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AGRADECIMENTOS
Apesar de ter um único autor, esta pesquisa acadêmica foi uma empreitada que exigiu
a participação de diversas pessoas, cada um contribuindo, direta ou indiretamente, para o bom
andamento do trabalho. Primeiramente, agradeço à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) pela bolsa concedida durante o tempo integral desta
pesquisa. Sem ela o trabalho não teria sido concluído no mesmo espaço de tempo. E ao
programa de Pós-Graduação em História, que colaborou com auxílios financeiros para a
participação em eventos acadêmicos e para a pesquisa do audiovisual na TV Cultura.
Agradeço ao meu orientador, Dr. Áureo Busetto, pela oportunidade, ainda na
graduação, de conhecer as imagens pouco definidas da TV brasileira. Por toda sua a
dedicação, empenho e expectativas sobre meu projeto. Pelo aprendizado constante que me
proporcionou, seja nas reuniões de orientação ou em um simples bate papo pelos corredores
da faculdade.
Meus sinceros agradecimentos aos professores Juvenal Zanchetta e Maria de Fátima
da Cunha, pela leitura criteriosa do texto no Exame de Qualificação. À professora Andréa
Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi, pelas sugestões ao projeto durante a disciplina de
Seminários de Pesquisa. Aos professores da época de graduação, Ruy de Oliveira Andrade
Filho, a quem eu devo o primeiro contato com o mundo da pesquisa acadêmica; Paulo
Henrique Martinez, por sempre alertar sobre as dificuldades de nosso ofício. À professora
Regina Aparecida Ribeiro Siqueira pelo aprendizado e a convivência durante quatro anos no
Projeto de Educação de Jovens e Adultos da UNESP (PEJA). E a tantos outros professores
que foram fundamentais para a minha formação. Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade
de Ciências e Letras, da Biblioteca Nacional, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, do
Arquivo Público do Estado de São Paulo, da Seção de Pós-Graduação, da TV Cultura.
Aos amigos que compartilharam comigo a descoberta da História durante a graduação:
Artur Bez, Ellen Maziero, Fabíula Sevilha, Fernanda Henrique Silva, Joice Serafim, Marina
Oliveira, Pâmela Michelette e Shaila de Almeida Bonfim. E aos amigos Jônatas Chizzolini,
George Kluck, Luciano Oliveira, Sérgio Alves, Talita Annunciato, Heraldo Galvão e Beatriz
Birelli.
Serei eternamente grato a minha mãe Raineide, ao meu pai Reinan, aos meus irmãos
Jéssica, Beatriz e Renan, que, mesmo sentindo o peso da saudade e da distância, sempre me
apoiaram. Às minhas avós Jandira e Neuma. Ao meu primo, Michael, que durante os meus
anos de faculdade estava em Cuba realizando o sonho de se tornar médico. Aos meus gatos,
6
Fidel e Ernesto, por toda a diversão proporcionada em momentos de tensão. E a toda minha
grande família Amarante-Oliveira.
Não poderia encerrar estas páginas sem agradecer à minha amada namorada Camila,
que foi, durante estes últimos seis anos, muito mais do que a simplicidade da palavra
“namorada” possa significar. Foi ela quem me conduziu até este momento. Minha amante,
minha companheira, minha amiga, minha professora, meu amor.
7
Roberto Marinho
8
RESUMO
Esta dissertação tem por objetivo central analisar historicamente o ensino na televisão
brasileira durante o regime militar, tendo como eixo-central as relações sociais que tornaram
possível a criação do programa Telecurso 2º Grau. Esta pesquisa buscou comprovar a
hipótese de que o projeto criado por Roberto Marinho serviu como elemento legitimador de
sua posição privilegiada no campo midiático nacional, o que possibilitou ao empresário
incrementar a sua ligação com o regime militar e deslegitimar as críticas quanto à condição
quase monopolizadora da Rede Globo no campo televisivo brasileiro, assegurando para a sua
emissora uma imagem de prestadora de serviço social e comprometida com a instrução
pública da sociedade brasileira. O Telecurso conseguiu, ainda, responder como uma
alternativa possível dentro do modelo televisivo comercial brasileiro, calcado no par
entretenimento/informação e tornando-se um paradigma para os programas instrucionais
vindouros na televisão brasileira e, respondendo, assim, a uma demanda de teleducação que o
regime militar não conseguiu suprir com suas emissoras educativas. Neste sentido, esta
pesquisa remonta os debates e as ações sobre a utilização da televisão no ensino, bem como
apresenta as primeiras experiências no setor e as relações sociais que permearam a criação e o
primeiro desenvolvimento do Telecurso, demonstrando como Roberto Marinho utilizou de
sua posição privilegiada nos campos televisivo e político nacional para consolidar seu projeto
de educação. E, por fim, trata do audiovisual do programa, apresentando os agentes
envolvidos com sua produção, bem como as disciplinas que integraram suas três fases.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze historically the Brazilian television education during the
Military Regime; its central axle is the social relationships that made possible the creation of
the program Telecurso 2º Grau. This research aimed to prove the hypothesis that the project
created by Roberto Marinho was a legitimacy element of his privileged position in the
national media field, that enabled to this manager increase his connection with the military
government and delegitimize the criticisms about the almost monopolized condition of the
Rede Globo on the Brazilian TV, ensuring to his station a social service provider image and
engaged to the public instruction of the Brazilian society. Telecurso was able to answer as a
possible alternative in the Brazilian commercial model of television based on the pair
entertainment/information and becoming a paradigm to the instructional programs from the
Brazilian TV and supplying to a demand of tele-education that the military regime wasn’t able
to fill with the educative channels. In this sense, this work restores the debates and the actions
about the use of the television in the education, as well as it shows the first experiences in the
sector and the social relationships that permeated the creation and the Telecurso first
development, demonstrating how Roberto Marinho used his privileged position in the national
TV and political fields to consolidate his educational project. At last, it deals with the
audiovisual part of the program, showing the agents who were involved with its production
and with the subjects that integrated its three phases.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................14
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................151
FONTES.................................................................................................................................157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................159
14
INTRODUÇÃO
15
INTRODUÇÃO
1
É interessante lembrar que na Inglaterra o historiador Asa Briggs, já desenvolvia pesquisas acerca do
Broadcasting, porém de forma restrita e isolada.
2
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV; UFRJ, 1996.
3
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 62.
17
4
socióloga, Ester Hamburguer. O que denota a ausência de historiadores brasileiros
preocupados em pensar historicamente a TV, ao menos até o final da década de 1990, período
de publicação da obra citada. A falta de estudos é notada também por pesquisadores ligados à
área da Comunicação. Ana Paula Goulart Ribeiro e Micael Herschmann apontam que “há
poucos trabalhos de fôlego sobre História da Comunicação na própria História.” E concluem
que apesar da mídia – notadamente os jornais – ser cada vez mais utilizada como fonte
histórica em trabalhos que abordam diversos temas, “os estudos dos meios em si (e de suas
práticas sociais) ainda são restritos nas universidades do país.” 5
Esse descompasso entre a pesquisa histórica e o avanço do meio no Brasil é um ponto
fundamental para pensarmos de que modo os historiadores escolhem seus objetos. Ao
verificarmos a quase ausência de estudos sobre a TV, percebemos uma forte influência do
campo dos historiadores, ou seja, em busca de legitimação e reconhecimento, os
pesquisadores acabaram deixando de lado um objeto de amplo alcance social para dedicarem-
se a temáticas mais cotadas entre os pares – já que, na maioria das situações a televisão é
desprezada, quando não ridicularizada pela academia e sua intelectualidade.
Na contramão dessa tendência destaca-se o esforço do historiador Áureo Busetto em
pensar a TV no rol de objetos historiográficos. O autor começou suas pesquisas sobre o meio
6
há alguns anos, inicialmente preocupado em pensar TV na sala de aula; em um segundo
momento suas investigações adentraram o universo dos primórdios da TV como invenção
7
tecnológica; posteriormente, sua reflexão se verticalizou para pensar as implicações
metodológicas enfrentadas pelos historiadores ao escolher a televisão como fonte e objeto de
pesquisa. 8 Resultando assim na possibilidade de pensar um produto específico da televisão, a
9
TV Excelsior, e buscar historicizá-lo. Cabe ressaltar que na maioria desses estudos
prevaleceu a preocupação do autor com a reflexão sobre a relação entre TV e política. Essa
4
HAMBURGUER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In. SCHWARCZ, Lilia
Moritz. História da Vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
5
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. História da comunicação no Brasil um campo em
construção. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e
novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008. p. 14.
6
Cf. BUSETTO, Áureo. Relações entre TV e poder político: dados históricos para um programa de leitura dos
produtos televisivos no ensino e aprendizagem. In: Pinho, Sheila Zambello; Saglietti, José Roberto Corrêa
(Orgs.). Núcleos de Ensino. 1ª ed., v.4. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2007, pp. 178-207.
7
BUSETTO, Áureo. Em busca da caixa mágica: o Estado Novo e a televisão. In: Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 27, nº 54, 2007 pp. 177-196.
8
BUSETTO, Áureo. A mídia brasileira como objeto da história política: perspectivas teóricas e fontes. In:
SEBRIAN, Raphael Nunes Nicolletti (org.). Dimensões do político na historiografia. Campinas: Pontes Editora,
2008, pp. 9-23.
9
BUSETTO, Áureo. Sem aviões da Panair e imagens da TV Excelsior no ar: um episódio sobre a relação regime
militar e televisão. In: KUSHNIR, Beatriz (org.). Maços na gaveta: reflexões sobre a mídia. Niterói: Eduff,
2009. pp. 53-64.
18
10
Cf. BARROS FILHO, Eduardo Amando de. Por uma televisão cultural-educativa e pública: a TV Cultura de
São Paulo, 1960-1974. Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. BERNO, Monise Cristina. Entre a Cruz e
a Antena de TV: “Um dia sem TV” em prol do “bom senso” (Assis, 1978 – 1983). Dissertação de Mestrado.
Assis: UNESP, 2010. LIMA, Eduardo de Campos. Entre a política brasileira de concessões televisivas e as
diretrizes católicas de comunicação social: a formação da Rede Vida de Televisão, 1989-1995. Dissertação de
Mestrado. Assis: UNESP, 2010.
11
FREIRE FILHO, João. Por uma nova agenda de investigação da História da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana
Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de
Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008. p. 127
12
As emissões regulares de TV no Brasil iniciaram-se no dia 18 de setembro de 1950, com a PRF-3 TV Tupi,
propriedade de Assis Chateaubriand.
13
O total de aparelhos de televisão era de 14 milhões 825 mil, de acordo com estimativas da ABINEE. In.
MATTOS, Sérgio Augusto Soares. Um perfil da TV brasileira: 40 anos de história. Salvador: ABAP, 1990.
19
pesquisas que tematizam a educação ou o ensino, há ainda certo “esquecimento” por parte dos
historiadores de temas que tenham como interface o campo educacional, sendo, em sua
maioria, rotulados como tarefa para os pesquisadores em Educação. E, por fim, o fato de o
Telecurso ser um objeto da chamada História do tempo presente, abordagem investigativa que
ainda gera algumas dúvidas entre os historiadores mais tradicionais, desconfiados da análise
de uma temática que ainda flutua no mar tão agitado da memória, que é sempre um campo de
disputa.
Nesse cenário nacional de escassa produção historiográfica acerca do Telecurso,
encontramos apenas um trabalho. Trata-se de uma dissertação, defendida na Universidade de
Brasília (UnB), em 2006, de autoria de João Flávio Moreira e intitulada Os Telecursos da
14
Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à distância (1978 – 1998). O autor
apresenta uma boa análise de dados quantitativos sobre o programa, demonstrando, a partir da
construção de gráficos e tabelas, a grandeza e amplitude do projeto em termos de recursos
utilizados. Porém, do que mais se sente falta no trabalho é de uma narrativa e análise histórica
que utilize os dados coletados em prol da construção de um estudo histórico que contemple as
relações sociais e políticas entre os campos e os agentes que atuavam no projeto Telecurso, ou
seja, os campos televisivo, político e educacional. Assim, o trabalho de Moreira centra-se
mais em demonstrar o que foi o Telecurso em termos de abrangência – o que não deixa de ser
relevante, desde que pensado em relação aos outros aspectos do programa – do que cuidar dos
interesses políticos e econômicos investidos no projeto e as suas implicações ao campo
midiático, ao campo político e às relações de ambos notadamente nas questões sobre TV e
ensino.
Diagnosticada tal ausência de trabalhos na área de História, nossa pesquisa
bibliográfica orientou-se para as áreas de interface, como a Educação. Todavia, os estudos
sobre o Telecurso em sua maioria, dissertam, exclusivamente, sobre os aspectos didáticos do
projeto, cuidando mais especificamente das versões mais recentes do programa, como o
Telecurso 2000. Portanto, não coadunavam com os objetivos desta dissertação que visa a
compreender sócio-historicamente as múltiplas relações sociais encetadas por diversos e
diferentes agentes sociais que possibilitaram, direta e/ou indiretamente, a criação e o primeiro
desenvolvimento do programa.
Ainda assim, quatro estudos da área de Educação se destacam. O primeiro deles
devido à significativa quantidade de documentos que tornou público sobre a produção do
14
MOREIRA, João Flávio de Castro. Os Telecursos da Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à
distância (1978 – 1998). Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
20
Telecurso, e pelo fato de o autor ter sido membro da equipe do programa. Trata-se de uma
tese de doutoramento, defendida na PUC-SP, em 1981, de autoria de Antonio Carlos Caruso
Ronca. 15 Em seu trabalho, o autor buscou demonstrar como a proposta do Telecurso divergia
das ideias de Paulo Freire, intelectual consagrado pelos projetos de educação popular
desenvolvidos no pré-64. Ronca tentou demonstrar como o discurso oficial da FRM divergia
de suas práticas, que pouco ou quase nada teriam que ver com a concepção de educação
popular de Freire. A análise feita por Ronca, em razão de sua especificidade, não busca outras
ferramentas e acaba chegando a respostas óbvias. O ponto forte do trabalho é a quantidade de
documentos levantados, tarefa que se torna relativamente fácil para quem atuou no projeto e
possivelmente teve acesso irrestrito aos arquivos da TV Cultura.
O segundo é o capítulo denominado “O sucesso do Telecurso”, do livro Educação à
16
distância: a tecnologia da esperança, de Arnaldo Niskier. Esse capítulo é importante por
tratar da visão de um profissional que trabalhou para o então Ministério da Educação e
Cultura (MEC) na década de 1970, como membro do Conselho de Administração do
Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), colaborando na formulação e investigação
de nossas hipóteses acerca da teleducação no Brasil.
A terceira pesquisa, uma tese de doutoramento de Sérgio Haddad, intitulada Estado e
17
educação de adultos (1964 -1985), apesar de não ter o Telecurso como eixo central, faz
uma discussão interessante a respeito das políticas educacionais criadas e desenvolvidas pelo
regime militar. Adentrando, em algumas partes de seu estudo, na questão da teleducação, o
autor descreve algumas experiências ocorridas durante o regime militar, incluindo um breve
comentário sobre o Telecurso.
O último trabalho consta do livro Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia,
18
organizado por Valério Brittos e César Bolaño. Trata-se de um capítulo de autoria da
19
professora Cosette Castro, intitulado “Globo e educação: um casamento que deu certo”. A
autora traça um panorama geral da atuação da emissora de Roberto Marinho em programas
educativos, desde os infantis e do Telecurso 2º Grau até a criação do Canal Futura.
15
RONCA, Antônio Carlos Caruso. Ensino Supletivo: Ideologia e Psicologia de um programa de educação pela
televisão. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1981.
16
NISKIER, Arnaldo. Educação à distância: a tecnologia da esperança. São Paulo: Loyola, 1999. pp. 307-315.
17
HADDAD, Sérgio. Estado e Educação de Adultos (1964 -1985). Tese de doutoramento. São Paulo: Faculdade
de Educação – USP, 1993.
18
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São
Paulo: Paulus, 2005.
19
CASTRO, Cosette. Globo e educação: um casamento que deu certo. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO,
César Ricardo Siqueira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. pp. 243-263.
21
20
MICHELOTO, Antônio Ricardo. A cidadania do Telecurso: memórias de um projeto de educação popular. In.
Revista Educação Popular. Uberlândia, n. 5, 35-40, jan./dez. 2006. p. 37-42.
21
MACHADO, Roméro da Costa. Afundação Roberto Marinho. Porto Alegre: Tchê, 1988.
22
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.). Fundação Roberto Marinho 30 anos. Rio de Janeiro: Goal,
2008.
22
23
BOURDIEU, Pierre. op. cit., p. 20.
24
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 133.
23
25
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 11 – 17.
26
JEANNENEY, Jean-Noël. História da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996.
27
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit. p. 6-7.
24
28
proveito de considerações demasiadamente estatísticas,” gerais e abstratas. Em segundo
lugar, há um desequilíbrio das fontes, pois muitas vezes elas se encontram em abundância,
como materiais impressos e conservados. Mas algumas empresas do setor, importantes para a
interpretação do objeto histórico, não conservam seus arquivos; desse modo tem-se a
publicação, mas não os elementos que descrevem a rotina de produção de uma determinada
redação, ou dos bastidores de uma emissora. Esse problema ganha uma dimensão ainda maior
quando se trata de documentos sonoros ou audiovisuais. Nesse caso, além de não existirem os
arquivos da empresa que produziu determinado produto, o produto em si não tem garantia de
conservação, pois sofre os embargos dos altos custos de acondicionamento, que, na maioria
das vezes, as empresas não querem ou não têm condições de custear. Tal característica,
atrelada à falta de um grande acervo público de imagens, acaba gerando ao pesquisador
dificuldades de consulta, e quando este tem acesso, muitas vezes é de forma precária, e sob
condições que estão longe de pautar uma relação entre pesquisador e objeto de pesquisa.
Verificamos esse problema de perto durante a busca pelas fontes audiovisuais do Telecurso.
Com base nas concepções teóricas acima descritas, o desenvolvimento de nosso
trabalho exigiu uma orientação teórico-metodológica que alicerçou a pesquisa e colaborou
para que tenhamos trilhado, minimamente, um caminho que obtivesse respostas às
inquietações colocadas pelos historiadores da mídia. Neste sentido, nossa proposta de
pesquisa esteve norteada por alguns princípios enunciados por Pierre Bourdieu e Roger
29
Chartier. Esses autores foram pensados e relacionados mais como uma bússola que nos
guiou pelos caminhos das fontes documentais, do que como um modelo hermético, pronto e
acabado. Possibilitando a realização de uma pesquisa interdisciplinar e concatenada à
perspectiva sócio-histórica. A opção em questão permitiu que a nossa investigação sobre o
Telecurso da FRM centrasse o seu foco de análise sobre um conjunto de relações sociais que
tornou o programa possível de existir socialmente, pensando os agentes e as instituições
envolvidas nesse processo de forma relacional bem como as particularidades do meio
televisivo. Como ressalta Chartier: “as lutas de representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta
impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.” 30
28
Ibid. p. 6-7.
29
Com destaque para os livros de Pierre Bourdieu: O Poder Simbólico; Sobre a Televisão; Propos sur le champ
politique. De Roger Chartier: A história cultural: entre práticas e representações. E o livro dos dois autores : Le
sociologue et l’historien.
30
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p. 17.
25
Essa documentação coletada nos arquivos da própria FPA, foi bastante relevante para
historiar e analisar as relações que permitiram a parceria para a criação do Telecurso, bem
como seu primeiro desenvolvimento. Pois a partir dela foi possível pensar os móveis que
ligaram e, posteriormente, afastaram os parceiros nessa empreitada.
Nesta direção, buscamos, também, pesquisar em órgãos da imprensa impressa.
Selecionamos os dois periódicos com maior tiragem em São Paulo, Folha de S. Paulo e O
Estado de S. Paulo, pesquisados no Arquivo Público do Estado de São Paulo; o jornal de
Roberto Marinho, O Globo, encontrado na Biblioteca Nacional; além da revista Veja,
consultada por meio de seu acervo digital. Essas fontes foram importantes para coletarmos
dados sobre manifestações (editoriais, artigos, reportagens, matérias especiais) que
permitiram conhecer como agentes da mídia, do campo político e do educacional viram a
relação TV e ensino, a teleducação e o Telecurso, bem como se interagiram ou não em
atividades relacionadas ou se tentaram influir no desenrolar delas. Os dados coligidos da
imprensa impressa foram cruciais para subsidiar a investigação sobre a relação de cada uma
das fundações com outros campos, sobremaneira o midiático e político. Todos esses materiais
relativos à imprensa foram interpretados sem perder de vista quais foram os móveis e
interesses das manifestações e participações de cada um dos agentes, visto que estes estão
sendo pensados e analisados não somente como fonte, mas também como objeto.
Os fascículos do Telecurso – História, Física, Biologia, Geografia. Matemática e
Química – adquiridos individualmente em sebos, possibilitou coletar dados empíricos
importantes, notadamente em termos dos profissionais que atuaram no programa.
As biografias e memórias, sobretudo de agentes do campo televisivo, como a do
31
jornalista Roberto Marinho, sempre confrontadas com os demais documentos, serviram
para a compilação de alguns dados empíricos e, notadamente, das impressões que agentes
envolvidos com o Telecurso tinham sobre o programa e sobre a utilização da televisão com
fins educativos. Nesse sentido, o portal Memória Globo foi uma importante ferramenta na
pesquisa de diversos perfis bibliográficos de pessoas que atuaram na emissora, desde
funcionários dos bastidores até artistas. No caso específico da Rede Globo, existem, também,
publicações de funcionários da emissora contando a sua experiência profissional; podemos
32
destacar o livro de Luiz Eduardo Borgerth, Quem e como fizemos a TV Globo, no qual o
autor apresenta diversos agentes envolvidos na constituição da emissora, sobretudo em suas
primeiras décadas.
31
BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
32
BORGERTH, Luiz Eduardo. Quem e como fizemos a TV Globo. São Paulo: Girafa, 2003.
27
33
BURKE, Peter. Testemunha ocular. Bauru: EDUSC, 2004. p. 12.
28
34
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129.
35
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129.
36
BLOCH, March. Apologia da História – ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 125 – 128.
29
desenvolvimento do Telecurso 2ºGrau, analisando desde a parceria entre a FRM e a FPA para
a consecução do Telecurso até as estratégias utilizadas, sobretudo pela FRM, para assegurar
um espaço cativo na teleducação nacional. Discutiremos, ainda, todos os impactos gerados
pela criação do Telecurso, bem como a repercussão de uma empresa privada de comunicação
social colocar-se a disposição em prol da educação. Buscou-se compreender de que modo a
Globo e Roberto Marinho se posicionaram na condição de prestadores de serviço, pensando a
relação com os outros agentes, tanto do campo político quanto do educacional, envolvidos de
algum modo com o Telecurso. Mostrando como o projeto, apesar de ser produzido por uma
emissora comercial, respondeu a uma expectativa e a uma demanda do governo militar,
explicitada tanto em ações e declarações de setores do governo quanto na regulamentação do
setor educacional e da comunicação social .
No terceiro, e último capítulo, “Da sala de aula para a sala de casa: o Telecurso como
experiência audiovisual” nossa missão foi adentrar o universo das edições do Telecurso. A
partir do conhecimento dos agentes diretamente envolvidos com a produção das teleaulas e
por meio da análise desse conteúdo buscamos a compreensão do significado da veiculação de
um programa daquela magnitude, no final da década de 1970, pela principal emissora da
cadeia televisiva brasileira. E partindo dessa análise, estabelecer comparações com programas
concorrentes e perceber os elementos de produção que fizeram do Telecurso o paradigma de
teleducação para o modelo televisivo brasileiro, e que colaboraram na consolidação e
legitimação da imagem do concessionário Roberto Marinho e da Rede Globo no Brasil do
início dos anos 1980.
30
1º CAPÍTULO
Falar em modelos televisivos pode soar estranho para aquelas pessoas que nasceram,
cresceram e envelheceram diante da telinha. Afinal, a TV tem sido tomada pela maioria dos
telespectadores como algo dado, posto, naturalizado. Uma característica que contribuiu para
tal naturalização foi o ato das empresas comerciais, que compõe majoritariamente a TV aberta
brasileira, silenciar sobre qualquer informação concernente à sua existência legal perante o
Estado brasileiro. As emissoras não costumam falar em concessões, em outorga, em nada que
possa desfazer a ideia de que a TV é um dado natural da vida cotidiana. As pessoas comuns
geralmente acreditam que a Globo é o canal do plim-plim, que o SBT é o canal do Silvio
Santos (não como proprietário), que a Bandeirantes é o canal dos esportes, e assim não
conseguem dimensionar que a televisão brasileira é um bem público, tem uma legislação que
a regulamenta e, o mais importante, que o espaço eletromagnético por onde as ondas trafegam
para chegar até os lares é um espaço público – como as praças e as rodovias. A cabeça do
telespectador é tomada de forma exclusiva pelas imagens veiculadas. E, assim, a televisão
vira algo cotidiano, rotineiro, que acompanha as pessoas durante as refeições, nos afazeres
domésticos, na reunião com a família e até na hora de dormir. Afinal, quem resiste aos feixes
de luz emitidos pelo aparelho televisor após um longo dia de trabalho? Não estamos, contudo,
concluindo que a experiência televisiva per se não resulta em algum tipo de aprendizado. Pelo
contrário. Concordamos quando se afirma que a “presença da TV na vida cotidiana tem
importantes repercussões nas práticas escolares, na medida em que crianças, jovens e adultos
de todas as camadas sociais aprendem modos de ser e estar no mundo também nesse espaço
37
da cultura”. Porém, esta é uma experiência restrita às imagens veiculadas, ou seja, a partir
do momento que a TV não trata de sua situação legal ao telespectador, esse fica
impossibilitado de conhecê-la por completo, de compreender o seu modelo e, assim, pensar
em maneiras sociais que possibilitem a sua participação ativa em processos de
acompanhamento social do meio.
Para o entendimento da estrutura e dinâmica do modelo televisivo brasileiro, é
necessário conhecermos, de maneira retrospectiva e comparativa, os sistemas de TV
instituídos tanto na Europa quanto nos EUA, para que, de tal forma, consigamos apreender
práticas próprias e reiteradas da organização e desenvolvimento do campo televisivo no
37
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
p. 18.
32
mundo ocidental. E, assim, possamos perceber quais visões e ações gerais sobre o meio foram
apropriadas ou adequadas quando da sua constituição no Brasil.
Os modelos televisivos, norte-americano e europeu, foram marcados por diferenças
significativas nas primeiras décadas de suas existências. Nos Estados Unidos o modelo foi
constituído baseado nas redes de televisão comerciais, ou seja, ainda que frutos de concessões
públicas, elas eram exploradas pela iniciativa privada, uma influência direta do sistema
radiofônico no país. A partir de 1939 a National Broadcasting Company (NBC), subsidiária
da RCA-Victor foi a primeira televisão comercial do mundo a realizar transmissões regulares.
Entre as principais características do modelo estadunidense destaca-se a grande influência dos
setores econômicos que pagam pelas emissões de propaganda, prática que obriga o meio a
dispor de um público consumidor para que os anunciantes se sintam motivados a investir
recursos financeiros no meio. Em outras palavras, podemos dizer que as redes comerciais
norte-americanas têm por objetivo, em grande medida, oferecer uma programação que alcance
o grande público, ou seja, uma ampla audiência. Tal programação está alicerçada no
entretenimento e na informação, com pouco espaço para a educação e a cultura. Para o
historiador francês Jean Noel Jeanneney: “a televisão comercial americana não tem
praticamente nenhum papel cultural e, contrariamente ao que acontece na Europa, está
afastada dos meios universitários e intelectuais.” 38
O principal fator de distinção no modelo televisivo europeu, em relação ao norte-
americano, foi o pioneirismo das redes públicas de televisão. Enquanto nos Estados Unidos a
TV surgiu com a preocupação de divertir o grande público, para com isso angariar mais
patrocinadores, na Europa o financiamento das estações de TV, na maioria dos casos, não
dependia de anunciantes, já que a emissão televisiva era, antes de tudo, tomada efetivamente
como serviço público. Dessa forma, em países como Alemanha, Espanha, França e Itália as
TVs públicas foram financiadas com dinheiro do contribuinte, por meio de uma taxa cobrada
39
de cada residência onde havia um aparelho televisor. A consequência imediata dessa
característica foi um equilíbrio um pouco maior entre informação, educação e entretenimento
– elementos que Asa Briggs e Peter Burke denominaram como quase uma tríade sagrada para
40
os meios de comunicação social. Com autonomia financeira e tempo para experimentar
diversos formatos e programas, as redes públicas conquistaram uma ampla camada da
38
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.
39
Para termos uma ideia do que representa essa taxa em termos monetários, em 2009, na Alemanha, ela era de €
18,12 mensais. In: VALENTE, Jonas. Sistema público de comunicação da Alemanha. In: AZEVEDO, Flávia et
al. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo:
Paulus; Intervozes, 2009. p. 61.
40
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. op. cit. p.193.
33
audiência na Europa. Somente ao longo da década de 1980 é que há uma paulatina mudança
no panorama televisivo europeu, fruto das pressões dos setores empresariais, que gostariam de
ter o meio como divulgador de seus produtos. Tal situação é favorecida, pois o setor público
passaria a receber a concorrência de redes privadas, além de se abrirem à publicidade, porém
com regras rígidas. Ainda assim, Jeanneney afirma que “nos Estados Unidos a idéia de uma
emissão do tipo da francesa Apostrophes, destinada a promover os livros e a leitura, é
inconcebível.” 41
Uma exceção significativa à regra do modelo exclusivamente público europeu foi a
Grã-Bretanha. Não que os ingleses tenham constituído um sistema semelhante ao norte-
americano, muito pelo contrário. O modelo televisivo britânico era distinto tanto dos outros
países europeus quanto dos Estados Unidos. Ou seja, não era um monopólio público, e
tampouco um monopólio comercial. Ocorreu na Grã-Bretanha, desde a década de 1950, a
divisão entre os esses dois setores, resultando em um modelo que alguns estudiosos apontam
42
como “a melhor TV do mundo”. Jeanneney também é partidário da ideia de que a Grã-
Bretanha foi o país que maior sucesso teve em assegurar um equilíbrio eficaz entre os setores,
43
resultado da combinação entre pragmatismo e imaginação. E nos traz um dado que
confirma esse equilíbrio: do ponto de vista da audiência, o setor público, formado por British
Broadcasting Company (BBC) 1 e 2 contava com 40% e 10% em 1980, respectivamente. E a
única cadeia comercial, a ITV, detinha 50% da audiência. 44
Apesar da Grã-Bretanha se constituir como uma exceção ao sistema de monopólio
público instalado em parte do continente europeu, curiosamente, foi em seu território que
nasceu a emissora que se transformaria em paradigma mundial de televisão pública. A BBC
de Londres iniciou suas transmissões regulares no ano de 1936. Esse status de emissora
modelo não foi conquistado por acaso, e algumas características gerais explicam a qualidade
da TV pública britânica. A excelência técnica, a facilidade de produção e a aquisição de bons
aparelhos, juntamente com a qualidade da equipe responsável pela operação dessas máquinas
– a BBC pode contar com um seleto grupo de operadores de câmera e de som. Assim, a
preocupação com a qualidade sonora esteve na ordem do dia, aspecto que durante muito
tempo não figurou nas outras televisões europeias, voltadas exclusivamente para a imagem,
singularidade que era a grande novidade do meio. Um último aspecto importante foi a
41
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.
42
Cf. LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão. São Paulo:
Summus, 1997.
43
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 247.
44
Ibid., p. 248.
34
45
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 246-7.
46
PIERANTI, Octavio Penna. Políticas para a mídia: dos militares ao governo Lula. In: Lua Nova, São Paulo,
68: 2006. p. 96.
47
SANTOS, Moacir José dos. A construção da política brasileira de Telecomunicações (1961 -1967).
Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. p. 39.
48
BARBOSA, Marialva Carlos. Imaginação televisual e os primórdios da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana
Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto,
2010. p. 18-19.
49
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 31.
35
Estado-Maior das Forças Armadas; quatro membros indicados pelos ministros da Justiça e
Negócios Interiores, da Educação e Cultura, das Relações Exteriores e da Indústria a
Comércio; três representantes dos três maiores partidos políticos, segundo a respectiva
representação na Câmara dos Deputados no início da legislatura, indicados pela direção
nacional de cada agremiação; e o diretor da empresa pública que tinha a seu cargo a
exploração do Sistema Nacional de Telecomunicações. 50
Estavam entre as atribuições do CONTEL: elaborar o Plano Nacional de
Telecomunicações; adotar medidas que garantissem a continuidade dos serviços de
radiodifusão em caso de cassação ou não-renovação de concessões, autorizações ou
permissões; coordenar o desenvolvimento dos serviços públicos de comunicação; fiscalizar o
cumprimento de obrigações de concessionários e aplicação das devidas sanções havendo
necessidade; estabelecer normas técnicas visando à eficiência dos serviços nacionais de
telecomunicação; e por fim, fiscalizar o cumprimento das finalidades e obrigações de
programação por parte das emissoras de radiodifusão. 51
Apesar da criação do CONTEL, somente no ano seguinte seria criado um marco
regulatório definitivo para televisão. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT)
regulamentou não somente os serviços de radiodifusão (rádio e TV) como também os de
comunicação ponto a ponto (telefonia). A criação do CBT foi cercada de interesses e
pressões, por parte do Poder Executivo, dos empresários do setor e dos militares. Ao final a
batalha foi vencida por militares e empresários, que graças à pressão exercida junto ao
Congresso Nacional conseguiram derrubar, em uma só noite, 52 vetos do então presidente
João Goulart. “Os vetos derrubados referiam-se exatamente aos artigos que restringiam as
prerrogativas do Executivo no que diz respeito a fiscalização e a punição das emissoras.”
Gerando, consequentemente, “a total ausência de mecanismos capazes de coibir os eventuais
52
abusos no crescimento verticalizado da área” e na formação de monopólios.
A história do marco regulatório para as comunicações nasceu, ainda na década de
1940, já sob forte influência empresarial. Foram os radiodifusores brasileiros que, a partir de
1947, deram início à tramitação no Congresso Nacional de um projeto de Código Nacional de
Radiodifusão capaz de ordenar juridicamente o sistema de estações de rádio. Os empresários
50
SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. Elementos histórico-regulatórios da televisão brasileira. In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e
hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. p. 40
51
RAMOS, Murilo César. Crítica do ambiente político-regulatório da comunicação social eletrônica brasileira:
fragmentação política e dispersão regulamentar. In: ROMÃO, José Eduardo Elias et. al. (orgs.). Classificação
indicativa no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2006. p. 54.
52
PALHA, Cássia R. Louro. A Rede Globo e o seu Repórter: imagens políticas de Teodorico a Cardoso. Tese de
Doutorado. Niterói: UFF, 2008. p. 39-40.
36
53
RAMOS, Murilo César. op. cit. p. 54.
54
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo. Porto Alegre: L.P.M., 1982. p. 150.
55
Sobre a denominação “golpe civil-militar” Cf. FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura
militar. In: Revista Brasileira de História. São Paulo. v. 24, nº 47, 2004. p. 29–60.
56
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit. p. 100.
57
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 48.
58
Segundo Nilson Borges, “Criada na época da guerra fria, nascida do antagonismo leste-oeste, a Doutrina de
Segurança Nacional fornece intrinsecamente a estrutura necessária à instalação e à manutenção de um Estado
forte ou de uma determinada ordem social. [...] Objetivamente, a Doutrina de Segurança Nacional é a
37
manifestação de uma ideologia que repousa sobre uma concepção de guerra permanente e total entre o
comunismo e os países ocidentais.” In: BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos
militares. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo
da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. p. 24.
59
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 47.
60
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 454.
61
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit. p. 96.
62
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 454.
63
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit., p. 97.
64
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit., p. 99.
38
65
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 55.
66
SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. op. cit. p. 38-39.
67
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 50.
39
68
RIXA, Ricardo Xavier. Almanaque da TV – 50 anos de memória e informação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
p. 230.
69
KORNIS, Mônica Almeida. Ficção televisiva e identidade nacional: o caso da Rede Globo. In: CAPELATO,
Maria Helena et. al. História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007. p. 100.
70
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. A renovação estética da TV. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p.
124.
40
71
MATTOS, Sérgio. op. cit. p. 66.
72
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 231.
73
.Ibid., p. 232-257.
41
brasileira; Grande Ginkana Kibon (1955), onde Vicente Leporace apresentava calouros
mirins. 74
Com a chegada dos anos de 1960, a TV de Paulo Machado de Carvalho, ganhou novo
impulso, passando a investir na produção e transmissão de festivais de música brasileira,
sobretudo a partir da segunda metade da década. “Os musicais foram o ponto forte do canal,
que teve importância fundamental na popularização da bossa nova, do iê-iê-iê nacional, do
tropicalismo, do som da pilantragem e da música de protesto”. 75 Na TV Record, antes mesmo
dos festivais, realizados somente a partir de 1966, a programação musical já tinha espaço,
com os programas O Fino da Bossa e Jovem Guarda. O primeiro, no ar a partir de maio de
1965 todas às quartas-feiras, no horário nobre, era apresentado por Elis Regina e Jair
Rodrigues. O programa “galvanizou o público estudantil em torno da TV – preocupado com a
recuperação do ‘samba autêntico’ e com a adequação da tradição da bossa nova às novas
demandas políticas do pós-1964.” O que contrastava com a característica do Jovem Guarda,
liderado por Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos e que, exibido partir de setembro de
1965, passou a animar as tardes de domingo de boa parcela da juventude, sobretudo de “classe
média baixa, que pareciam escapar do alcance estético-ideológico da MPB, mais voltada para
o público universitário.” 76
Na década de 1960, em grande medida graças aos festivais, a TV Record ficou em pé
de igualdade na disputa pela audiência com as outras emissoras, esse excelente período teve
como ápice a inauguração de seu novo teatro no ano de 1969. Contudo, a boa fase não
conseguiu ser mantida na década seguinte e, após uma sucessão de incêndios que destruíram
seus auditórios, equipamentos e instalações, sua programação passou a se resumir
77
basicamente aos esportes, jornalismo e principalmente filmes oriundos dos Estados Unidos.
No dia 17 de julho de 1955, João Batista do Amaral inaugurou a TV Rio, canal 13. A
TV, que ganhou o apelido de A Carioquinha, em seus anos iniciais. Contou com a presença
de Walter Clark, figura importante na consolidação da TV Globo na década de 1970, onde
começou a colocar em prática suas ideias oriundas da área de publicidade para o novo meio.
O casting era formado por artistas oriundos da Rádio Mayrink Veiga. Apresentou ao seu
público, além do Teatro Moinho de Ouro, o programa TV Rio Ring, que nocauteava as
emissoras concorrentes aos domingos. Completando a grade de programação da emissora,
74
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 232.
75
Ibid., p. 232.
76
NAPOLITANO, Marcos. op. cit., 2010, p. 91-94.
77
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 231-233.
42
78
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 233-235.
79
Ibid., p. 233-235.
80
Ibid., p. 236-238.
43
81
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 239.
82
Ibid., p. 240,
44
década de vida. E no caso da Record, sua existência não lembrava nem de perto o auge
atingido nos anos 1960. Com o fechamento da TV Excelsior, a principal modificação no
campo televisivo na década de 1970 ficou por conta da Rede Globo.
Para o telespectador carioca sintonizado no canal 4, TV Globo, que acompanhava o
programa Buzina do Chacrinha, o domingo, 29 de agosto de 1971, era simplesmente mais
uma noite de descanso em frente à telinha. Porém, esse dia ficou marcado por representar o
momento que a TV brasileira escandalizou seus críticos da imprensa impressa – sempre
dispostos a escrever sobre o que denominavam de “baixo nível” da televisão nacional. Em
mais um final de semana de busca incessante por uma boa audiência, tanto o programa de
Chacrinha, quanto o Programa Flávio Cavalcanti, da TV Tupi, resolveram levar ao ar a mãe
de santo dona Cacilda de Assis, que dizia receber o espírito de Seu Sete da Lira, um exu de
umbanda. O Buzina do Chacrinha era transmitido aos sábados direto do auditório da Globo
em São Paulo. E no Rio de Janeiro tinha sua veiculação no domingo. O que possibilitou que a
mãe de santo participasse dos dois programas. O que se viu naquele domingo foi uma plateia
em êxtase assistindo a uma senhora de paletó, calças compridas, capa preta bordada com uma
lira em vermelho e dourado e um charuto à boca distribuindo bênçãos e tomando cachaça em
frente às câmeras. Para o então ministro das Comunicações, Hygino Corseti, as emissoras
utilizaram de sensacionalismo e “baixaria” como estratégia de mercado. 83
No Brasil, embora os investimentos iniciais tivessem advindo, como nos EUA, do
setor privado, para a criação e os primeiros passos do meio no país, o avanço mais
significativo da TV esteve ligado às políticas do regime militar, que como vimos,
possibilitaram a realização de um eficiente sistema de telecomunicação. Todavia, ao contrário
do modelo europeu de emissoras públicas, o investimento estatal no setor de
telecomunicações não privilegiou a constituição de uma ampla e forte TV pública, e sim
colaborou para que a TV Globo, criada em 1965, de propriedade de Roberto Marinho, fosse a
mais beneficiada, direta e indiretamente, pelos investimentos oficiais na infra-estrutura das
telecomunicações.
Obviamente, o sucesso da Rede Globo não se deve exclusivamente a esse fator, mas
sim por uma combinação que foi generosa à empresa de Roberto Marinho. As relações
amistosas com o regime militar, somadas ao incremento do mercado de consumo, propiciado
pelo “milagre econômico” – o que resultou em um aumento na venda de televisores –, além
de equipes de produção e administração preocupadas em imprimir um ritmo empresarial à
83
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. op. cit., p. 117.
45
84
HAMBURGUER, Ester. op. cit. p. 455.
85
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, Pós-1930. (CD-Rom). Rio de Janeiro:
FGV/CPDOC, 2003.
86
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, op. cit.
46
Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal.
Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em
várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento.
É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho. 90
87
Ibid.
88
SILVA, Carlos Eduardo Lins. Muito além do Jardim Botânico. Um estudo sobre a audiência do Jornal
Nacional da Globo entre trabalhadores. São Paulo: Summus, 1985. p. 38.
89
Ibid., p. 38.
90
Médici apud SILVA, Carlos Eduardo Lins. op. cit., p. 39.
91
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. op. cit., p. 119.
47
e pública”, 92 – colaborando, a seu modo, para a constituição de uma identidade nacional – foi
fator fundamental no distanciamento entre a TV Globo as outras emissoras em relação à
produção de produtos televisivos, um dos fatores explicativos de sua posição privilegiada no
campo.
Em 1970, com a venda da telenovela Véu de Noiva, a Globo iniciou uma trajetória de
comercialização internacional de seus produtos televisivos. Seus primeiros compradores
foram a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) e países da América Latina, que adquiriam os
93
programas dublados para o espanhol. Com histórias atrativas, como a enfocada pela
telenovela Gabriela – que foi vendida para a RTP em 1977, e logo para países africanos de
língua portuguesa –, a emissora de Roberto Marinho se firmaria ao longo da década como
bem-sucedida vendedora de seus produtos de teledramaturgia para todo o mundo. A emissora
passou a divulgar, a partir de 1977, sua programação exportável no MIP TV, o Festival de
94
Televisão de Cannes, na França, uma das principais feiras de programas para televisão.
Em 1979, mais um reconhecimento internacional, o Internacional Council of the National
Academy of Televison, Arts and Sciences, dos Estados Unidos concedeu a emissora brasileira
95
o troféu Salute, pela qualidade de sua programação. “As condições de produção reunidas
pela Globo acabaram se tornando condições inalcançáveis para os concorrentes.” 96
Foi dentro desse modelo televisivo, estritamente comercial, ancorado em uma
programação que priorizava entretenimento e informação que os debates sobre a utilização do
meio como ferramenta educativa.
Ao longo dos anos de 1990 e da primeira década do século XXI, pesquisadores que
estudaram a televisão nos seus mais diversos aspectos concordam que independentemente da
veiculação de uma programação estritamente educativa, a TV no Brasil se constituiu como
um importante veículo de formação, tornado-se um lócus privilegiado de aprendizagem. A
professora Rosa Fischer destaca que o meio possibilitou desde o conhecimento de formas de
olhar e tratar o próprio corpo, até modos de estabelecer e de compreender diferenças de
92
BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 229.
93
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, op. cit.
94
BRITTOS, Valério Cruz. As Organizações Globo e a reordenação das comunicações. In. Revista Brasileira de
Ciências da Comunicação. São Paulo. Vol. XXIII, nº 1, janeiro/junho de 2000. p. 69-70.
95
Portal Memória Globo. Acessado em 09 de fevereiro de 2011.
96
BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. op. cit., p. 230.
48
97
gênero, de ordem política, econômica, étnica, social e geracional. A televisão ainda
proporcionou a difusão de informações sem distinção de pertencimento social ou região
geográfica. Tornando disponíveis repertórios exclusivos de outras instituições socializadoras
como a escola, a família, a Igreja, o partido político. 98
Entretanto, para além do conhecimento adquirido por meio de uma programação
voltada majoritariamente para o entretenimento e a informação, a preocupação com o uso da
televisão como ferramenta de uma educação formal, ou seja, capaz de contribuir na
complementação educacional de grandes contingentes populacionais desprovidos de
possibilidades de frequentar a escola regular, foi algo que seduziu os agentes ligados à
elaboração de políticas educacionais, sobretudo aqueles que estavam envolvidos diretamente
com a aplicação de recursos do Estado para a educação. O fascínio por parte dos educadores,
políticos e técnicos educacionais com os resultados positivos que a utilização dos meios de
comunicação em prol do ensino pudesse gerar, sobretudo em países mais pobres, tem uma
longa história, a qual antecede o surgimento do meio televisivo. Naturalmente, a televisão, por
unir som e imagem, acabou por potencializar essas utopias acerca do ensinar milhares de
pessoas simultaneamente. Mas, se recuarmos temporalmente, é possível notar que os avanços
tecnológicos dos meios de comunicação sempre impulsionaram o desenvolvimento de
experiências em ensino a distância. 99
97
FISCHER, Rosa Maria Bueno. op. cit., p. 16.
98
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 242.
99
BELLONI, Maria Luiza. Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. In: Educação e Sociedade, ano XXIII,
nº 78, Abril/2002. p. 124.
100
Segundo Inocêncio: “Dados recentes levam-nos a crer que o ensino organizado é produto do século XVIII
(um anúncio publicado a 20 de março de 1728 pela Gazeta de Boston fazia referência um material auto-
didático/educativo para ser enviado aos estudantes e apontava possibilidade para uma tutoria por
correspondência.” p. 27-28 apud ZAMLUTTI, Maria Esmeralda Mimeu. Uma análise do surgimento da
educação a distância no contexto sócio-político brasileiro do final da década de 30 e início da década de 40. Tese
de Doutorado. Campinas: Unicamp, 2006. p. 25. Apesar do autor considerar o anúncio em si como marco para o
ensino por correspondência, sua concepção é mais plausível do que a de autores que remontam essa modalidade
de ensino à Antiguidade Clássica.
49
Brasileiro (1941) tornaram-se referências por se constituírem ao longo dos anos como os dois
maiores centros de formação educacional do país na modalidade. 101
Em países da África, onde os problemas educacionais são ainda mais graves do que no
Brasil, as experiências com o ensino por correspondência apesar de tardias em relação aos
padrões brasileiros foram ousadas. Na Zâmbia, desde 1964, por iniciativa do governo o
National Corespondence College oferece vagas para o ensino médio. E na Nigéria, desde
1978, o National Teachers’ Intitute of Kaduma trabalha com a finalidade de melhorar a
qualificação do professores. 102
Roquette Pinto também esteve à frente da utilização do rádio com fins educativos no
Brasil. E, em 1923, juntamente com Henrique Monize, fundou a Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro. Com o objetivo de funcionar apenas para “fins exclusivamente científicos, técnicos,
101
Sobre o surgimento dos cursos por correspondência Cf. ZAMLUTTI, Maria Esmeralda Mimeu. op. cit.
102
NISKIER, Arnaldo. op. cit. p. 262.
103
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 50.
104
NADER, Ginha. Walt Disney: um século de sonho. São Paulo: SENAC, 2001. v.1 – Sua vida, seus sonhos,
seus filmes, suas realizações. p. 95 – 100.
50
artísticos e de pura educação popular”, 105 incumbindo-se de veicular alguns cursos em meio à
sua programação cultural. O Departamento de Correios e Telégrafos operava os programas
que transmitiam aulas de Literatura, Radiotelegrafia e Telefonia, de Línguas e outras de
interesse comunitário. 106
As ações educativas via rádio adentraram a década de 1930 sob a batuta do governo
federal. Em 1933, como resultado da Comissão Rádio-Educativa uma cadeia de emissoras
107
transmitiu, pela primeira vez, uma programação voltada para a instrução pública. E apenas
um ano depois foi criada a primeira escola radiofônica, a Rádio-Escola Municipal do Distrito
Federal, dirigida por Roquette Pinto. Fruto das ideias advindas da Reforma do Ensino do
Distrito Federal de 1928. Pela primeira vez as pessoas envolvidas com essas experiências
perceberam a necessidade de uma relação especial entre emissora e ouvinte para a efetivação
da prática educativa. Entre os resultados estavam a distribuição de folhetos com as lições
pelos correios e a correção dos trabalhos produzidos pela audiência. No ano de 1941 a Rádio-
Escola chegou a receber 20.437 trabalhos dos seus alunos/ouvintes. 108
Apesar do meio radiofônico ter sido dominado posteriormente pelo modelo comercial
de exploração – o que inviabilizou o espaço para uma programação educativa, vide que em
1936 a Rádio Sociedade foi doada ao governo devido a problemas financeiros –, essa
experiência foi fundamental para transformar Roquette Pinto em um dos grandes entusiastas
da utilização dos meios de comunicação com fins educativos, o que pode ser comprovado
quando observamos que Roquette Pinto, além das iniciativas com o cinema educativo,
também buscou criar uma TV Educativa no Brasil ainda na década de 1950.
Foi em 1952, juntamente com José Oliveira Reis, Lauro de Medeiros e Tude de Souza,
que Roquette Pinto formou de um grupo de trabalho, cujo objetivo era elaborar um plano para
dotar, a então capital federal, o Rio de Janeiro, de uma televisão educativa. A concessão foi
autorizada rapidamente pelo presidente Getúlio Vargas, por meio de um decreto em 10 de
maio de 1952. Esse resultado era muito expressivo, considerando que o Rio de Janeiro seria a
primeira cidade no mundo inteiro a ganhar uma concessão de canal de televisão para fins
exclusivamente educativos. Porém, “apesar da rapidez dos trâmites da documentação – edital
de concorrência e verba – para a compra dos equipamentos”, a descontinuidade administrativa
105
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 251.
106
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 161.
107
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 253.
108
Ibid., p. 253.
51
Enquanto isso, nos países em que o surgimento da TV se deu entre as décadas de 1930
e 1940 o debate de como utilizar esse novo meio de comunicação a serviço da educação já
ganhava contornos mais nítidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Federal
Communications Commission (FCC) iniciou a reserva de canais para emissões educativas em
110
1952, aproximadamente um ano depois, em 12 de maio de 1953, entrava no ar a KHUT
111
Houston, a primeira emissora exclusivamente educativa. Foi o pontapé inicial para a
criação de diversos programas educativos no decorrer de toda década de 1950.
109
ALENCAR, Rui Souto. op. cit., p. 51.
110
BURBAGE, R.; CAZEMAJOU, J.; KASPI, A. Os meios de comunicação nos Estados Unidos: imprensa,
rádio, televisão. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora, 1973. p. 255.
111
ALENCAR, Rui Souto. op. cit. p. 51.
112
LIMA, Jorge da Cunha. Uma história da TV Cultura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo;
Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2008. p. 32.
113
LIMA, Jorge da Cunha. op. cit., p. 32.
114
BRITTO, Luiz Navarro de. Teleducação – o uso de satélites: política, poder, direito. São Paulo: T. A.
Queiroz; Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1981. p. 5 – 9.
52
115
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 163.
116
BRITTO, Luiz Navarro de. op. cit. p. 10.
53
117
A Comissão Carnegie ficou responsável pelo planejamento estratégico do setor de TV Educativa. “Esta
comissão distinguiu, então, três tipos de televisão: em primeiro lugar a televisão comercial, que tem
essencialmente por finalidade oferecer coisas repousantes e distração; em seguida, a televisão ligada ao ensino,
destinada a oferecer um saber reconhecido e, enfim a televisão pública, que se consagra a tudo aquilo que
apresenta interesse e importância no plano humano, sem que se transforme no momento em objeto publicitário, e
não é administrada em função de um ensino no sentido clássico do termo.” In: BURBAGE, R.; CAZEMAJOU,
J.; KASPI, A. op. cit., p. 231.
118
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244-245.
119
CARMONA, Beth (org.). O desafio da TV pública: uma reflexão sobre sustentabilidade e qualidade. Rio de
Janeiro: TVE Rede Brasil, 2003. p. 21.
120
SILVA, Sivaldo Pereira da. Sistema público de comunicação dos Estados Unidos. In: AZEVEDO, Flávia et
al. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo:
Paulus; Intervozes, 2009. p. 140.
121
BURBAGE, R.; CAZEMAJOU, J.; KASPI, A. op. cit.,. p. 232.
54
122
britânico com a televisão. Esta instituição, como o próprio nome já revela, foi uma das
iniciativas pioneiras de universidade aberta no mundo e a mais influente em outros países.
A Open University, “planejada meticulosamente e com imaginação durante a década
de 1960, foi pioneira em recrutar estudantes para aprendizado a longa distância.” Marcando o
primeiro exemplo da iniciativa política do primeiro ministro britânico Harold Wilson, que
com essa atitude estava determinado a ampliar o acesso à educação superior a partir da
utilização de novas tecnologias. Como acentuam Briggs e Burke, Wilson “foi o primeiro
político a falar de uma revolução tecnológica importante, por estar totalmente consciente de
que ela estava acontecendo fora da Grã-Bretanha.” A universidade era de fato aberta,
nenhuma exigência de qualificação formal era pedida para quem entrasse na Open University.
O reitor, Geoffrey Crowther, dizia que ela era aberta não somente aos estudantes, mas a ideias
e métodos. As turmas de graduação tiveram início em 1971, e no ano de 1989 a universidade
123
atingiu a marca de cem mil alunos formados. A Open University nasceu no momento em
que autoridades e segmentos sociais acreditavam na capacidade da televisão em promover
mudanças educacionais desejadas para a incorporação de grandes contingentes populacionais
aos sistemas de ensino. Após a sua criação, diversos países, inclusive o Brasil, se lançaram na
tentativa de organizar universidades abertas com o intuito de suprir a carência de vagas no
ensino superior.
A integração nacional foi o elemento catalisador para a existência da TV brasileira no
modo que a conhecemos e não seria diferente no que concerne a sua utilização com fins
educativos. Não se deve perder de vista que houve uma contradição necessária na constituição
da televisão brasileira, segundo Bucci, “a excelência tecnológica e o refinamento plástico com
competitividade internacional surgiram como a contrapartida de uma sociedade atrasada,
iletrada que dependia das possibilidades técnicas desse meio para sua própria integração
124
política.” A despeito da generalização do autor, cabe observar que no Brasil existiam as
principais características para comportar um grande projeto de teleducação, uma televisão de
alta qualidade técnica e uma sociedade com baixos índices de escolarização.
O discurso dos agentes envolvidos com a teleducação tinha reflexo claro nos ideais do
regime militar. Edson Franco, diretor da Divisão de Educação da Abril, escreveu em um
documento de avaliação do curso Madureza Ginasial, veiculado pela TV Cultura, que a
contribuição da Abril ao setor estava em oferecer, ao lado de educandos e educadores, uma
122
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 246-7.
123
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. op. cit., p. 320.
124
BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997. p. 23.
55
“nova parcela de contribuição para que a Educação” viesse se constituir “ainda mais a mola
propulsora da integração social nacional”, tendo como objetivo único a promoção humana e
união dos “brasileiros no esforço comum” de se alcançar “o pleno desenvolvimento nacional,
econômico e cultural.” 125
Nos anos finais da década de 1960, autoridades ligadas ao governo, como o general
Taunay Coelho Reis, membro do CONTEL, chegaram a afirmar que “o Brasil, naquele
momento, possuía as melhores condições para o êxito da TV educativa, pois dispunha do
126
oitavo parque receptor do mundo, com três milhões de telespectadores.” Esse sentimento
era compartilhado com outros entusiastas da teleducação no Brasil. O professor Gilson
Amado, e em entrevista a revista Veja, no dia 14 de outubro de 1970, anunciava: “o Brasil
será um laboratório, representando um teste decisivo para a avaliação de televisão como
serviço de educação”. Apesar de tal entusiasmo, o professor demonstrava suas preocupações
com o ato de educar pela TV no Brasil, e indicava como principais problemas a insuficiência
de verbas oficiais; a dependência de horários para a gravação e apresentação cedidos pelas
emissoras comerciais; a falta de recursos humanos especializados na produção e realização de
programas educativos pela TV; o desconhecimento (por parte das autoridades ligadas, direta
ou indiretamente aos problemas educacionais) do verdadeiro valor da TV educativa. E,
finalmente, a não inclusão da TV educativa no sistema oficial de ensino. Deficiência que,
segundo Gilson Amado tornava o setor isolado e estanque, existindo mais para satisfazer a
programas e leis que foram criadas do que para consolidar a existência da TV como meio de
ensino. 127
Todas as ressalvas feitas por Gilson Amado são importantes, pois representam a visão
de um agente envolvido diretamente com a implantação da teleducação no Brasil. Um grande
entusiasta, reconhecido como alguém que por onde passou sempre lutou para deixar a TV um
pouco mais educativa. É interessante perceber que, apesar das críticas serem a todos os
setores envolvidos (ou que deveriam, na visão do professor, estarem envolvidos), elas recaem
com mais força sobre o Estado. Ou seja, a uma percepção clara de que e Estado deveria ser o
agente impulsionador das ações de teleducação no Brasil. O que ocorreu somente de modo
parcial com a execução de algumas ações.
125
Avaliação Madureza Ginasial. s/d. p. 3.
126
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 55.
127
Veja, 14 de outubro de 1970. p. 52.
56
pretendia moldar as instituições de acordo com suas convicções. A primeira das reformas, a
do ensino superior, ocorreu em 1968, e restava ao regime reformar o restante do ensino que
ainda estava submetido a Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Desse modo, começava a surgir
nos corredores e gabinetes ministeriais uma nova legislação educacional. E quando afirmamos
que ela surgiu nos corredores e gabinetes do executivo, não se trata de um mero recurso de
linguagem. A Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que reformou o ensino básico, começou a
ser gestada um ano antes. Quando o ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho,
formou uma comissão para a elaboração do ante-projeto. Apesar do caráter reformador da lei,
é importante frisar que a “5.692/71 não significou uma ruptura completa com a Lei
4.024/61.”128
128
GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação brasileira. São Paulo: Cortez, 2006. p. 124.
129
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 93 - 94.
57
brasileiros”, pois se acreditava que, pela primeira vez no Brasil, pensava-se “uma nova
concepção de escola”, então baseada em uma “nova linha de escolarização não-formal.” 130
130
Ibid. p. 93 - 94.
131
Lei 5.692/71. Reforma do 1º e 2º graus. Art. 22.
132
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 98
133
Ibid. p. 106-109.
134
Ibid., p. 83.
135
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) foi criado, no ano de 1961, por empresários brasileiros
descontentes com os rumos político-econômicos que o país estava tomando. O IPES foi um dos braços civis que
colaboraram para a derrubada do governo João Goulart e a implantação do regime militar em 1964. Existiu até o
ano de 1971, sendo responsável pelo planejamento de diversas políticas para o regime militar, mesmo na área da
educação. Para maiores informações sobre a relação entre o IPES e a política educacional do regime militar Cf.
58
SOUZA, Maria Inez Salgado de. Os empresários e a educação: o IPES e a política educacional após 1964.
Petrópolis: Vozes, 1981.
136
HADDAD, Sérgio. op. cit. p. 83-88.
59
municípios, distribuídos em seis unidades da Federação: São Paulo, Bahia, Minas Gerais,
Ceará, Paraná e Rio de Janeiro. 137
Com o Decreto-Lei nº 236 essa característica, além de ter sido reforçada ganhou um
pouco mais de objetividade. Seu artigo 16 determinava “a obrigatoriedade de transmissão de
programas educacionais nas emissoras comerciais de radiodifusão, estipulando horário,
duração e qualidade desses programas.” Nessa primeira norma seriam 5 horas semanais de
transmissão. As reações às medidas foram distintas. Por um lado, a ABERT manifestava-se
contrária ao decreto, por outro, educadores lutavam para o efetivo funcionamento do
dispositivo.
A regulamentação para a aplicação da nova norma surgiu três anos depois. A portaria
interministerial nº 408, de 29 de julho de 1970, do MEC e do MINICOM, estipulou a
utilização de tempo obrigatório e gratuito que as emissoras comerciais de radiodifusão
139
deveriam destinar à transmissão de programas educacionais. Foi mantida a duração,
proposta inicialmente, de 5 horas semanais, sendo distribuídas em 30 minutos diários, de 2ª a
6ª feira e 75 minutos aos sábados e domingos, no período de 7 às 17 horas. A
responsabilidade pela execução e coordenação das atividades previstas na Portaria ficou a
cargo do MEC. 140
O principal instrumento utilizado para esse fim foi a Fundação Centro Brasileiro de
Televisão Educativa (FCBTVE). Instituída, ainda em 1967, após o presidente Castelo Branco
ter enviado uma mensagem ao Congresso Nacional solicitando a autorização para a criação de
um Centro com sede no Rio de Janeiro, e com a finalidade de adquirir, produzir e distribuir
material audiovisual destinado à televisão educativa no Brasil. O principal motivo apontado
137
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 298 - 299.
138
CAPARELLI, Sérgio. op. cit., p. 180.
139
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 168.
140
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 278.
60
pelo governo foi “a exigüidade das redes escolares e a insuficiência de professores”, que
141
tornaram a situação crítica no campo educacional.
Com isso, em 1967 a FCBTVE foi criada nos moldes desejados pelo presidente
gozando de autonomia administrativa, financeira e com a finalidade de produção, aquisição e
distribuição de material audiovisual destinado à radiodifusão educativa. Todavia, com o
passar do tempo essas atribuições foram se ampliando e, em 1968, embora não fizesse parte
de suas responsabilidades, a FCBTVE iniciou atividades de treinamento de pessoal para a
televisão educativa. 142 A partir de 1971, a FCBTVE passou a produzir programas educativos
para serem transmitido pelas emissoras comerciais. E somente no ano de 1973, após ganhar a
concessão do canal 2, do Rio de Janeiro, com o fechamento da TV Excelsior, a emissora
passou a veicular uma linha completa de programação produzida pela sua própria estação. 143
Um pouco mais tarde, em 1972, foi criado o Programa Nacional de Teleducação
(PRONTEL), aumentando o espaço governamental no debate e execução sobre o setor. O
órgão que ficou encarregado de supervisionar o emprego do rádio e da televisão no campo da
escolarização e da cultura, não foi incorporado estruturalmente ao DESu, no intuito de não se
configurar como instrumento voltado unicamente para o Ensino Supletivo, “um exclusivismo
144
que desvirtuaria os objetivos mais amplos” do PRONTEL. Na verdade, com a criação de
diversas emissoras educativas, esse organismo surgia como um agente centralizador, ao lado
da FCBTVE – que organizava os conteúdos – coordenando as atividades dessas emissoras.
Essa busca por acerto na área desembocou na tentativa de criação de um Plano Nacional de
Teleducação; segundo seus idealizadores, tal plano deveria integrar “os meios de
comunicação de massa com a educação, a partir do estabelecimento de prioridades
145
educacionais e culturais, através de um Sistema Nacional de Teleducação”. O PRONTEL
ficou subordinado ao MEC de “1972 a 1979, quando foi transformado em SEAT (Secretaria
de Aplicações Tecnológicas).” 146
A partir do final da década de 1960 e início dos anos 1970 surgiriam diversas
emissoras educativas no Brasil. A primeira a entrar no ar foi a TV Universitária de Recife,
canal 11, mantido pela Universidade de Pernambuco. À época de seu surgimento, a emissora
participou ativamente da luta pela audiência de aproximadamente 700 mil nordestinos, contra
141
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 54.
142
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 279.
143
Veja, 06 de junho de 1973. p. 89.
144
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 107.
145
Documento dos Seminários Brasileiros de Teleducação. s/d, p.3
146
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 108.
61
147
Veja, 25 de dezembro de 1968. p. 55.
62
custo”, devido ao fato dessas TVs educativas, algumas estaduais, outras independentes, terem
objetivos e estruturas diversificadas. O ministro chegou a utilizar o exemplo da cidade de
Maceió que “estava fazendo uma TV educativa, sem pensar na TV Universitária do Recife.”
E foi além ao denunciar que Natal construía sua TV, com equipamentos diferentes da
148
emissora de João Pessoa. Reis Velloso chegou a dizer que “a situação era tão
desarticulada, que os programas gravados por uma emissora não poderiam passar nas outras.
Os equipamentos eram diferentes.” Como todas as emissoras educativas, direta ou
indiretamente, eram estatais, o ministro reconhecia que havia um desperdício de dinheiro
suntuoso e incompreensível para um país em desenvolvimento. 149
As afirmações de Reis Velloso ilustram como as TVs educativas não conseguiram
responder aos desafios da instalação de um grande projeto de teleducação, em âmbito
nacional. Soma-se a isso o caráter comercial do modelo televisivo brasileiro, calcado no par
informação/entretenimento. O que basta para concluir que ainda não existiam práticas
educativas dentro do campo televisivo nacional, o qual ainda iria ver florescer durante as
décadas de 1960 e início de 1970 as primeiras, e ainda incipientes, experiências na produção
de programas educativos
148
Veja, 22 de julho de 1970. p. 74.
149
Veja, 22 de julho de 1970. p. 74
150
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 265.
151
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 162.
152
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit.,p. 186 - 187.
63
153
Veja, 18 de junho de 1969, p. 58.
154
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 265.
64
155
Ibid., p. 265.
156
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 264.
157
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 162.
158
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 264.
159
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 51.
160
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 266.
65
161
Veja, 18 de junho de 1969, p. 57.
162
A primeira versão do programa foi ao ar ainda na fase comercial da TV Cultura, em 1966. Cf. BARROS
FILHO, Eduardo Amando de. op. cit.
163
Avaliação Madureza Ginasial. s/d.
164
Veja, 18 de junho de 1969, p. 57.
165
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 188-9.
66
166
Veja, 06 de maio de 1970. p. 66.
167
Veja, 02 de setembro de 1970. p. 72.
168
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 267.
169
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 188.
67
organizada, nos chamados telepostos. Tanto para aqueles que a acompanhavam na sala de sua
casa quanto para os que a assistiam na sala dos telepostos, era possível contar com cinco
livros de apoio que versavam sobre os conteúdos discutidos na telinha.
Escrita por Lourival Marques – autor consagrado por suas produções dramatúrgicas
para a Rádio Nacional – e dirigida por Jaci Campos, a trama da telenovela contava a história
de João da Silva, nordestino que vai para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Porém, sua
condição de analfabeto e sem nenhuma qualificação profissional se revelava em um
empecilho para sua sobrevivência na cidade grande. Os problemas de João começam a ser
resolvidos quando ele matricula-se em um curso supletivo, no qual, além de realizar sua
formação educacional, conheceu Rosinha colega de sala e futura esposa. Para o diretor Jaci
Campos, a fórmula de mesclar os elementos já consagrados da novela comercial com os
objetivos de uma emissão educativa ampliaria a audiência do programa, rendendo sucesso.
Nas palavras do diretor: “atingiremos dois tipos de público [...] Uns acompanharão a novela
para aprender; outros por sua parte ficcional.” 170
Na esteira das novelas didáticas surgiu A Conquista. Criada em 1979, essa telenovela
educativa manteve toda a estrutura e a forma de recepção do primeiro projeto similar da
FCBTVE, João da Silva. Todavia, voltou-se para as séries finais do curso 1º Grau, ou seja,
uma possibilidade para a audiência que acompanhou a primeira telenovela educativa de
concluir essa etapa de estudo.
As experiências citadas, Madureza Ginasial, João da Silva e A Conquista guardavam
em comum o fato de, além de serem iniciativas governamentais ou de emissoras ligadas ao
poder público, não terem tido grande sucesso, nem continuidade, consequentemente não se
tornando paradigma de teleducação para a televisão brasileira. No caso do Madureza Ginasial
ocorreu uma vasta aprendizagem de técnicas pelos profissionais da FPA envolvidos com o
programa. Experiência que foi fundamental para o desenvolvimento posterior de novos
170
Veja, 27 de setembro de 1972. p. 54.
68
2º CAPÍTULO
Roberto Marinho
É usual dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas na epígrafe acima
há uma inversão completa desse dito popular. A afirmativa do experiente empresário da
comunicação, então com 74 anos de idade e tendo recém inaugurado uma fundação batizada
com seu nome, sintetizava, ao seu modo, todo um repertório audiovisual que estava sendo
colocado em prática para a realização de um programa televisivo de cunho educativo: o
Telecurso 2º Grau. Mas, promover educação para se engrandecer não seria uma tarefa
simples, mesmo para o homem mais bem posicionado no campo televisivo e sua poderosa
emissora. Diversas experiências em teleducação surgiram no decorrer da década de 1970,
sobretudo nos primeiros anos, porém nenhuma delas angariou o sucesso que parte dos
programas de entretenimento/informação das emissoras comerciais estavam acostumados a
atingir.
O período de abertura lenta, segura e gradual do regime militar, capitaneado pelo
presidente Geisel, marca uma inflexão das ações do Estado em teleducação. Toda a estrutura
de comunicação existente, com destaque para as emissoras educativas, se constituiu
basicamente nos governos militares anteriores. A partir da segunda metade da década de
1970, colocar para funcionar essa estrutura seria a principal tarefa no setor. Ademais,
considerando que mesmo com os diversos programas criados por agentes – públicos e
privados – envolvidos com a produção televisiva, ainda não havia um modelo de programa
educativo no campo televisivo brasileiro que, além de responder à demanda crescente por
educação, se enquadrasse na lógica do modelo comercial de televisão, já hegemônico no país.
Na prática, tinha-se uma série de programas educativos que se configuraram, apesar de
relativo e pontual sucesso, como meras extensões da sala de aula nos estúdios de TV, como
visto no capítulo anterior.
Esse panorama começa a ser alterado com a criação do Telecurso 2º Grau, programa
instrucional voltado para a preparação de jovens e adultos, maiores de 21 anos, aos exames
71
171
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 255.
172
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.), op. cit., p. 11.
173
Segundo informações de estudo da época: “A Rede Globo, tomada no conjunto das empresas que constituem
o grupo, é uma das maiores empresas privadas do Brasil, de propriedade do Dr. Roberto Marinho, que também é
seu administrador [...] com base no índice de faturamento no ano de 1978, a organização alcançou cerca do
equivalente a 0,4 do PNB. A organização consiste de uma série de empresas operando no ramo das
telecomunicações, entre as quais se incluem o jornal O Globo, a Rede de Televisão (5 estações próprias e 35
afiliadas), um sistema de 17 estações de rádio em AM e FM, duas editoras, uma companhia de promoções, uma
empresa para operação de cabodifusão e uma galeria de arte.” In: ARAÚJO e OLIVEIRA, João Batista.
Telecurso 2º Grau. Rio de Janeiro, 1980. p. 10 apud RONCA, Antonio Carlos Caruso, op. cit.
174
09/08/1979 – O Globo – Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo.
175
MACHADO, Romero. op. cit. p.52
72
Preservação da Memória Nacional trazia o slogan: “Nosso passado está vivo, ajude a
conservá-lo.” Nessa primeira campanha, a FRM já demonstrava como seria a sua atuação.
Contando com a parceria com instituições especializadas, organismos públicos e uma ampla
utilização do alcance nacional da TV Globo para dar publicidade às suas ações. No caso
específico daquela campanha, a FRM buscou o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico e Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
(Iepha) de Minas Gerais. As ações na TV estavam ligadas à divulgação de mensagens
televisivas que sensibilizassem a população sobre a importância de se preservar obras de arte,
monumentos históricos, etc. A campanha durou oito anos, veiculando mais de 500
propagandas de televisão. 176
Enquanto a FRM se apresentava à sociedade por meio de uma campanha pela
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, nos seus bastidores um projeto mais
ambicioso estava sendo preparado: um curso de ensino supletivo pela televisão e em rede
nacional. Com a execução desse projeto, Roberto Marinho concretizaria um dos motivos
principais para a criação da sua Fundação: empregar seus veículos de comunicação a serviço
da educação.
As estatísticas sobre a situação da educação no Brasil justificavam a iniciativa de um
curso supletivo pela televisão. Em 1978, cerca de dois terços da população acima de 21 anos
não havia completado o 2º Grau. Esse amplo número de pessoas despertou a atenção dos
realizadores do projeto. E em todos os eventos de divulgação do Telecurso se ouviu falar
nesse amplo público que o programa poderia atender. O que também serviria para legitimar a
atuação da FRM no setor educacional.
O fato de Roberto Marinho assegurar que a FRM teria todo o respaldo da TV Globo
177
para a produção do Telecurso não significava que ele queria executar o projeto por
iniciativa exclusiva de sua fundação. Seguindo a concepção de atuação que já havia sido
esboçada na Campanha de Preservação da Memória Nacional, a FRM buscou um parceiro,
mas, desta vez com experiência em teleducação e reconhecimento social neste tipo de
atividade.
A instituição escolhida foi a FPA, que desde sua criação, em 1967, empenhava-se na
produção de diversos programas instrucionais. A FPA tinha uma origem muito diversa de sua
congênere carioca. Nasceu da iniciativa do governador Abreu Sodré de criar uma emissora de
176
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.), op. cit., p. 18.
177
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
73
178
TV pública para o estado de São Paulo. Desde que iniciou suas emissões, a TV Cultura
buscou seu espaço no campo televisivo, destacando-se, notadamente entre as emissoras
educativas, e tornando-se pauta recorrente nos veículos de imprensa impressa paulista como O
Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo e a revista Veja. Ao final da década de 1970 e início
dos anos 1980, tais veículos teciam comentários e críticas por meio de matérias, editoriais e
notas, a partir de suas visões e representações do papel de uma emissora cultural-educativa.
Apesar de não contar com os recursos econômicos, tecnológicos e artísticos da TV
Globo, a FPA detinha uma experiência considerável de mais de uma década, na produção de
programas educativos. Esse conhecimento de parte de seus produtores e técnicos se
constituiu, como algo muito distinto do apresentado na emissora carioca, a qual mantinha sua
programação calcada no par entretenimento/informação. A TV Cultura, apesar de todas as
dificuldades, notadamente financeiras, advindas de seu caráter público – mas totalmente
dependente de verbas estatais –, era reconhecida no campo televisivo e político como uma
emissora com capacidade de produção de programas de qualidade voltados para a educação, e
também para o ensino, além do reconhecimento setores que viam na FPA uma instituição
exemplar na tarefa de levar cultura à população. E foi esse o principal fator considerado por
Roberto Marinho ao escolher a FPA. O empresário sabia da importância de ter ao lado de sua
fundação um parceiro experiente e, sobretudo, reconhecido caso quisesse que o projeto
Telecurso alcançasse sucesso.
Produtos televisivos como Inglês com Música (1969), Curso de Auxiliar de
Administração de Empresas (1972), Curso de Auxiliar de Comércio Exterior (1974),
179
Telescola-74 (1974), além do já citado Madureza Ginasial, garantiram a FPA
reconhecimento frente aos agentes ligados à educação, à televisão e ao poder público.
Segundo seu presidente, à época, Antonio Soares Amora, foi devido à experiência e ao
sucesso do programa Madureza Ginasial que a FRM buscou a FPA para firmar o convênio de
execução do Telecurso. 180
Mas toda essa experiência da FPA não assegurava condição de igualdade na parceria
para produção do Telecurso. Na verdade, garantia ampla participação no trabalho e na
produção, mas em termos contratuais todos os direitos foram reservados a FRM. Essa queria
criar algo novo, a partir da experiência da FPA em teleducação, mas agregando a tal
178
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 123.
179
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 184-191.
180
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
74
experiência à sua marca, notadamente a partir da utilização do que havia de mais moderno na
indústria televisiva nacional, via utilização de sua rede de TV.
E, sem dúvida, a contribuição que a emissora carioca poderia fornecer ao projeto de
um programa nacional de educação pela TV era de grande valia. A essa altura a emissora de
Roberto Marinho, além do prestígio nacional, já começava a ser reconhecida
internacionalmente por suas produções de qualidade. Era a oportunidade que a empresa de
comunicação teria de transportar todo esse reconhecimento para uma produção educativa,
tarefa que tinha suas particularidades.
Mesmo se constituindo como uma parceria, o trabalho entre as duas fundações era
marcado por disputas que refletiam a disposição de cada uma das emissoras dentro do campo
televisivo. Relação de força que foi se delineando desde o contrato para a parceria até a
criação e o desenvolvimento do programa.
Apesar de todo o alarde publicitário realizado, sobretudo por parte da FRM, na criação
do Telecurso, a parceria entre as empresas de Roberto Marinho e a FPA para a criação de um
programa televisivo não era inédita. Anos antes, em 1973, o autor de telenovelas Benedito
Ruy Barbosa, à época trabalhando na TV Cultura, buscou a ajuda da Rede Globo para o
financiamento das gravações da telenovela educativa Meu Pedacinho de Chão. Segundo
Benedito Ruy Barbosa, havia um certo preconceito entre os conselheiros da FPA em gastar os
escassos recursos da fundação com a produção de uma telenovela. Após tentar, sem sucesso,
parceria com outros canais de televisão, que sempre propunham uma produção triangular
envolvendo o governo federal, o autor recorreu à TV Globo. O projeto foi analisado por Boni
que o aprovou. Diferentemente das outras empresas que Benedito Ruy Barbosa procurou, a
emissora carioca forneceu todos os recursos financeiros para cobrir as despesas com os atores
e a equipe técnica de produção. Os capítulos da telenovela foram gravados em duas fazendas
na cidade de Itu, interior de São Paulo, e nos próprios estúdios da FPA. A trama veiculada,
por ambas as emissoras, inaugurou o horário das 18 horas da TV Globo, alcançando ótimos
índices de audiência. 181
O que ocorreu de distinto no caso do Telecurso foi uma maior intensidade na parceria.
Buscou-se uma atuação ativa de ambas as partes no projeto. Trabalho que uniu o
departamento de educação da FRM e o departamento de ensino da FPA. Nesse sentido, sim,
houve uma simbiose praticamente inédita no campo televisivo brasileiro – formado por
emissoras muitas vezes antagônicas, e que prezavam mais pela concorrência do que pela
181
MEMÓRIA GLOBO. Autores: Histórias da Teledramaturgia. São Paulo: Globo, 2008. v. 1 p. 210 – 211.
75
Telecurso 2º Grau
Fonte: Confeccionado pelo autor com dados extraídos dos Fascículos do Telecurso 2º Grau.
Como a parceria entre as fundações começou ainda em 1977, mais precisamente nos
mês de julho, ou seja, antes mesmo da inauguração oficial da FRM, foi necessário um artifício
jurídico para a celebração do contrato. No momento da assinatura da parceria, são
identificadas como partes no convênio, a FPA e a Central Brasileira de Produções e
Empreendimentos (CBPE).
O contrato registrava, devidamente, a divisão de tarefas entre as duas fundações. À
paulista ficou a incumbência de se comprometer “com a utilização de seus recursos humanos,
instalações e equipamentos” para a produção dos “programas-aula de televisão”. A outra parte
do contrato, a CBPE, representante da FRM, restou manter “junto à primeira, um coordenador
de produção”, o qual teria o papel de exercer o controle de qualidade da produção das aulas
que seriam veiculadas, bem como indicar e requisitar, material audiovisual de arquivo e
gravações especiais com o elenco da Rede Globo, sem ônus para a TV Cultura, quando
76
182
FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final, 1980. p. 3.
183
FPA. Relatório de Avaliação do Fascículo Zero. 1977. p. 2 – 5.
184
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1978.
77
185
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
186
FRM. Relatório 1. 1978.
187
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
188
José Bonifácio Coutinho Nogueira foi o primeiro presidente da FPA, ocupando o cargo entre 1969 e 1972.
189
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
79
“a grande deficiência” estava no ensino de 1º grau, nível escolar, em que dos 700 mil alunos
matriculados apenas 200 mil chegavam à 8ª série. 190
O secretário da Cultura, Ciência e Tecnologia, Max Feffer, lembrou que a oferta de
ensino para o 1º grau crescera bastante durante a década de 1970, mas não tivera
191
correspondente ampliação no 2º grau. E completava seu discurso afirmando que, “por
todas as razões que não permitiram um grande número de pessoas a freqüentar o 2º grau na
idade escolar”, o Telecurso se constituía numa oportunidade para que os interessados se
aperfeiçoassem. Por fim, ressaltara os baixos custos da produção do programa. De acordo
com o secretário, estimativas feitas pela FRM indicavam que, para atender toda a clientela
prevista – cerca de 400 mil pessoas – dentro do sistema oficial de ensino, seriam necessários
investimentos da ordem de dois bilhões de cruzeiros, considerando os custos de construção,
remuneração do corpo docente, equipamento. E que o Telecurso custaria 10% desse valor. 192
E o primeiro resultado desse investimento foi assistido pelos presentes à cerimônia por
volta das 13h30, horário em que a primeira aula do programa foi reprisada pela TV Cultura. A
edição foi um exemplo do que viria a se constituir o Telecurso, demonstrando a capacidade da
FRM em envolver os principais artistas da Rede Globo, e mostrando, inegavelmente, que a
participação da fundação na parceria era a certeza do empenho da TV de Roberto Marinho no
projeto. A estreia contou com tapes do humorista Chico Anísio, dos atores Kito Junqueira e
Paulo Gracindo, dos cantores Moreira da Silva, Isaura Garcia, Maísa e Rita Lee,
193
representantes de diferentes gêneros musicais, do samba ao rock, revelando o interesse da
produção em tornar o programa educativo bastante popular.
Mesmo o Telecurso contando com todo esse aparato técnico e artístico, Oswaldo
Sangiorgi, diretor da FPA, alertava que nada conseguiria substituir um professor. Para ele, as
aulas pela TV não garantiriam o aprendizado e teriam apenas um caráter motivador para o
194
aluno buscar informação nos fascículos. Porém, entendia que o Telecurso seria importante
ao “auxiliar o processo educativo, além de ser uma forma de proporcionar educação
permanente a todos, através da utilização de multimeios, como fascículos, jornais e televisão.”
Mas lembrava que o aproveitamento dos alunos/telespectadores somente poderia ser notado a
195
partir da realização dos exames supletivos oficiais.
190
O Estado de São Paulo. TV inicia curso de 2º grau. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
191
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
192
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
193
Ibid.
194
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
195
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
80
196
Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
197
Ibid.
81
“É com esta obra, a serviço do Brasil, a serviço de nosso povo, que concebemos e pomos em
prática o Telecurso, a cargo da Fundação Anchieta e da Fundação Roberto Marinho.” 198
Um dos parceiros do projeto, o jornal Folha de S. Paulo, tratava de divulgar em uma
matéria o que mais tarde se confirmaria como um dos diferenciais do Telecurso em relação
aos outros programas educativos que já haviam existido na TV brasileira. O periódico
destacava que o Telecurso era produzido obedecendo aos princípios básicos de atração dos
programas de TV comercial, utilizando uma linguagem acessível aos telespectadores que
ainda não cursaram o 2º grau. Também enfatizou o trabalho de atores e apresentadores
199
conhecidos do grande público e o fato das transmissões serem todas realizadas a cores.
Enfim, o jornal louvava o fato da lógica da TV comercial brasileira, em termos de produção,
finalmente chegar aos programas instrucionais. Posicionamento que rendia ao Telecurso e aos
seus realizadores reconhecimento e legitimação política, contribuindo, em certa medida, para
que Roberto Marinho ampliasse ainda mais suas ações no setor das comunicações eletrônicas.
Com o início do Telecurso pela televisão começou também a comercialização dos
fascículos nas bancas de jornal. Para potencializar as vendas, as duas fundações investiram
maciçamente em propaganda. Esse tipo de ação publicitária pôde ser constatada pelo leitor
dos veículos da mídia impressa um dia após a inauguração do Telecurso.
Os principais jornais de São Paulo trouxeram, durante as primeiras semanas após a
inauguração da novidade televisiva, espaços publicitários apresentando o programa e
divulgando a venda dos fascículos, como podemos observar na imagem abaixo:
198
Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
199
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
82
A propaganda acima reproduzida, que ocupou meia página na capa do caderno Folha
Ilustrada, da Folha de S. Paulo, incentivava, em destaque, a compra dos fascículos. O
anúncio avisava que as aulas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Geografia e História
ocorreriam durante o primeiro semestre de 1978, e que os fascículos poderiam ser adquiridos
200
todas as quartas-feiras nas bancas com a garantia de entrega da frota da Folha. Uma
semana após a inauguração do programa o convite era para a aquisição do segundo fascículo,
na semana seguinte do terceiro, e assim sucessivamente, sempre reforçando a necessidade do
aluno/telespectador comprar o material.
Mas a publicidade sobre o Telecurso não ficou restrita aos meios impressos. A
televisão foi um importante canal de divulgação do produto e a participação da Rede Globo
no projeto favoreceu ainda mais tal exposição midiática. O canal de Roberto Marinho
forneceu além dos atores para a gravação das chamadas, os horários na TV para sua
veiculação, formato semelhante ao realizado durante as primeiras campanhas da FRM.
Abaixo (imagem 2) podemos observar um frame dessas propagandas do Telecurso, nela o
humorista Jô Soares segura um fascículo do programa como se estivesse apresentando a
novidade para a mulher que está sentada ao seu lado.
200
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
83
201
RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit., p. 90.
202
Ibid. p. 90
203
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1978.
84
conseguir dar maior visibilidade ao projeto. Tarefa que foi constantemente perseguida pelos
produtores no decorrer do primeiro semestre de 1978.
204
O Estado de S. Paulo. Técnico do MEC defende supletivo por Rádio e TV. São Paulo, 23 de março de 1978.
85
gabinete do MEC, Carlos Alberto Direito, o secretário-geral do MEC, Euro Brandão e o reitor
da Universidade de Brasília (UNB), José Carlos de Azevedo.
Como ocorreu na inauguração do Telecurso em São Paulo, a presença das autoridades
educacionais ligadas ao MEC era importante para a viabilização dos futuros projetos da FRM.
Entre os presentes, em Brasília estava o reitor da UnB, o qual, dois anos mais tarde, firmaria
uma parceria com a FRM para a criação do Telecurso voltado para o 1º grau. A UnB foi
pioneira na busca por experiências com teleducação. Mesmo com a impossibilidade da
instalação de uma Universidade Aberta no Brasil, aos moldes da Open University britânica, a
UnB criou cursos de extensão à distância que seguiam a metodologia da instituição inglesa.
205
Durante a cerimônia, Roberto Marinho anunciou a expansão do Telecurso que nos dias
subsequentes chegaria a mais três cidades: Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro. Em seu
discurso, o empresário disse que vinha recebendo solicitações de diversas regiões do país para
a instalação do projeto. Ressaltou que, “no espaço de 90 dias”, o programa estaria
206
beneficiando um terço da população brasileira nos principais centros de decisão do Brasil.
E prosseguia reconhecendo que o sucesso do Telecurso ocorreu rapidamente e atribuiu o êxito
do programa, por um lado, à carência no Brasil de projetos em prol da educação, e, de outro,
sobretudo, à “qualidade da oferta elaborada por técnicos e professores, que aliaram o melhor
do seu talento à capacidade multiplicadora da televisão.” 207
Roberto Marinho afirmava estar ciente da grande responsabilidade de seu programa
junto à sociedade. Na falta de dados concretos sobre o sucesso do Telecurso no que se referia
à aprendizagem – tendo em vista que ainda não havia sido realizado nenhum exame supletivo
oficial –, o empresário falou sobre a importância de sua iniciativa dentro de uma concepção
de educação permanente, a qual se fundava “no princípio de que o processo de aprendizado
deve prolongar-se e aprimorar-se por toda a vida, objetivando a promoção social, cultural e
econômica do ser humano.” 208 E reforçou essa ideia ao recordar que já na cerimônia realizada
na FPA, ele tinha consciência de que o Telecurso buscava ampliar o conceito de educação
permanente, nos padrões até então implantados no Brasil. 209
205
O Estado de São Paulo. UnB dará curso por correspondência. São Paulo, 11 de março de 1979.
206
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
207
Ibid.
208
Ibid.
209
Ibid.
86
Para além da função estritamente educacional, Roberto Marinho não poderia deixar de
210
ressaltar que o Telecurso estava colaborando para o desenvolvimento nacional. Segundo
ele, o programa era fundamental para “o desenvolvimento harmonioso de um país” que estava
211
vivendo um “acelerado processo de mudança e modernização.” Todavia, essa fala otimista
quanto à saúde econômica do país não encontrava ecos na realidade, pois no final da década
de 1970 já se podia verificar os primeiros “sinais de esgotamento dos modelos econômicos
latino-americanos” que mostraram-se “incapazes de manter um processo de crescimento auto-
212
sustentado.” Nesse sentido, o PIB brasileiro, que chegou a crescer a 14% em 1973, com
uma dívida externa na casa dos US$ 12,6 bilhões, passados pouco mais de quatro anos
registraria 5% de crescimento agregado a uma dívida que multiplicaria por mais de três vezes
213
atingindo US$ 43,5 bilhões. Roberto Marinho ainda enfatizou que pretendia com o
Telecurso “possibilitar o encontro aqui, e agora, da educação com a TV”, que na sua
concepção, enfrentavam um desafio comum: o “serviço aos que mais precisam.” E encerrou
afirmando que a FRM trabalharia “para a democratização do ensino e para a igualdade de
oportunidades, indispensáveis postulados à grandeza de um futuro que podemos desde já
entrever.” 214
A instalação da Telecurso em Brasília possibilitaria a Roberto Marinho alcançar
parceiros estratégicos para a expansão, reconhecimento e legitimação política do projeto e de
sua fundação. Logo após estrear em Brasília foi iniciada a transmissão do programa em
Goiânia e Anápolis.
Ao que tudo indica a FRM não encontrou dificuldades para a instalação do projeto no
Estado de Goiás. O principal parceiro era a Organização Jaime Câmara, de propriedade dos
Irmãos Câmara, que eram donos tanto de emissora afiliada da Rede Globo no estado, a TV
215
Anhanguera, quanto do jornal O Popular, periódico encarregado pela distribuição dos
fascículos do Telecurso na região.
Após estrear em São Paulo, Brasília, Goiânia e Anápolis, o Telecurso, que foi
amplamente divulgado nas páginas do O Globo ao longo dos primeiros meses do ano de 1978,
210
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
211
Ibid.
212
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil,
1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.) O Brasil Republicano. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 253
213
EARP, Fábio Sá; PRADO, Luiz Carlos Delorme. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração
internacional e concentração de renda. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.) O
Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 223
214
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
215
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo. Porto Alegre: L.P.M, 1982. p. 109.
87
216
O Globo. Telecurso é mostrado a jornaleiros no Rio. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1978.
217
Diário da Câmara Municipal, Rio de Janeiro. Ata da 26ª Sessão Ordinária em20 de abril de 1978.
218
Ibid.
88
por esta oportunidade de complementar em casa seus estudos.” E finalizou, afirmando que seu
pronunciamento tinha como objetivo:
O fato da declaração de Daisy Lúcidi ter sido publicada como uma matéria, enquanto a
de Gilson Amado na seção Carta aos Leitores, revela o modo que Roberto Marinho, por meio
de sua empresa jornalística, tratava o tema, marcando a distinção e a importância dos agentes
para o processo de legitimação e reconhecimento do Telecurso. De um lado, Daisy Lúcidi que
além de vereadora e oriunda da Rede Globo, eram figura popularmente conhecida, não
somente por sua atuação política, mas sobretudo pela performance artística como
222
apresentadora de um programa na Rádio Nacional desde 1971, e, o mais importante,
apoiava o projeto de Roberto Marinho. De outro lado, um agente relevante dentro do campo
219
Diário da Câmara Municipal, Rio de Janeiro. Ata da 26ª Sessão Ordinária em20 de abril de 1978.
220
O Globo. Telecurso 2º Grau (carta aos leitores). Rio de Janeiro, 12 de maio de 1978.
221
Ibid.
222
http://www.museudatv.com.br/biografias/Daisy%20Lucidi.htm Acesso em 15/05/2011.
89
223
O Globo. Telecurso é mostrado a jornaleiros no Rio. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1978.
224
Ibid.
90
a partir de julho de 1978. Devido ao êxito do Telecurso em São Paulo e a sua boa aceitação
nas cidades onde fora inaugurado no decorrer do primeiro semestre, a expansão em âmbito
nacional não parecia estar cercada de maiores problemas. Afinal, o modo de veiculação e
ordenação das atividades já estava sendo executado nas principais capitais do país. Nesse
momento, o Telecurso ganhava relevo pela demonstração da força e do alcance geográfico
que a televisão comercial poderia atingir em um processo educativo, o que interessava muito
aos militares com vistas à sua política de integração nacional.
O Telecurso, que já era veiculado em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Goiânia, a
partir do dia 14 de julho de 1978 passou a ser transmitido para todo o Brasil via 33 estações.
A ampliação do sinal esteve alicerçada na vasta rede de afiliadas à Rede Globo, nas emissoras
educativas do governo federal e em alguns canais comerciais.
Na região Norte, por exemplo, onde a TV Globo não possuía afiliadas, a parceria foi
efetivada com outras emissoras comerciais. Como se pode observar pelos dados (quadro 6)
todos os estados dessa região exibiam o Telecurso ao menos uma vez por dia. Em algumas
localidades, onde havia uma dificuldade maior para a distribuição dos fascículos, a FRM
montou um esquema de mala direta, pelo qual o aluno/telespectador podia adquirir o material
diretamente com a Rio Gráfica Educação e Cultura.
A região sul também contou com uma ampla cobertura para a veiculação do Telecurso
(quadro 8). No Rio Grande do Sul, uma emissora comercial e outra educativa totalizavam três
emissões diárias do programa. Em Santa Catarina, a TV Coligados levava ao ar o programa
em dois horários. E, no Paraná, duas emissoras eram responsáveis pela cobertura no Estado.
Horários
Estados Emissora/Cidade Segunda a sexta-feira
TV Triângulo/Uberlândia 12h30
Minas Gerais 10h (1ª emissão)
TV Globo/Belo Horizonte 11h30 (2ª emissão)
12h (1ª emissão)
Espírito Santo TV Gazeta/Vitória 15h30 (2ª emissão)
18h15 (1ª emissão)
TV Educativa/Vitória 21h15 (2ª emissão)
Fonte: FRM. Relatório 1.
Por fim, a região Centro-Oeste, que também já havia sido contemplada com a
inauguração antecipada do Telecurso em Goiânia e Brasília, restava apenas o então estado do
Mato Grosso. 225 Na região, a veiculação foi realizada por meio de três emissoras, garantindo
que as aulas chegassem à Cuiabá, Campo Grande e Corumbá.
225
O Estado do Mato Grosso do Sul foi criado através de Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977 e
instituído oficialmente a partir de 1º de janeiro de 1979.
93
226
O general Octávio Pereira da Costa esteve no comando da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP)
durante o governo do presidente Médici. Na época da realização do debate na ESG era comandante da 6ª Região
Militar do Exército.
227
O Estado de S. Paulo. General acusa televisão de desnacionalizar a cultura. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
94
ainda frisava que mesmo com as agências de publicidade nacionais atingindo 60% do
mercado “convém estar atento às tendências de contratação dos serviços de agências
estrangeiras pelas empresas multinacionais.” O general finalizou sua conferência citando o
pensador Bertrand Russel, para quem “a educação visa a capacitar a pensar e não a fazer
pensar o que os professores pensam” e afirmando que: “a televisão não visa a fazer pensar o
que o empresário, o anunciante, o produtor, ou o governante pensam, mas a fazer o
telespectador descobrir sua própria verdade, seu próprio pensamento quaisquer que sejam os
riscos dos caminhos da liberdade.” 228
Em seguida, coube a Mauro Salles, publicitário e funcionário da TV Globo, a tarefa de
explanar aos estagiários da ESG sobre as benesses do modelo televisivo brasileiro. Segundo
Salles, era necessário manter a TV sob a égide da livre iniciativa, apoiada em princípios
pluralistas que impedissem o monopólio e assegurassem ao telespectador e ao anunciante
opções baseadas nas realidades do mercado e não lastreadas nas eventuais diretrizes dos que –
na empresa ou no governo – eventualmente detivessem o poder. Mauro Salles comentou que a
televisão alcançara, em 1977, a marca de 60% das verbas publicitárias encaminhadas aos
veículos de comunicação, totalizando um montante de CR$ 7 bilhões. Situação apontada,
229
anteriormente, como um problema pelo general Otavio Costa. Mauro Salles, ainda falou
sobre o projeto Telecurso 2º Grau, o qual representava para ele a iniciativa de ensino mais
importante já realizada pela televisão brasileira. E que já estava atendendo 500 mil pessoas.
Mas considerou que “o projeto estará incompleto enquanto não for possível apoiá-lo em uma
quantidade significativa de CROs que disponham de videoteipe. E enquanto não se investir
maciçamente em cassetes para fazer circular a programação sem as amarras dos horários
fixos” 230
O professor Glauco Carneiro, em um primeiro momento, fez uma breve análise da
televisão brasileira mostrando as mudanças ocorridas na programação no decorrer dos anos.
De acordo com o professor, era possível verificar que “o grotesco, o caricatural, o cômico e o
monstruoso eram usados como apelo”, e o telespectador encarado pelas agências publicitárias
“como um feixe de potencialidades a explorar, só interessando na medida em que sejam
acionados os mecanismos certos – erotismo, inveja, orgulho, frivolidade, crendice – para que
reaja segundo uma determinada disposição de compra.” Carneiro ainda defendeu a tese da
necessidade de um “controle comunitário” sobre a comunicação para que os veículos
228
O Estado de S. Paulo. General acusa televisão de desnacionalizar a cultura. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
229
Ibid.
230
ESG. Painel: televisão e educação.
95
231
Folha de S. Paulo. ESG promove painel sobre a TV brasileira. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
96
a de difundir educação e cultura e influir para a elevação do nível do povo e contribuir para
sua informação.” 232
O Estado de S. Paulo publicou uma matéria sobre o evento, na qual deu um grande
destaque à fala de Octávio Costa, citando, inclusive, os trechos em que o general acusou a
Rede Globo de manter um monopólio nas comunicações. Apesar da ampla cobertura dada na
matéria às palavras do general, no dia seguinte, em editorial o jornal fez duras críticas a
Octávio Costa, ao regime militar e aos agentes ligados à televisão brasileira. Segundo o
jornal: “a televisão é meio e, não é aos meios que se devem ser atribuídas responsabilidades e
sim aos agentes. Quando a responsabilidade dos agentes culturais é assim refratada para
incidir sobre os meios, então não há nada a fazer.” Afirma-se no editorial que o general:
Para finalizar, fala-se no editorial das relações entre a emissora de Roberto Marinho e
o regime militar, com uma pergunta retórica ao seu leitor:
O Globo também fez uma ampla cobertura do painel, publicando nos dois dias
subsequentes ao evento, a íntegra das quatro conferências. Dias depois, o jornal surpreendeu
seus leitores trazendo uma matéria intitulada “O único monopólio admissível nas
comunicações: o da confiança e do respeito da opinião pública”; a qual era nada mais do que
uma resposta de Roberto Marinho às críticas do general Octávio Costa à sua emissora. Antes
da resposta, uma breve apresentação sobre o empresário salientava “que há mais de meio
século” ele assumira as responsabilidades do seu periódico e posteriormente, do sistema
Globo de Rádio e Televisão. De acordo com a matéria, simultaneamente ao envio da carta ao
jornal, uma cópia dela foi lida pelo telefone para o general Octávio Costa, com o pedido de
que ele autorizasse sua publicação, ao que o militar cedeu pronta e cordialmente. Tal atitude
evidencia a forma de relação entre as empresas de comunicação e o governo militar, mesmo o
general não integrando mais o governo. 238
A carta enviada de Roberto Marinho não ficaria sem resposta. Passados doze dias, foi
possível verificar no jornal a seguinte matéria: “Octávio Costa responde à carta de Roberto
239
Marinho.” Em sua missiva, o general procurou encerrar a discussão e não polemizar.
Manifestou-se honrado de receber do amigo uma carta “longa, sentida e cordial”, a qual não
precisou sofrer corte nenhum para ser publicada no periódico. Octávio Costa admitia que
considerava “apropriado e salutar” que houvesse pontos de vista distintos, dentre eles, o sobre
a “ainda verde experiência brasileira no campo da televisão.” Com tal expressão, Costa
tentava deslegitimar a auto-proclamada experiência de Roberto Marinho no campo, uma vez
que entendia que a TV no Brasil ainda estava por amadurecer. E que o maior mérito do painel
236
O Estado de S. Paulo. Os enlatados e as tábuas da lei. São Paulo, 31 de agosto de 1978.
237
Ibid.
238
O Globo. O único monopólio admissível nas comunicações: o da confiança e do respeito da opinião pública.
Rio de Janeiro, 03 de setembro de 1978.
239
O Globo. Octávio Costa responde a carta de Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1978.
98
realizado na ESG foi colocar na mesma mesa opiniões distintas sobre um meio, proferidas, de
um lado, por Boni e Mauro Salles, com uma visão de competência profissional, e, do outro,
ele, com uma “angustiosa preocupação social.” Ao final, o general agradeceu novamente a
carta, escrevendo que até as divergências são capazes de enriquecer o homem. Dessa forma,
Octávio Costa não rebateu Roberto Marinho acintosamente, mas marcou claramente uma
distinção das posições que cada um deles ocupava em relação ao papel que a televisão deveria
ter no país, não abrindo mão do seu ponto de vista e mantendo assim sua crítica inicial.
Desde o surgimento da televisão no Brasil, a imprensa impressa teceu críticas ao meio.
E a produção do Telecurso não foi o bastante para arrefecer alguns críticos, mesmo os
defensores de uma televisão mais voltada para o educativo. Afinal, a força das representações
negativas dos críticos sobre a TV superava qualquer novidade positiva na programação
educativa. Um exemplo desse tipo de representação que os veículos de imprensa impressa,
sobretudo aqueles que não detinham concessões para operar canais de televisão, faziam do
meio, pode ser sintetizada em uma charge de Angeli, abaixo reproduzida e publicada na Folha
de S. Paulo.
240
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
100
241
Ibid.
242
GARCIA, Eugênio Vargas. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto
Editora, 2006. p. 214.
243
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2005. p. 231.
244
GARCIA, Eugênio Vargas. op. cit. p. 216.
245
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
101
Por todas essas razões registro com efusivos aplausos a iniciativa da Rede
Globo, de produzir o Telecurso 2º Grau. É uma realização que honra a
tradição de reais serviços prestados a Nação por Vossa Senhoria e por essa
organização, e merece por isso o apoio do governo e reconhecimento da
comunidade brasileira. 247 [grifo nosso]
246
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
247
Ibid.
102
líderes do regime militar. Afinal, em uma iniciativa inédita, um programa instrucional era
veiculado por uma TV comercial em nível nacional, e seus conteúdos eram os mesmos para
todo o país, o que significa um modo de integração via teleducação. Ou seja, o Telecurso, ao
seu modo, conseguiria aquilo que o regime militar esperava realizar com as emissoras
educativas, uma ampla rede capaz de integrar o país, compartilhando suas ideias e seus
valores educativos.
Apesar do sucesso alcançado pelo programa já em seu primeiro ano de exibição, o
formato ainda não estava consolidado. Pois, mesmo sendo reconhecido e legitimado por
agentes dos campos político, televisivo e educacional, o Telecurso, por ser um programa
instrucional, necessitava de resultados concretos de aprendizagem, para que o sucesso
momentâneo e inicial se transformasse em algo longo e duradouro, capaz de se tornar o
paradigma, uma referência no campo televisivo brasileiro. Como o Telecurso em si não
certificava o seu aluno/telespectador, restava a FRM aguardar os exames oficiais do Ensino
Supletivo, para uma avaliação mais objetiva dos resultados do programa.
Com a realização dos primeiros exames, aplicados pelas secretarias estaduais de
educação, a FRM contratou uma empresa para realizar entrevistas para saber qual tinha sido o
meio de preparação dos alunos. Os resultados da pesquisa foram divulgados pelo O Globo,
em matéria que daria o tom de qual seria o discurso dos idealizadores do Telecurso desse dia
em diante. Para as Organizações Globo estava claro que o Telecurso se afirmava como um
grande sucesso e que sua contribuição para o desenvolvimento educacional do país estava
somente começando. Intitulada “Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste,” a matéria
ocupou uma página inteira do jornal e tratou de contar a história de sucesso da FRM e do
programa que surgiu em São Paulo, definido como “uma experiência piloto em vista de
futuros programas de caráter nacional”, mas que em pouco tempo conseguiria alcançar um
grande sucesso e chegar a todo o Brasil.
A matéria destacava o papel da FRM que havia decidido enfrentar o desafio da
teleducação, buscando amenizar “a grande carência educacional no Brasil.” E registrando que
o desafio contava com um importante aliado, pois, em fins de 1977, existiam cerca de “14
milhões de aparelhos de televisão” no Brasil. Segundo a matéria, tais televisores “poderiam
captar programas de educação desde que transmitidos também por emissoras comerciais”, o
que ocorria pela primeira vez no país, de acordo com o jornal. 248
248
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
103
Nos grandes centros, pesquisas recentes têm revelado que pessoas moram às
vezes a duas horas de transporte do local de trabalho e os que precisam
estudar e trabalhar nem sempre almoçam e jantam em casa, afastando-os do
convívio da família. Neste sentido, um programa de auto aprendizagem, pela
televisão, como alguns já existentes, permitirá que as pessoas possam
estudar em sua própria casa, assistindo ao programa pelo vídeo, e adquirir os
fascículos pela rede de distribuição, para então se inscreverem nos exames.
251
249
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
250
Ibid.
251
Ibid.
104
252
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
253
RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit., p. 96.
254
Folha de S. Paulo. Educação pela TV os primeiros resultados. São Paulo, 08 de fevereiro de 1979.
105
255
AMARANTE, Maria Inês. O telecurso brasileiro em Timor-Leste: comunicação sociocultural e educativa na
educação a distância. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São
Paulo, ano 2, n. 4, 2008.
256
Carvalho, C. M. Uma reflexão sobre o papel dos canais educativos no Brasil. In: Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, 28, Intercom, 2005.
257
Veja, 05 de janeiro de 1977. p. 43.
106
treinamento para a função que estavam exercendo. O que evidencia o caráter pioneiro, mas
explicita a face amplamente experimental do projeto, o qual seria aperfeiçoado somente no
decorrer dos anos. O sucesso inicial do Madureza em São Paulo gerou ainda situações
inusitadas, como o caso do universitário Júlio Rodrigues Gonçalves que montou um teleposto
no quintal de sua casa, na cidade de Osasco, e cobrava 40 cruzeiros de seus 14 alunos. 258
Já em 1972, a FPA anunciava, em parceria com o Centro de Integração Empresa –
Escola (CIE-E), a oportunidade para as empresas montarem telepostos para seus funcionários
podendo deduzir os gastos no Imposto de Renda. Eram ofertados os cursos de Madureza e de
Auxiliar de Administração. 259
Apesar da ideia não ter sido inédita, a FRM pensou rapidamente em um nome para
batizar esses espaços. Algo que transmitisse um tom de seriedade, exigido a um projeto de
educação empenhado em conquistar alunos e o financiamento governamental. Desse modo,
chegou-se ao Centro de Recepção Organizada (CRO). Esse seria o espaço reservado para os
alunos/telespectadores do Telecurso 2º Grau que quisessem acompanhar as aulas de modo
mais formal ou mesmo aqueles que não tivessem um aparelho de televisor em casa. Segundo
a FRM era necessário para montar um CRO primeiramente o local. Bastando uma sala, que
poderia ser em uma escola, em uma igreja, em um clube, em uma cooperativa, em um
sindicato, em uma empresa comercial ou industrial. O local necessitava possuir um aparelho
televisor, preferencialmente a cores, e o mobiliário para os alunos/telespectadores. Devendo
contar ainda com a presença de um monitor. 260
A própria FRM reforçava em seus documentos e em declarações públicas de seus
dirigentes que um maior nível de aproveitamento do Telecurso ocorreria entre os alunos que
acompanhassem no CRO. Argumento que talvez servisse para resguardar a FRM de futuras
críticas que apontassem para um baixo aprendizado dos alunos que acompanhavam o
programa em suas casas pelo sinal livre. Estudos acadêmicos posteriores tentaram demonstrar
que os índices de aprovação nos exames supletivos, dos alunos dos CRO, eram equivalentes
àqueles que acompanhavam o Telecurso da sala de sua casa, não havendo tanta discrepância
261
quanto era anunciado pela FRM. O que revelava que a insistência da Fundação em
divulgar e insistir na formação de CRO era mais uma das estratégias para angariar apoio dos
258
Veja, 14 de outubro de 1970. p. 52.
259
Veja, 11 de outubro de 1972.
260
FRM. Relatório 1 p. 78 – 81.
261
RENNHACK, Anna Maria de Oliveira. O Telecurso 1º Grau e o Telecurso 2º Grau, via TV, aplicados em
Telepostos em unidades do sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, como meios preparatórios aos
exames de suplência de 1º e 2º Grau, realizados pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura no Rio de
Janeiro, no ano de 1982. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ, 1984.
107
262
Folha de S. Paulo. O supletivo pela TV em janeiro. São Paulo, 20 de dezembro de 1977.
263
Folha de S. Paulo. Telecurso está em preparação. São Paulo, 07 de janeiro de 1978.
264
Ibid.
108
269
sociedade de massa sem a utilização dos meios de educação de massa. Essa declaração
seria a chave para a aproximação da FRM com vistas à produção de um programa com
financiamento do governo militar. Pouco mais de um mês após a afirmativa do ministro de
Educação, Roberto Marinho fora convidado para apresentar à Comissão de Educação e
Cultura da Câmara dos Deputados o Telecurso 2º Grau.
O convite feito ao empresário Roberto Marinho para esclarecer o funcionamento de
seu projeto aos deputados demonstra como as relações entre o empresário e o campo político
estavam afinadas. Acompanharam o empresário na sessão João Carlos Magaldi, Calazans
Fernandes e Afrânio Nabuco. Roberto Marinho, em longa exposição, discorreu sobre os
primeiros projetos da Fundação, que foram realizados ainda em 1977, dedicados à
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, com ações específicas em cidades do
estado de Minas Gerais. Tratou também das atividades que a FRM vinha desenvolvendo junto
às crianças e jovens do Morro da Mangueira e na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, até
chegar aos detalhes sobre a criação e desenvolvimento do Telecurso 2º Grau. Nesta direção,
revelava que a criação do Telecurso partira de uma análise daquilo que seria possível executar
dentro dos recursos disponíveis. Ressaltava que a Fundação elegera a Educação Permanente
“como um capítulo dos mais carentes no quadro total da problemática brasileira cuja solução
parcial poderia ser imediatamente atacada.” E buscando o apoio dos deputados, o empresário
disponibilizou diversos dados sobre o Telecurso, preparando exclusivamente para aquela
sessão, dois documentos com detalhes do programa. E ao longo de toda sua fala, apresentou
as características e singularidades do seu projeto de educação.
O empresário buscou por meio do seu discurso mostrar a potencialidade do programa.
Afirmou que a trajetória do Telecurso já era suficiente para se desconfiar “que algo novo e
importante surgiu no campo da teleducação.” E disse estar honrado em dar seu testemunho à
Casa, pois podia assim oferecer “ideias para o debate sobre uma política nacional de
teleducação.” Citando Dean Jamison, assessor do Banco Mundial para assuntos da educação,
afirmava que o Telecurso atendia aos requisitos de “alta qualidade de ensino e custo
baixíssimo para o beneficiário.” 270
Mesmo o Telecurso alcançando todos esses êxitos, relatados exaustivamente por Roberto
Marinho, o empresário admitia que não cabia à iniciativa privada arcar com tal
responsabilidade sozinha. Em suas palavras:
269
O Estado de S. Paulo. Um novo órgão para teleducação. São Paulo, 17 de julho de 1979.
270
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
110
Esse argumento insere-se bem na concepção do papel que a educação teve durante o
regime militar. Alicerçada em dois pontos chaves, o ideário nacionalista baseado na Doutrina
de Segurança Nacional e o ensaio de um projeto econômico desenvolvimentista que
272
resultavam em uma força de trabalho minimamente especializada.
Assim, Roberto Marinho procurava mostrar aos deputados de que modo o poder
público poderia colaborar com o projeto, e citou o exemplo da criação dos CROs, os quais
poderiam fazer uma grande diferença no resultado final do aprendizado do aluno a partir de
um mínimo de investimento. E insistiu que para o efetivo sucesso se requeria “do poder
público uma política educacional específica de apoio à teleducação, reconhecida e incentivada
como uma das respostas válidas e inovadoras aos ingentes desafios de países como o nosso,
em rápido processo de transformação.” Segundo Roberto Marinho:
Cabe ao poder público adotar uma política lúcida e ousada, tanto a nível
executivo como legislativo, de apoio à teleducação e a todas as formas de
educação que ajudem a realizar o salto qualitativo que o processo de
educação brasileira necessita dar com urgência. 273
Ainda que o governo não tenha criado uma ampla política para a teleducação, como
sugeria o discurso de Marinho, o governo abriu a possibilidade de financiamento dos projetos
da Fundação. Ou seja, a reunião de Marinho e o Poder Legislativo foi, sem dúvida, um passo
importante para a FRM conseguir uma parceira com o governo militar. No início de 1980, o
Acordo de Cooperação e Amparo Técnico e Financeiro nº 01/80, com o propósito de
implantação de um curso supletivo de primeiro grau nos moldes do Telecurso para todo o
Brasil via televisão foi assinado por Roberto Marinho e Eduardo Portella, estando Boni entre
as testemunhas. 274
A criação de uma versão do Telecurso para o 1º grau com financiamento público
constituía-se como a efetivação dos objetivos buscados pela FRM desde sua criação. A
instituição de Roberto Marinho, por meio de suas relações com o campo político, demonstrou
271
Ibid.
272
MARTINS, Maria do Carmo. Currículo, cultura e ideologia na ditadura militar brasileira: demarcação do
espaço de atuação do professor. In: CERRI, Luis Fernando (org.). O Ensino de História e a Ditadura Militar.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2005. p. 17.
273
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
274
MILANEZ, Liana. TVE Brasil: cenas de uma história. Rio de Janeiro: ACERP, 2007. p. 63.
111
apresenta as últimas observações feitas pelo professor e que de algum modo também recaíam
sobre o governo:
275
O Estado de S. Paulo. Diretor condena uso abusivo de tecnologia no Supletivo. São Paulo, 29 de abril de
1980.
276
O Estado de S. Paulo. Diretor condena uso abusivo de tecnologia no Supletivo. São Paulo, 29 de abril de
1980.
277
O Estado de S. Paulo. Teleducação perde verba. São Paulo, 05 de junho de 1980.
278
Ibid.
113
quantia de “Cr$ 285 milhões para a realização de um curso supletivo de 1º grau a ser
veiculado por todas as emissoras de televisão do país, em cumprimento à Portaria 408.” Para
Nascimento:
Na matéria do O Estado de S. Paulo era informado ainda que, durante o III Encontro
do Sistema Nacional de Televisões Educativas (Sinted), Luiz Eduardo Nascimento
manifestara sua estranheza em relação à liberação daquela verba, assim como propunha a
realização de uma reunião extraordinária em Brasília, dentro de três meses para discutir os
problemas que afetavam as emissoras do setor. A matéria ainda traz um relato de Nascimento
sobre a situação das nove emissoras que compõe o Sinted. Segundo ele, com exceção da TV
Educativa do Rio e da TV Cultura de São Paulo:
De acordo com O Estado de S. Paulo, Nascimento não soubera explicar a razão pela
qual a FRM foi contemplada com Cr$ 285 milhões. Porém, fez observações contundentes ao
jornal: “Só sei que a Rede Globo é um país dentro de um país e, nesse episódio, me senti
como um menino pobre que queria apenas uma bala doce, enquanto um outro, muito rico,
ganhava sem maiores esforços um saco de balas.”
Esse convênio do MEC com a FRM geraria mal estar também na TVE do Rio de
Janeiro. A emissora que havia criado a telenovela didática A Conquista, voltada para as
últimas séries do 1º grau, se viu obrigada pelo MEC a substituí-la pelo Telecurso de 1º grau
279
O Estado de S. Paulo. MEC dá 285 milhões para supletivo da TV. São Paulo, 17 de setembro de 1980.
280
O Estado de S. Paulo. MEC dá 285 milhões para supletivo da TV. São Paulo, 17 de setembro de 1980.
114
281
MILANEZ, Liana. op. cit., p. 62.
282
O Globo. Aulas do Telecurso Primeiro Grau começam amanhã em todo país. Rio de Janeiro, 15 de março de
1981.
283
O Globo. Telecursos de 1º e 2º Graus são experiências vitoriosas. Rio de Janeiro, 25 de junho de 1981.
284
Veja, 11 de novembro de 1981.
115
285
Veja, 18 de novembro de 1981.
116
3º CAPÍTULO
286
Recurso em que um texto é lido sobre as imagens e o seu emissor/narrador não aparece na dimensão do vídeo.
287
NISKIER, Arnaldo. op. cit., 1999. p. 307.
288
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
289
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
118
e que, independente das matérias, possui um roteiro fixo a ser seguido. No caso do Telecurso
2º grau, cada programa, cada disciplina, cada equipe tinha a liberdade, dentro dos padrões
exigidos pela Rede Globo, de utilizar os recursos que melhor atenderiam aos objetivos do
projeto.
A realização de um programa televisivo pode ser dividida em quatro etapas: pré-
produção, na qual todo o conceito do produto é pensado e organizado; montagem ou ensaio,
quando o estúdio e a sala de controle são preparados e os elementos do programa são
ensaiados e coordenados; produção, momento em que o programa é gravado; e pós-produção,
quando o programa é editado. Em cada uma dessas etapas os diversos agentes envolvidos
290
exercem uma função específica.
290
BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção & direção. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 15 –
28.
291
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
119
dos aspectos funcionais, compreendia-se o modo como programa funcionaria para aqueles
que realmente necessitavam do aprendizado, o público específico.
A avaliação da equipe em termos estéticos destacava de forma positiva a correta
alternância no uso de imagens em preto e branco e as em cores, expediente que assinalava as
distinções entre o antigo e o novo, o passado e o presente, o que deu ritmo próprio ao
programa. A utilização de dois videoteipes com monitor no estúdio. O uso oportuno de
292
chroma-key e uma boa seleção de excertos audiovisuais sobre pintura, arquitetura,
escultura, para exemplificação do conteúdo. Ainda em relação aos aspectos estéticos a equipe
fez duas ressalvas. A primeira delas relativa às narrações e recitações em off, as quais, de
acordo com a avaliação, deveriam ser feitas por atores de renome. E no tocante à cenografia, a
avaliação pontuava que era correta a utilização de uma estrutura padrão a ser preenchida com
ilustrações referentes ao tema de cada programa, mas deveria ser mais bem elaborada, para
ressaltar sua função articuladora na série. Nota-se que as ressalvas em relação aos aspectos
estéticos do piloto foram pontuais, não prejudicando a boa avaliação final do produto pela
equipe, por entender que ele agradaria a um grande público. 293
Por outro lado, o que mais inquietou a equipe de avaliação foram os aspectos
funcionais do piloto. De acordo com os avaliadores, apesar do piloto apresentar um bom
desempenho no quesito estético, não se deveria esquecer o público específico visto que era
com essa faixa de audiência que se assumirá um compromisso de educação supletiva e o
sucesso do empreendimento dependeria das possibilidades que o projeto oferecesse para esse
público vencer uma etapa definida de escolarização. 294
Assim, a equipe pontuou diversos problemas de ordem funcional no piloto. O primeiro
ponto acentuava uma preocupação com a transmissão da mensagem que segundo a avaliação
parecia prejudicada pelo padrão de linguagem de alguns depoimentos e do apresentador, que
foram consideradas um pouco sofisticadas para o público de ensino supletivo. Justificaria tal
opinião o fato de existirem referências sutis que, exigindo atenção demasiada do
telespectador, tornariam o programa cansativo e até mesmo desmotivador, e, mesmo apesar de
292
De acordo com Herbert Zettl: “Chroma-key é um efeito especial que usa uma determinada cor (chroma),
geralmente, azul ou verde, como fundo para uma pessoa ou objeto que vai surgir em frente à cena de fundo (...)
Um exemplo típico é o homem/a moça do tempo na frente de um mapa meteorológico ou uma imagem de
satélite. Durante o chroma-key, o mapa meteorológico ou a imagem de satélite gerada por computador substitui
todas as áreas azuis (ou verdes) – mas não o apresentador. O efeito de key faz com que o homem do tempo
pareça estar em pé em frente ao mapa do tempo ou à imagem de satélite.” In: ZETTL, Herbert. Manual de
Produção de Televisão. São Paulo: Cengage Learning, 2011. p. 243.
293
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
294
Ibid.
120
todo o esforço, o público poderia não conseguir captar completamente o sentido das
referencias. 295
Ainda no tocante à compreensão da audiência, a equipe elencaria outro ponto
negativo: a relação desproporcional entre quantidade de informação e velocidade de
comunicação. Para sanar tal ponto, a equipe sugeria a utilização de “redundância inteligente”
como forma de comunicar ou reforçar a mensagem. E finalizou advertindo que faltava um
“ponto de referência” para a edição, ou seja, um objetivo. Problema que poderia ser resolvido,
segundo a avaliação, com um planejamento didático que contemplasse a introdução, o
desenvolvimento e conclusão do piloto. 296
A partir dessa constatação, a equipe de avaliação sugeriu algumas ideias para a
resolução dos problemas apontados. Uma delas era a de separar o texto entre dois emissores,
sendo que: “um deles assumiria o papel de informante objetivo (e poderia ser interpretado por
um apresentador ou ator de renome) e outro seria uma autoridade em cada assunto, incumbida
de emitir comentários.” Por fim, ressaltava-se na avaliação que a análise do programa piloto
valia mais como amostra de utilização de recursos técnicos disponíveis do que como amostra
de “tratamento conteudístico”, pois as equipes responsáveis pelos textos e supervisão
pedagógica ainda não estavam constituídas. 297
Ao fim e ao cabo, a reunião da equipe de avaliação do programa piloto transcorreu
sem maiores problemas e surpresas, sendo discutidos os pontos que a equipe considerou
pertinentes e, indicadas possíveis resoluções. Ao final do documento, compreende-se que o
programa está pronto para ser produzido, ao menos em relação aos aspectos televisivos.
Reforçando essa ideia, a última preocupação do grupo apontada no texto foi a de alertar que
ainda não havia uma abertura oficial do programa, sugerindo, assim, que a TV Globo se
incumbisse desta parte da produção da vinheta. Todavia, ao contrário do que imaginava, a
equipe de avaliação a discussão sobre o piloto estava só começando e ainda iria render fortes
emoções. 298
Após a primeira avaliação, o programa piloto foi encaminhado para o Rio de Janeiro,
aos cuidados do superintendente de Produção e Programação da Rede Globo, José Bonifácio
de Oliveira Sobrinho, o Boni, o qual oficialmente não integrava os quadros profissionais da
FRM. Porém, Roberto Marinho não deixaria que um dos seus principais diretores ficasse fora
de um projeto da dimensão do Telecurso, expediente que ilustra a relação tênue em termos
295
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
296
Ibid.
297
Ibid.
298
Ibid.
121
299
CLARK, Walter; PRIOLLI, Gabriel. O campeão de audiência. Rio de Janeiro: Best Seller, 1991.
300
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
301
Ibid.
302
Ibid.
122
303
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
304
Ibid.
305
Ibid.
306
Ibid.
307
Joe Wallach, norte-americano, chegou ao Brasil em 1965 para gerir os recursos investidos na emissora pelo
grupo norte-americano Time-Life na TV Globo. Acabou permanecendo na emissora – a pedido de Roberto
Marinho – mesmo após o fim da parceria, tornando-se um dos seus homens de confiança e com importante papel
na articulação entre Walter Clark e Boni.
308
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
123
Não foi possível identificar os executores de algumas das funções acima, notadamente
aquelas de menor prestígio em termos de produção televisiva que, diferentemente dos
diretores, produtores ou realizadores do programa, não eram mencionados sequer nos créditos
das teleaulas ou em outros documentos das fundações.
309
FRM. Relatório 1. 1978. p. 96-97.
310
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
311
O produtor é o responsável na fase de pré-produção do programa por desenvolver o seu conceito, criar seu
orçamento, escolher o diretor, trabalha junto ao roteirista e aprovar os métodos do diretor, a iluminação e o
cenário. Na fase de montagem/ensaio o produtor deve supervisionar toda a produção. Assistindo aos ensaios e
anotando as possíveis mudanças, além de manter a produção dentro de seu cronograma e orçamento. Durante a
produção decide com o diretor quais tomadas usar. E na última etapa aprova a versão final editada do programa,
coordena sua divulgação e avalia seu desempenho. Cf. BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção &
direção. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 15 – 29.
312
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional. A notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004. p. 18
124
substituído pelo Jornal Nacional (1969). Transferiu-se para a TV Cultura, onde atuou como
313
diretor. E pouco antes do início do Telecurso voltou a trabalhar na emissora de Roberto
Marinho, mas dessa vez como cineasta, participando do grupo que produziu O Globo
Repórter, no qual realizou uma de suas principais produções, Retrato de Classe (1977). Em
um estudo sobre o programa Cássia Palha revelou as principais características do
documentário de Bacic que buscou a partir de uma fotografia escolar da década de 1950
reunir vinte anos depois essas pessoas pertencentes às “frações médias da grande capital
paulista”. Segundo Palha, “esquivando-se da armadilha de reduzir os sujeitos a generalizações
conclusivas” Bacic conseguiu, por meio de “uma narrativa poética e, ao mesmo tempo
memorialística das personagens”, evocar “uma construção de popular num mundo urbano sem
grandes privações, mas não por isso afastada de seus conflitos.” 314
Silvio de Abreu foi outro agente importante da televisão comercial que colaborou no
Telecurso. Trabalhou como produtor e roteirista nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura,
durante a primeira fase e Química na terceira. Em depoimento posterior, o autor afirmou que
foi “chamado pelo próprio Boni para implantar o projeto Telecurso.” Ele havia acabado de
escrever a telenovela Éramos Seis pela TV Tupi e começou seu trabalho no Telecurso, antes
mesmo de escrever sua primeira telenovela para a Rede Globo, Pecado Rasgado.
Um dos profissionais que atuou na direção das aulas de Inglês foi Hugo Barreto, então
funcionário do departamento de televisão da FRM. Barreto fez carreira dentro da Fundação,
tornando-se em 2002 o seu secretário-geral. Entre outros nomes que passaram pela direção e
produção do Telecurso estão: Paulinho Pereira, Dorival Dellias Filho e Luiz Deganello nas
teleaulas de Matemática e Física; Marco A. Mora, Bigal Netto e Denise Banho para as de
Química.
Entre os cenógrafos do Telecurso estava Naum Alves de Souza, que em 1979,
elaborou os cenários e os figurinos das teleaulas de Inglês. Ele ficou conhecido no meio por
ter confeccionado os bonecos de Vila Sésamo o que lhe rendeu um contrato com a TV Globo.
Após esse período Naum começou a se dedicar ao teatro e passou pela experiência de fazer os
cenários e dirigir a peça de sua autoria chamada Maratona, além de trabalhar na cenografia e
313
Revista PJ:BR – Jornalismo Brasileiro. ECA-USP. Edição 07, 2º semestre de 2006. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/entrevistas7_c.htm. Acesso realizado em 15/05/2011.
314
PALHA, Cássia R. Louro. A Rede Globo e o seu Repórter: imagens políticas de Teodorico a Cardoso. Tese
de Doutorado. Niterói: UFF, 2008. p. 106.
125
A grade curricular do Telecurso durante sua primeira fase foi formada por disciplinas
da área de Ciências Humanas: História; Geografia; Língua Portuguesa e Literatura. A
justificativa dos organizadores por essa composição era a de que essas quatro disciplinas
iniciais cumpriam funções específicas dentro do programa. De acordo com esse raciocínio,
Língua Portuguesa e Literatura teriam a função de consolidar uma base para a comunicação,
abrindo o caminho para tantas outras teleaulas que viriam pela frente. História e Geografia
consistiam em disciplinas interligadas, mas o principal motivo pela escolha de ambas era o
316
fato de sua produção ser considerada mais fácil. Assim, no que diz respeito aos termos
técnicos iniciar o Telecurso por essas disciplinas se configuraria como uma forma de escapar
– ao menos temporariamente – de um possível constrangimento, em uma mal sucedida
aventura televisiva pelas ciências exatas e biológicas. Todavia, a escolha de tais disciplinas
também continha seus desafios e implicações. Afinal, o programa teria de tratar logo no início
de sua exibição de assuntos delicados para o regime militar. Como explicar, por exemplo, a
importância do ensino de História, em um país onde uma década antes os cursos
universitários em que se formavam estudiosos da área foram esvaziados e em seu lugar
criaram-se licenciaturas curtas? Ou como explicar os problemas sociais em futuras teleaulas
de Geografia. O fato é que os responsáveis pelo Telecurso, Roberto Marinho e Antonio
Soares Amora, além dos outros agentes envolvidos sempre que podiam afirmavam que o
programa seguiria as diretrizes apontadas pelo MEC para o ensino supletivo. Tema que se
tornou até título de matéria do jornal O Globo alguns dias após a inauguração do programa:
Telecurso atenderá à reforma do ensino. 317
As aulas de História do Telecurso eram apresentadas por Gianfrancesco Guarnieri. O
ator chegou ao programa com 43 anos de idade e uma carreira artística iniciada na década de
315
GUZIK, Alberto (org.) Naum Alves de Souza. Imagem, Cena, Palavra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. p.
105 – 141.
316
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 84.
317
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
126
1950, no teatro. A partir do final dos anos 1960 estreou nas telenovelas, tendo participado de
mais de 14 delas até 1978. Com papéis como o de Tonho da Lua em Mulheres de Areia
(1973), escrita por Ivani Ribeiro, e veiculada pela TV Tupi, Guarnieri foi tornando-se popular.
As aulas tinham um formato muito simples, quando comparamos com as outras
disciplinas da primeira fase. Privilegiando a exposição dos conteúdos, centrado na figura
única do apresentador, que ora era visto no estúdio, ora fazia narração em off, enquanto
imagens apareciam no vídeo. Geralmente, essas inserções de audiovisuais serviam como mera
ilustração, o que denota uma dificuldade inicial em utilizar as imagens para o ensino de
História. Situação que não deveria ser muito diferente nos estabelecimentos escolares oficiais,
afinal as diretrizes educacionais estabelecidas pelo regime militar “em relação ao ensino de
História não somente reforçaram as características já presentes neste ensino desde, pelo
menos, o início do século XIX, como ajudaram a consolidar concepções tradicionais acerca
do conhecimento histórico.” 318
No cenário, Guarnieri dividia espaço com objetos relacionados aos temas discutidos
durante as aulas, como pode ser observado na fotografia abaixo.
Fonte: http://www.memoriaoral.com.br/album/?album_id=4
318
FONSECA, Thais Nivia de Lima. O ensino de História do Brasil: concepções e apropriações do
conhecimento histórico (1971-1980). In: CERRI, Luis Fernando (org.). O Ensino de História e a Ditadura
Militar. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2005. p. 51.
127
Fonte: HISTÓRIA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982; GEOGRAFIA EM 2 VOLUMES.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1981.
desenvolvidos por outros tipos de emissores, ora por um narrador em off, ou em depoimentos
de especialistas, debates ou reportagens.
Na teleaula de número dois, que explorou o tema O Brasil e o seu lugar no mundo, o
artifício central escolhido para a explanação dos conteúdos era um grupo de jovens
universitários estudantes de Geografia que discutiam o tema da teleaula.
O recurso do debate era interessante, pois imprimiu ritmo distinto à narrativa, já que os
participantes explanavam suas impressões acerca do tema sem uma sequência aparentemente
tão orquestrada, como seria no caso da fala exclusiva de um apresentador/professor. Mais uma
vez os recursos técnicos próprios da televisão entravam em cena, o expediente da edição
possibilitava o recorte e os ajustes das falas dos estudantes de acordo com o espaço de tempo
previsto para o programa, tratando de fazer os encadeamentos das ideias apresentadas no
debate.
Para ilustrar as informações discutidas pelos universitários, entre cada um dos trechos
do debate surgiam no vídeo imagens sempre seguidas de uma narração em off que
complementava a explicação. Em um dos momentos dessa edição surgem no vídeo cenas que
parecem ser do início do século XX retratando o trabalho dos imigrantes no Brasil.
Aproximando-se do final da teleaula surge na tela em uma tomada externa de quase
três minutos um repórter questionando populares, notadamente migrantes, sobre os motivos
de sua vinda para São Paulo. No total foram seis entrevistas. Em um plano cruzado, onde
apareciam na dimensão do vídeo apenas o entrevistado e o microfone do repórter. A entrevista
se constituía como um expediente importante, pois contribuía com explicações mais claras,
vindas, geralmente, de pessoas simples, com realidades mais próximas dos possíveis
alunos/telespectadores. No caso específico dessa teleaula o repórter, curiosamente, acabou
cometendo um erro geográfico, perguntando para o entrevistado “o motivo de sua vinda para
o Sul”, sendo que São Paulo localizava-se, já naquela época na região Sudeste. Mas,
possivelmente isso não era um erro, mas sim recurso de linguagem utilizado pelo repórter
para aproximá-lo de seus entrevistados e da audiência que comumente referem-se a São Paulo
com Sul e aos migrantes que vem para o estado como vindos do Norte.
As inovações mais interessantes em relação ao modo de utilização da televisão para
ensinar conteúdos na primeira fase do Telecurso 2º Grau ficaram por conta das aulas de
Língua Portuguesa e Literatura. Já na forma de condução do programa havia diferenças. Eram
utilizados dois apresentadores, que se revezavam na explicação dos conceitos. Eram eles: o
ator Kito Junqueira e a atriz Cléo Ventura. Junqueira iniciou sua carreira na televisão, atuando
pela TV Tupi, no início da década de 1970; chegou ao elenco da Globo para atuar na
130
por exemplo, veiculado pela TV Cultura e apresentado pelo professor Pasquale Cipro Neto
utilizou a mesma técnica, com as devidas adaptações, para ensinar a correção gramatical a
partir de letras de músicas, filmes e desenhos.
Por volta da metade da aula, passados cerca de sete minutos, eram exibidas algumas
dramatizações que exemplificavam os tempos verbais restantes. Essas encenações tinham uma
presença muito marcante do humor. Uma delas tratava do imperativo negativo. A cena se
passa em um escritório, onde estão dois homens e uma mulher. Após a secretária não atender
a um pedido de um dos homens, que aparentava ser seu patrão, este começa uma conversa
com o outro, que diz que para que seu pedido fosse atendido, ele precisaria usar o imperativo.
O homem, em dúvidas do que isso significava, começou a ouvir atentamente a explicação do
amigo. Passado algum tempo, ele diz ter aprendido o significado do imperativo, e, ao refazer
o seu pedido para a secretária, dá um enorme grito, utilizando corretamente o tempo verbal. A
secretária, assustada cai da cadeira, e, ainda no chão, entrega os papéis desejados. O produtor
Silvio de Abreu, em entrevista posterior, confirma que esse lado humorístico era uma
distinção das aulas produzidas por ele: “Pude exercer a veia da comédia, porque fazia as aulas
como se fossem esquetes humorísticos.” Essas dramatizações eram realizadas por Consuelo
Leandro, Cristina Pereira, Marivalda, Sérgio Roberto, Myriam Lins, Neusa Maria Faro, atores
319
de comédia, com atuação, sobretudo, em São Paulo. Essa dinâmica prossegue até o final
da aula, com dramatizações para exemplificar os tempos verbais, e o apresentador com a
função de explicar o conteúdo. Ney Sant’Anna continua fazendo o papel do aluno, inquieto e
curioso, que contesta o conteúdo, mas, ao final, se mostra satisfeito com o novo aprendizado.
Essa característica é perceptível também na disciplina de Literatura.
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=527174
319
MEMÓRIA GLOBO. Autores: Histórias das Teledramaturgia. São Paulo: Globo, 2008. v. 2. p. 282.
132
320
No plano médio a pessoa é enquadrada, geralmente, da cintura para cima e divide a dimensão do vídeo com
os outros elementos cenográficos. Cf. BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção & direção. Belo
Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 251
321
No plano americano a pessoa é enquadrada, geralmente, do joelho para cima.
133
Isso foi por volta de 1967, 68 quer dizer, havia toda a indústria
automobilística começava a empregar muita gente, começava a surgir um
novo tipo de homem, que era operário especializado. Esse pessoal do ABC.
Então começava a surgir. O Brasil já tinha sido bi campeão mundial de
futebol, começava a surgir um novo tipo de homem uma nova pessoa
brasileira que vinha na crista da onda da industrialização já naquela época
bem emergente mesmo. Então, eu não sei se foi porque a gente fez porque
determinou ou porque toda um conjuntura sócio-econômica as pessoas
mesmo passaram a exigir da televisão uma conversa mais téte-à-téte, uma
conversa mais íntima, foi então que a gente decidiu por fazer uma novela
chamada Beto Rockfeller.
322
DICIONÁRIO DA TV GLOBO. Programas de Dramaturgia & Entretenimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003. p. 75 – 76.
323
KEHL, Maria Rita. Um só povo, uma só cabeça, uma só nação. In: Carvalho, Elisabeth; KEHL, Maria Rita;
RIBEIRO, Santuza Naves. Anos 70. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. Vol. 5 Televisão. p. 9.
324
SANTANA, Marco Aurélio. Trabalhadores em movimento: o sindicalismo brasileiro nos anos 1980-1990. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da ditadura.
Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
p. 287.
134
Walter George Durst. Com a narração da apresentadora em off e, na tela, cenas da telenovela,
Cléo explica: “Nina é a história de um jovem professora perseguida por problemas
ideológicos. No final, uma surpresa: a mocinha não fica com o mocinho porque ela é
anarquista e ele é um industrial com ideias conservadoras.” É importante frisar que a
explicação de Cléo Ventura, ainda que superficialmente trata de temas delicados. Pois, mesmo
com o processo de abertura em andamento, falar em “anarquismo”, “perseguição ideológica”
e “ideias conservadoras” na televisão não era algo comum.
O desfecho da teleaula foi realizado por Ney Sant’Ana, já totalmente convencido de
que o conteúdo veiculado era importante. O ator apareceu falando pausadamente, tendo ao
fundo, uma música suave, e, em close-up, encerrou a aula:
Essa telaula de Literatura Brasileira pode ser tomada como um claro exemplo de como
o Telecurso era importante para a imagem das Organizações Globo. Incluir o tema telenovela
em uma aula de Literatura não era um fato qualquer. Apresentar no Telecurso as telenovelas
como parte integrante da literatura brasileira, rompia com todos os cânones até então
estabelecidos pelos críticos literários. E como pode ser observado durante a teleaula o
objetivo não era o de mostrar como a teledramaturgia era capaz de adaptar obras literárias
com sucesso, mas justamente afirmar que o gênero na virada dos anos 1960 para 1970,
conseguiu criar uma fórmula que tornava suas produções peças únicas, como qualquer outra
produção literária. E, portanto, deveriam sim, ser consideradas literatura. O que beneficiava a
emissora de Roberto Marinho, que apesar de não ter sido a pioneira no gênero, transformou ao
longo da década de 1970 a telenovela no seu principal produto televisivo.
A equipe de produção, que contava com Silvio de Abreu como o principal produtor,
soube dar um dinamismo e um ritmo distinto ao programa. O produtor se diz o responsável
pelas inovações que as aulas de Língua Portuguesa e Literatura apresentaram: “criei toda
aquela linguagem dos primeiros programas, misturando informações didáticas com o humor e
elementos da telenovela.”, comenta o autor. 325 Se ele realmente foi quem conseguiu criar essa
fórmula, não é possível precisar. Todavia, o fato é que as aulas de Língua Portuguesa e
Literatura se destacaram durante a primeira fase por conseguirem combinar os elementos
325
MEMÓRIA GLOBO. op. cit. p. 282.
135
dimensão do vídeo e realizava a pronúncia dos termos que estavam sendo estudados na
teleaula. E para reforçar ainda mais o conteúdo, enquanto a boca repetia os termos, eles
apareciam novamente no vídeo em caracteres amarelos, reforçando ainda mais a mensagem.
Essa mesma metodologia era utilizada após todas as dramatizações das teleaulas.
Outra disciplina que fez parte da segunda fase do Telecurso foi OSPB/EMC,
completando o rol das Ciências Humanas do currículo oficial. Instituídas pelo MEC com o
advento do regime militar, cumpriam dentro do sistema de ensino o papel de levar a sociedade
brasileira temas considerados estratégicos para os militares, dentro da concepção da Doutrina
de Segurança Nacional.
No caso específico do Telecurso, EMC/OSPB eram ministradas conjuntamente. Era
uma das aulas que utilizava menos recursos e pouco dinamismo na apresentação dos
conteúdos. As disciplinas eram apresentadas pelo jovem ator Jorge Fernando, de apenas 23
anos e que havia acabado de estrear na Rede Globo, na série Ciranda, Cirandinha (1978). Na
trama Jorge Fernando interpretava o papel de Reinaldo, jovem que dividia um apartamento na
Zona Sul do Rio de Janeiro com mais três amigos Helinho (Fábio Jr.), Tatiana (Lucélia
Santos) e Susana (Denise Bandeira). Voltada para o público jovem tratava sobre o
comportamento daquela geração no final da década de 1970. A série fazia parte das inovações
na grade de programação da Rede Globo, naquele momento, e era uma aposta de Boni e
Daniel Filho. Por abordar temas como drogas e amor livre chegou a ter problemas com a
Censura que não se contentou apenas com o corte de falas e cenas, havendo a necessidade de
326
Daniel Filho ir até Brasília para o primeiro episódio ir ao ar. Curiosamente, menos de seis
meses após a exibição da série, Jorge Fernando seria escalado para ministrar as teleaulas de
Educação Moral e Cívica no Telecurso. Apesar de ter espaços significantes de fala, o destaque
ficava por conta das narrações em off realizadas por Henrique Martins que ocupavam a maior
parte das teleaulas, dando aos programas um tom documentarista.
Apesar das disciplinas de EMC/OSPB terem sido instituídas pelos militares, muitos
assuntos tratados nas aulas poderiam ser considerados como delicados para o regime. A aula
de número 10, por exemplo, teve como tema o Direito ao voto. À época da gravação do VT,
início de 1979, o país ainda vivia sob uma legislação eleitoral oriunda da chegada dos
militares ao poder. Com vistas a tratar do conteúdo da forma mais oficial possível, os
produtores da aula utilizavam como base para todas as discussões a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, o que facilitaria possíveis ajustes exigidos pelos censores. A aula em
326
DICIONÁRIO DA TV GLOBO. op. cit. p. 383 – 384.
137
questão inicia-se com a cena de pessoas caminhando em uma grande cidade, enquanto o
narrador, em off, pronuncia o artigo 21 da Declaração:
Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Todo
o homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. A
vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será
expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto
secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Hoje nós vamos falar de um direito muito importante, o direito ao voto, que
é assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. O voto tem
um sentido um pouco maior do que a gente pensa, o voto não é uma
obrigação para quem tem o título de eleitor, na verdade o voto é a chance
que nós temos de dar a nossa opinião sobre qualquer coisa, você pode votar
dentro de uma reunião de amigos, opinando sobre um assunto qualquer a ser
decidido, você pode votar para a presidência do seu time de futebol para os
dirigentes de seu sindicato e para os homens que governam o país.
Nesse momento, Jorge Fernando faz uma pausa de dois segundos, troca de câmera e
prossegue a explicação: “o voto é uma manifestação, é uma participação que a gente faz. Por
isso, para o cidadão participante, é necessário que ele vote com consciência. Isso quer dizer,
saber por que e para que ele está votando, não apenas votar por votar.”
A introdução ao tema feita pelo apresentador é muito interessante, pois inicia a
discussão justamente trazendo à tona a importância do ato de votar. Tratando até de dirigentes
sindicais, o que aponta para mostrar que o programa estava atento aos movimentos de
oposição ao regime militar que exigiam a volta ao Estado Democrático de Direito. Ao mesmo
tempo, é interessante notar como o redator da teleaula inseriu o exemplo da presidência do
clube de futebol, em uma época em que as pessoas poderiam votar apenas para a presidência
do time de coração, porque, para a presidência do país, as eleições permaneciam indiretas, o
que talvez justifique também a pausa feita pelo apresentador antes de dizer que podemos
eleger “os homens que governam o país.”
Após essa introdução, o narrador Henrique Martins inicia uma longa explicação, com
mais de dois minutos e meio, sobre o significado da democracia. A certa altura de sua
explanação, o narrador diz: “no regime democrático, os homens que fazem parte do Estado,
que governam, são eleitos por votos. O voto é, portanto, uma manifestação de toda a
sociedade escolhendo os seus representantes, escolhendo quem os governará.” E finaliza essa
138
etapa dizendo que: “a forma mais perfeita de participação democrática é o plebiscito que
surgiu em Roma no ano 500 a.C..”
Nesse momento da aula, surge sentado e em plano médio, em um estúdio de cor
escura, um homem de blusa vermelha e blazer azul. Em caracteres brancos, aparece no vídeo
a informação “Heródoto Barbeiro – Historiador.” O depoimento de Barbeiro foi o primeiro de
um especialista na teleaula, e ocorreu após quatro minutos e meio do início, durando
exatamente um minuto. Em seu depoimento, falou um pouco sobre o conceito de plebiscito:
Poderia até dar um exemplo aqui mesmo no Brasil. Em 1963, o Brasil era
uma República Parlamentar. Nós tínhamos parlamentarismo no Brasil
naquela época, o presidente então, o presidente João Goulart convocou um
grande plebiscito nacional e nesse plebiscito o povo foi chamado a dizer sim
ou dizer não.
A forma com que Barbeiro conclui seu depoimento põe em relevo o poder de decisão
popular e o caráter acertado de sua decisão soberana de voltar ao presidencialismo, mas não
tratava, obviamente, do fato daquele expediente não ser utilizado no período do regime
militar. Esse depoimento exemplifica como os assuntos tratados nas disciplinas de
EMC/OSPB, por maior controle que tivessem, estavam reféns do momento histórico de
abertura do regime, no qual vozes dissonantes das oficiais transpareciam nos audiovisuais do
Telecurso, ainda que em menor grau. Demonstrando como um produto televisivo pode ser
múltiplo.
Logo após a fala de Heródoto Barbeiro, a voz em off trata de fazer reparos ao
depoimento anterior. Segundo o narrador: “em sociedades complexas, há uma extrema
139
dificuldade em fazer-se uma consulta popular em todos os momentos sobre todos os assuntos.
Isso então conduziu ao sistema representativo de poder em vigor em muitos países.” Nos
vídeos, é apresentada a cena de um repórter que tenta abordar pessoas na rua, mas sem
sucesso, reafirmando a mensagem de que muitas vezes o povo não está disposto a decidir seus
destinos. Em seguida, Jorge Fernando explica como o voto é o modelo mais avançado de
representação política. De acordo com o apresentador:
Muitas vezes, quando nós temos que decidir dentro de um grupo de pessoas,
nem sempre todo mundo tem a mesma opinião. Quando, porém, o direito de
todos está envolvido, o voto é o jeito que usamos para acharmos o resultado
das tendências e opiniões dentro desse grupo esse processo dá as condições
necessárias para que possamos escolher nossos representantes em qualquer
lugar ou dirigente do governo.
Após essa fala, prosseguem as narrações em off de Henrique Martins. Até que um
segundo depoimento de um especialista surge na tela. Dessa vez, o de um agente oficial,
Francisco José Costa, assessor de Comunicações do TRE, explicando um pouco sobre a
legislação eleitoral brasileira. Seu breve testemunho, tem duração de cerca de 45 segundos e,
novamente, a voz de Henrique Martins vinculada a imagens meramente ilustrativas, ocupando
o vídeo por mais de dois minutos é a única fonte de conteúdo para os alunos/telespectadores.
Segundo Jorge Fernando: “Toda a restrição feita a quem não vota prova que o voto é um
dever, todo o, brasileiro, salvo algumas exceções previstas na lei, é obrigado a votar.” E,
novamente, o assessor do TRE aparece no vídeo e afirma: “É pelo exercício do voto que se
aperfeiçoa a democracia.” Próximo do final da teleaula Jorge Fernando tenta realizar uma
síntese do assunto discutido:
Pelo que deu pra perceber votar é um dever, existem muitas leis que obrigam
o cidadão a votar, mas eu acho que o mais importante é a gente saber que
votar é um direito que nós temos, é a contribuição para a comunidade que
pertencemos, ao mesmo tempo se alguém se recusa a votar está anulando a
sua participação política deixando de exercer o seu direito, de participar das
decisões que se tomam sobre sua sociedade.
Apesar da teleaula não ter se encerrado, essa foi a última grande intervenção realizada
pelo apresentador Jorge Fernando. Mas a aula ainda teria a participação de um terceiro
especialista, que daria seu depoimento sobre o assunto. Gravado a partir de uma tomada
externa, o jurista Dalmo Dallari fala sobre a importância do voto:
A produção tentou utilizar alguns recursos para amenizar as longas explicações dos
professores. Um dos efeitos fazia com que a mão, bem como a caneta do professor,
327
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 192
328
Ibid.
329
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 193
142
Essa rejeição à Matemática era esperada pelos organizadores, que optaram por inserir
a disciplina somente na segunda fase do Telecurso. Sendo classificada, entre eles, como
disciplina tabu para os alunos/telespectadores, pois nela se concentrava o maior número de
reprovações nos exames supletivos. A justificativa é plausível, afinal, como vimos na
descrição das teleaulas, a produção teve dificuldades em fazer com que a linguagem televisiva
colaborasse no bom andamento do curso e no aprendizado do conteúdo. Evidenciando o quão
143
Fonte: MATEMÁTICA EM 2 VOLUMES. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982; FÍSICA CURSO COMPLETO.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1980.
330
Veja, 18 de julho de 1979. p. 52.
331
Ibid.
145
objeto irá fazer um trajeto. Antes de realizar o exercício, Elizeu faz um link com a aula
passada, dizendo que utilizaria uma máquina fotográfica especial que gera fotografias
332
esfrogostrópicas para poder analisar com precisão o trajeto realizado pelo objeto. Após o
movimento realizado pela bola, o professor analisa os resultados por meio da foto tirada
durante o percurso.
Após utilizar esse equipamento, o professor recorreu a uma lousa azul, fixada no
cenário, para prosseguir com sua explicação. Entre o exercício com a bola na canaleta e as
explicações na lousa, o professor Elizeu gastou mais de 6 minutos das teleaula. Assim, o
espaço para Silvia Bandeira foi significativamente reduzido; nessa edição, a apresentadora
aparece somente mais duas vezes – em um breve take de dez segundos e no encerramento do
programa. Em contrapartida, o professor Elizeu voltou a sua lousa também por duas vezes,
porém, ocupando quase três minutos em cada uma das intervenções. Ou seja, repete-se a
mesma dificuldade das teleaulas de Matemática. Sempre que os produtores precisavam
abordar cálculos e conteúdos com exercícios de maior complexidade, o recurso mais utilizado
era a lousa, demonstrando assim, os limites do ensino de certas disciplinas pela televisão, ao
menos com os recursos disponíveis na época.
No final da aula, o professor Elizeu ressaltava aos alunos a importância de se estudar
pelo material impresso: “E agora é que você entra na história. Pensando nisso que nós falamos
e estudando com bastante energia no seu fascículo”.
Antes de acabar a aula, Silvia Bandeira em sua mensagem de encerramento, lembrou a
importância da disciplina de Matemática, tão traumática para alguns alunos/telespectadores
durante a segunda fase. Enquanto a câmera fazia um movimento de saída de um plano
americano para o plano médio, a apresentadora dizia: “no programa de hoje, analisamos esse
tipo particular de movimento, chamado movimento uniforme. Agora, aí em casa, trabalhando
no seu fascículo, fazendo os exercícios, você vai poder entender melhor ainda como a
matemática nos ajuda nos estudos dos movimentos”.
Nas disciplinas de Química e Biologia, houve a utilização de dois apresentadores. Esse
formato já havia sido testado durante primeira fase, nas aulas de Língua Portuguesa e
Literatura, alcançado bons resultados. Essa dinâmica trouxe um ritmo mais acelerado ao
programa, proporcionando, ainda, o questionamento e as indagações entre eles, a partir de
estratégias como “a redundância inteligente” e outras formas de “comunicar ou reforçar uma
informação”, tal como sugerido bem anteriormente pela equipe de avaliação que acompanhou
332
Fotografias que registram as posições sucessivas de um corpo em movimento.
146
333
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final
147
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=527174
A palavra é passada para Mário Lago que aparece sentado e tranquilamente formula
sua resposta, levanta-se e caminha pelo laboratório: “a teoria de Avogadro inicialmente era
uma hipótese; com o desenvolvimento da Química, ela foi confirmada.” A tela é tomada por
imagens representando as moléculas. Em caracteres brancos, vão surgindo os valores
enunciados em off pelo apresentador: “Hoje sabemos que 22,4 litros de qualquer gás a pressão
de uma atmosfera e a temperatura 273 Kelvin ou 0º Celsius contém um mol de molécula.”
Marília Gabriela aparece no vídeo para reforçar a mensagem passada anteriormente:
“Portanto, se os gases estiverem em recipientes de 22,4 litros submetidos a pressão de uma
atmosfera e a temperatura de 273 Kelvin, teremos um mol de moléculas em cada recipiente.”
O vídeo fica totalmente azul e, de acordo com a narração do apresentador, surge em caracteres
brancos uma equação: “Quando temos uma atmosfera de pressão e 273 Kelvin, dizemos que
estamos trabalhando em condições normais de temperatura e pressão, CNTP.” A continuidade
da explicação ocorre em plano médio, no qual o apresentador, à esquerda, divide a dimensão
do vídeo com uma tela azul que aparece a sua direita. Na tela, com o avançar da explicação,
os dados da equação continuam surgindo em caracteres brancos: “Por isso, dizemos que 1 mol
de qualquer gás nas condições normais de temperatura e pressão ocupa sempre um volume de
22,4 litros, a isso chamamos de volume molar que é o volume de um mol”.
Novamente, com o intuito de reforçar o conteúdo, Marília Gabriel afirma: “Quer dizer,
então, que 22,4 litros de qualquer gás em condições normais de temperatura e pressão é
chamado de volume molar”.
148
Temos uma pressão de uma atmosfera 273 Kelvin e volume de 11,2 litros, a
equação geral dos gases diz que: pressão vezes volume dividido pela
temperatura é igual a uma constante, efetuando os cálculos temos o resultado
0,0410. Agora vamos comparar com outro cálculo, digamos que a gente
tenha 0,75 mol de um gás qualquer em condições normais de temperatura e
pressão ele ocuparia 16,8 litros aplicando esses dados a equação geral dos
gases teríamos: uma pressão de uma atmosfera 273 Kelvin e volume de 16,8
litros colocando esses dados na equação geral dos gases temos que a
constante é 0,0615.
149
Por fim, em plano médio, o apresentador levanta-se de sua bancada e caminha pelo
laboratório, enquanto pronúncia suas últimas palavras: “esta equação engloba tudo o que
estudamos até agora sobre gases, relacionando entre si as variáveis de estado de um gás e
ainda seu número de moles. É conhecida como equação de Clapeyron.” Nesse momento, a
câmera fecha em close-up no apresentador, que retoma a questão inicial da aula: “Agora, você
já pode me responder quantas moléculas de oxigênio você respira por minuto? Ahn?”.
Interessante visualizar as capas dos livros das disciplinas de Química e Biologia que
trazem desenhos educativos. Na capa de química, a estrutura molecular da clorofila e uma
pequena planta nascendo no rodapé. Na de Biologia algo mais inusitado, o ciclo vital da rã,
apresentado em 16 estágios. Desde “a eliminação de gametas” pelos animais adultos,
passando por todas as fases de crescimento em sentido anti-horário.
150
Fonte: QUÍMICA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1980; BIOLOGIA EM 2 VOLUMES.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1980.
A última disciplina do Telecurso era Biologia, o curso era apresentado pelo casal
Antônio Fagundes e Clarisse Abujamra. Fagundes havia estreado na Rede Globo na novela
Saramandaia (1976), atuou também em Nina (1977), mas foi em Dancin’Days (1978),
quando interpretou Cacá que Fagundes conquistou o público e consequentemente uma vaga
no casting do Telecurso. 334 Paralelamente as gravações do programa o ator também estrelava
na série Carga Pesada (1979). Clarisse começou na Globo com Anjo Mau (1976) e Escrava
Isaura (1976).
A empatia do público com a figura do casal pode ter sido o principal motivo para a
escolha deles para as teleaulas de Biologia. Uma das provas que a parceria fez sucesso foi a
contratação do casal pela TV Cultura para uma nova dobradinha. O programa educativo É
proibido colar (1981) reunia alunos das redes oficiais de ensino para disputas de brincadeiras,
provas e testes, ia ao ar todos os sábados às 16h e chegou a registrar 15 pontos de audiência,
angariando o 2º lugar para a emissora educativa paulista. 335
A teleaulas de Biologia tinha um mesmo ritmo e dinâmica das demais disciplinas da
terceira fase. Da mesma forma que no curso de Química, os apresentadores se revezam
bastante na explicação. O que colaborava no entendimento do conteúdo. O cenário todo
334
Folha de S. Paulo, 08 de fevereiro de 1979. Educação pela TV: os primeiros resultados.
335
Revista Veja, edição 704, 3 de março de 1982. p. 7.
151
produzido em tons de verde, com diversas plantas ao fundo, dava ao programa uma atmosfera
bem característica da disciplina, muito relacionada à vida e a natureza, ainda contava com um
grande painel com o Homem Vitruviano, de Da Vinci, localizado no centro do estúdio.
Diversos recursos eram utilizados, sobretudo para exemplificar as explicações dos
apresentadores: quadros, animações e vídeos eram os mais recorrentes. Depoimentos de
especialistas também faziam parte das teleaulas. Na edição de número 33, por exemplo, que
tratava sobre Os sistemas digestivos Clarisse Abujamra utilizou um quadro, no qual havia
uma minhoca desenhada, em cores fortes e acompanhada de diversas legendas que
identificavam as partes do aparelho digestivo do animal. Nas aulas de Biologia, manteve-se a
preocupação dos produtores em reforçar que os alunos/telespectadores deveriam estudar pelos
fascículos tarefa sempre lembrada ao final de cada teleaula pelo casal apresentador.
Durante a produção do audiovisual do programa verificou-se as principais distinções
entre os agentes concorrentes do campo televisivo. De um lado, a emissora educativa de
maior destaque e empenhada na tarefa de produzir produtos em teleducação desde sua origem.
E de outro, a principal emissora comercial, que encampava a ideia de criar programas
educativos. O papel de Boni na orientação da produção do Telecurso acentuou essas
distinções. Não há dúvida de que o maior trunfo do Telecurso, em termos de produção
televisiva, foi poder contar com um número tão amplo e diverso de pessoas ligadas à televisão
comercial. Esse foi o grande diferencial em relação aos outros programas instrucionais
produzidos na televisão brasileira durante o regime militar.
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
excluíram, por bom tempo, da tarefa de pensar sistematicamente como equacionar a relação
TV/ensino. O meio era visto como mera ferramenta para a reprodução de conteúdos
educativos para as massas, tal era a grande justificativa dos primeiros incentivadores do uso
da televisão no ensino. Não se considerava a priori os particulares recursos de linguagem do
meio para a produção de programas educativos. Somente a partir do momento que os agentes
começaram a compreender que o ensino via TV não poderia ser uma mera reprodução da sala
de aula, a modalidade de telensino daria os seus primeiros passos sólidos em direção à
produção de programas notadamente pautados na linguagem audiovisual. O exemplo do
Telecurso 2º Grau auxilia a compreensão de que apenas quando programas educativos
passaram a ser pensados e experimentados por profissionais formados dentro da lógica
televisiva comercial, em nítida consonância com novos experimentos da linguagem
audiovisual televisiva, foi possível se avançar na busca e construção sistemática de um
modelo de produção de telensino.
O advento da década de 1960 marcou uma inflexão no campo televisivo nacional,
resultando em certa diversificação nas grades de programação do meio. Inflexão promovida
externamente pela tomada de poder pelos militares em 1964, e internamente pela constituição
de novo quadro de concessionários, embora estes tivessem obtido concessões ou operassem
suas emissoras anteriormente ao golpe civil-militar. O governo federal, durante o regime
militar, iniciou um movimento de investimentos maciços em telecomunicações, visando à
integração do país via meios eletrônicos, na esteira da Doutrina de Segurança Nacional. Mas
ao contrário do que ocorria na Europa, onde o Estado investia recursos para o
desenvolvimento da radiodifusão pública, no Brasil, durante o regime militar, os maiores
beneficiados continuaram sendo as emissoras comerciais, e, dentre elas, a que mais aproveitou
as “benesses oficiais” foi a Rede Globo, do concessionário Roberto Marinho.
Os anos de crescimento econômico no Brasil passaram a justificar uma visão
desenvolvimentista em que a educação adquiriu papel central em colaborar para a formação
de mão de obra qualificada. A partir dessa demanda o setor educacional sofreu intervenções
do regime por meio de diversas reformas. Dentro desse quadro de alterações seria decretada a
Lei 5.692 de 1971, a qual reformulava as bases do ensino de 1º e 2º graus, e estabelecendo a
modalidade de Ensino Supletivo, bem como prevendo a possibilidade da utilização do rádio e
da televisão para aquele fim. Soluções na área de teleducação que, ademais, já eram debatidas
em importantes organismos internacionais, como a UNESCO, OEA e ONU.
Naquela época, algumas ações na área de teleducação tinham sido realizadas pelo
governo e mesmo por algumas emissoras públicas ou comerciais. Experiências pioneiras
155
como o programa Artigo 99, o Madureza Ginasial e a telenovela educativa João da Silva,
foram importantes, pois colaboraram para a introdução das primeiras, porém incipientes,
práticas da produção teleducativa. Contudo, nenhuma delas conseguiu alterar o quadro da
situação da programação educativa e muito menos criar um modelo exequível e de sucesso
que pudesse ser desenvolvido pela TV comercial, nem mesmo os experimentos com
telenovela de cunho educativo.
Em 1977, quando Roberto Marinho criou sua Fundação com o intuito de colaborar em
diversas causas sociais, dentre elas a educação, o quadro brasileiro de teleducação começaria
a ser alterado. A criação da FRM abriria espaço para doações, abatimento de impostos e o
financiamento público dos projetos. O que talvez explicasse o motivo do empresário não ter
criado o Telecurso como mais um programa da Rede Globo, atendendo, inclusive, o disposto
pela Portaria 408.
Para o início do projeto, entretanto, faltava ao empresário e à sua rede de TV
experiência na área teleducativa, situação alegada pela FRM ao buscar a FPA para ser
parceira na produção do Telecurso. Todavia, durante a produção do programa o que se
observou foi que a condução e a participação dos profissionais ligados à emissora comercial
ganhavam corpo e começavam prevalecer em detrimento daqueles vinculados à emissora
pública paulista. Direção expressa na adoção de práticas como a seleção de produtores e
roteiristas oriundos da emissora comercial, com o fito de adequar as telaulas à linguagem mais
propriamente televisiva, a qual, então, era experimentada mais largamente pelos profissionais
da Rede Globo. A escolha de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para acompanhar o
andamento dos trabalhos não deixava sombra de dúvidas sobre aquela direção, além de ser um
atestado do desejo de Roberto Marinho ter um programa com a cara de sua emissora. E isso
significava dizer que o “Padrão Globo de Qualidade”, o qual passava a orientar toda a
produção da emissora a partir da década de 1970 e respondia, em certa medida, aos anseios do
regime militar por melhoria na produção televisiva nacional, devesse finalmente ser aplicado
na teleducação.
Para além da lógica comercial, marca indelével da produção da Rede Globo, Roberto
Marinho soube valer-se de relações com o campo político para divulgar o Telecurso 2º Grau
e, mais uma vez, angariar apoio a um dos seus empreendimentos televisivos, inclusive para
um futuro desdobramento do projeto, com o Telecurso 1º Grau.
Em uma época em que a abertura política se apresentava no horizonte do país,
entretanto envolta em incertezas, a característica marcante do projeto de telensino de Roberto
Marinho foi aliar o padrão de qualidade adotado pela sua rede de televisão à sua influência
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política como estratégia para conseguir o apoio do regime militar e demais setores da
sociedade civil, fortalecendo, dessa forma, o empreendimento e tornando o programa como
paradigma para o setor de teleducação. O que equivale a dizer que qualquer tentativa de
telensino não teria como se realizar, pelo menos com sucesso, caso não atingisse o padrão do
Telecurso 2º Grau, inclusive no caso de emissoras públicas ou de projetos congêneres
oriundos do executivo nacional. Enfim, a Rede Globo se posicionava à frente de possíveis
concorrentes em termos de teleducação, repetindo, assim, o que já ocorria em termos de
produção de entretenimento e telejornalismo. Não por acaso a parceria com a FPA fora
deixada de lado com a comprovação do sucesso e positiva repercussão do Telecurso.
Assim, pode-se afirmar que o empreendimento de Roberto Marinho com o Telecurso
2º Grau e o sucesso obtido pelo programa se constituiriam em um dos elementos de
legitimação à posição privilegiada da Rede Globo de Televisão, junto a setores militares.
Afinal, o programa, de um lado, cumpria a determinação legal referente à programação
educativa na TV e concretizava projeto de telensino acalentado pelo regime militar, e, de
outro, servia como dado para legitimar, por parte do regime militar e do próprio Marinho, “as
benesses” concedidas pelos governos militares à Rede Globo. Entretanto, a constituição do
Telecurso 2º Grau como paradigma em telensino garantia, de certa maneira, uma legitimação
prévia da Rede Globo e do concessionário Roberto Marinho num futuro político democrático,
cuja antevisão e busca eram crescentes no campo político nacional. Naquele futuro, Marinho
poderia ostentar seus feitos na área de telensino, livrando-se ou atenuando uma provável
identificação dele como “colaborador de uma ditadura”, e, mais ainda, não contaria com
concorrente à altura para oferecer de imediato nenhum produto para sobrepor-se aquele que já
era considerado o melhor e mais abrangente programa televisivo de instrução pública.
Sem se esquecer que algumas das edições das aulas do Telecurso pudessem vir a servir
também, num futuro democrático, como atenuantes de possíveis críticas sobre a proximidade
de Roberto Marinho, e sua Rede Globo, com o regime militar. Mesmo que conteúdos
apresentados na teleaulas tivessem sido abordados, por força da lei, à luz de interpretações
favoráveis ao regime militar, a produção do programa, vez ou outra, procurava investir, ainda
que indiretamente, em pontuais expedientes que pudessem dar um tom de questionamento ou
crítica a práticas próprias do autoritarismo militar. Situação evidenciada ora em trechos dos
textos lidos pelos apresentadores – sobremaneira nas aulas de História, Geografia e mesmo
EMC/OSPB – e pontuados com referências a temas delicados ao regime militar, ou mesmo no
convite de especialistas que claramente faziam oposição ao regime e batiam-se pela
democratização.
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FONTES
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FONTES
Periódicos
Legislação
Audiovisual
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