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Recuperar os direitos políticos de Lula não é só uma questão jurídica

Não é de hoje que a grande mídia se sujeita ao tacanho papel de atuar como um partido político,
desvirtuando o princípio jornalístico da informação objetiva, degradando o ofício e seus profissionais.
O apoio incondicional que ofereceu à Lava Jato contribuiu para que se criasse o ambiente propício à
propagação de informações falsas. As chamadas “Fake News” constituem um método antigo
utilizado pela imprensa corporativa para atacar os seus opositores políticos. Durante a cobertura
jornalística em torno da operação, a mídia fez uso de uma série de recursos técnicos, estéticos e
narrativos para formar um consenso, entre a população e as instituições, quanto a inviabilidade
política e moral de Lula.
Os processos jurídicos que o ex-presidente responde nasceram na imprensa. As constantes
reportagens que denunciavam as palestras ministradas por ele, as insinuações sobre o sítio de
Atibaia e o tríplex do Guarujá possuíam uma coisa em comum: todas estavam repletas de erros e
imprecisões que comprometeram o fato jornalístico. As acusações sem provas, feitas por ricaços
corruptos que aderiram à delação premiada, ganhavam destaque nas capas de jornais e revistas sem
que a veracidade dos fatos fosse confirmada, numa permanente campanha de difamação e
deslegitimação da presunção de inocência de Lula. Por ocasião do julgamento do habeas corpus, em
abril de 2018, os ministros do STF, acossados pela pressão dos grupos de mídia e do Exército,
cederam à cena montada pela Lava Jato com o apoio dos jornalões e negaram o pedido da defesa.
Estava efetivado o Lawfare e a inevitável reprodução do conflito político junto ao campo jurídico.
Se a direita e a mídia que deram o golpe, em 2016, não queriam Bolsonaro vitorioso nas eleições de
2018, é certo que não hesitaram em equipará-lo ao candidato do PT, mostrando que se tratava de
uma “escolha muito difícil” por Haddad ser um “esquerdista, preposto de um presidiário”. A mídia
corporativa fingiu demência diante da escolha óbvia entre civilização ou retrocesso e optou pela
“neutralidade”, pavimentando o caminho para que Bolsonaro se tornasse presidente do Brasil, tudo
em nome da agenda neoliberal. Se o PSDB e o MDB podem ser considerados os pais de Bolsonaro,
sem dúvida nenhuma, a grande mídia e a Lava Jata são as mães que trouxeram seu asqueroso
rebento à luz da vida política.
O objetivo do golpe de 2016 era tirar o PT do governo, prender Lula para impedir que o partido
retornasse pelo voto e, assim, impor um freio à agenda de soberania, desenvolvimento e distribuição
de renda que estava sendo praticada no Brasil. Todos sabemos que a retórica do combate à
corrupção que atinge Silvas, jamais condena Neves, Cardozos, Serras e Bolsonaros. As esquerdas,
principalmente as institucionais, precisam parar de desprezar a “Luta de Classes” num país com
milhões de desempregados e miseráveis, e uma pilha de cadáveres. A cassação dos direitos políticos
de Lula trouxe à tona nossas culturas políticas autoritária, racista, machista e preconceituosa.
Bolsonaro é a síntese mais grotesca dessa tradição de violência que se manterá em destaque
enquanto Lula estiver banido do jogo político. A pacificação do Brasil passa pela devolução dos seus
direitos políticos e o reestabelecimento do violado Estado Democrático de Direito.
Temos de abandonar em definitivo a crença de que o poder judiciário, por si só, irá resolver o
problema. Se a condenação de Lula envolveu uma sofisticada sinergia entre MPF, Mídia, PF e
Judiciário, recuperar seus direitos políticos não poderá ser apenas uma questão jurídica, mas
demanda a urgente composição das forças de esquerda e/ou progressistas em torno dessa pauta. Há
que se apresentar um projeto que seja síntese dessa unidade e trabalhar, com Lula e sua ampla
capilaridade junto ao povo brasileiro, por mobilizações populares em favor do “Fora Bolsonaro!”,
voltadas à construção de um futuro que esteja acima das vaidades particulares e se faça inclusivo,
solidário, plural, democrático, com igualdade de direitos e oportunidades, sem racismo, sem
violência de gênero, sem miséria, sem agressão policial contra as populações pobres e pretas, com
direito à educação, saúde, emprego e renda. Um futuro digno do Brasil e dos brasileiros.
Carla Teixeira – Doutoranda em História na UFMG.

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