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O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO SOB A PERSPECTIVA DAS OBRAS DE

FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

Vitória Caroline Ferreira de Lima Morais 1


Sócrates Alves Pedrosa 2

RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar a efetividade da Lei de Execução Penal, tendo como
referenciais teóricos, dois grandes clássicos das obras literárias de Fiódor Dostoiévski,
como também, realizar uma equiparação de ambas – a fim de demonstrar como tais
obras ainda refletem nos dias atuais. A justificativa em escolher o assunto para
desenvolvimento desse trabalho de conclusão de curso, deve-se a sua relevância
social, levando em consideração sua perceptibilidade no âmbito jurídico, tal como, sua
importância em meio às argumentações e divergências mediante os desafios na
busca de melhorias do sistema prisional brasileiro. A problemática que foi o âmago
desse estudo, é saber como e em que medida o ordenamento jurídico brasileiro tem
evoluído para garantir os direitos dos apenados? Tendo a metodologia alicerçada às
pesquisas bibliográficas, foi possível concluir a ineficácia no que diz respeito à
aplicabilidade da Lei 7.210/1984. Os resultados apontam que ao longo da história
brasileira, nosso sistema prisional encontra-se inerte, estagnado no tempo e espaço,
e diante disso, conforme as informações obtidas, vê-se que mudanças são
imprescindíveis, e, nesse sentido, explanar-se-á a narrativa de uma hipótese para a
solução da problemática apresentada no tocante aos direitos dos apenados em nosso
ordenamento jurídico.

Palavras-chave: LEI DE EXECUÇÃO PENAL. DOSTOIÉVSKI. DIREITOS.

THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM FROM THE PERSPECTIVE OF WORKS


FIÓDOR DOSTOIÉVSKI
ABSTRACT

1 Estudante; Faculdade Evolução Alto Oeste Potiguar; vcarolinemorais@gmail.com.


2 Orientador; Faculdade Evolução Alto Oeste Potiguar; socratesap@hotmail.com.

1
The objective of this article is to analyze the effectiveness of the Law of Criminal
Enforcement, having as theoretical references, two great classics of the literary works
of Fiódor Dostoiévski, as well as perform a comparison of both - in order to
demonstrate how such works still reflect today. The justification in choosing the subject
for the development of this final paper is due to its social relevance, taking into
consideration its perceptibility in the legal field, as well as its importance in the midst
of the arguments and divergences in the search for improvements in the Brazilian
prison system. The problem, which was the core of this study, is to know how and to
what extent the Brazilian legal system has evolved to guarantee the rights of convicts.
Having the methodology based on bibliographical research, it was possible to conclude
the inefficiency regarding the applicability of Law 7.210/1984. The results point out that
throughout Brazilian history, our prison system is inert, stagnant in time and space,
and therefore, according to the information obtained, we see that changes are
essential, and in this sense, will explain the narrative of a hypothesis for the solution
of the problem presented regarding the rights of prisoners in our legal system.

Keywords: PENAL EXECUTION LAW. DOSTOIÉVSKI. RIGHTS

1 INTRODUÇÃO

Qual é o papel do Estado na proteção dos direitos e dignidade dos apenados e


a importância desses direitos para o sistema jurídico? O Estado tem o dever de
promover e assegurar o indispensável a esses indivíduos através do princípio da
dignidade da pessoa humana, “[...] é preciso que o princípio não se limite ao texto de
lei e obtenha efetividade na estrutura social”. (NADER, 2005. P. 175).
O presente artigo, objetiva tratar sobre o sistema prisional brasileiro à luz das
obras de Fiódor Dostoiévski (Crime e Castigo e Memórias da casa dos mortos),
trazendo à tona a Lei de Execução Penal nº 7210/1984. Não limitando-se tão somente
ao direito (propriamente dito), hão de ser abordados temas voltados para a área da
Filosofia, Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito Penal.
A justificativa do tema em comento para a execução desse trabalho, deve-se a
sua relevância social, levando em consideração sua perceptibilidade no âmbito
jurídico, tal como, sua importância em meios às argumentações e divergências

2
mediante os desafios na busca de melhorias do sistema prisional brasileiro. A
metodologia utilizada foi a revisão de literatura, pesquisa bibliográfica, com análise
qualitativa, método dedutivo, buscando relacionar em doutrinas as principais
informações que deem alicerce a presente discussão. A problemática que foi o âmago
desse estudo, é saber como e em que medida o ordenamento jurídico brasileiro tem
evoluído para garantir os direitos dos apenados?
Indubitavelmente, esse é um dos temas mais discutidos no âmbito jurídico –
em que, em suas circunstâncias, se é abordada a mesma finalidade: evidenciar a
situação do sistema prisional brasileiro e apontar seus problemas. Não obstante disso,
porém, não restringindo-se somente a isso, esse trabalho visa fazer uma abordagem
acerca de clássicos da literatura, evidenciando como tais obras refletem em nosso
país nos dias atuais.
De modo geral, iremos trazer à tona informações que muitos já conhecem,
através da literatura – sendo também uma forma de incentivar à leitura de clássicos
tão importantes para que possamos desenvolver um senso crítico acerca de assuntos
– principalmente voltados à área do direito, não limitando-nos apenas a leis ou
doutrinas. Como disse José Saramago: "A leitura é, provavelmente, uma outra
maneira de estar em um lugar”.

2 CONTEXTO HISTÓRICO: ENREDO DO SISTEMA PRISIONAL NO BRASIL

O sistema prisional teve sua origem no caos, sendo uma das bases para a
resolução de conflitos – ou ao menos, a tentativa para que isso ocorresse. A alusão
inicial, acerca da prisão no Brasil, foi citada no Livro V das Ordenações Filipinas do
Reino – Código de leis Portuguesas que foram implantadas no Brasil Colonial. “A pena
era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada
violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais,
falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos”.
(ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1870, P. 91).3
No período do Brasil Colônia, alguns dos condenados em Portugal eram
trazidos para o Brasil – até 1808 isso era corriqueiro. Não possuíamos legisladores,
por esse motivo, seguíamos o estipulado nas leis de Portugal. De modo geral, a prisão

3Ordenações Filipinas. Livro V, títulos XXXII, XXXV, XLII, XLV, XLIX, LII, LVI. Rio de Janeiro,
Typographia do Instituto Philomathico, 14ª edição, 1870, p. 91 e segs.

3
existia, sendo utilizada para o cárcere das pessoas que aqui cometiam crimes – sendo
necessário destacar que, os apenados que chegavam de Portugal, viam para
trabalhar, diziam-se que essa era uma forma de ressocialização.
A primeira cadeia do Brasil foi construída no Rio de Janeiro no ano de 1769,
era chamada de espinha de peixe – em 2010 foi implodido para a construção do que
atualmente é conhecido como o complexo habitacional ‘MINHA CASA MINHA VIDA’.
Após a Independência do Brasil, em 1824, houve a promulgação da Constituição
Federal. Foi-se elaborado alterações no sistema punitivo, extinguindo por exemplo, a
pena de tortura e açoite – exceto para os escravos, que ainda sofriam preconceito e
racismo por não serem vistos com outros olhos pela sociedade. Ela também
estabelecia que “as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a
separação dos réus conforme a natureza de seus crimes”. (CONSTITUIÇÃO DO
IMPÉRIO DO BRASIL, ARTIGO 179)4
Depois, de mais de 65 anos, em 1890, foi-se criado um novo Código Criminal,
no qual, é alterado o sistema prisional, podendo-se destacar nessas novas
implementações, a prisão domiciliar e o trabalho obrigatório. Em 1891, surge a
Constituição Republicana, o período que iniciou sendo governado pelos militares,
Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Uma das maiores mudanças/melhorias foi a
extinção da pena de Galés. Em 1934 foi promulgada a Constituição da República
nova, elaborada com o intuito de gerar igualdade, justiça e bem-estar social.
O ano era 1937, o Estado Novo imperou com autoritarismo e censura. Getúlio
Vargas prevaleceu com regimes antidemocráticos e cruéis. Com o regime inflexível,
houve rigorosidade nos presídios – podendo até mesmo, ser assimilado com o que
aconteceu no lapso do Golpe Militar. Em 1964, houve a instauração do Regime Militar.
O dia 31 de março de 1964, foi marcado pelo Golpe Militar. O Estado estava em uma
desordem, e, trazendo à tona os condenados a prisão, podemos destacar que, eles
foram submetidos a situações desumanadas – a começar pela tortura até à morte.
E, após tanto retrocesso, em 1984 houve a alteração do Código Penal – Lei
7.210/1984 – na qual, enuncia acerca da devida assistência/resguardo ao apenado.
Tendo como base o argumento de Santos (1998, P. 13), “[...] a Execução Penal tem
por finalidades básicas tanto o cumprimento efetivo da sentença condenatória como

4 Constituição do Império do Brasil. título VIII, artigo 179, número XX. Rio de Janeiro, Alves & Cia,
s.d. 1 volume.

4
a recuperação do sentenciado e o seu retorno à convivência social”. Nessa mesma
perspectiva, Santos também afirma que:
Estão definidos no artigo 41 da LEP, em quinze incisos, que reúnem
um amplo aspecto de garantias, a saber: alimentação suficiente e vestuário,
atribuição do trabalho e sua remuneração, previdência social, constituição de
pecúlio, proteção contra qualquer forma de sensacionalismo, entrevista
pessoal e reservada com o advogado, e assim, por diante. (SANTOS, 1998,
p. 26).

No entanto, há a deficiência na eficácia da aplicação da lei, o que nos leva a


crer que, a única alternativa que nos resta é apegarmo-nos à utopia de que um dia
poderemos apreciar a Lei de Execução Penal na vida real e não somente a miragem
do que é apresentado no papel.

3 FIÓDOR DOSTOIÉVSKI: DO CRIME AO CASTIGO

Fiódor Dostoiévski, foi um escritor russo, responsável por elaborar obras


primas. Em 1849, Dostoiévski foi preso e sentenciado a morte, por envolvimento com
grupos revolucionários na época czarista – fazia parte de um grupo progressista que
discutia ideias socialistas – porém, teve sua pena alterada para 4 anos de trabalho
forçado na Sibéria no século XIX. Em algumas de suas obras, Fiódor Dostoiévski
tratava no que diz respeito às condições e moralidades humanas – essas feitas, são
facilmente notadas em narrativas voltadas à criminalidade, como apresentado em
seus livros: Crime e Castigo e Memórias da casa dos mortos.
No livro Crime e Castigo, o autor narra a história de um universitário chamado
Raskólnikov, que está enfrentando dificuldades financeiras, e por consequência desse
fato, se vê obrigado a desistir dos estudos. Apesar de ser uma família humilde, eles
sempre valorizaram o conhecimento, e diante disso, sua mãe e irmã não mediam
esforços para ajudá-lo em tudo que fosse necessário.
Em determinado momento, sem muitas alternativas, vê-se obrigado a cometer
um homicídio em nome do bem maior – argumento que apresentou em um artigo, no
qual, defendia que alguns crimes deveriam serem eximidos de culpa ou castigo, pois
resultavam um bem maior.
Tendo como base essa teoria, Raskólnikov premeditou e cometeu o crime
contra uma velha agiota – em que, considerava-a uma pessoa desagradável, além de
explorar os pobres com a prática de cobrar juros abusivos. Apesar de todo o seu plano

5
ter sido bem elaborado, no percurso, houve um vexame: ele matou a testemunha do
delito.
Ele tinha consciência de que o segundo assassinato não se encaixava em sua
teoria – o crime é premeditado e o castigo é o remorso – o castigo baseia-se em todo
o processo de culpa, apesar de não se arrepender, mas sempre o justificar:
se ao menos o destino lhe tivesse mandado o arrependimento, um
arrependimento abrasador que despedaça o coração, afugenta o sono, um
arrependimento cujo suplícios provocam visões da forca e da voragem, oh,
isso deixaria alegre sofrimentos e lágrimas, ora, isso também é vida, mas ele
não se arrependia do seu crime. (DOSTOIÉVSKI, 2016, p. 555).5

Enquanto no livro Crime e Castigo, o autor nos apresentou a dificuldade que é


lidar com nossos fardos, na obra Memórias da casa dos mortos, nos é evidenciado a
dura realidade da relação interpessoal em condições desumanas.
Memórias da casa dos mortos, foi publicada originalmente entre 1860 e 1862,
em uma revista intitulada por Mundo Russo. Nesse livro autobibliográfico, Dostoiévski
conseguiu transmitir como era a calamidade da prisão em que esteve no período de
4 anos. Com enfoque no castigo, seria indispensável que houvesse a escolha
adequada para o processo de disciplina que o apenado seria incluso, conforme
destacou Foucault:
Eis, porém, que durante o julgamento penal encontramos inserida agora uma
questão bem diferente de verdade. Não mais simplesmente: “O fato está
comprovado, é delituoso?” Mas também: “O que é realmente esse fato, o que
significa essa violência ou esse crime? Em que nível ou em que campo da
realidade deverá ser colocado? Fantasma, reação psicótica, episódio de
delírio, perversidade?” Não mais simplesmente: “Quem é o autor?” Mas:
“Como citar o processo causal que o produziu? Onde estará, no próprio autor,
a origem do crime? Instinto, inconsciente, meio ambiente, hereditariedade?”
Não mais simplesmente: “Que lei sanciona esta infração?” Mas: “Que medida
tomar que seja apropriada? Como prever a evolução do sujeito? De que modo
será ele mais seguramente corrigido?” Todo um conjunto de julgamentos
apreciativos, diagnósticos, prognósticos, normativos, concernentes ao
indivíduo criminoso encontrou acolhida no sistema de juízo penal. Uma outra
verdade veio penetrar aquela que a mecânica judicial requeria: uma verdade
que, enredada na primeira, faz da afirmação de culpabilidade um estranho
complexo científico-jurídico. (FOUCAULT, 2013, p. 23)

O narrador expõe como era seu cotidiano – a tortura era incessante, a situação
da enfermaria era horrenda e as condições de higiene eram precárias: os detentos
conviviam com pulgas e percevejos. Através de seu sofrimento e observações, ele
chega a constatar que a prisão não apresenta efetividade na reabilitação dos presos,
mas, o inverso disso:

5 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. São Paulo: Editora 34, 2016.

6
é claro que as prisões e o sistema de trabalhos forçados, não
reeducam o criminoso, pelo contrário: eles apenas o castigam e
salvaguardam a sociedade de futuros atentados dos facínoras contra sua
paz. No próprio criminoso a prisão e os mais intensos trabalhos forçados,
amplificam apenas o ódio, a sede de prazeres proibidos e uma terrível
leviandade. No entanto, tenho a firme convicção de que o famoso sistema de
celas, atinge apenas um objetivo falso, aparente e enganador. Suga a seiva
viva do homem, enervar- lhe a alma, debilita, assusta e depois nos apresenta
uma múmia moralmente ressequida, um semilouco como modelo de
reeducação e arrependimento. É claro que o criminoso que se rebela contra
a sociedade a odeia, e quase sempre considera a si mesmo um inocente e a
sociedade culpada. Ademais, só foi castigado por ela e por isso quase
sempre acha que está purificado, que está quite com ela. (DOSTOIÉVSKI,
2020, p. 46).6

Em meio a tantas turbulências, os presos idealizavam o princípio da dignidade


humana, tendo em vista a profunda injustiça por serem tratados menos que gente,
como elencado no seguinte trecho:
de modo geral todo tratamento desdenhoso, toda hostilidade, irrita-
os de condição inferior. Alguns acham por exemplo, que alimentando bem os
presidiários e mantendo-os direito, já fazem tudo de acordo com a lei e
assunto encerrado. Isso também é um equívoco, qualquer um, seja quem for,
e por mais humilhado que se sinta, mesmo que instintivamente, mesmo que
inconscientemente, ainda assim exige respeito à sua dignidade humana. O
próprio detento, sabe que é um detento e conhece o seu lugar perante um
superior, mas nenhuma marca de açoite o faz esquecer que é um homem e
como é efetivamente um homem, logo é preciso que receba um tratamento
humano. Meu Deus, um tratamento humano pode humanizar até mesmo
aquele em que há muito tempo se apagou a imagem divina, é a esses
infelizes que cabe dispensar o tratamento mais humano, isso é a sua
salvação e a sua alegria. (DOSTOIÉVSKI, 2020, p. 154).7

Todavia, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o autor relata


como aquele lugar o deixou mais forte e o fez refletir acerca de seus achismos e
convicções, “[...] eu pensava, eu resolvia, eu jurava a mim mesmo, que em minha vida
futura não haveria mais nem os erros, nem as quedas de outrora...” (DOSTOIÉVSKI,
2020. P. 341). Experiência que o fez idealizar a busca por uma nova forma de viver –
o que, na maioria dos casos, não acontece – pelo o contrário, muitos utilizam essa
vivência como justificativa para cometerem novamente os mesmos erros.

4 O REFLEXO DO PASSADO EM NOSSA REALIDADE

A Lei 7.210/1984, deve garantir ao apenado a devida assistência/garantias,


todavia, a realidade é o oposto disso. Há presídios que são precários e desumanos –

6 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Escritos da casa morta. São Paulo: Editora 34, 2020.
7 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Escritos da casa morta. São Paulo: Editora 34, 2020.

7
divergindo da Constituição Federal, no tocante aos princípios fundamentais em seu
art. 1º, III – princípio da dignidade da pessoa humana. Deste modo, podemos afirmar
que é imprescindível que o Estado cumpra as normas estabelecidas em lei, tal como,
assegure os direitos instituídos por elas, enfatizando o que dispõe a Lei de Execução
Penal, em seu art. 10: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”.

Diante disso, há o pré-julgamento de que a dita Lei é ineficaz, na qual, ocasiona


a dificuldade na ressocialização, como expressa Mirabete, quando afirma que a
falência de nosso sistema carcerário tem sido uma das maiores mazelas do modelo
repressivo brasileiro, na qual, envia condenados para penitenciárias, com a finalidade
de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse
indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente,
com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação
ao que o conduziu ao cárcere.8

Isto posto, expor um comparativo com base nesses aspectos é fundamental,


para que possamos nos apartar da ideia de que: o fato de algo está no papel, não
necessariamente quer dizer que ela está sendo aplicada na prática – será que o Brasil
faz jus ao lema que traz na bandeira?

De acordo com BAKHTIN (1984, p. 90):

Como artista, Dostoiévski não criou suas ideias da mesma forma que
filósofos e acadêmicos criaram as suas – ele criou imagens de ideias
encontradas, escutadas, algumas vezes previstas por ele na própria
realidade, isso é, ideias já existentes ou entrando na vida como forças-ideia.
Dostoiévski possuía um dom extraordinário para ouvir o diálogo de sua
época, ou, mais precisamente, para ouvir sua época como um grande
diálogo, para detectar nela não somente vozes individuais, mas precisa e
predominantemente a relação dialógica, entre vozes, sua interação dialógica.
Ele escutou tanto as vozes altas, reconhecidas e reinantes de sua época, isso
é, as ideias dominantes (oficial e não oficial), como também as vozes ainda
fracas, ideias ainda não plenamente emergidas, ideias latentes escutadas por
ninguém além dele mesmo, e ideias que estavam recém começando a
amadurecer, embriões de futuras visões de mundo. “Realidade em sua
totalidade”, Dostoiévski escreveu, “não se exausta pelo que está
imediatamente a mão, pois uma parte dominante desta realidade está contida
na forma de um futuro Mundo latente e tácito ainda”. 9

8 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, p.89, 2008.

9As an artist, Dostoevsky did not create his ideas in the same way philosopher or scholars create theirs – he created
images of ideas found, heard, sometimes divined by him in reality itself, that is, ideas already living or entering

8
Com isso, as obras de Fiódor Dostoiévski não podem ser vistas como meras
histórias de ficção, pois, essas tramas vão muito além disso – sendo tais obras
completamente relevantes para a criminologia e nossa realidade, pois não somente
retrata de forma idealizada o que aconteceu em uma prisão, mas, utiliza-se de fatos
vivenciados. Esses clássicos literários conseguem nos transportar para o submundo
no qual ele esteve preso –, submundo esse, em que muitos vivem atualmente E nesse
mesmo aspecto, Assis dispõe:
Dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são
desrespeitadas, o preso sofre principalmente com a prática de torturas e de
agressões físicas. Essas agressões geralmente partem tanto dos outros
presos como dos próprios agentes da administração prisional. O despreparo
e a desqualificação desses agentes fazem com que eles consigam conter os
motins e rebeliões carcerárias somente por meio da violência, cometendo
vários abusos e impondo aos presos uma espécie de disciplina carcerária que
não está prevista em lei, sendo que na maioria das vezes esses agentes
acabam não sendo responsabilizados por seus atos e permanecem impunes.
(ASSIS, 2007, p. 9).10

Ao deparar-se naquele lugar, em que, a miséria e opressão imperavam,


constatou que uma análise do homem após tudo aquilo vivenciado, seria elaborada
de forma equivocada, pois, somente passando por tudo aquilo, seria possível apreciar
cada indivíduo em suas peculiaridades.
Deverei descrever aqui toda essa vida, todos esses anos de trabalho
forçado? Creio que não. Se tivesse de contar, por ordem, tudo quanto vi e
sofri durante esse tempo, duplicaria, ou triplicaria até o número de capítulos
deste livro. (DOSTOIÉVSKI, 2020, p. 105).11

[...]

life as idea-forces. Dostoevsky possessed an extraordinary gift for hearing the dialogue of his epoch, or, more
precisely, for hearing his epoch as a great dialogue, for detecting in it not only individual voices, but precisely and
predominantly the dialogic relationship, among voices, their dialogic interaction. He heard both the loud,
recognized, reigning voices of the epoch, that is, the reigning dominant ideas (official and unofficial), as well as
voices still weak, ideas not yet fully emerged, latent ideas heard as yet by no one but himself, and ideas that were
just beginning to ripen, embryos of future worldviews. ‘Reality in its entirety’, Dostoevsky himself wrote, ‘is not
to be exhausted by what is immediately at hand, for an overwhelming part of this reality is contained in the form
of a still latent, unuttered future World”.

10 ASSIS, Rafael Damasceno. As prisões e o direito penitenciário no Brasil.


11 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Escritos da casa morta. São Paulo: Editora 34, 2020.

9
Estes cegos executores da lei nunca compreendem nem são capazes de
compreender que a aplicação da lei, à letra, sem ter em conta o seu espírito,
conduz diretamente à rebelião e não pode conduzir a outra coisa. “A lei assim
o determina! Que mais querem?”, exclamam, sinceramente surpreendidos
que se lhes possa pedir que tenham, a par da aplicação da lei, bom senso e
sobriedade. (DOSTOIÉVSKI, 2020, p. 107).12

Concomitante, pode-se perceber, que ele demonstra como a forma em que a


vive ou o ambiente que ela está inserida, consegue-a afetar:
Na comuna não existem esses papéis. E organiza-se a comuna para
que não haja tais papéis. Na comuna esse papel lhe modificaria toda a
essência atual, e o que aqui é tolo lá se torna inteligente, o que aqui, nas
atuais circunstâncias, é antinatural, lá se torna perfeitamente natural. Tudo
depende da situação e do meio em que o homem vive. Tudo depende do
meio, e o próprio homem é nada. (DOSTOIÉVSKI, 2020, p. 379). 13

Destarte, o sistema prisional tem a obrigação de estabelecer ao infrator


requisitos que assegurem a dignidade da pessoa humana, assim o art. 88 da Lei de
Execução Penal dispõe que:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração,


insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Tal como, art. 12 e 14 da referida Lei:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no


fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

[...]

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo


e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
§ 2º Quando o estabelecimento penal não tiver aparelhamento para prover a
assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante
autorização da direção do estabelecimento.

Parágrafo completamente contraditório, quando comparado à realidade. Ao


contrário disso, assistimos à superlotação, precariedade nas condições de vida – a
começar da alimentação, tal como, assistência médica. É lamentável assistirmos o

12 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Escritos da casa morta. São Paulo: Editora 34, 2020.
13 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Escritos da casa morta. São Paulo: Editora 34, 2020.

10
que acontece nas prisões, sem que possamos fazer nada – e, quando exigido, nada
daquilo é realizado. Garantias mínimas precisam serem efetivadas, todo ser deve ser
digno de ter ao menos aquilo que lhe asseguram o direito e princípio constitucional. À
vista disso, enuncia (PAULO e ALEXANDRINO, 2011) que, esse princípio, tem como
consequência o reconhecimento de que os direitos sociais assegurados na
Constituição devem ser efetivados pelo Poder Público. Muitas das vezes o Estado
deixa de cumprir suas obrigações sob uma alegação genérica de que “não existem
recursos suficientes”. A não efetivação de direitos constitucionalmente assegurados
somente se justifica se for possível demonstrar a impossibilidade econômica de sua
concretização pelo Estado.

Também podemos destacar a violência presente nos presídios – a superlotação


e a escassez de agentes penitenciários são fatores determinantes para que haja ira
no ambiente – que segundo a lei – deveria ao menos trazer comodidade. Segundo a
doutrina de D’urso, a nação reclama reformas profundas no sistema, e nesse sentido
portanto cabe às autoridades observar os reclamos da população e responsabilizar-
se com os apenados a fim de que haja sucesso de sua recuperação, o que, até hoje,
infelizmente, se tem mostrado como uma grande utopia.14

Quanto às garantias que devem ser estabelecidas, aponta Assis:


As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os
direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais. Em
nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do
Preso. Já em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo
5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção
das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica - a Lei
de Execução Penal - os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os
direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na
execução penal. (ASSIS, 2007, p. 15).15

No que diz respeito à ressocialização, é improvável falarmos sobre, pois, não é


estabelecido o que dita o art. 83 da Lei 7.210/1984: “o estabelecimento penal,
conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços
destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Falta

14 D’URSO, Luiz Flávio Borges. Direito criminal na atualidade. São Paulo: Atlas, p.54, 1999.
15 ASSIS, Rafael Damasceno de. As prisões e o direito penitenciário no Brasil, 2007

11
investimentos e infraestrutura para que o que é dito na lei de forma tão perfeita, seja
colocado em prática.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, tendo o objetivo principal a possibilidade de apontar e


esclarecer as questões relacionadas à execução da Lei 7.210/1984 equiparada com
as obras de Fiódor Dostoiévski, desenvolveu-se a hipótese de que, para resolver a
problemática, é necessário que todos devam conhecer e compreender a Constituição
e possam exigir e exercer seus direitos e também os seus deveres.
Mediante a ineficácia da lei e os inúmeros embaraços, surgem alternativas para
que sejam implementadas melhoras, como projetos de incentivo às crianças
marginalizadas – pois, na maioria dos casos, é na infância/adolescência, que o
caminho para o crime é traçado. Como também, projetos com a finalidade exclusiva
de reinserir os presos à sociedade – com o estímulo para que possam voltar ao
mercado de trabalho, e, principalmente, conscientizar às pessoas acerca do
preconceito que já não deveria existir mais. Torna-se repetitivo, no entanto é
necessário destacar também a imprescindibilidade de recursos para a infraestrutura
no qual estão alocados – com banheiros limpos, quartos arejados e capacidade para
todos.
É de extrema importância a luta por uma sociedade justa, igualitária e que seja
passível de garantir a dignidade humana. Está notório o quão nosso país encontra-se
estagnado no tempo. Melhorias são necessárias – em todos os aspectos –, mas, o
cárcere do Brasil demanda por mudanças. Não podemos parar no tempo e deixar com
que haja reflexos de séculos passados em nossa atualidade – atender e aprimorar o
que está presente na lei é essencial – só assim teremos um país que faz jus ao lema
que traz em sua bandeira: ordem e progresso.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente.


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