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FEVEREIRO 2023 19ª EDIÇÃO

R E V I S T A

A estratégia de Alexandre de
Moraes para endurecer as
regras nas redes sociais

O que explica a chegada Daniel Lopez: a semana


em massa de russas mais estranha da
grávidas à Argentina história
Índice
Editorial: Lewandowski, a “democracia” do MST
03
e a liberdade de expressão

Daniel Lopez: A semana mais estranha da


13
história

Paulo Uebel: portas reabertas para governos


24
socialistas e empresários “amigos do rei”?

A estratégia de Alexandre de Moraes para


38
endurecer as regras nas redes sociais

Esquerda tenta capitalizar a tragédia yanomami,


54
mas dados desmentem narrativa

Empregos verdes: por que eles não são


78
economicamente sustentáveis

O que está por trás da chegada em massa de


94
russas grávidas à Argentina

💡 USUÁRIO DE ANDROID: PARA NAVEGAR UTILIZANDO OS


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3

Ministro do STF Ricardo Lewandowski discursa observado por João Pedro Stedile,
da Coordenação Nacional do MST.| Foto: Sara Sulamita/Reprodução/MST

| Editorial

Lewandowski, a “democracia”
do MST e a liberdade de
expressão
De um ministro de suprema corte, em qualquer
país do mundo, espera-se no mínimo discrição
e imparcialidade – no Brasil, essas são inclusive
exigências legais, presentes na Constituição e
nos códigos que regem a atividade da magistra-

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tura. No entanto, elas já se tornaram letra morta


há muito tempo: semana sim, semana também,
ministros do STF concedem entrevistas, dão
palestras e se manifestam fora dos autos por
vários outros meios, comentando temas e pes-
soas que mais cedo ou mais tarde terão de
julgar. Mas, a poucos meses de sua aposentado-
ria, o ministro Ricardo Lewandowski levou essa
indiscrição a um novo patamar, tanto pelas
circunstâncias quanto pelo teor de sua fala.

No último fim de semana, Lewandowski parti-


cipou de um evento do Movimento dos
Sem-Terra, uma das entidades-satélites do
petismo. Ao lado do “general” João Pedro
Stédile (aquele cujo “exército” Lula, em
fevereiro de 2015, disse querer “botar na rua”,
pedido atendido logo no mês seguinte),
Lewandowski se desmanchou em elogios ao
grupo, que, segundo ele, “está lutando em prol

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da concretização do que acreditamos ser a


democracia”. Irônica essa atribuição de
“democrata” a um grupo que já promoveu a sua
própria versão do 8 de janeiro bolsonarista: em
12 de fevereiro de 2014, a marcha do MST entrou
na Praça dos Três Poderes com 15 mil pessoas,
tentando invadir, em primeiro lugar, o prédio
do STF, forçando a corte a suspender sua sessão
– presidida por Lewandowski –; sem sucesso,
os sem-terra rumaram para o Planalto, onde,
usando paus, pedras portuguesas arrancadas do
piso da praça e até martelos, feriram 30
policiais, oito deles gravemente.

É irônico que Lewandowski chame


os sem-terra de “democratas”
quando o MST já promoveu a sua
própria versão do 8 de janeiro,
tentando invadir o Supremo e o
Planalto em fevereiro de 2014

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Mais grave ainda, no entanto, foi outra afirma-


ção do ministro: “A democracia está em crise,
todos dizem isso. Mas o que está em crise, na
verdade, é a democracia representativa, liberal
burguesa, a democracia dos partidos, na qual,
tenho certeza, nenhum de nós se sente repre-
sentado adequadamente. Essas crises sucessivas
têm uma raiz profunda, que é o sistema político
que, de fato, não nos representa”, afirmou.
Usando um palavreado típico da jurássica
esquerda marxista, o que Lewandowski fez foi
colocar em xeque o modelo democrático
adotado não apenas no Brasil, mas em
praticamente todo o mundo ocidental.

Repare o leitor que Lewandowski não atribui a


“crise de representação” a um modelo
específico de voto – por exemplo, o sistema
proporcional, em oposição aos distritais puro
ou misto –, nem ao tão falado “presidencialis-

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mo de coalizão” brasileiro e às negociatas que


ele incentiva; o alvo da crítica do ministro é o
sistema político, a democracia representativa
em si mesma. Eis aí um ataque frontal àquilo
que de melhor a sociedade conseguiu produzir
nos últimos séculos em termos de proporcionar
ao povo a oportunidade de definir seu próprio
destino, dada a inviabilidade da democracia
direta em boa parte do mundo.

Diante das afirmações do ministro, é preciso


perguntar: que outra democracia haveria? E a
resposta existe: democracia real, nenhuma; há
apenas as “democracias” entre aspas, que se
intitulam como tais quando na verdade não
passam de ditaduras de autoproclamados
representantes do povo (ou nem isso). Aqui, é
preciso ressaltar o que podemos considerar um
ato falho de Lewandowski quando afirma que o
MST está lutando não “em prol da democracia”,

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mas “em prol (...) do que acreditamos ser a


democracia”, pois de fato o que a esquerda
alardeia ser democrático quase nunca o é, como
atestam os venezuelanos que, como disse Lula
em 2005, têm “democracia em excesso”; ou os
habitantes da República Popular Democrática
da Coreia (mais conhecida como Coreia do
Norte); ou aqueles que viveram na República
Democrática Alemã, a Alemanha Oriental.

Por fim, nestes tempos em que se estabeleceu


quase que uma absurda contraposição entre
liberdade de expressão e defesa da democracia,
como se aquela fosse um risco para esta, em vez
de ser um de seus pilares, é preciso questionar:
manifestações visivelmente antidemocráticas
como as de Lewandowski (ainda que ele possa
estar convicto de ter feito uma defesa real da
democracia) devem ser toleradas em uma
sociedade democrática? Que Lewandowski

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passou dos limites por ignorar seu dever de


ofício, como magistrado que deveria se pautar
pela imparcialidade, é evidente; mas, se ele não
fosse quem é, suas afirmações sobre a
democracia representativa deveriam estar
sujeitas a algum tipo de restrição?

Manifestações visivelmente
antidemocráticas como as de
Lewandowski (ainda que ele possa
estar convicto de ter feito uma
defesa real da democracia) devem
ser toleradas em uma sociedade
democrática?

Como a Gazeta do Povo já lembrou em ocasiões


anteriores, essa questão já ocupou as mentes de
grandes nomes da filosofia política. Aqui, cabe
recordar Karl Popper e seu “paradoxo da tole-
rância”, frequentemente citado pela metade. “A

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tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da


tolerância. Se estendermos a tolerância ilimita-
da mesmo aos intolerantes, e se não estivermos
preparados para defender a sociedade tolerante
do assalto da intolerância, então os tolerantes
serão destruídos e a tolerância com eles”, diz o
filósofo austríaco no trecho que todos recor-
dam. Frequentemente ignorada, no entanto, é a
sequência do raciocínio, em que Popper diz
preferir que o discurso intolerante seja comba-
tido na arena racional, dos argumentos, não
pela repressão estatal. Para ele, a coação legal
seria válida apenas nos casos em que os intole-
rantes não estivessem dispostos ao debate,
impedissem seus seguidores de ouvir argumen-
tos contrários ou quisessem se impor pela força.
É a mesma posição de John Rawls em Uma
teoria da justiça: havendo ameaça à segurança e
às “instituições que preservam a liberdade”,

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justifica-se a repressão estatal ao discurso


antidemocrático (como faz a lei brasileira, por
exemplo, ao criminalizar a defesa de golpes de
Estado); do contrário, ele prefere que tal
discurso seja permitido para que a sociedade
não acabe se tornando intolerante.

Discursos antidemocráticos como o de


Lewandowski estão objetivamente equivocados,
disso não temos a menor dúvida, e a Gazeta do
Povo reafirma sua convicção de que a democra-
cia representativa é amplamente superior a
qualquer forma de autoritarismo, “governo
forte” ou “democracia” fictícia. E é exatamente
devido a nosso compromisso democrático que
também afirmamos que a liberdade de expres-
são protege esse tipo de manifestação (ao
contrário de discursos que violam a dignidade
humana, como o nazismo ou o racismo, cuja
proibição legal se justifica). Se algum tipo de

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responsabilização recair sobre Lewandowski,


não será (ou, ao menos, não deveria ser)
motivada pelo teor de suas afirmações, mas por
terem vindo de alguém a quem esse tipo de
manifestação é vedado devido ao cargo que
ocupa. Nestes tempos em que a liberdade de
expressão vem sendo tão vilipendiada – em
nome da “defesa da democracia”, em uma
ironia cruel –, é preciso lembrar que essa
garantia democrática existe, nas palavras de
Oliver Wendell Holmes Jr., juiz da Suprema
Corte norte-americana, especialmente para
defender a “liberdade para as ideias que
detestamos”.

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Daniel Lopez

É possível que o recente “festival de OVNIs” esconda uma agenda geopolítica


poderosíssima. | Foto: Pixabay

A semana mais estranha da


história
Pela primeira vez em 65 anos os Estados Unidos
derrubaram um objeto em seu espaço aéreo. Na
verdade, quatro objetos até agora. Um deles foi
identificado como um balão chinês, reputado
como instrumento de análise meteorológica
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(segundo autoridades de Pequim), mas que


poderia supostamente realizar espionagem,
conforme suspeita Washington. Quanto aos
outros três desses artefatos, o público ainda não
sabe o que são. O que sabemos é que cada um
dos mísseis utilizados contra os objetos custam
em torno de 800 mil dólares, segundo
informou, estupefato, o senador Marco Rubio.

Há uma enorme pressão da opinião pública


norte-americana – e também da comunidade
internacional – para que seja explicado o que
são esses objetos, qual é a sua origem e o que
eles estavam fazendo no espaço aéreo dos
Estados Unidos e Canadá. E essa explicação
deveria partir do presidente Biden. Mas, até o
momento, ele ainda não se manifestou
publicamente.

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Esta é minha contribuição para


quem deseja entender o que pode
estar por trás de toda essa loucura
que estamos presenciando nos
últimos dias.

Esse tema traz muita especulação. Entretanto,


podemos abordá-lo a partir de uma ótica
geopolítica, estratégica e de propaganda,
conforme tenho feito repetidamente aqui em
minhas colunas semanais. Você sabia que dois
presidente norte-americanos (Reagan e
Clinton), um presidente da União Soviética
(Mikhail Gorbachev) e um vencedor do Nobel de
Economia (Paul Krugman) já defenderam a
ideia de que uma invasão alienígena resolveria
todos os problemas da humanidade? Quando
figuras de tão elevada patente levantam um
hipótese como essa, julgo que todo cidadão
vigilante deveria prestar atenção.

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Em junho de 2021, publiquei um artigo


intitulado “Biden e os OVNIs: propaganda a
todo vapor”. O texto trazia o seguinte subtítulo:
“A insistência do Pentágono na realidade dos
OVNIs como manobra geopolítica”. Se você está
assustado, descrente, ou achando engraçada
essa onda de objetos voadores não identifica-
dos, sugiro que encare o que está acontecendo
exatamente por meio da abordagem que propus:
uma manobra geopolítica.

Neste artigo, evitarei repetir assuntos já trata-


dos em minhas colunas, privilegiando
informações ainda não abordadas e novidades
desta semana. Caso os EUA reconhecessem que
os objetos avistados eram drones estrangeiros
de altíssima tecnologia, levantariam a pergunta
se o Pentágono também possuiria tal artefato.

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Para iniciarmos uma reflexão sobre os aspectos


bélico e geopolítico por trás de tudo o que está
acontecendo, podemos pinçar um ponto na
linha do tempo no ano de 2017, quando tudo
começou a mudar na maneira como o Pentágo-
no e o Congresso norte-americano passaram a
encaram a questão dos OVNIs – os objetos
voadores não-identificados. Foi nessa época em
que o próprio termo foi alterado de UFO (versão
em inglês para OVNI) para UAP (na tradução
para português, fenômeno aéreo
não-identificado). A mudança indicou que, a
partir de então, os fenômenos aéreos passariam
a ser tratados com seriedade pelo governo dos
Estados Unidos. Uma mudança drástica nas
estratégias de propaganda do exército dos EUA.

Foi em 2017 que oficiais da segurança nacional


norte-americana apresentaram ao Congresso
um relatório baseado em investigações sobre

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uma série de ocorrências envolvendo objetos


aéreos não identificados. O documento foi
produzido pela Força-Tarefa UAP do
Departamento de Defesa. Também em 2017 foi
publicado um artigo no New York Times que
mudou a maneira como o assunto passou a ser
tratado pela mídia.

A reportagem trazia o relato de uma ocorrência


de 2004, quando pilotos da Marinha dos EUA
avistaram o objeto que ganhou o apelido de “Tic
Tac”, em referência à famosa bala de mesmo
nome. Segundo o comandante David Fravor, um
dos pilotos que testemunharam o ocorrido, os
objetos avistados tinham uma cor branca e
formato alongado, semelhante ao Tic Tac. Eles
foram vistos por outros pilotos na ocasião, que
ficaram impressionados com a velocidade
inacreditável e as surpreendentes manobras que
o objeto realizava.

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Para quem está acostumado a estudar


fenômenos ufológicos, a reportagem de 2017
não trazia nada de novo. As únicas novidades
eram o pentágono e a mídia levarem a sério os
relatos, e a mudança de terminologia de UFO
para UAP. Podemos dizer que essa foi a
preparação para tudo que estamos vendo hoje.
Em minha opinião, uma maneira de utilizar
drones e aeronaves de tecnologia ainda
desconhecida do grande público, com o fim de
realizar missões de espionagem e ofensivas
contra inimigos sem levantar a suspeita de sua
origem. Fica sempre mais fácil atribuir os
avistamentos a seres extraterrestres e objetos
impossíveis de serem identificados.

Há uma enorme pressão da opinião


pública norte-americana – e também
da comunidade internacional – para

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que seja explicado o que são esses


objetos.

Perceba que, caso os EUA reconhecessem que os


objetos avistados eram drones estrangeiros de
altíssima tecnologia, levantariam a pergunta se
o Pentágono também possuiria tal artefato.
Caso respondessem negativamente, seriam
obrigados a reconhecer sua inferioridade bélica.
Caso a resposta fosse positiva, o público exigiria
conhecer a aeronave, o que acabaria com a
estratégia de continuar escondendo seu uso
com a alegação de que seriam “objetos
alienígenas”.

Outros estudiosos do tema defendem a ideia de


que os diversos países que usam essas
aeronaves de tecnologia muito avançada não
desejam revelá-las por um motivo mais
sensível. Isso porque o hipotético sistema de

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propulsão desses artefatos, caso revelado, traria


uma total revolução na maneira como
encaramos a produção de energia. Nessa
hipótese, esses artefatos (em sua maioria
triangulares) teriam um sistema de propulsão
eletromagnético, formados por três bobinas
eletromagnéticas nas extremidades e um reator
nuclear no centro, que utilizaria o moscóvio
como combustível, um elemento químico
sintético, radioativo, de número atômico 115.
Seria a revelação de uma tecnologia que poderia
levar a humanidade a uma produção de energia
limpa, renovável, incessante e gratuita. Ou seja:
ninguém no mundo nunca mais precisaria de
pagar conta de luz ou utilizar combustíveis
fósseis. Isso daria à humanidade uma
independência, autonomia e liberdade que são
inaceitáveis para o “sistema”, sempre ávido
pela concentração de renda e de poder,

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viabilizada invariavelmente pela escassez, que


sempre gera dependência.

Deixarei aqui algumas dicas de conteúdo


adicional, mas com a ressalva que são
informações altamente especulativas. Uma das
aeronaves reputadas como sendo feito desse
projeto aéreo espacial norte-americano se
chama TR-3A Black Manta. Existe uma palestra
online em inglês, infelizmente sem legenda em
português, de um suposto ex-funcionário da
Força Aérea norte-americana que teria
trabalhado no desenvolvimento de tais
aeronaves. Seu nome é Edgar Fouché. No vídeo,
ele explica como seria o funcionamento desse
aparelho misterioso. Lembrando que este
conteúdo é altamente especulativo. Caso
prefira, encare como ficção, pois será
igualmente divertido o estudo.

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Por fim, esta é minha contribuição para quem


deseja entender o que pode estar por trás de
toda essa loucura que estamos presenciando
nos últimos dias. Desejo bons estudos aos
corajosos que queiram mergulhar nesses
típicos. Que Deus nos abençoe.

Autor: Daniel Lopez é jornalista, formado pela Escola de


Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É
doutor em Linguística (UFF), mestre em Linguística (UERJ),
bacharel em Teologia (UMESP) e licenciado em Letras. Tem
especialização em Teoria da Arte, Crítica de Arte, Filosofia,
Sociologia e Antropologia. Foi professor nas áreas de Filosofia
da Educação, na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), e de Linguística, na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).

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Paulo Uebel

Fachada da sede do BNDES.| Foto: Divulgação BNDES.

BNDES: portas reabertas para


governos socialistas e
empresários “amigos do rei”?
Luiz Inácio Lula da Silva está reabrindo as
portas do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) aos governos
socialistas e aos empresários “amigos do rei”.
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Depois de tantos avanços em sua governança,


modelo de negócios, saúde financeira e escolha
de prioridades, é triste ver o BNDES subjugado
novamente aos caprichos do Partido dos
Trabalhadores. As instituições financeiras e
empresas estatais deveriam ser geridas de
forma técnica, com executivos sem vinculação
partidária e não para atender caprichos
político-partidários do partido no poder.

Além de lamentar os novos rumos do Banco


Nacional de Desenvolvimento, cabe reconhecer
a capacidade criativa de Lula: durante a posse de
Aloizio Mercadante como presidente do BNDES,
Lula disse que a culpa do calote de Cuba e
Venezuela nos empréstimos do banco é do
ex-presidente Jair Bolsonaro, por ter cortado
relações com os ditadores. É um conto tão
fantástico que Lula pode investir na carreira de
escritor de contos de ficção caso perca a

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próxima eleição. Uma fake news dessa


magnitude deveria ser combatida, mas parece
que o Supremo Tribunal Federal faz vista grossa
quando o assunto é uma mentira do Lula.

Infelizmente, não é absurdo pensar


que corremos o risco de ter mais um
escândalo de corrupção financiado
pelos brasileiros tendo o BNDES
como palco.

Vamos aos fatos: Cuba e Venezuela não pagaram


US$ 1,4 bilhão ao Brasil. Você não entendeu
errado, a dívida é astronômica, bilionária e
realmente em dólares, não em reais.
Oficialmente, a dívida dos dois países é menor,
mas não por eles terem nos reembolsado, e sim
porque parte do rombo foi pago pelo Fundo de
Garantia à Exportação (FGE), órgão do
Ministério da Fazenda do Brasil criado para

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ressarcir o BNDES em caso de inadimplência do


devedor, que é custeado pelo Tesouro Nacional,
ou seja, por todos nós. Os dados são do próprio
BNDES, atualizados até dezembro de 2022. Ou
seja, os recursos saíram dos impostos pagos por
todos brasileiros, inclusive pelos mais pobres.

O FGE já reembolsou US$ 658 milhões não


pagos pela Venezuela, e outros US$ 226 milhões
de Cuba. Já programou indenizar outros US$ 24
milhões da Venezuela e mais US$ 11 milhões de
Cuba. Mas a culpa não é dos ditadores caloteiros
dos dois países?

“A partir de janeiro de 2018, surgiram


inadimplementos nos pagamentos de Venezuela
(US$ 374 milhões), Moçambique (US$ 118 milhões)
e Cuba (US$ 62 milhões), em um valor total de US$
554 milhões até 30 de junho de 2019”, diz uma
nota do BNDES de 2019. Ou seja, os governos

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desses países já eram nossos devedores antes


mesmo de Bolsonaro ser eleito, durante o governo
do presidente mais moderado e diplomático do
Brasil das últimas décadas: Michel Temer — que
também não tem culpa alguma nos calotes que os
vizinhos latino-americanos nos deram.

O FGE já reembolsou US$ 658


milhões não pagos pela Venezuela,
e outros US$ 226 milhões de Cuba.

Apesar da política de “investimentos” nos


países estrangeiros ter fracassado — ou, melhor
dizendo, nos países governados por ditadores
socialistas e demais amigos dos petistas —,
Lula já sinalizou que deve restaurar esse
costume de emprestar a quem não paga. O
presidente Lula prometeu que o governo federal
irá retomar o financiamento de serviços de

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engenharia por meio do BNDES, como noticiou


a CNN.

O primeiro país da lista, provavelmente, será a


Argentina. Lula quer ajudar a construir o
gasoduto que ligaria o campo de gás de Vaca
Muerta na Argentina até o Rio Grande do Sul, à
cidade de Porto Alegre. O gasoduto de Vaca
Muerta é uma das empreitadas mais ambiciosas
dos hermanos argentinos, e está envolvido em
polêmicas ambientais até o pescoço. Mas, no
fundo, grande parte dos argentinos já sabe que
os recursos para financiar esse projeto servem
mesmo é para ajudar a melhorar a popularidade
do presidente Alberto Fernández, que está com
sua imagem combalida perante os eleitores.

Esse projeto, que não deveria ser prioridade do


Brasil, que ainda tem mais de 120 milhões de
brasileiros sem esgoto tratado, é bem diferente

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dos programas ESG (sigla em inglês para


governança ambiental, social e corporativa) que
foram priorizados pelo BNDES durante a gestão
de Gustavo Montenzano, no governo Bolsonaro.
E a Argentina ainda deve US$ 29 milhões ao
BNDES. É suspeito, para dizer o mínimo.

Lula também restaura o risco de interferir no


mercado nacional beneficiando empresas
amigas dos petistas. A fracassada política dos
campeões nacionais do BNDES, onde os petistas
elencaram empresas próximas ao partido para
beneficiar, também pode voltar. Vale lembrar
que o grupo Odebrecht, por exemplo, recebeu
R$ 32,6 bilhões entre 2003 e 2018 do BNDES. É o
equivalente a R$ 63,5 bilhões em valores de
hoje. E sim, a Odebrecht continuou recebendo
dinheiro mesmo depois da prisão de seu
presidente, Marcelo Odebrecht, na Operação

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Lava Jato (ele foi preso em 2016), que investigou


o megaesquema de corrupção.

Lula e Dilma foram, inclusive, citados na


delação de Antonio Palocci, ex-ministro da
Fazenda do governo Lula e petista histórico, por
seu partido ter recebido propinas milionárias
em seus governos. Em 2019, Palocci relatou
propinas de R$ 333 milhões pagas ao PT
provenientes de grandes obras de
infraestrutura, caixa 2, contratos fictícios e
liberação de recursos do BNDES, entre outros.

O uso de recursos públicos para financiar a


exportação de serviços para ditaduras deveria
ser ilegal, já que viola princípios básicos da
nossa Constituição Federal.

E, por falar na política dos campeões nacionais,


é engraçado (ou triste) ver como os petistas
acreditam que Lula apoia pequenos

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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empreendedores. Seu governo anterior ficou


conhecido por apoiar os grandes empresários
que queriam benefícios ante seus concorrentes
por meio do BNDES. O apoio aos serviços de
engenharia do BNDES, por exemplo, só
beneficiou as maiores empresas do segmento,
algo admitido pelo próprio banco. Além da
corrupção, isso gerou concentração de mercado
e gerou concorrência desleal com as demais
empresas que não receberam os mesmos
privilégios.

“De fato, 98% do valor total foi destinado a 5


grandes empreiteiras brasileiras. Dos US$ 10,5
bilhões que foram financiados, Odebrecht recebeu
76%, Andrade Gutierrez 14%, Queiroz Galvão 4%,
Camargo Correa 2% e OAS 2%. Quando os pedidos
de financiamento chegavam ao BNDES, os
contratos comerciais já estavam estabelecidos.
Esses pedidos só eram analisados pelo Banco após

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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a aprovação do governo. Na época das operações


não havia nenhuma restrição legal à contratação
com essas empresas. Em 2016, quando começaram
as controvérsias envolvendo empresas brasileiras
exportadoras de serviços de engenharia, o BNDES,
em acordo com o Ministério Público Federal
(MPF), passou a exigir das empresas a assinatura
de um Termo de Compliance (Conformidade), com
rígidas regras de governança, como condição para
liberação de recursos. Após essa medida, o BNDES
reteve US$ 11 bilhões que estavam previstos para
serem desembolsados, referentes a 47 operações
ativas”, admite o banco estatal em seu site
oficial.

Lula também restaura o risco de


interferir no mercado nacional
beneficiando empresas amigas dos
petistas.

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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Os petistas tentam defender os empréstimos


aos países estrangeiros justificando que os
contratos eram feitos com empresas brasileiras.
É verdade que os empréstimos eram contraídos
por governos de fora do Brasil com valores
pagos às empresas brasileiras, que prestavam
os serviços lá fora. Mas os resultados disso já
vimos: corrupção, concentração de mercado e
concorrência desleal. Os escândalos foram
estampados nos jornais e resultaram em
diversas prisões.

A ex-presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos


Marques, que presidiu o banco após os
esquemas serem revelados, entre 2016 e 2017,
contou em entrevista ao Valor Online que,
quando esses empréstimos foram feitos, o
governo impunha sigilo, uma manobra que
servia apenas para acobertar os escândalos e
dificultar o controle social. Ela diz, por

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exemplo, que o FGE chegou a ficar sem recursos


para bancar os calotes de Cuba e Venezuela, e
precisou receber aportes da União para poder
cobrir o rombo. Ou seja: a conta do prejuízo de
emprestar aos socialistas saiu do bolso do
pagador de impostos brasileiros, em sua
maioria, pessoas que ganham até 5 salários
mínimos.

Os funcionários públicos do BNDES, quadros


técnicos de carreira, não podem ser coniventes
com esse tipo de abuso. O uso de recursos
públicos para financiar a exportação de serviços
para ditaduras deveria ser ilegal, já que viola
princípios básicos da nossa Constituição
Federal, como a moralidade, a transparência, a
eficiência e a supremacia dos direitos humanos
sobre interesses privados. Sempre que o BNDES
fizer isso, esses servidores sabem que poderão
ser responsabilizados individualmente por

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empréstimos que, conforme histórico,


dificilmente serão pagos.

Não é justo que os brasileiros paguem o preço


das políticas megalomaníacas dos petistas que,
além disso, podem gerar novos casos de
corrupção. Isso é muito injusto porque drena
recursos que deveriam ser usados para levar
saúde, educação e saneamento para as regiões
mais pobres do Brasil, que ainda são muito
carentes. O BNDES não pode voltar a ser um
Robin Hood às avessas que tira dos pobres para
bancar os caprichos de empreiteiras, ditadores
socialistas e demais amigos dos petistas, todos
muito ricos e privilegiados.

Infelizmente, com o poder que Lula tem e o


desinteresse do Congresso em fiscalizar, não é
absurdo pensar que corremos o risco de ter mais
um escândalo de corrupção financiado pelos

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brasileiros tendo o BNDES como palco e


ditadores latino-americanos ou grandes
"amigos do rei" como beneficiários. É uma
verdadeira pena. Tínhamos muito o que avançar
e não merecemos retroceder!

Autor: Paulo Spencer Uebel foi Secretário Especial de


Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da
Economia (2019-2020), CEO da Webforce Venture Capital e
Diretor da Finvest (2018). Antes, foi Secretário Municipal de
Gestão da Prefeitura de São Paulo (2017-2018), CEO da
WeWork Brasil (2015-2016) e CEO Global do LIDE - Grupo de
Líderes Empresariais (2013 a 2015).

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Para Alexandre de Moraes, autoridades que promovem “ataques internos” à


democracia devem ser rapidamente responsabilizadas| Foto: SECOM TSE

A estratégia de Alexandre de
Moraes para endurecer as
regras nas redes sociais

Por Renan Ramalho

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e


presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
Alexandre de Moraes, quer influenciar a
elaboração de uma lei que endureça a
regulamentação sobre as redes sociais, de modo

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a coibir a disseminação de conteúdos que


representem ameaças às instituições
democráticas. A pauta também é encampada
pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
como reação ao atos de vandalismo contra as
sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Moraes informou recentemente, em evento do


grupo empresarial Lide, em Lisboa, que uma
comissão do TSE vai enviar propostas ao
Congresso com “mecanismos de
regulamentação das redes sociais”.

O ministro não detalhou, mas indicou que as


sugestões poderão ser inspiradas em medidas
que ele adotou na Corte Eleitoral no ano passado
para dar mais agilidade ao combate a “notícias
fraudulentas” e ao “discurso de ódio” – tarefa
que já havia se tornado a principal bandeira do

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ministro como relator dos inquéritos no STF


para investigar ofensas e ameaças aos colegas.

Entre essas medidas, estão:

● possibilidade de remoção das redes sociais,


por iniciativa do próprio Judiciário, sem
pedido das partes ou do Ministério Público,
de conteúdos julgados “sabidamente
inverídicos”;
● suspensão, por tempo indeterminado, de
contas e perfis com “produção sistemática
de desinformação”;
● multas pesadas (de até R$ 150 mil por hora)
para as empresas que não cumprirem, em
até 2 horas, essas mesmas ordens;
● e até mesmo a suspensão dessas redes
sociais ou aplicativos em caso de reiterada
desobediência.

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Medidas assim não estão previstas em lei, mas


foram adotadas por Moraes, inclusive após as
eleições, com base numa resolução proposta por
ele e aprovada no TSE em outubro do ano
passado, antes do segundo turno.

Questionado por meio de sua assessoria de


imprensa, o tribunal não soube informar quem
comporá a comissão que formulará a proposta a
ser enviada ao Congresso, quando e como isso
ocorrerá.

Moraes defende rápida responsabilização de


autoridades que promovam "ataques" à
democracia

Em seu pronunciamento em Lisboa, Moraes


expôs suas premissas. Disse que as redes
sociais, que surgiram como “instrumento
altamente democrático”, por permitir a livre
expressão e a opinião de todos, teriam sido, ao

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longo dos últimos anos, “capturadas pelos


populistas, principalmente pela extrema
direita, e se transformado num mecanismo de
lavagem cerebral”.

“Essa lavagem cerebral transformou pessoas


em zumbis. Pessoas repetindo ideias absurdas,
pessoas cantando hino nacional para pneus,
pessoas esperando que ETs viessem para o
Brasil resolver o suposto problema da urna
eletrônica. O que poderia ser uma comédia é
uma tragédia, que resultou na tentativa
frustrada de golpe no 8 de janeiro”, disse.

Era uma referência direta às manifestações de


apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) que, em frente ao Exército, contestavam a
eleição de Lula, apontando atuação parcial do
TSE na condução do processo eleitoral, além da
suspeita de fraude nas urnas eletrônicas. Em 8

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de janeiro, parte dos manifestantes, em revolta,


invadiu e depredou os edifícios do Congresso,
do Palácio do Planalto e do STF.

Para combater movimentos assim, segundo


Moraes, seria preciso alterações normativas em
âmbito nacional e internacional. Ele defendeu,
por exemplo, uma responsabilização mais
rápida de autoridades que promovem ataques
internos ao regime democrático.

O ministro, porém, não pormenorizou que tipo


de procedimento poderia ser proposto para isso.
Disse apenas que, nas Constituições modernas,
há mecanismos para repelir ameaças externas à
democracia de um país – como o estado de
defesa e de sítio – mas não para debelar as
internas.

“Como tratar da corrosão da democracia,


quando isso vem de políticos populistas que

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atacam internamente as instituições? Se todos


os mecanismos previstos para ataques externos
preveem um fortalecimento exatamente desse
político populista?”, indagou.

Sugeriu com isso que, em caso de “ataque


interno” à democracia, o Executivo não poderia
sair fortalecido. O mesmo não poderia ocorrer
com o Legislativo, caso a ameaça parta de
parlamentares.

“Como estabelecer novos mecanismos para o


controle do abuso do próprio Legislativo e de
alguns membros que deturpam as suas próprias
garantias institucionais, as suas garantias
parlamentares, em defesa da democracia, do
estado de direito, quando passam a utilizar isso
para atacar a própria democracia?”, indagou,
deixando no ar a qual Poder, autoridade ou

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instituição caberia, afinal, o papel de coibir as


ameaças internas à democracia.

No ano passado, Moraes esteve à frente do


julgamento que condenou o ex-deputado Daniel
Silveira (PTB-RJ) a quase 9 anos de prisão por
ameaças a ele e a outros ministros do STF. Na
ocasião, seguindo entendimento do ministro, o
plenário considerou que a imunidade
parlamentar não protege manifestações que
atentem contra as instituições democráticas.

"O que vale para a mídia tradicional deve valer


para as redes sociais", defende o ministro

No evento do Lide, Moraes também disse que as


redes sociais devem ser responsabilizadas como
as mídias tradicionais quando publicam
conteúdos antidemocráticos.

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“Elas não podem ser nem mais, nem menos


controladas que as empresas de mídia. A
responsabilização por abusos, na divulgação, na
veiculação de notícias fraudulentas, na
divulgação de discursos de ódio, essa
responsabilização não pode ser maior, mas
também não pode ser menor do que no restante
das mídias tradicionais”, disse o ministro.

Questionado depois se tais medidas não


poderiam resvalar para a censura, ele negou.
Disse que era preciso estabelecer melhor
“balizas de responsabilização”.

“Não se trata de analisar conteúdo


previamente, não se trata – isso a Constituição
jamais permitiria – de necessidade de
autorização ou não para publicar algo. Agora,
quem tem a coragem de publicar, virtualmente
ou não, discurso de ódio, discurso

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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antidemocrático, ofensa às pessoas. Se tem a


coragem de publicar, deve ter a coragem de se
responsabilizar. É o binômio liberdade com
responsabilidade. Que vale para mídia escrita,
que vale para mídia televisiva, que vale para
mídia tradicional, deve também valer para as
mídias sociais”. Isso, segundo ele, não
impediria qualquer crítica ao STF, por exemplo,
mas apenas ameaças e agressões à Corte.

A Constituição brasileira veda qualquer tipo de


censura e a jurisprudência consolidada no Brasil
preceitua que eventuais ofensas – sobretudo
calúnia, difamação e injúria, que também são
condutas criminalizadas no país – veiculadas
por um jornal ou emissora, por exemplo,
mesmo na internet, sejam punidas com
indenizações para suas vítimas. A
responsabilização, civil ou penal, se dá sempre

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posteriormente à publicação do conteúdo,


nunca antes, conforme esse entendimento.

Marco Civil da Internet em risco

A principal ideia para endurecer a regulamenta-


ção sobre as redes, responsabilizando-as por
conteúdos criminosos publicados, consiste em
rever uma das principais regras do Marco Civil
da Internet, lei aprovada em 2014 que
estabelece princípios, garantias, direitos e
deveres para o uso da rede no Brasil.

O artigo 19 diz que plataformas e sites só podem


ser punidos por conteúdos postados por
usuários ou visitantes caso a empresa dona
dessa aplicação descumpra uma ordem judicial
de remoção.

Significa que, em princípio, a ideia é punir o


autor original daquele conteúdo, caso a Justiça o

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considere ilícito. Só quando a detentora daquele


domínio descumpre a ordem de retirada, ela
passa a ser punida, com multa ou indenização.

Dentro do novo governo, do Congresso e no


próprio STF há debates para rever essa regra. A
justificativa é que, diante de ataques massivos a
instituições que possam colocar em risco a
democracia, seria preciso obrigar as redes
sociais a ter uma postura mais proativa, e não
apenas reativa, no controle do que é publicado
pelos usuários. A mesma leitura poderia ser
feita em caso de ataques a políticas públicas que
protegem direitos essenciais, tais como a
vacinação em prol da saúde coletiva.

Os defensores de uma lei mais rígida para as


redes sociais acreditam que não bastaria que as
empresas implementassem políticas internas
de moderação para banir postagens de incitação

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à violência, de estímulo à prostituição infantil


ou ao tráfico de drogas, por exemplo.

Caso não haja restrições a conteúdos


antidemocráticos ou antivacina, a plataforma já
poderia ser punida pelo poder público. Seria
imposta a todas o chamado “dever de cuidado”,
princípio que pode fazer parte da proposta que o
governo vai apresentar ao Congresso, dentro do
chamado “pacote da democracia”.

Relator do projeto de lei das fake news no Con-


gresso, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP),
também admite uma revisão do Marco Civil da
Internet. “Não conheço o texto a ser proposto,
mas na minha opinião o artigo 19 do Marco Civil
não está escrito na pedra”, afirmou à Gazeta.

Ele diz que as sugestões do novo governo e


“qualquer proposta” que venha do STF, devem

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ser consideradas. “Caberá a decisão final aos


deputados e senadores.”

A maior resistência do deputado está na forma


escolhida pelo governo para propor as
mudanças, por meio de medida provisória.
“Tem eficácia de lei enquanto estiver em
vigência. É prerrogativa do Presidente da
República, mas não acredito que seja enviada
medida provisória sobre um tema que já teve
MP devolvida pelo Congresso Nacional. Além
disso, esse tema está em debate no Congresso
Nacional, não faria sentido uma MP”, afirma.

Ele fazia referência à medida provisória enviada


em 2021 por Bolsonaro ao Congresso que tinha
o objetivo oposto: de limitar a remoção de
conteúdo pelas redes sociais. Ela foi devolvida
pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG) ao Executivo, sob o argumento de

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que ela regulava questões que só poderiam ser


objeto de deliberação do Legislativo.

Tema também é tratado em ação no STF

O STF também discute a revisão do artigo 19 do


Marco Civil da Internet, mas no âmbito de uma
ação que questiona sua constitucionalidade. O
julgamento chegou a ser marcado para junho do
ano passado, mas foi retirado de pauta pela
presidente do STF, Rosa Weber.

Num parecer sobre o tema, anexado ao


processo, o ex-ministro da Corte Nelson Jobim
e o diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade (ITS) Ronaldo Lemos, defenderam a
tese de que os provedores não devem ter a
obrigação de fiscalizar previamente o conteúdo.

“Muitos dos provedores de aplicação têm como


principal função o fornecimento de ‘espaço

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virtual’ para que os usuários compartilhem e


obtenham informações online. Nesses modelos
de negócio, chamados por alguns de
many-to-many, são os usuários os
responsáveis pela criação do conteúdo, sem
editoração prévia por parte das plataformas. O
alto volume de usuários e de conteúdo por eles
produzido tornaria, se houvesse a
obrigatoriedade de fiscalização prévia, a
restrição demasiadamente severa para a
diminuição da possibilidade do provedor ser
responsabilizado judicialmente. Esses
embaraços à liberdade de expressão poderiam
resultar numa censura massiva de conteúdos
veiculados na internet”, diz o parecer.

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Índios yanomami em estado de desnutrição em Roraima| Foto: Reprodução/URIHI -


Associação Yanomami

Esquerda tenta capitalizar a


tragédia yanomami, mas dados
desmentem narrativa
Por Leonardo Desideri

As imagens não deixam lugar à dúvida: a situação


dos indígenas em um território yanomami do Norte
do país, localizado em partes dos estados do
Amazonas e de Roraima, é trágica. Os números
também são claros: a mortalidade infantil da região

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é muito mais elevada do que a média do Brasil, os


casos de malária são mais frequentes e a
insegurança alimentar é alta, levando crianças à
morte por desnutrição.

A narrativa de que a explosão deste problema se


deu somente nos últimos anos, no entanto, é
ideológica e falsa. A realidade mostra que nenhum
grupo pode capitalizar politicamente a tragédia
sem falhar à verdade.

Levantamento feito pela Gazeta do Povo com dados


disponíveis na plataforma da Lei de Acesso à
Informação evidencia que os números mais usados
para propagar a tese do “genocídio” recente são,
na maioria dos casos, apresentados de forma
incompleta e enviesada, já que há dados
desfavoráveis em medida semelhante a todos os
governos desde os anos 2000.

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A reportagem também consultou diversas fontes


que já estiveram nas aldeias em diferentes épocas
durante esse período, e há um consenso de que a
tragédia se perpetua há décadas. Para eles, é errado
concentrar a busca de culpados somente nos
últimos cinco ou seis anos.

“Uma tragédia como a que atinge os nossos irmãos


indígenas yanomamis não se improvisa. Ela não
aparece por acaso. Ela é resultado e consequência
de uma negligência histórica”, disse o ex-ministro
da Defesa Aldo Rebelo em entrevista, na última
segunda-feira (6), ao canal Carlos Alberto Di
Franco, no YouTube.

O crescimento dos casos de malária nas terras


indígenas yanomamis é real, mas ocorre pelo
menos desde os anos 2000, quando começaram as
medições. O maior aumento percentual aconteceu
durante o primeiro governo Lula, e a situação

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praticamente só tem piorado desde 2013, com um


leve arrefecimento nos últimos dois anos.

A desnutrição e a alta mortalidade infantil são, sem


dúvida, graves problemas na terra indígena
yanomami, mas não começaram nem se intensifi-
caram nos últimos anos. As mortes de crianças com
menos de cinco anos por causas evitáveis
ocorreram em índices mais ou menos equivalentes
durante os anos do PT e dos governos de Michel
Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) se levarmos em
consideração o crescimento populacional dos
yanomamis ao longo das duas décadas.

O aumento do garimpo ilegal registrado nos


últimos anos naquela região é um fato, mas a
inferência que se tem feito de que esse é o fator que
causou a calamidade humanitária é leviana, e a
tentativa de atribuir esse crescimento ao último
governo é ideologicamente enviesada. A ascensão

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do garimpo ilegal, que está fortemente relacionada


a toda a cadeia criminosa da região – o que inclui,
por exemplo, o narcotráfico –, começou a ocorrer
por volta de 2013.

“Isso vem desde meados da década passada. Em


2013, a gente já fazia operações grandes, como a
Operação Hiléia Pátria, contra a questão do
desmatamento, do garimpo e da mineração ilegal. E
a gente já percebia que tinha essa aproximação. Foi
nessa época que o crime organizado saiu do eixo
Rio-São Paulo e chegou a Manaus”, explica Samuel
Souza, ex-diretor de Proteção Ambiental do Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis).

Como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo


desta quinta-feira (9), a lei sobre a presunção da
boa-fé no comércio de ouro, que foi determinante
para o crescimento do garimpo ilegal, é de autoria

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de um deputado federal do PT e foi sancionada pela


ex-presidente Dilma Rousseff em 2013. Dados do
Mapbiomas, iniciativa do Sistema de Estimativas
de Emissões de Gases de Efeito Estufa do
Observatório do Clima, mostram que o garimpo
ilegal começou a crescer em Roraima justamente
nos anos seguintes a essa decisão.

Para Souza, que tem sofrido perseguição de


militantes de esquerda por seu trabalho à frente do
Ibama entre 2021 e 2022, a tentativa de emplacar a
pecha de “genocida” ao governo anterior é a
motivação para a narrativa. “A narrativa de que o
problema vem de agora serve para responsabilizar
e criminalizar o governo anterior e os agentes
públicos que trabalhavam nele. Essa é a realidade. A
narrativa é alimentado por servidores públicos que
são mais militantes do que servidores”, diz.

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O general da reserva Franklimberg Ribeiro de


Freitas, que foi presidente da Fundação Nacional
dos Povos Indígenas (Funai) durante parte do
governo Bolsonaro e chefe do Centro de Operações
do Comando Militar da Amazônia (CMA) durante
parte do governo Dilma, também garante que a
situação dos yanomamis é muito antiga. "O que
está acontecendo hoje não é somente
responsabilidade da Funai, da Secretaria de Saúde,
do Ministério da Saúde, da Polícia Federal, do
Exército Brasileiro… Isso é um conjunto de coisas
que vêm acontecendo", diz.

Mortalidade infantil yanomami por causas


evitáveis mais que triplicou com Lula em
comparação com FHC

Um elemento central da narrativa enviesada sobre


a tragédia yanomami são os números envolvendo a
desnutrição e a mortalidade por causas evitáveis,

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especialmente de crianças menores de 5 anos. Os


dados deixam claro que nenhum dos governos
desde os anos 2000 pode se eximir de
responsabilidade neste quesito.

De acordo com o Ministério da Saúde, em 2002,


último ano do governo Fernando Henrique
Cardoso, 34 crianças yanomami menores de 5 anos
morreram por causas evitáveis, isto é, aquelas
preveníveis pela atuação dos serviços de saúde do
governo. Os números aumentaram progressiva-
mente durante o governo Lula, chegando a 118 em
2010 – um crescimento de 247% em relação ao ano
final de FHC. Trata-se do maior aumento entre dois
governos desde que os números começaram a ser
registrados.

Nos governos Dilma, Temer e Bolsonaro, as mortes


anuais de crianças por causas evitáveis mantiveram
certa estabilidade proporcional ao crescimento

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população, sem diminuir significativamente em


relação ao primeiro governo Lula caso se leve em
conta o aumento populacional yanomami ocorrido
nos últimos anos.

O pico da série ocorreu em 2020, ano de início da


pandemia da Covid-19, quando 162 crianças
menores de 5 anos morreram por causas evitáveis.
Esse pico, embora objetivamente trágico, não é
suficiente para diferenciar as gestões mais recentes
das anteriores. Em 2011, por exemplo, no pico
negativo da gestão PT, 132 crianças da mesma faixa
etária morreram por causas evitáveis. Isso corres-
ponde a 0,68% do total de 19,3 mil yanomamis que
viviam no Brasil na época, segundo dados da
extinta Fundação Nacional de Saúde (Funasa). No
pico negativo do governo Bolsonaro, as crianças
mortas por causas evitáveis corresponderam a
0,60% da população yanomami – ou seja, em
termos relativos, o número é até menor.

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Um quadro semelhante pode ser descrito em


relação às estatísticas sobre crianças yanomami
que morreram por desnutrição. No pior ano do
governo Bolsonaro nesse quesito, que foi 2021, 15
indígenas com menos de 5 anos morreram por
desnutrição, o que corresponde a 0,049% do total
da população. No pior ano do governo Lula, 2009, 8
indígenas da mesma faixa etária morreram por
essa causa, o que corresponde a 0,044% da
população yanomami daquela época.

O problema da desnutrição infantil se deve, em


parte, a um aspecto comum a algumas culturas
indígenas, inclusive a yanomami: as crianças não
são priorizadas na hora da alimentação. “Na nossa
cultura, alimentamos primeiro o nosso filho para
depois nos alimentar. Índio não é assim. Alimenta
primeiro os homens, jovens e guerreiros – eles têm
prioridade na alimentação; depois, os idosos; em
seguida, as mulheres; por último, as crianças. Isso

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é a cultura indígena. É cultural deles. Isso vem de


séculos, principalmente em um povo que ainda não
é muito ligado à nossa cultura como é o caso dos
yanomamis”, explica Samuel Souza. “Dizer que
não existe desnutrição, dizer que não existe fome
dentro da terra indígena é impossível, porque
existe. Agora, isso existe por uma conjuntura
sistêmica de fatores que já vêm de bastante tempo,
e não porque o último governo não quis alimentar
os yanomamis, porque nós fomos genocidas, como
estão dizendo. Isso é absurdo.”

Aumento da malária é real, mas expansão ocorre


pelo menos desde os anos 2000

Outro argumento que tem alimentado a narrativa


de uma explosão recente da tragédia é o aumento
dos casos de malária na terra indígena yanomami
nos últimos anos. Em números absolutos, a
quantidade de casos foi maior, na média anual, nos

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governos Temer e Bolsonaro do que nas gestões do


PT. No entanto, há dois fatores pouco levados em
consideração: o aumento populacional e a
tendência de crescimento exponencial de
epidemias que não são controladas.

De fato, durante o governo Bolsonaro,


particularmente em 2020, os números da malária
em terras yanomamis foram os mais elevados
desde que se começou a fazer o registro dessa
estatística, no início dos anos 2000. Mas o
descontrole da epidemia teve origem muito antes.

Os casos de malária em terras indígenas


yanomamis aumentaram 2.672,8% entre 2003 e
2010, período do primeiro e segundo mandatos de
Lula (PT) como presidente da República, de acordo
com o Ministério da Saúde. Em 2003, foram 246 os
casos registrados de malária; em 2004, 785; os
números aumentaram progressivamente e

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chegaram a 6.821 em 2010. Nesse ano, último do


segundo mandato de Lula, a população de
yanomamis no Brasil era de 18.589, segundo dados
da Funasa– ou seja, os casos de malária de 2010
equivaleriam a mais de um terço do total da
população. Hoje, estima-se que o número de
yanomamis no Brasil tenha quase dobrado.

Em 2012, sob o governo Dilma, houve uma redução


de 67,6% dos casos de malária em terras
yanomamis em comparação com 2010. A queda foi
interrompida em 2013, e os sete anos seguintes só
registraram aumento nos casos. De 2014 para 2015,
por exemplo, os números subiram 57,7%. A
tendência de crescimento atingiu seu ápice em
2020, ano da pandemia da Covid-19, quando foram
registrados 21.877 casos de malária nas terras
yanomamis. Em 2021, houve uma diminuição de
25,4% em relação a 2020, e, em 2022, ocorreu
queda de 29,4% em comparação com 2021.

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Em janeiro, via Twitter, Lula chamou de


“genocídio” a situação dos yanomamis em
Roraima, disse que a tragédia dos indígenas foi um
“crime premeditado” cometido “por um governo
insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, e
citou a transmissão da malária como uma das
principais causas desse genocídio.

Garimpo ilegal avançou em terra yanomami, mas


problema começou em 2013

O avanço do garimpo ilegal de ouro nas terras


yanomamis tem sido citado como o principal
gatilho para a tragédia humanitária no Norte do
país. Aqui, há um aspecto importante que coloca a
narrativa do “genocídio” recente em perspectiva: o
crescimento do garimpo ilegal começou em 2013.

“Houve um aumento do garimpo lá? Sim, isso


aconteceu. O garimpeiro vai aonde o ouro está.
Estima-se que a população de garimpeiros lá hoje

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esteja em 20 mil operando na terra indígena. E o


garimpo cresceu nos últimos anos. Mas não nos
últimos quatro anos. Vem numa crescente desde
meados da década de 2010”, afirma Samuel Souza,
que participou, nos últimos anos, de várias
operações de combate ao garimpo ilegal em
Roraima.

Uma das principais causas para o aumento no


garimpo pode ter sido uma lei de autoria do
deputado petista Odair Cunha (PT-MG), que foi
sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em
2013. A lei estabelece a presunção da "boa-fé" no
comércio de ouro, isto é, a palavra do vendedor é
suficiente para atestar que a origem do ouro é legal.

Um estudo de 2022 do Instituto Escolhas,


resgatado pelo jornal Folha de S.Paulo na
quinta-feira (9), mostra que o garimpo ilegal
começou a crescer justamente após a sanção da lei,

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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especialmente a partir de 2015. Dados do


Mapbiomas também apontam para um
crescimento do garimpo de ouro em Roraima a
partir do mesmo ano.

A lei torna a fiscalização e a punição de operações


ilegais com o ouro mais difícil. Com isso, a prática
de “esquentar” o ouro – isto é, trazer para o
mercado formal o ouro de origem ilegal – acaba se
disseminando. Junto com o garimpo ilegal, a lei
sancionada por Dilma pode ter ajudado a trazer a
criminalidade à região: as taxas de homicídio
aumentaram cerca de 20% nas áreas indígenas e de
proteção ambiental na Amazônia que têm jazidas
de ouro.

“A cadeia criminosa que alimenta o crime


ambiental permeia e é permeada pelas cadeias que
alimentam outros crimes. Não tem como fugir
disso. É a mesma logística para o tráfico

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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internacional de fauna e flora, para o tráfico


internacional de drogas, para o contrabando ilegal
de madeira e da exportação ilegal de madeira no
país, para o contrabando de cigarro e de produtos
irregulares que vêm para o país. A lavagem de
dinheiro dos crimes de grilagem, dos crimes de
mineração, que são crimes ambientais, é a mesma
lavagem de dinheiro de outros crimes”, explica
Souza.

Governo Bolsonaro não foi omisso no combate ao


garimpo ilegal em terra yanomami, diz ex-diretor
do Ibama

Como ex-diretor de Proteção Ambiental do Ibama,


Souza critica as alegações de que o órgão teria sido
negligente durante o governo Bolsonaro no
combate ao garimpo ilegal, e diz que não teme
ações judiciais que o acusem disso. Segundo ele, as
Forças Armadas, com a ajuda do Ibama, montaram

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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uma operação de guerra para combater o garimpo


ilegal, e não houve omissão dos órgãos públicos
nesse enfrentamento.

Há alguns anos, de acordo com Souza, o governo


percebeu que os garimpeiros montavam bases de
apoio logístico na periferia da floresta nacional que
cerca as terras indígenas, com pistas clandestinas e
locais onde armazenavam combustível e alimentos.
Aviões e automóveis saíam de Boa Vista para essas
pistas, trazendo combustível e mantimentos. Dali,
os garimpeiros partiam para as terras indígenas
com o uso de helicópteros, para não entrar pelos
rios, que eram vigiados pelo governo. A estratégia
diante disso foi estrangular a logística.

“O que é que decidimos? ‘Vamos fechar o tráfego


aéreo’. Ninguém melhor do que militares para isso.
Foram diversos helicópteros destruídos, diversos
aviões. A Polícia Federal fazia ações lá com muita

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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frequência. Nós chegamos a fechar a empresa que


abastecia de querosene de aviação o Estado de
Roraima. Depois, a Justiça mandou reabrir”,
observa.

Para Souza, “é esse tipo de operação que é


eficiente, de estrangular a logística para impedir
que ela chegue lá na ponta”. “Se você prende dez
garimpeiros, semana que vem tem outros dez”,
comenta ele, em referência a operações de combate
ao garimpo que têm sido alardeadas pelo atual
governo como a solução principal para o problema.

Souza explica que os grandes grupos criminosos


estão por trás da atual onda de garimpo, e que
desmantelar isso requer inteligência. Esses grupos
começaram a se interessar pelo ouro quando viram
que se tratava de uma alternativa mais segura para
o crime do que a lavagem de dinheiro por outros
métodos, observa.

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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“Antigamente, os criminosos lavavam o dinheiro e


escondiam o seu lucro com bens imóveis.
Compravam fazendas, apartamentos… O traficante
tinha um apartamento e botava no nome de laranja
ou no nome de parentes. Isso no mundo inteiro. A
Justiça começou a seguir o dinheiro. Colocar o
dinheiro do lucro do tráfico em bens deixou de ser
negócio. Então, eles começaram a juntar dinheiro
vivo. Os traficantes tinham malas de dinheiro. Você
chegava a QGs de traficantes no Rio de Janeiro e
eles tinham quartos e quartos de dinheiro. Mas
volume de US$ 100 milhões em notas é equivalente
a uma sala inteira. O volume de US$ 100 milhões
em ouro é uma maleta. Aonde eu chegar, em
qualquer parte do mundo, eu transformo aquela
maleta de US$ 100 milhões de ouro em dinheiro, e
ninguém vai me perguntar a origem. O tráfico
começou a ir atrás do ouro por causa disso”,
comenta.

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Ribeiro de Freitas destaca que o garimpo tem


caráter sazonal e que, ao longo das últimas
décadas, foram várias as idas e vindas dos
garimpeiros em diferentes regiões. Ele recorda que,
no centro de Boa Vista, existe um monumento ao
garimpeiro. A polêmica estátua foi inaugurada em
1969 e é uma homenagem que a Prefeitura da
cidade fez por conta do apoio dos garimpeiros ao
desenvolvimento da região.

O ex-presidente da Funai explica que sazonalmente


o estado toma atitudes para expulsar o garimpo de
Roraima, mas isso nunca tem uma solução
definitiva. “Frequentemente os garimpeiros
retornam para as atividades”, diz. “Existe uma
dificuldade dos órgãos do Estado de acessarem a
terra indígena yanomami. É uma área na selva,
grande, muito grande, maior que a do estado do
Espírito Santo, quase igual à do estado de Santa
Catarina. Existe uma dificuldade para o Estado

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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brasileiro se fazer presente. Essa dificuldade


permite que, ao longo dos anos, os garimpeiros
adentrem com certa facilidade a região.”

Condenar indígenas a uma “tradição estática”


também pode ser um problema humanitário

As notícias sobre a situação humanitária yanomami


trouxeram novamente à tona um velho debate: até
que ponto se pode lutar para preservar uma
tradição cultural intacta sem desrespeitar a
autodeterminação dos povos e sem condená-los a
uma vida precária?

Nas redes sociais, alguns formadores de opinião


apontaram contradição no discurso da esquerda,
que tem demonstrado, neste momento, indignação
com as altas taxas de mortalidade de crianças
indígenas yanomami, mas é negligente em relação,
por exemplo, aos casos de aldeias em que a prática
do infanticídio persiste até hoje.

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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Aldo Rebelo afirma que existe entre a nossa


sociedade e a dos indígenas “um conflito de
estágios” que se apresenta como um grande
dilema. “Há um conflito entre o estágio dessas
populações, que é o estágio da coleta, da caça e de
uma agricultura rudimentar, e as possibilidades da
sociedade contemporânea, que oferece para a caça
uma espingarda no lugar do arco e da flecha, que o
índio prefere para a agricultura. Há máquinas e
equipamentos que aumentam a produtividade, que
eles também desejam. Além disso, os índios
querem ter acesso a serviços de comunicação. Claro
que eles querem ter acesso a um aparelho celular.
Eles gostariam de ter acesso à televisão. Gostariam
que os filhos tivessem acesso a uma escolaridade
que os pais não tiveram. Isso tudo cria um conflito
existencial entre essa cosmogonia do caçador e
coletor e a vida e as possibilidades que a
modernidade oferece. Esse conflito existe, e eu sei

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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que isso é um grande problema para eles também”,


comenta.

Para Belisário Arce, diretor-executivo da


Associação PanAmazônia, não se podem discutir
formas de ajudar a sanar a situação trágica de
algumas aldeias sem pensar em desenvolvimento.
“É preciso encarar a realidade. O modo como o
Estado brasileiro tem tratado os povos indígenas
não tem dado certo. Embora tenha havido um
aumento populacional nas últimas décadas, os
problemas potencializaram-se: suicídio,
alcoolismo, doenças venéreas, exploração sexual,
chacinas, fome. Evidentemente, há algo errado na
receita”, diz.

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Indústria de painéis solares é dominada pela China| Foto: Bigstock

Empregos verdes: por que eles


não são economicamente
sustentáveis
Por Bruna Komarchesqui

Durante o discurso de posse como presidente do


Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) na última segunda-feira (6),
Aloizio Mercadante declarou que “transitar para
uma economia de baixo carbono, com empregos
verdes e de baixa emissão é um imperativo que

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orientará a estratégia do Banco”, de modo a


“enterrar de vez o obtuso negacionismo climático
que nos tornou o grande vilão ambiental do
planeta”. Embora as chamadas “habilidades
verdes” já sejam exigidas em cerca de 10% dos
anúncios de vagas no Linkedin (que tem cerca de
800 milhões de cadastrados), e a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) fale em um ganho
líquido de 18 milhões de postos até 2030,
experiências nos Estados Unidos, União Europeia
(UE) e até na Coreia do Sul mostram que os
empregos verdes não são economicamente
sustentáveis como o marketing da militância
ambiental quer fazer crer.

A OIT classifica como empregos verdes aqueles


“que protegem os ecossistemas e a biodiversidade;
reduzem o consumo de energia, materiais e água
através de estratégias de elevada eficiência; des-
carbonizam a economia; e minimizam ou evitam

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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todas as formas de poluição ou produção de


resíduos”. A agência da ONU para o trabalho
também garante que “existe um enorme potencial
de criação e manutenção de empregos em todo o
mundo através de uma gestão ambiental
sustentável”.

A matemática real, no entanto, parece bem menos


favorável quando o assunto é criação de emprego.
“Acreditar que derrubar grande parte da base sobre
a qual nossa economia de mercado foi dirigida (e
fazê-lo em um período relativamente curto) levará
a uma bonança de empregos é ilusório ou muito,
muito otimista”, assevera Andrew Stuttaford, que
escreve sobre questões de capital na revista
conservadora National Review. “É quase certo que a
transição para longe dos combustíveis fósseis
aumentará o custo da energia (e, com toda a
probabilidade, diminuirá sua confiabilidade). Essa

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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não é uma receita óbvia para a criação de


empregos”, completa.

Essa mudança rápida de paradigma, acrescenta o


analista, tem ligado um alerta de desemprego em
massa na União Europeia. Até 2035, a Comissão
Europeia quer eliminar 100% das emissões de
carbono de carros novos, com a proibição da venda
de veículos movidos a combustível fóssil após essa
data. Em dezembro de 2021, o jornal econômico
Financial Times noticiou que “meio milhão de
empregos estariam em risco sob os planos da UE de
banir efetivamente os carros com motor de
combustão até 2035, de acordo com fornecedores
europeus de automóveis, o mais recente de uma
série de alertas sobre os custos de uma rápida
transição para tecnologias livres de emissões”.

São 501 mil postos da indústria automobilística


europeia fadados a desaparecer no período (sendo

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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que dois terços já deixariam de existir até 2030),


segundo 100 empresas ouvidas por uma pesquisa.
Enquanto isso, 226 mil novos empregos seriam
criados na fabricação de peças elétricas, o que
resultaria em um déficit de 275 mil vagas até 2035.
“Criar as condições necessárias para a proteção do
clima significa não apenas acelerar a transforma-
ção, mas também prevenir o desemprego em larga
escala”, afirmou Ariane Reinhart, do conselho de
relações humanas e sustentabilidade da
Continental, maior fornecedor de autopeças da
Alemanha.

No Reino Unido, o Departamento Nacional de


Estatísticas afirmou, em fevereiro do ano passado,
que não houve “mudança significativa” no volume
de negócios e empregos no setor de baixo carbono e
energia renovável do país entre 2014 e 2020, apesar
das promessas do governo de aumentar as
oportunidades no segmento.

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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Em um golpe para a promessa do governo de


aumentar as oportunidades líquidas de emprego, o
disse que seus números mais recentes, cobrindo
2020, não mostraram “nenhuma mudança
significativa” na rotatividade e no número de
empregos no setor em comparação com seis anos
antes. Uma reportagem do jornal The Guardian
mostra que “o número de negócios verdes
operando no Reino Unido caiu 13% durante o
período de seis anos”. Embora os empregos
tenham mais que dobrado no setor de veículos e
infraestrutura de baixa emissão no período
(totalizando 19 mil), o aumento não foi o suficiente
para compensar o declínio de 32 mil vagas em
outros lugares, como a fabricação de produtos
energeticamente eficientes.

“Os empregos 'verdes' são os primeiros a


desaparecer quando os tempos ficam difíceis,
porque não produzem energia ou valor suficiente”,

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assegura Andrew Follett, analista de pesquisa na


Club for Growth, organização com foco em
questões econômicas americanas, governo
limitado e políticas públicas conservadoras.
“Políticos de esquerda prometem que milhões de
bons ‘empregos verdes’ estão chegando, mas as
empresas continuam anunciando demissões nesse
setor extremamente improdutivo”.

Empresas verdes são menos produtivas

Desde o governo Obama e mais recentemente com


Joe Biden, os americanos têm ouvido que os
investimentos em energia verde não só salvarão o
planeta, como criarão muitos bons empregos.
“Quando penso em mudança climática – e venho
dizendo isso há três anos – penso em empregos”,
declarou Biden (que já havia fracassado em
políticas semelhantes quando foi vice de Obama),
no mês de julho.

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Em outubro, a General Electric anunciou a de-


missão de 20% de sua força de trabalho de energia
eólica onshore baseada nos Estados Unidos. Em
julho, a Ford Motor Company disse que precisaria
demitir 8 mil funcionários para cumprir sua cota de
veículos elétricos determinada pelo governo.

“A realidade é que, à medida que a economia entra


em recessão, os setores improdutivos tendem a
piorar. . . e empresas verdes são profundamente
improdutivas”, afirma Follett. Ele explica que, em
2021, os EUA geraram apenas 163.703 mil
megawatts-hora de eletricidade a partir de energia
solar, empregando mais de 255 mil trabalhadores,
enquanto 778.152 mil megawatts-hora foram
gerados por energia nuclear, setor que empregou
66,8 mil trabalhadores.

“Assim, cada trabalhador solar gerou apenas 640


megawatts-hora de eletricidade (o suficiente para

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abastecer 57 residências), enquanto cada


funcionário da indústria de energia nuclear gerou
11.648 megawatts-hora de eletricidade (suficiente
para abastecer 1.059 residências), tornando o
funcionário nuclear médio 18,2 vezes mais
produtivo em gerar eletricidade livre de dióxido de
carbono como o funcionário solar médio”, calcula.

As demissões em massa também abalam o setor de


energia solar americano (profundamente depen-
dente de painéis chineses, muitas vezes fabricados
por trabalho escravo de uigures). Fabricantes liga-
dos à energia eólica na Europa temem o mesmo
problema, com o crescimento das turbinas chine-
sas oferecidas a preços mais baixos no mercado.

O executivo-chefe da Siemens Gamesa, Jochen


Eickholt, disse ao Financial Times que há
“definitivamente um risco” de que a indústria de
turbinas eólicas se pareça com a de painéis solares,

Gazeta do Povo Revista – Ed.19 Fevereiro/2023


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onde a China domina a cadeia de suprimentos. Uma


das maiores fabricantes europeias de turbinas, a
empresa sofreu um prejuízo de 1,2 bilhão de euros
[equivalente a R$ 6,6 bilhões na cotação atual] em
nove meses no ano passado e anunciou o corte de
10% de sua força de trabalho global.

Professor de Políticas Públicas na Universidade


Duke (na Carolina do Norte) e membro do
American Institute for Economic Research, Michael
Munger argumenta que a alegação de que “estudos
mostram” que a “energia verde cria empregos” é
um exemplo da falácia da janela quebrada de
Bastiat. Trata-se de paradoxo criado pelo
economista francês Frédéric Bastiat para ilustrar
que a destruição e o dinheiro gasto na recuperação
não resultam em benefício líquido para a sociedade.

Assim, o estudioso admitia que “destruir riqueza


cria empregos”: “mas havia um contexto mais

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amplo para as observações de Bastiat sobre o


visível e o invisível: uma proposta séria de que toda
Paris deveria ser incendiada. Sim, porque criaria
empregos. Realmente. (...) quanto o comércio
ganharia com o incêndio de Paris, do número de
casas que seria necessário reconstruir?”, completa.

Na Coreia, empregos insustentáveis

A criação de “empregos verdes” tem sido um dos


focos da atual política do Green New Deal da Coreia
do Sul. O professor Taedong Lee, que leciona
ciência política na Universidade de Yonsei, em Seul,
explica que “no entanto, o governo fez pouco
progresso no cumprimento de suas metas e
ambições declaradas”.

Em um evento organizado por Lee, em outubro de


2020, jovens relataram suas experiências na busca
por uma vaga do tipo no mercado de trabalho. “É
irônico que empregos verdes não sejam

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sustentáveis. Essa é a razão pela qual não gosto do


termo 'emprego verde'. Suas vidas pessoais e
carreiras são a prioridade para os jovens que
buscam empregos verdes. No entanto, as propostas
atuais de empregos verdes são posições de curto
prazo, como estágios de seis meses; esses são
empregos insustentáveis”, contou um deles.

Em 2020, a administração do então presidente


Moon Jae-in anunciou um pacote de incentivos de
US$ 10 bilhões [R$ 52 bilhões] para criar 1,9 milhão
de empregos por meio do K-New Deal até 2025. O
objetivo do plano é a transição verde da
infraestrutura e do setor de energia, além da
inovação da indústria verde. No total, são US$ 3,9
bilhões [R$ 20,3 bilhões] destinados à criação de
659 mil empregos.

“Infelizmente, não há evidências claras de que as


políticas de estímulo do governo tenham

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aumentado empregos e indústrias ecologicamente


corretas”, explica Lee.

Para ele, o contexto de crescente desemprego entre


jovens, decorrente da pandemia, exige soluções
econômicas urgentes e eficazes. “A criação de
empregos verdes trará mudanças reais para a
economia dependente de combustíveis fósseis e
aliviará a desigualdade econômica e a injustiça, ou
isso é simplesmente uma promessa vazia apresen-
tada como fachada para a política do governo? Se o
governo leva a sério o Green New Deal e a criação
de empregos verdes, ele deve desenvolver um
sistema eficaz para monitorar e avaliar a eficácia
dos empregos verdes”, sugere o especialista.

A experiência da Califórnia

Em agosto de 2015, uma investigação da agência de


notícias Associated Press (AP) revelou que uma
medida aprovada por 60% dos eleitores da

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Califórnia três anos antes havia falhado em criar


empregos verdes. A Proposição 39 aumentou
impostos corporativos sobre empresas de fora do
estado, com o objetivo de “criar eficiência
energética e empregos de energia limpa” e
financiar projetos de “energia verde”.

Metade das receitas fiscais da medida foram


destinadas pelo Legislativo ao financiamento de
projetos de energia limpa em escolas. A promessa
era gerar mais de 11 mil empregos por ano, mas
apenas 1,7 mil foram criados no triênio. A receita
também ficou além do previsto. Segundo a AP, “os
proponentes disseram aos eleitores em 2012 que
enviariam até US$ 550 milhões [R$ 2,8 bilhões]
anualmente para o Fundo de Empregos de Energia
Limpa. Mas arrecadou apenas US$ 381 milhões [R$
1,9 bilhão] em 2013, US$ 279 milhões [R$ 1,4
bilhão] em 2014 e US$ 313 milhões [R$ 1,6 bilhão]
em 2015”.

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A agência de notícias levantou ainda que, naquele


momento, a Califórnia não era capaz de mostrar
quanto do trabalho havia sido realizado desde 2012
ou quanta energia foi economizada. Além de o
dinheiro chegar a um ritmo mais lento do que o
previsto, mais da metade dos US$ 297 milhões [R$
1,5 bilhão] destinados às escolas públicas foi para o
bolso de consultores e auditores de energia. Além
disso, o conselho criado para supervisionar o
projeto e apresentar relatórios sobre o progresso ao
Legislativo nunca chegou a se reunir.

Durante o período, o estado alocou US$ 12 milhões


[R$ 65 milhões] em projetos escolares no Distrito
Escolar Unificado de Los Angeles, que conta com
quase mil escolas, mas nenhum deles foi concluído.
A estimativa do escritório do então líder do Senado,
o democrata Kevin de Leon, era de que a Proposição
economizaria US$ 27 milhões por ano em custos de

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energia, mas o montante de economia efetivo dos


projetos propostos havia sido de US$ 1,4 milhão.

“A Proposição 39 foi ideia do bilionário dos fundos


multimercado Tom Steyer, que por acaso fez uma
parte substancial de sua fortuna com carvão e
outros investimentos em ‘energia suja’. Steyer
despejou US$ 29,6 milhões [R$ 140 milhões] de seu
próprio dinheiro na campanha”, revela John Seiler,
do jornal californiano Orange County Register. Em
um artigo no City Journal, o analista afirma que
“Leon e Steyer estão supercolados ultimamente”. O
investidor estaria despejando dinheiro na
Califórnia e em contrapartida “Leon está
apresentando projetos de lei que ecoam a agenda
ambiental de Steyer”.

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Aeroporto de Ezeiza, na Grande Buenos Aires, por onde russas grávidas têm
desembarcado na Argentina. | Foto: EFE/Matías Campaya

Dez mil em um ano: o que está por


trás da chegada em massa de
russas grávidas à Argentina
Por Fábio Galão

Desde a semana passada, a alta inflação e as


últimas invenções do peronismo dividem o
noticiário na Argentina com um caso insólito: a
chegada em massa de mulheres russas grávidas ao
país.

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Segundo as autoridades argentinas, desde o início


da guerra da Ucrânia, no final de fevereiro de 2022,
cerca de 10,5 mil russas em gestação de mais de 30
semanas entraram no país sul-americano.

Mais da metade delas (5,8 mil) chegou nos últimos


três meses. A principal hipótese levantada pelo
serviço de migração é que essas mulheres estão
vindo ao país porque a Argentina não exige visto de
entrada e porque buscam segunda cidadania para
os filhos, num momento em que cidadãos russos
sofrem restrições de visto como represália ao país
de Vladimir Putin pela invasão à Ucrânia.

O passaporte argentino dá acesso a 171 países sem


visto, incluindo os da União Europeia, o Reino
Unido e o Japão, e permite a obtenção de um visto
de dez anos para os Estados Unidos.

A meta é obter a segunda cidadania apenas para os


filhos ao fazê-los nascer em território argentino –

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os pais estrangeiros de um bebê nascido na


Argentina só podem obter a nacionalidade após
dois anos de residência ininterrupta no país. Cerca
de 7 mil das russas grávidas que entraram na
Argentina de um ano para cá já não estão mais no
país.

“Estamos felizes que venham morar na Argentina,


mas o problema é que elas chegam, têm filhos, os
registram como argentinos, deixam uma
procuração para outros responsáveis, vão embora e
nunca mais voltam. São pessoas que estão ‘usando’
nosso passaporte”, afirmou a chefe do setor de
migrações do governo argentino, Florencia
Carignano, à rede de televisão Todo Noticias.

Carignano explicou que essas mulheres, que


chegam sempre em momento avançado da
gestação e geralmente alegam o objetivo de fazer
turismo (embora não saibam explicar em qual

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ponto do território argentino), não têm passagem


de volta, o que denuncia a intenção de dar à luz no
país sul-americano.

O ritmo de chegada é frenético: na sexta-feira (10),


83 russas chegaram num voo da Ethiopian Airlines,
16 delas grávidas, ao aeroporto de Ezeiza, na
Grande Buenos Aires.

Também na semana passada, seis russas gestantes


foram retidas no terminal metropolitano por terem
mentido durante os trâmites migratórios. Elas
estavam num voo que transportava ao todo 33
grávidas do país eurasiático. Um juiz federal
autorizou a entrada das seis mulheres na Argentina
por “questões humanitárias”.

A Polícia Federal está investigando o caso. Na


quinta-feira, durante uma operação, foram
apreendidos euros, dólares, celulares, notebooks e
documentos de imigração em dois apartamentos de

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luxo na região de Puerto Madero, na capital


argentina.

Fontes policiais informaram ao Clarín que esse


grupo criminoso cobrava entre US$ 20 mil e US$ 35
mil de famílias russas abastadas para tratar de uma
série de serviços: traslados, hospedagem, clínica
para atendimento das gestantes e realização do
parto e tradutores, além de trâmites para obtenção
da cidadania em “tempo recorde”. Três suspeitos
de integrar o grupo tiveram seus passaportes
retidos.

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PARA SE APROFUNDAR

● Editorial: Recomeça a batalha pela prisão em


segunda instância

● Filipe Figueiredo: Netanyahu coloca Israel a


caminho de uma autocracia

● Parlamentares reagem a Lula e propõem limitar


financiamentos do BNDES no exterior

● Impeachment de ministros do STF perde força no


Senado apesar da eleição de críticos da Corte

● Com ataques de Lula a BC e metas, mercado eleva


projeção de juros e vê PIB mais fraco

● Reduto conservador na América do Sul, governo


Lasso sofre cerco no Equador

● Mercado livre de energia passa por


competitividade e corrida para resolver questões
legais

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