 e 5 da Convenção
Internacional para a Eliminação de Todos Formas de Discriminação Racial e artigo 2
da Convenção sobre os Direitos da Criança. (ONU, 2020, P.5)
Faz-se mister, ainda, salientar, que conforme pesquisa realizada pelo Centro
de Estudos de Segurança Pública e Cidadania (CESEC), 2022, cerca de 63% das
abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro têm como alvo pessoas negras.
Os dados inéditos revelam, segundo a coordenadora do estudo, a socióloga Silvia
Ramos, o caráter racista como centro da atividade policial do estado do Rio de
Janeiro.
Além disso, representantes da ONU durante sua visita ao Brasil, apurou que
há uma sobre representação de brasileiros afrodescendentes no sistema carcerário,
e uma cultura de perfilamento e discriminação racial em todos os níveis do sistema
de justiça (A/HRC/27/68/Add.1, p. 67)
Com isso, resta espelhado com as ações policiais conduzidas de forma à
replicar preconceitos, o “perfil” criado acaba por levar a encarceramento errôneo de
um cidadão, levando-se em consideração apenas sua etnia, havendo a ausência de
evidencias objetivas ou o comportamento de um indivíduo, para sujeitar pessoas a
12

batidas policiais, revistas minuciosas, verificações e reverificações de identidade e


investigações, ou para proferir um julgamento sobre o envolvimento de um indivíduo
em uma atividade criminosa. (ONU, 2020, S/N).
Ainda nessa mesma temática, a recomendação geral nº. 34 (2011) da
Comissão, que trata de discriminação racial contra pessoas afrodescendentes, e
inclui uma seção sobre a administração de justiça, o Comitê sugere que os Estados-
membros devem tomar medidas para prevenir a discriminação pela polícia ou outras
entidades e oficiais de aplicação da lei contra pessoas afrodescendentes,
especialmente em relação a prisões e detenções, e garantir que pessoas
afrodescendentes não sejam vítimas de práticas de discriminação racial ou étnica.
(ONU, 2020, P.7).
O professor do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit), doutor
Ronaldo Marinho, explica que o sistema prisional brasileiro precisa ser modificado.

Nós temos uma política de encarceramento em que houve um


aumento considerável nos últimos dez anos. Esse processo de
encarceramento se deu em virtude de uma cultura de maior rigor
penitenciário. Mas ao mesmo tempo houve um aumento da criminalidade
durante esse período. Nós prendemos muito mal. E entendemos que há um
aprisionamento muito forte da população mais pobre da sociedade, que é a
população negra. (Ronaldo, 2022, S/N)

Esse cenário, na visão do professor doutor Ronaldo Marinho, deve ser


mudado desde o processo de julgamento. Deve-se acreditar na mudança e na
possibilidade de mudar a segurança pública, a partir de dados e evidências.
Investindo cada vez mais na era tecnológica e no trabalho humano. E que possa
sempre observar a equidade, para que as políticas públicas de educação, saúde e
moradia cheguem para as classes menos favorecidas, criando-se um ciclo de
atenção e cuidado, sobretudo com negros e jovens. (Ronaldo, 2022, S/N)

3.2 FATORES HISTÓRICOS DO RACISMO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O Brasil construiu em seu contexto Histórico, desde a sua colonização, uma


sociedade preconceituosa, e com a chegada dos portugueses foi construído uma
civilização a base da exploração, no qual o negro fazia parte como raça submissa,
sendo submetido ao trabalho escravo, no qual tinha restringido seu direito de
liberdade, e sequer existia direitos fundamentais.
13

Segundo o TST, 2021, “O Brasil foi o último país ocidental a abolir


oficialmente a escravatura, que ocorreu com a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.  A
abolição da escravatura, todavia, restringiu-se a conceder liberdade formal aos ex-
escravos, sem implementar quaisquer políticas públicas inclusivas relacionadas,
como, por exemplo, a reforma agrária, a ampliação do mercado de trabalho para os
libertos, o acesso à educação, à saúde etc. (TST, 2021, S/N)
Dessa forma além da Lei Áurea, que foi um importante início de uma norma
contra a escravidão, teve-se a constituição brasileira de 1988, que foi um marco
importante na legislação brasileira em termos de inclusão. (Senado, 2006, S/N)
A bancada anti-racista e seus aliados conseguiram aprovar na Constituição
de 1988 a proposta que tornou a prática do racismo crime sujeito a pena de prisão,
inafiançável e imprescritível. Mas a legislação brasileira já definia, desde 1951 com a
Lei Afonso Arinos (lei. 1.390/51), os primeiros conceitos de racismo, apesar de não
classificar como crime e sim como contravenção penal (ato delituoso de menor
gravidade que o crime).
Com essa norma, houve uma abertura de inclusão, para a plena cidadania
dos negros e mulatos. Em 189, o congresso aprovou a lei 7.716/89 (Lei Caó). Essa
lei explicitou os crimes de racismo, conforme o novo conceito contido na
constituição. (Senado, 2006, S/N)
Além disso, a pressão popular entre os brasileiros por mudança, cada
dia mais cria forças, fazendo com que representantes do país estejam sempre a
discutir a causa. Dessa maneira é de suma importância que haja adequação na lei,
para que se tenha a inclusão e garantia dos direitos fundamentais, pois o racismo é
um espelho da discordância desses preceitos. Havendo em 2023 uma importante
mudança. Embora desde 1989 a Lei 7.716 (Lei de Crime Racial) tenha tipificado
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional, a injúria continua tipificada apenas no Código Penal. Assim, a
pena de um a três anos de reclusão continua para a injúria relacionada à religião ou
à condição de pessoa idosa ou com deficiência, aumentando-se para dois a cinco
anos nos casos relacionados a raça, cor, etnia ou procedência nacional. (Senado,
2006, S/N)
No entanto, cabe ressaltar que é de grande importância o papel do
legislativo no combate ao racismo e defesa da inclusão, para que possa combater
não só o racismo, mas as consequências que advém dele, pois é necessário para
14

garantir a democracia “A democracia só será uma realidade quando houver, de fato,


igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação,
de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja
em termos de raça.” (Fernandes, Florestan. 2017)

3.3 HC Nº 660930 – SP

A prática do perfilamento racial, é algo que está presente no dia a dia da


polícia brasileira. Um desses atos indevidos, está evidenciado no HC Nº 660930 –
SP, impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra decisão de
apelação proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve
sentença de 7 anos, 11 meses e 8 dias de reclusão, em regime fechado, além do
pagamento de 793 dias-multa, pela prática criminosa descrita no art. 33, caput, da
Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas).
Com isso a conduta policial foi feita de maneira indevida e preconceituosa,
uma vez que, utilizou-se inicialmente da cor do indivíduo, para a suspeição e
presunção de crime, criando um estereótipo racial de maneira pejorativa, conforme
mostrado pelo relator do HC em questão
Ao verificar o auto de prisão em flagrante, o relator reconheceu que as
circunstâncias da abordagem policial foram motivadas primeiramente pelo paciente
ser negro. Observa-se no auto redigido pelas autoridades o seguinte relato: “[…]
avistou ao longe um indivíduo de cor negra que estava em cena típica de tráfico de
drogas, uma vez que ele estava em pé junto o meio fio da via pública”, versão
também constatada por outra autoridade: “que ao se aproximarem da rua Santa
Teresa viram um indivíduo negro que se ‘servia’ (sic) algum usuário de droga em um
carro de cor clara”. A cor da pele é a única característica física apresentada ao longo
do documento, e foi o que de imediato ensejou os policiais a realizarem o auto
flagrante. Habeas Corpus nº 660930 (STJ, 2021)
Dessa maneira, esse tipo de abordagem infringe o princípio da dignidade da
pessoa humana, pois é uma medida invasiva, sendo caracterizado por uma busca
pessoal, com a justificativa principal de suspeição por ser um indivíduo negro. No
qual o procedimento correto, é que seja necessário a existência da justa causa para
a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP, bem
como a prova derivada da busca pessoal. Se não havia fundadas suspeitas para a
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realização de busca pessoal no acusado, não há como se admitir que a mera


constatação de situação de flagrância, posterior à revista do indivíduo, justifique a
medida. (STJ, 2021)
Além do mais, quando a abordagem policial leva em consideração
fatores raciais, demonstra ainda mais a presença do racismo estrutural, nos mais
diversos órgãos da sociedade. Dessa maneira fazendo valer a concepção estrutural,
no qual se tem o entendimento de que o racismo não é uma doença ou condição
patológica, e sim algo que é estruturada na sociedade por diversos contextos
históricos, através de atos e atitudes racistas, que foram normalizados ao longo do
tempo, conforme mencionado pelo doutor em direito Silvio Almeida “O racismo é
uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se
constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo
uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.”
Cabe ressaltar ainda, que todo tipo de distinção, é incompatível com os
direitos fundamentais e seus princípios, que estão na carta magna, em especial ao
princípio da isonomia. Com isso perfilamento racial, mostra-se um ato de natureza
inconstitucional, e com inconformidade ao artigo 5º da constituição. Dessa maneira,
com a inconstitucionalidade traz a nulidade, conforme Decidido Questão de Ordem
na Adin nº 652/MA (DJ 04/2/93), Relator Min. Celso de Mello, o STF assim se
manifestou:

EMENTA(...). – O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em


essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade
da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse
postulado fundamental de nosso ordenamento normativo impõe que preceitos
revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente,
relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política,
sob pena de ineficácia e de consequente inaplicabilidade. – Atos
inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em
consequência, de qualquer carga de eficácia jurídica.

Sendo assim, resta ressaltar que a prática de perfilamento racial, fere


diversos preceitos constitucionais, tornando-o inconstitucional e na prática
comprometeria todo um processo jurídico, pois não estaria em conformidade com o
devido processo legal e com a submissão a carta magna.

4 POPULAÇÃO CARCERÁRIA
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Com o Perfilamento racial existente no Brasil, apresenta-se consequências


para a sociedade, em especial para a população negra que sofre com esse tipo de
abordagem, sendo praticamente toda a população carcerária do Brasil, criando
assim uma segregação racial, e aumentando ainda mais a desigualdade social.
Praticamente toda população carcerária do Brasil é negra. É um dado um
tanto quanto intrigante, que precisa ser estudado. Edinaldo césar Santos Junior, juiz
do Tribunal de Justiça de Sergipe apresentou dados, que “Cerca de 63,7% da
população carcerária brasileira é formada por negros”. (CNJ, 2020, S/N)
Ademais, para ter uma real proporção da segregação racial no Brasil, basta
pegar os dados inversos, para levar em comparação com os brancos. Um outro
estudo foi realizado pela Agência Pública de Jornalismo Investigativo em São Paulo,
que demostrou que a quantidade de maconha apreendida com pessoas brancas é,
em média, maior que as negras (1,15 kg contra 145 gramas). Entretanto os negros
são os mais condenados (71,35% contra 64,36%dos bracos). Sendo classificado os
negros como traficantes e os brancos como usuários, dessa maneira surgem
questionamentos, o porquês de os negros serem maioria no sistema prisional
brasileiro. (CNJ, 2020, S/N)
Com isso, evidencia cada vez mais o racismo estrutural em nossa sociedade,
pois o que está presente é uma política de Estado de aprisionamento de negros,
conforme destaca o CNJ: “ O magistrado fez uma retomada histórica da segregação racial no
Brasil, destacando que existe uma política de Estado de aprisionamento de negros, destacando
que o sistema prisional os rotula como criminosos. “Nós mantemos as castas raciais a partir do
sistema prisional ao ignorar as circunstâncias sociais e históricas da população negra”,
completou Santos Junior. “É o delito de ser negro.” (CNJ. 2020, S/N)

4.1 CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS

De acordo com Síntese de indicadores sociais, realizados em 2020, os negros


representam 70% do grupo abaixo da linha da pobreza. Isso demonstra como
perfilamento racial e o racismo, estão diretamente ligados a desigualdade social
existente no Brasil. É um tema que deve ser abordado frequentemente, pois muitos
jovens e adultos negros não possuem oportunidade de emprego ou até mesmo de
uma boa educação, sendo demonstrado no dado acima, a desigualdade de
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tratamento e oportunidades entre brancos e negros. (Síntese de indicadores sociais,


S/N, 2020)
Outrossim, resta também esclarecer que obscuridade do Judiciário com o
perfilamento racial apenas aumenta e prolonga o racismo estrutural existente na
nossa legislação onde sequer tornar nula os atos praticados em inconformidade com
a própria constituição.
De acordo com a ONU (Organização da Nações Unidas) no debate realizado
para discussão de recorrência de casos e desafios para combater o perfilamento
racial “Uma das consequências da aplicação do perfilamento racial é que é ineficaz
e contraproducente, não facilitando a colaboração entre a comunidade e a polícia.”
(ONU, 2020)
A partir de 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial ter violado direitos e
levado muitas pessoas à morte, a ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada
para proteger os direitos de cada indivíduo e garantir que as ações do governo não
ponham em risco a dignidade humana, isso deve acontecer independente de sua cor
da pele ou classe social. No entanto, não conduz com a realidade, de acordo com o
site G1.com, 2020, podemos citar como exemplo o caso de um cidadão negro que
foi espancado e morto no mercado Carrefour em Porto Alegre por dois seguranças
brancos que trabalhava no local. (G1.com, 2020)
Ademais, isso só comprova como as forças policiais usando do perfilamento
em suas abordagens e agindo de maneira desvantajosa e intencional para um
determinado grupo de pessoas, deixando-os constrangidos e incapaz de se
defenderem devido a força policial, na qual muitas vítimas ficam envergonhadas,
pois os atos são realizados na frente de seus próprios familiares.
Dessa forma, atitudes agressivas e emocionais sem qualquer justificativa fere
com o direito básico constitucional, na qual é dever do Governo garantir com a
segurança do cidadão, por isso o policial não deve estipular características de como
deve ser um ladrão ou de que cor deve ser de um ladrão ou suspeito.
É necessário que os policiais ou seguranças de setores privados ou público
coloquem em prática a conduta ética e legal que aprenderam, é um conjunto de
valores, conceitos e práticas passadas para os policiais e que devem seguir, sem
colocar suas emoções ou seus conceitos pessoais em primeiro lugar, pois a
sociedade confia em suas atitudes para proteger seus filhos, pais e parentes.
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Conforme consta no guia da ONU, é importante que os Estados implementem


proibições formais do perfilamento racial. Tais proibições podem assumir a forma de
leis estaduais, códigos de conduta e ética ou procedimentos operacionais
padronizados a serem implementados pelas instituições policiais. (ONU, 2020, P.12)
Desde sua colonização o Brasil já é um país com uma desigualdade racial
gigantesca, muitos negros não possuem liberdade de expressão, pois eram
subordinados pela elite branca, a qual hoje ainda beneficiasse desse marco
histórico. Devido a esse enorme atraso que aconteceu durante anos, ainda no
século XXI temos consequências devastadoras seja na educação, no mercado de
trabalho ou até mesmo na representatividade, onde não representa muitas mulheres
ou homens negros em frente a um telejornal, um desembargador ou um chefe de um
grande hospital. (Almeida, Silvio, 2018)
Como já mencionado, o perfilamento racial é uma prática que infringe uma
série de direitos fundamentais, no qual o judiciário tem o importante papel de
combate, a esse sistema de racismo estrutural, pois como bem diz a conhecida e
incisiva frase da filósofa Ângela Davis “Numa sociedade racista, não basta não ser
racista. É necessário ser antirracista”.
Com isso enquanto houver a aceitação desse tipo de abordagem, como o do
HC nº660930 – SP, no qual, não se tem a punição dos agentes, irá se perdurar-se
por anos com essa espécie de retrocesso. Criando-se assim uma insegurança
jurídica, pois não age em concordância com o princípio da legalidade, uma vez que
por mais que exista leis antirracistas no ordenamento jurídico, não são seguidos
durante sua aplicação, pois resta claro a inconformidade com o direito a igualdade
garantido no artigo 5º da carta magna, sendo assim torna um ato inconstitucional,
que precisa ser revisto aos olhos do judiciário, não só pela nulidade como também
pela punição dos servidores responsáveis.
Não obstante a generalidade arguida pelo autor, o Superior Tribunal de
Justiça tem se debruçado sobre a quaestio iuris, e por diversas oportunidades
constatou abusos praticados pelas forças policiais na execução das buscas
pessoal e domiciliar, concedendo a ordem para reconhecer a nulidade das provas
obtidas nessas buscas irregulares, com a consequente absolvição dos acusados.
(HC nº660930 – SP).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A lei maior brasileira, tem grande importância para que o legislativo exerça
seu papel perante a sociedade, garantindo os direitos mínimos e essenciais para a
sobrevivência. Essas garantias são os direitos fundamentais, como o direito à vida,
saúde e educação, sendo um direito mínimo e essencial para a existência humana.
Além disso, deve-se destacar também os princípios constitucionais, como
bem diz o nome, são primordiais para que as demais normas e atos da vida pública
estejam em plena conformidade, em especial o princípio da isonomia, para que as
leis e atos da vida pública tenham a mesma eficácia para todos, sem distinção de
raça, cor ou qualquer que seja a diferença.
Cabe pontuar, que fatores históricos no Brasil evidenciam a luta por igualdade
e inclusão da população negra. Desde a lei que aboliu a escravidão (Lei Áurea), a
população negra nunca foi inclusa na sociedade, com isso, soa um efeito dominó de
desigualdade, no qual não se observa os direitos fundamentais e trás também como
consequência, o preconceito enraizado na sociedade.
Chegou-se ao entendimento que o Brasil mostra números alarmantes de
preconceito, principalmente com a população negra, onde no âmbito criminal, o
maior percentual das abordagens policiais tem como alvo pessoas negras.
Sendo assim resta figurado que as abordagens policiais, utiliza-se do
perfilamento racial como fator de presunção de crime. Além de invadir a
pessoalidade, é um ato inconstitucional, pois fere o princípio da isonomia contido no
artigo 5º da constituição brasileira, assim como também deixa de levar em
consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo um tipo de
abordagem evasiva e desconsiderando fatores humanitários em igualdade a todos.
Além do mais, uma vez constatado esse tipo de abordagem, é caracterizado
como uma atitude racista. Pois utiliza-se de revista pessoal sem qualquer suspeita
específica, levando-se em consideração apenas a cor da pele. Desta feita, uma vez
que o ato é inconstitucional, o entendimento é que deve ser declarado sua nulidade.
Com isso o racismo existente no Brasil, está presente em toda sua estrutura social,
política e econômica.
E ainda, por mais que a legislação do Brasil, houve avanços significativos,
mostra-se falha no que tange as relações étnico-raciais. Uma vez que o país
demonstra dados tão desproporcionais entre etnias, evidência cada vez mais o
racismo e a desigualdade social. Pois apesar de existir lei, o racismo está presente
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em sua aplicação e na estrutura do poder coercitivo do Estado, criando-se uma


vasta insegurança jurídica na população negra, desrespeitando a constituição e as
normas existentes.
Por fim, conclui-se que é de suma importância que o legislativo cumpra seu
papel na criação de normas inclusivas, e o governo exerça sua função educativa
para com a sociedade, sendo essencial no combate ao racismo estrutural existente
no Brasil. Além de garantir que o judiciário cumpra o seu papel de defesa e
aplicação da constituição, pois é primordial para a existência da isonomia e
segurança jurídica, com a democracia construída pela igualdade, liberdade e
fraternidade.

REFERÊNCIAS

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Onu, PREVENINDO e COMBATENDO o PERFILAMENTO RACIAL de PESSOAS


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https://www.cnj.jus.br/o-encarceramento-tem-cor-diz-especialista/, 2020.

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Andrade, André. O Princípio Fundamental da Dignidade Humana e sua
concretização judicial, Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003

RECORDISTA em desigualdade, país estuda alternativas para ajudar os mais


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