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WELLINGTON AMARANTE OLIVEIRA

TELECURSO 2º GRAU: paradigma no ensino pela TV


e legitimação política da Rede Globo, 1977-1981.

ASSIS
2011
2

WELLINGTON AMARANTE OLIVEIRA

TELECURSO 2º GRAU: paradigma no ensino pela TV


e legitimação política da Rede Globo, 1978-1981.

Dissertação apresentada à Faculdade de


Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a obtenção
do título de Mestre em História (Área de
Conhecimento: História e Sociedade).
Orientador: Dr. Áureo Busetto.

ASSIS
2011
3

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP

Oliveira, Wellington Amarante


O48t Telecurso 2º Grau: paradigma no ensino pela TV e legitima-
ção política da Rede Globo, 1977-1981 / Wellington Amarante
Oliveira. Assis, 2011
166 f. : il.

Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras


de Assis – Universidade Estadual Paulista.
Orientador: Áureo Busetto

1. Televisão brasileira - História. 2. Fundação Roberto Ma-


rinho. 3. Rede Globo. 4. Televisão na educação. 5. Rádio e Te-
levisão Cultura de São Paulo. 6. Brasil – História – 1964-1985.
I. Título.
CDD 791.45
4

Aos meus pais, pelo amor e a dedicação.

À Camila, pela inspiração e o companheirismo.


5

AGRADECIMENTOS

Apesar de ter um único autor, esta pesquisa acadêmica foi uma empreitada que exigiu
a participação de diversas pessoas, cada um contribuindo, direta ou indiretamente, para o bom
andamento do trabalho. Primeiramente, agradeço à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) pela bolsa concedida durante o tempo integral desta
pesquisa. Sem ela o trabalho não teria sido concluído no mesmo espaço de tempo. E ao
programa de Pós-Graduação em História, que colaborou com auxílios financeiros para a
participação em eventos acadêmicos e para a pesquisa do audiovisual na TV Cultura.
Agradeço ao meu orientador, Dr. Áureo Busetto, pela oportunidade, ainda na
graduação, de conhecer as imagens pouco definidas da TV brasileira. Por toda sua a
dedicação, empenho e expectativas sobre meu projeto. Pelo aprendizado constante que me
proporcionou, seja nas reuniões de orientação ou em um simples bate papo pelos corredores
da faculdade.
Meus sinceros agradecimentos aos professores Juvenal Zanchetta e Maria de Fátima
da Cunha, pela leitura criteriosa do texto no Exame de Qualificação. À professora Andréa
Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi, pelas sugestões ao projeto durante a disciplina de
Seminários de Pesquisa. Aos professores da época de graduação, Ruy de Oliveira Andrade
Filho, a quem eu devo o primeiro contato com o mundo da pesquisa acadêmica; Paulo
Henrique Martinez, por sempre alertar sobre as dificuldades de nosso ofício. À professora
Regina Aparecida Ribeiro Siqueira pelo aprendizado e a convivência durante quatro anos no
Projeto de Educação de Jovens e Adultos da UNESP (PEJA). E a tantos outros professores
que foram fundamentais para a minha formação. Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade
de Ciências e Letras, da Biblioteca Nacional, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, do
Arquivo Público do Estado de São Paulo, da Seção de Pós-Graduação, da TV Cultura.
Aos amigos que compartilharam comigo a descoberta da História durante a graduação:
Artur Bez, Ellen Maziero, Fabíula Sevilha, Fernanda Henrique Silva, Joice Serafim, Marina
Oliveira, Pâmela Michelette e Shaila de Almeida Bonfim. E aos amigos Jônatas Chizzolini,
George Kluck, Luciano Oliveira, Sérgio Alves, Talita Annunciato, Heraldo Galvão e Beatriz
Birelli.
Serei eternamente grato a minha mãe Raineide, ao meu pai Reinan, aos meus irmãos
Jéssica, Beatriz e Renan, que, mesmo sentindo o peso da saudade e da distância, sempre me
apoiaram. Às minhas avós Jandira e Neuma. Ao meu primo, Michael, que durante os meus
anos de faculdade estava em Cuba realizando o sonho de se tornar médico. Aos meus gatos,
6

Fidel e Ernesto, por toda a diversão proporcionada em momentos de tensão. E a toda minha
grande família Amarante-Oliveira.
Não poderia encerrar estas páginas sem agradecer à minha amada namorada Camila,
que foi, durante estes últimos seis anos, muito mais do que a simplicidade da palavra
“namorada” possa significar. Foi ela quem me conduziu até este momento. Minha amante,
minha companheira, minha amiga, minha professora, meu amor.
7

Consideramos ainda importante que as equipes da Fundação Padre


Anchieta, Fundação Roberto Marinho, Rede Globo e TV Cultura
absorvam as experiências de outros países, onde homens de televisão
tornam-se um pouco educadores e educadores um pouco homens de
televisão.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

O Telecurso 2º Grau representou, desde o início, um passo a frente na


história da educação no Brasil e uma conquista irreversível para a
sociedade brasileira.

Roberto Marinho
8

OLIVEIRA, W. A. Telecurso 2º Grau: paradigma no ensino pela TV e legitimação política


da Rede Globo, 1977-1981. 2011. 165 f. : Il. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade
de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011.

RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo central analisar historicamente o ensino na televisão
brasileira durante o regime militar, tendo como eixo-central as relações sociais que tornaram
possível a criação do programa Telecurso 2º Grau. Esta pesquisa buscou comprovar a
hipótese de que o projeto criado por Roberto Marinho serviu como elemento legitimador de
sua posição privilegiada no campo midiático nacional, o que possibilitou ao empresário
incrementar a sua ligação com o regime militar e deslegitimar as críticas quanto à condição
quase monopolizadora da Rede Globo no campo televisivo brasileiro, assegurando para a sua
emissora uma imagem de prestadora de serviço social e comprometida com a instrução
pública da sociedade brasileira. O Telecurso conseguiu, ainda, responder como uma
alternativa possível dentro do modelo televisivo comercial brasileiro, calcado no par
entretenimento/informação e tornando-se um paradigma para os programas instrucionais
vindouros na televisão brasileira e, respondendo, assim, a uma demanda de teleducação que o
regime militar não conseguiu suprir com suas emissoras educativas. Neste sentido, esta
pesquisa remonta os debates e as ações sobre a utilização da televisão no ensino, bem como
apresenta as primeiras experiências no setor e as relações sociais que permearam a criação e o
primeiro desenvolvimento do Telecurso, demonstrando como Roberto Marinho utilizou de
sua posição privilegiada nos campos televisivo e político nacional para consolidar seu projeto
de educação. E, por fim, trata do audiovisual do programa, apresentando os agentes
envolvidos com sua produção, bem como as disciplinas que integraram suas três fases.

Palavras-chave: História da Televisão Brasileira; Telecurso 2º Grau; Regime Militar;


Fundação Roberto Marinho; Rede Globo; Fundação Padre Anchieta; Ensino pela TV.
9

OLIVEIRA, W. A. Telecurso 2º Grau: paradigm of the education on TV and political


legitimacy of Rede Globo, 1977-1981. 2011. 165 f. : Il. Dissertation (History Master’s degree)
– Faculdade de Ciências e Letras – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011.

ABSTRACT

This dissertation aims to analyze historically the Brazilian television education during the
Military Regime; its central axle is the social relationships that made possible the creation of
the program Telecurso 2º Grau. This research aimed to prove the hypothesis that the project
created by Roberto Marinho was a legitimacy element of his privileged position in the
national media field, that enabled to this manager increase his connection with the military
government and delegitimize the criticisms about the almost monopolized condition of the
Rede Globo on the Brazilian TV, ensuring to his station a social service provider image and
engaged to the public instruction of the Brazilian society. Telecurso was able to answer as a
possible alternative in the Brazilian commercial model of television based on the pair
entertainment/information and becoming a paradigm to the instructional programs from the
Brazilian TV and supplying to a demand of tele-education that the military regime wasn’t able
to fill with the educative channels. In this sense, this work restores the debates and the actions
about the use of the television in the education, as well as it shows the first experiences in the
sector and the social relationships that permeated the creation and the Telecurso first
development, demonstrating how Roberto Marinho used his privileged position in the national
TV and political fields to consolidate his educational project. At last, it deals with the
audiovisual part of the program, showing the agents who were involved with its production
and with the subjects that integrated its three phases.

Key-Words: Brazilian Television History; Telecurso 2º Grau; Military Regime; Roberto


Marinho Foundation; Rede Globo; Padre Anchieta Foundation; Education on TV.
10

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Organograma 1 - Principais agentes envolvidos com a produção do Telecurso 2º Grau.........75

Imagem 1 - Modelo de propaganda do Telecurso na imprensa impressa.................................81

Imagem 2 - Jô Soares em propaganda do Telecurso veiculada na televisão............................82

Imagem 3 - Charge de Angeli publicada na Folha de S. Paulo...............................................98

Imagem 4 - Gianfrancesco Guarnieri apresentando teleaula de História...............................126

Imagem 5 - Capas dos livros com o curso de História e Geografia.......................................130

Imagem 6 - Ney Sant’Anna em teleaula do Telecurso...........................................................131

Imagem 7 - Bastidores da teleaula de Matemática com Marco Nanini..................................142

Imagem 8 - Capas dos livros de Matemática e Física............................................................143

Imagem 9 - Marília Gabriela apresentando teleaula de Química...........................................147

Imagem 10 - Capas dos livros de Química e Biologia...........................................................150


11

LISTA DE TABELAS

Quadro 1 – Emissoras educativas criadas entre 1967 e 1974 no Brasil...................................61

Quadro 2 - Dia e horário das aulas do curso Admissão pela TV..............................................62

Quadro 3 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Norte em 1978.............................90

Quadro 4 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Nordeste em 1978.......................91

Quadro 5 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sul em 1978................................92

Quadro 6 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sudeste em 1978.........................92

Quadro 7 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Centro-Oeste em 1978................93


12

LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão


AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
BBC – British Broadcasting Company
CBS – Columbia Broadcasting System
CBT – Código Brasileiro de Telecomunicações
CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações
CRO - Centro de Recepção Organizada
CTR – Comissão Técnica de Rádio
EMBRATEL – Empresa Brasileira de Telecomunicações
ESG – Escola Superior de Guerra
FCBTVE – Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa
FPA – Fundação Padre Anchieta
FRM – Fundação Roberto Marinho
ITV – Independent Television Network
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MINICOM – Ministério das Comunicações
NBC – National Broadcasting Company
OEA – Organização dos Estados Americanos
ONU – Organização das Nações Unidas
PBS – Public Broadcasting Service
PRONTEL – Programa Nacional de Teleducação
PUC – Pontifica Universidade Católica
RCA – Radio Corporation of America
SEA – Serviço de Educação de Adultos
SEAT – Secretaria de Aplicações Tecnológicas
Sintead - Sistema Nacional de Televisões Educativas
UnB – Universidade de Brasília
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação e Cultura
USP – Universidade de São Paulo
13

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................14

1 EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS SOB UM MODELO TELEVISIVO


COMERCIAL

1.1 O modelo televisivo brasileiro: regulamentação e agentes................................................31


1.2 Debates e ações acerca do papel educativo da televisão....................................................47
1.3 A inserção de programas educativos na televisão brasileira..............................................62

2 TELECURSO 2º GRAU: UM PROGRAMA DA TV COMERCIAL SOB MEDIDA AO


REGIME DITATORIAL

2.1 A criação e os primeiros passos.........................................................................................70


2.2 Expansão e desenvolvimento.............................................................................................84
2.3 O Telecurso como paradigma de teleducação na televisão brasileira................................99

3 DA SALA DE AULA PARA A SALA DE CASA: O TELECURSO COMO


EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL

3.1 A produção das teleaulas: entre práticas comerciais e educativas....................................116


3.2 A novidade também era falar de humanidades.................................................................124
3.3 What? Função logarítmica na televisão? That’s impossible!...........................................134
3.4 Uma Química (quase) perfeita..........................................................................................143

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................151

FONTES.................................................................................................................................157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................159
14

INTRODUÇÃO
15

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem o objetivo central de compreender e analisar historicamente como se


processou a inserção de programas educativos na televisão brasileira durante o regime militar,
tomando como eixo de análise o programa Telecurso 2º Grau, produzido pela Fundação
Roberto Marinho (FRM) em parceria com a Fundação Padre Anchieta (FPA) e veiculado pela
Rede Globo e TV Cultura a partir de 1978.
Para alcançarmos tal objetivo, fez-se necessário considerar as particularidades do
debate sobre os modelos cultural-educativo e comercial de televisão no Brasil. Debate
desenrolado justamente na fase em que o setor televisivo se ampliou e se consolidou em
decorrência dos investimentos do regime militar na área de telecomunicações. Os militares,
com base na Doutrina de Segurança Nacional, fomentada pela Escola Superior de Guerra
(ESG), viam o setor de telecomunicações como um elemento de integração nacional e, por
isso, investiram de forma estratégica em seu desenvolvimento, o que consolidou,
notadamente, o avanço da televisão no campo da comunicação social.
Nessa direção, o intento desta dissertação foi o de trazer subsídios e elementos de
entendimento e compreensão que possibilitassem precisar, por meio de uma análise sócio-
histórica, a hipótese de que o projeto de Telecurso 2º Grau exerceu uma função de
legitimação política das ações da Rede Globo e do concessionário Roberto Marinho.
Possibilitando-o incrementar a sua ligação com o regime militar – visto que o seu projeto de
educação via meios de comunicação apresentava-se como prova da preocupação do regime
com a instrução pública. O que serviu, de certa maneira, para justificar as medidas oficiais do
governo a favor do desenvolvimento da Rede Globo. Dessa forma, o Telecurso reforçou a
imagem da emissora de Marinho como eficaz prestadora de serviço social e comprometida
com a educação da sociedade brasileira, deslegitimando as críticas quanto à sua condição
quase monopolizadora no campo televisivo brasileiro.
O objetivo central acima mencionado esteve intimamente vinculado aos seguintes
objetivos específicos: conhecer e analisar a legislação de regulamentação do setor televisivo
então vigente, com destaque para o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) de 1962, e
a sua atualização por meio de medidas políticas, sobretudo o que previa em termos da
programação cultural e educativa para as emissoras; posicionar a Rede Globo em relação às
demais emissoras e redes de TV atuantes no campo televisivo brasileiro ao longo da década
de 1970, pensando como cada uma delas tratou a questão do telensino; analisar sócio-
historicamente as visões e ações de alguns agentes do campo midiático e do campo político
16

em termos de teleducação e, em particular, do projeto Telecurso – objetivo que nos obrigou a


posicionar relacionalmente não somente as empresas midiáticas, mas os profissionais da
mídia, partidos, grupos e militantes políticos que se manifestaram ou se envolveram com a
questão; buscar conhecer como os agentes do campo educacional se posicionaram com
relação à teleducação e ao Telecurso, sem, contudo, descuidar em perceber quais agentes
daquele campo se envolveram diretamente com o projeto da FRM; conhecer os móveis que
ligaram a FRM e a FPA na execução do Telecurso; historiar e analisar a estrutura e dinâmica
da produção e divulgação do projeto, tratando, igualmente, quando possível, da recepção do
programa; cuidar do organograma e atuação da FRM; buscar o conhecimento das fontes de
financiamento que foram alocadas para a realização do projeto.
Com o ressurgimento da História política na década de 1980, na França, Na década de
1980 um grupo de historiadores franceses, ligados à Fondation Nationale des Sciences
Politiques e à Universidade de Paris X-Nanterre, reformulou as bases da História política
incorporando a ela novos objetos e novas metodologias. Com essa renovação a mídia passou a
ser tratada como um objeto de estudo histórico. 1 Surgindo pesquisas pontuais sobre a opinião
pública, bem como outros objetos midiáticos, entre eles a televisão. Porém, três décadas após
o início dessa reformulação historiográfica, registrada no livro Por uma história política,
organizado por René Rémond, 2 o campo historiográfico ainda tem um conhecimento restrito
sobre a TV. Isso ocorre porque, de um modo geral, os historiadores sempre relegaram a
televisão a um papel secundário, sendo ela mais citada do que estudada. Os estudos que se
detêm sobre a televisão como fonte e objeto de pesquisa o são ainda em quantidade aquém
daquilo que se deveria produzir, considerando a importância do meio na sociedade
contemporânea. O sociólogo Pierre Bourdieu também manifestou insatisfação com o
diminuto volume da produção dos historiadores, notadamente no que diz respeito ao mundo
contemporâneo; o autor é incisivo ao dizer que “infelizmente em muitos domínios, em
especial no domínio da história da época recente, os trabalhos são ainda insuficientes,
sobretudo quando se trata de fenômenos novos.” 3 Um exemplo genuinamente nacional dessa
falta de interesse por parte dos historiadores pelo meio televisivo está manifestado na coleção
sobre A história da vida privada no Brasil, dirigida por Fernando Novais. No quarto volume,
organizado por Lilia Moritz Schwarcz, o capítulo referente à televisão é de autoria de uma

1
É interessante lembrar que na Inglaterra o historiador Asa Briggs, já desenvolvia pesquisas acerca do
Broadcasting, porém de forma restrita e isolada.
2
RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV; UFRJ, 1996.
3
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 62.
17

4
socióloga, Ester Hamburguer. O que denota a ausência de historiadores brasileiros
preocupados em pensar historicamente a TV, ao menos até o final da década de 1990, período
de publicação da obra citada. A falta de estudos é notada também por pesquisadores ligados à
área da Comunicação. Ana Paula Goulart Ribeiro e Micael Herschmann apontam que “há
poucos trabalhos de fôlego sobre História da Comunicação na própria História.” E concluem
que apesar da mídia – notadamente os jornais – ser cada vez mais utilizada como fonte
histórica em trabalhos que abordam diversos temas, “os estudos dos meios em si (e de suas
práticas sociais) ainda são restritos nas universidades do país.” 5
Esse descompasso entre a pesquisa histórica e o avanço do meio no Brasil é um ponto
fundamental para pensarmos de que modo os historiadores escolhem seus objetos. Ao
verificarmos a quase ausência de estudos sobre a TV, percebemos uma forte influência do
campo dos historiadores, ou seja, em busca de legitimação e reconhecimento, os
pesquisadores acabaram deixando de lado um objeto de amplo alcance social para dedicarem-
se a temáticas mais cotadas entre os pares – já que, na maioria das situações a televisão é
desprezada, quando não ridicularizada pela academia e sua intelectualidade.
Na contramão dessa tendência destaca-se o esforço do historiador Áureo Busetto em
pensar a TV no rol de objetos historiográficos. O autor começou suas pesquisas sobre o meio
6
há alguns anos, inicialmente preocupado em pensar TV na sala de aula; em um segundo
momento suas investigações adentraram o universo dos primórdios da TV como invenção
7
tecnológica; posteriormente, sua reflexão se verticalizou para pensar as implicações
metodológicas enfrentadas pelos historiadores ao escolher a televisão como fonte e objeto de
pesquisa. 8 Resultando assim na possibilidade de pensar um produto específico da televisão, a
9
TV Excelsior, e buscar historicizá-lo. Cabe ressaltar que na maioria desses estudos
prevaleceu a preocupação do autor com a reflexão sobre a relação entre TV e política. Essa

4
HAMBURGUER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In. SCHWARCZ, Lilia
Moritz. História da Vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
5
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. História da comunicação no Brasil um campo em
construção. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e
novas abordagens. Rio de Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008. p. 14.
6
Cf. BUSETTO, Áureo. Relações entre TV e poder político: dados históricos para um programa de leitura dos
produtos televisivos no ensino e aprendizagem. In: Pinho, Sheila Zambello; Saglietti, José Roberto Corrêa
(Orgs.). Núcleos de Ensino. 1ª ed., v.4. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2007, pp. 178-207.
7
BUSETTO, Áureo. Em busca da caixa mágica: o Estado Novo e a televisão. In: Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 27, nº 54, 2007 pp. 177-196.
8
BUSETTO, Áureo. A mídia brasileira como objeto da história política: perspectivas teóricas e fontes. In:
SEBRIAN, Raphael Nunes Nicolletti (org.). Dimensões do político na historiografia. Campinas: Pontes Editora,
2008, pp. 9-23.
9
BUSETTO, Áureo. Sem aviões da Panair e imagens da TV Excelsior no ar: um episódio sobre a relação regime
militar e televisão. In: KUSHNIR, Beatriz (org.). Maços na gaveta: reflexões sobre a mídia. Niterói: Eduff,
2009. pp. 53-64.
18

inquietação produtiva de Busetto para com a TV resultou em um espaço de reflexão


10
acadêmica do qual já nasceram três novas pesquisas que estão contribuindo para a
construção de uma história social da televisão brasileira.
A carência de estudos sobre a TV não é uma exclusividade brasileira. João Freire
Filho afirma que, somente a partir dos anos 1990, a história do meio transformou-se em
objeto de sucessivas abordagens científicas, especialmente “nos Estados Unidos e Inglaterra
(países onde o serviço televisivo se consolidou precocemente), mas também na Alemanha,
Austrália, Espanha, Canadá, França, Itália e Escandinávia (dentro do contexto da
desregulamentação, digitalização e convergência do sistema midiático).” 11
12
A TV ao longo dos seus 60 anos de existência no Brasil foi ganhando seu espaço na
sociedade, e de pouco mais de 200 aparelhos em sua estreia, em 1950, transformou-se, no
final da década de 1970, na principal fonte de acesso à informação e ao conhecimento – além
do rádio e da escola – para a maioria dos brasileiros. Com o transcorrer dos anos de regime
militar e, consequentemente, com o incremento de um sistema de telecomunicações em
âmbito nacional, o meio passou a angariar uma audiência significativa em todo o país,
13
atingindo a marca de quase 15 milhões de aparelhos no início da década de 1980, dado que
demonstra a forte penetração da TV no cotidiano do povo brasileiro. Com o crescimento dos
telespectadores, as preocupações com as influências de um meio tão revolucionário – capaz
de unir som e imagem – passaram a ser tema de diversos estudos. Todavia, essas
investigações eram majoritariamente de profissionais da área de Comunicação e de outras
Ciências Sociais que não a História.
A situação não é diferente quando buscamos estudos históricos sobre a teleducação e o
Telecurso. Podemos assinalar dois aspectos que podem justificar o esquecimento com relação
ao maior e mais antigo – existente há mais de 30 anos – programa de teleducação pela
televisão do país. Além do já citado descaso dos historiadores com a TV como objeto e fonte
de pesquisa histórica, caso semelhante acontece com a educação; apesar de certos avanços nas

10
Cf. BARROS FILHO, Eduardo Amando de. Por uma televisão cultural-educativa e pública: a TV Cultura de
São Paulo, 1960-1974. Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. BERNO, Monise Cristina. Entre a Cruz e
a Antena de TV: “Um dia sem TV” em prol do “bom senso” (Assis, 1978 – 1983). Dissertação de Mestrado.
Assis: UNESP, 2010. LIMA, Eduardo de Campos. Entre a política brasileira de concessões televisivas e as
diretrizes católicas de comunicação social: a formação da Rede Vida de Televisão, 1989-1995. Dissertação de
Mestrado. Assis: UNESP, 2010.
11
FREIRE FILHO, João. Por uma nova agenda de investigação da História da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana
Paula Goulart; HERSCHMANN, Micael. Comunicação e História: interfaces e novas abordagens. Rio de
Janeiro: Globo Universidade; Maud X, 2008. p. 127
12
As emissões regulares de TV no Brasil iniciaram-se no dia 18 de setembro de 1950, com a PRF-3 TV Tupi,
propriedade de Assis Chateaubriand.
13
O total de aparelhos de televisão era de 14 milhões 825 mil, de acordo com estimativas da ABINEE. In.
MATTOS, Sérgio Augusto Soares. Um perfil da TV brasileira: 40 anos de história. Salvador: ABAP, 1990.
19

pesquisas que tematizam a educação ou o ensino, há ainda certo “esquecimento” por parte dos
historiadores de temas que tenham como interface o campo educacional, sendo, em sua
maioria, rotulados como tarefa para os pesquisadores em Educação. E, por fim, o fato de o
Telecurso ser um objeto da chamada História do tempo presente, abordagem investigativa que
ainda gera algumas dúvidas entre os historiadores mais tradicionais, desconfiados da análise
de uma temática que ainda flutua no mar tão agitado da memória, que é sempre um campo de
disputa.
Nesse cenário nacional de escassa produção historiográfica acerca do Telecurso,
encontramos apenas um trabalho. Trata-se de uma dissertação, defendida na Universidade de
Brasília (UnB), em 2006, de autoria de João Flávio Moreira e intitulada Os Telecursos da
14
Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à distância (1978 – 1998). O autor
apresenta uma boa análise de dados quantitativos sobre o programa, demonstrando, a partir da
construção de gráficos e tabelas, a grandeza e amplitude do projeto em termos de recursos
utilizados. Porém, do que mais se sente falta no trabalho é de uma narrativa e análise histórica
que utilize os dados coletados em prol da construção de um estudo histórico que contemple as
relações sociais e políticas entre os campos e os agentes que atuavam no projeto Telecurso, ou
seja, os campos televisivo, político e educacional. Assim, o trabalho de Moreira centra-se
mais em demonstrar o que foi o Telecurso em termos de abrangência – o que não deixa de ser
relevante, desde que pensado em relação aos outros aspectos do programa – do que cuidar dos
interesses políticos e econômicos investidos no projeto e as suas implicações ao campo
midiático, ao campo político e às relações de ambos notadamente nas questões sobre TV e
ensino.
Diagnosticada tal ausência de trabalhos na área de História, nossa pesquisa
bibliográfica orientou-se para as áreas de interface, como a Educação. Todavia, os estudos
sobre o Telecurso em sua maioria, dissertam, exclusivamente, sobre os aspectos didáticos do
projeto, cuidando mais especificamente das versões mais recentes do programa, como o
Telecurso 2000. Portanto, não coadunavam com os objetivos desta dissertação que visa a
compreender sócio-historicamente as múltiplas relações sociais encetadas por diversos e
diferentes agentes sociais que possibilitaram, direta e/ou indiretamente, a criação e o primeiro
desenvolvimento do programa.
Ainda assim, quatro estudos da área de Educação se destacam. O primeiro deles
devido à significativa quantidade de documentos que tornou público sobre a produção do

14
MOREIRA, João Flávio de Castro. Os Telecursos da Rede Globo: a mídia televisiva no sistema de educação à
distância (1978 – 1998). Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2006.
20

Telecurso, e pelo fato de o autor ter sido membro da equipe do programa. Trata-se de uma
tese de doutoramento, defendida na PUC-SP, em 1981, de autoria de Antonio Carlos Caruso
Ronca. 15 Em seu trabalho, o autor buscou demonstrar como a proposta do Telecurso divergia
das ideias de Paulo Freire, intelectual consagrado pelos projetos de educação popular
desenvolvidos no pré-64. Ronca tentou demonstrar como o discurso oficial da FRM divergia
de suas práticas, que pouco ou quase nada teriam que ver com a concepção de educação
popular de Freire. A análise feita por Ronca, em razão de sua especificidade, não busca outras
ferramentas e acaba chegando a respostas óbvias. O ponto forte do trabalho é a quantidade de
documentos levantados, tarefa que se torna relativamente fácil para quem atuou no projeto e
possivelmente teve acesso irrestrito aos arquivos da TV Cultura.
O segundo é o capítulo denominado “O sucesso do Telecurso”, do livro Educação à
16
distância: a tecnologia da esperança, de Arnaldo Niskier. Esse capítulo é importante por
tratar da visão de um profissional que trabalhou para o então Ministério da Educação e
Cultura (MEC) na década de 1970, como membro do Conselho de Administração do
Programa Nacional de Teleducação (PRONTEL), colaborando na formulação e investigação
de nossas hipóteses acerca da teleducação no Brasil.
A terceira pesquisa, uma tese de doutoramento de Sérgio Haddad, intitulada Estado e
17
educação de adultos (1964 -1985), apesar de não ter o Telecurso como eixo central, faz
uma discussão interessante a respeito das políticas educacionais criadas e desenvolvidas pelo
regime militar. Adentrando, em algumas partes de seu estudo, na questão da teleducação, o
autor descreve algumas experiências ocorridas durante o regime militar, incluindo um breve
comentário sobre o Telecurso.
O último trabalho consta do livro Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia,
18
organizado por Valério Brittos e César Bolaño. Trata-se de um capítulo de autoria da
19
professora Cosette Castro, intitulado “Globo e educação: um casamento que deu certo”. A
autora traça um panorama geral da atuação da emissora de Roberto Marinho em programas
educativos, desde os infantis e do Telecurso 2º Grau até a criação do Canal Futura.

15
RONCA, Antônio Carlos Caruso. Ensino Supletivo: Ideologia e Psicologia de um programa de educação pela
televisão. Tese de Doutorado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 1981.
16
NISKIER, Arnaldo. Educação à distância: a tecnologia da esperança. São Paulo: Loyola, 1999. pp. 307-315.
17
HADDAD, Sérgio. Estado e Educação de Adultos (1964 -1985). Tese de doutoramento. São Paulo: Faculdade
de Educação – USP, 1993.
18
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São
Paulo: Paulus, 2005.
19
CASTRO, Cosette. Globo e educação: um casamento que deu certo. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO,
César Ricardo Siqueira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. pp. 243-263.
21

Outro texto que se insere na nossa discussão é “A cidadania do Telecurso: memórias


20
de um projeto de educação popular”, de autoria do sociólogo Antonio Ricardo Micheloto,
que integrou a equipe da segunda fase do Telecurso, como redator. Em seu texto, o autor faz
uma análise que tem como conclusão a negação do caráter popular que se autodenominava o
Telecurso, conclusão semelhante ao trabalho de Ronca. Porém, o artigo, como o próprio título
sugere, é uma memória da atuação de seu autor como responsável pelas disciplinas Educação
Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil. Apesar de partir da mesma
inquietação de Ronca, Micheloto cuidou apenas de uma característica específica do projeto,
isto é, das disciplinas que constavam do Telecurso por imposição de determinação das
diretrizes educacionais vigentes.
Sobre a FRM, podemos destacar duas obras. O livro de Roméro Machado, Afundação
Roberto Marinho, 21 no qual o ex-auditor das Organizações Globo faz denúncias contundentes
contra a Instituição sem fins lucrativos criada por Roberto Marinho. E o livro institucional e
comemorativo do 30º aniversário da Fundação, organizado por Silvia Finguerut e Hugo
22
Sukman, no qual estão descritos todos os projetos desenvolvidos pela FRM. Ou seja, uma
bibliografia escassa e diversa que contempla desde a voz de um ex-funcionário até a
publicação oficial da Fundação.
A partir da leitura desses livros sobre a FRM, dos estudos sobre o Telecurso e dos
outros trabalhos relacionados aos aspectos gerais da televisão brasileira, a primeira conclusão
que se pode chegar é de cunho teórico-metodológico. A busca pelo conhecimento e
compreensão do que têm sido os programas de telensino no Brasil contemporâneo não deve se
centrar tão apenas na análise de dados sobre a eficácia numérica do programa ou sobre sua
natureza ideológica. Mas deve, antes, calcar-se na perspectiva da análise sócio-histórica das
relações constituintes do campo da comunicação social, sobremaneira o televisivo, e das inter-
relações deste com o campo político. Como nos ensina Pierre Bourdieu, “não podemos nos
contentar em dizer que o que se passa na televisão é determinado pelas pessoas que a
possuem, pelos anunciantes que pagam a publicidade, pelo Estado que dá subvenções”, e o
autor afirma que “se soubéssemos, sobre uma emissora de televisão, apenas o nome do

20
MICHELOTO, Antônio Ricardo. A cidadania do Telecurso: memórias de um projeto de educação popular. In.
Revista Educação Popular. Uberlândia, n. 5, 35-40, jan./dez. 2006. p. 37-42.
21
MACHADO, Roméro da Costa. Afundação Roberto Marinho. Porto Alegre: Tchê, 1988.
22
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.). Fundação Roberto Marinho 30 anos. Rio de Janeiro: Goal,
2008.
22

proprietário, a parcela dos diferentes anunciantes no orçamento e o montante das subvenções,


não compreenderíamos grande coisa.” 23
Devemos buscar um caminho que permita apreender elementos de compreensão sobre
o processo que, desempenhado mediante disputas entre distintas visões sobre a finalidade
educativa da TV, tornou socialmente legítimo e reconhecido – segundo acepções ligadas à
sociologia de Bourdieu – o Telecurso 2º Grau como paradigma de telensino para o Brasil sob
a vigência do regime militar.
Ao fazer um balanço sobre os estudos relativos à história da TV, João Freire Filho
aponta três áreas que, segundo ele, podem render frutos para o conhecimento do meio. São
elas: a de genealogia da televisão; a de formação e desenvolvimento dos gêneros
programáticos; e, por fim, uma arqueologia da recepção televisiva. Ao se referir a segunda
área, o autor explica que “o mergulho no período formativo da televisão ambiciona, nesse
caso, esquadrinhar o processo histórico mediante o qual convenções genéricas foram
concebidas e homologadas”, com ênfase no “desenvolvimento das estratégias estéticas e
discursivas e das práticas de produção de uma categoria de programa particular.” Desse modo,
verificamos uma proximidade entre nossa proposta e a área descrita por Freire Filho,
sobretudo quando o autor esclarece que pesquisas desenvolvidas com os objetivos de estudar
a formação e o desenvolvimento – no nosso caso, do Telecurso 2ºGrau – avançam no
conhecimento do meio, já que “a meta é uma abordagem de caráter mais holístico que
enfatize a complexidade das forças e das mediações sociais, culturais, econômicas e
24
tecnológicas que envolvem o processo de formatação dos programas”.
A partir desse esboço bibliográfico, podemos afirmar, seguramente, que diversos
aspectos da atuação do meio e sua relação com a sociedade não foram ainda explorados de
maneira a contemplar uma análise sócio-histórica significativa que contribua com a
compreensão da dimensão histórica da TV e da comunicação social contemporânea. Com
isso, caberá a essa dissertação refletir acerca de alguns aspectos sobre a constituição de
práticas de teleducação no Brasil, sobremaneira com a criação do Telecurso 2º Grau.
A realização de pesquisas históricas sobre a mídia nos convida a atentar para as
orientações teóricas oferecidas pelos historiadores Asa Briggs, Peter Burke e Jean-Noël
Jeanneney. Ainda que estas sejam, de algum modo, introdutórias, são elas que balizam as
pesquisas históricas atuais que tomam como eixo de análise os meios de comunicação.

23
BOURDIEU, Pierre. op. cit., p. 20.
24
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 133.
23

Briggs e Burke acreditam na necessidade de “trazer a história para o interior dos


estudos da mídia, e a mídia para dentro da história”, enfatizando, dessa forma, a importância
do passado em relação ao presente. Esse procedimento exige do pesquisador a clareza de que
a compreensão dos novos padrões e da evolução dos meios de comunicação social depende de
uma análise interdisciplinar, a qual deve considerar os debates e descobertas em torno das
mídias e a forma que estes assumem atualmente. Assim, segundo os dois autores, a mídia
precisa ser vista como um “sistema em contínua mudança, no qual elementos diversos
desempenham papéis de maior ou menor destaque.” E que se deve realizar uma análise da
mídia sob a óptica de “uma história social e cultural que incluí política, economia e – também
– tecnologia”, todavia distante de qualquer “determinismo tecnológico baseado em
25
simplificações enganosas.” O que se deve buscar, na verdade, é a construção de uma
história capaz de agregar múltiplas características da realidade histórica.
Essa afirmação justifica a nossa tentativa de pensar o ensino via TV no Brasil,
tomando como eixo o Telecurso, considerando seus aspectos políticos, sociais, econômicos,
culturais, estéticos e tecnológicos. Para subsidiar essa opção metodológica se fez necessário, e
essencial, uma diversificação das fontes que colaborasse na busca de elementos capazes de
embasar tais análises, conjuntamente com a percepção de que é fundamental pensar campos
distintos – no caso de nossa pesquisa, o político, o televisivo e o educacional.
O historiador francês Jeanneney ressalta de forma precisa a importância e o papel que
os estudos históricos ocupados com o campo midiático podem desempenhar no debate sobre
mídia e democracia. Nas palavras do autor, ao relembrar antecedentes esquecidos, a História,
“permite enxergar o inédito e fornece algumas soluções para enfrentar os desafios recentes.
26
Simultaneamente, pode alertar-nos, tranqüilizar-nos e esclarecer-nos.” Assim, Jeanneney
corrobora com a visão de Briggs e Burke sobre a necessidade dos estudos históricos acerca da
mídia serem desenvolvidos com base na interdisciplinaridade.
Jeanneney aponta alguns problemas que podem ser considerados como agravantes
para a falta de pesquisa na área. O primeiro deles é a dispersão do foco, o que fica latente
“devido à diversidade dos objetos aos quais a pesquisa sobre a mídia se deve ligar e à grande
27
variedade de casos e situações”. Um exemplo seria o enorme número, formatos e
dimensões, dos veículos midiáticos. Entretanto, o historiador adverte, caso procure-se
“escapar a isso, corre-se o risco de perder de vista a realidade na sua complexidade em

25
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 11 – 17.
26
JEANNENEY, Jean-Noël. História da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996.
27
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit. p. 6-7.
24

28
proveito de considerações demasiadamente estatísticas,” gerais e abstratas. Em segundo
lugar, há um desequilíbrio das fontes, pois muitas vezes elas se encontram em abundância,
como materiais impressos e conservados. Mas algumas empresas do setor, importantes para a
interpretação do objeto histórico, não conservam seus arquivos; desse modo tem-se a
publicação, mas não os elementos que descrevem a rotina de produção de uma determinada
redação, ou dos bastidores de uma emissora. Esse problema ganha uma dimensão ainda maior
quando se trata de documentos sonoros ou audiovisuais. Nesse caso, além de não existirem os
arquivos da empresa que produziu determinado produto, o produto em si não tem garantia de
conservação, pois sofre os embargos dos altos custos de acondicionamento, que, na maioria
das vezes, as empresas não querem ou não têm condições de custear. Tal característica,
atrelada à falta de um grande acervo público de imagens, acaba gerando ao pesquisador
dificuldades de consulta, e quando este tem acesso, muitas vezes é de forma precária, e sob
condições que estão longe de pautar uma relação entre pesquisador e objeto de pesquisa.
Verificamos esse problema de perto durante a busca pelas fontes audiovisuais do Telecurso.
Com base nas concepções teóricas acima descritas, o desenvolvimento de nosso
trabalho exigiu uma orientação teórico-metodológica que alicerçou a pesquisa e colaborou
para que tenhamos trilhado, minimamente, um caminho que obtivesse respostas às
inquietações colocadas pelos historiadores da mídia. Neste sentido, nossa proposta de
pesquisa esteve norteada por alguns princípios enunciados por Pierre Bourdieu e Roger
29
Chartier. Esses autores foram pensados e relacionados mais como uma bússola que nos
guiou pelos caminhos das fontes documentais, do que como um modelo hermético, pronto e
acabado. Possibilitando a realização de uma pesquisa interdisciplinar e concatenada à
perspectiva sócio-histórica. A opção em questão permitiu que a nossa investigação sobre o
Telecurso da FRM centrasse o seu foco de análise sobre um conjunto de relações sociais que
tornou o programa possível de existir socialmente, pensando os agentes e as instituições
envolvidas nesse processo de forma relacional bem como as particularidades do meio
televisivo. Como ressalta Chartier: “as lutas de representações têm tanta importância como as
lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta
impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio.” 30

28
Ibid. p. 6-7.
29
Com destaque para os livros de Pierre Bourdieu: O Poder Simbólico; Sobre a Televisão; Propos sur le champ
politique. De Roger Chartier: A história cultural: entre práticas e representações. E o livro dos dois autores : Le
sociologue et l’historien.
30
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p. 17.
25

Qualquer metodologia em História só ganha sentindo quando atrelada às fontes da


pesquisa. Não há olhar sobre o objeto que não se configure como um olhar sobre as fontes que
falam desse objeto, e não há como questionar tais fontes sem a lupa teórico-metodológica.
Tendo em mente essa relação recíproca entre fonte e metodologia, apresentaremos quais
foram as fontes selecionadas, como se efetivou o acesso a elas, quais informações elas nos
trouxeram e como as utilizamos com vistas aos objetivos propostos por esta dissertação.
A documentação impressa da FPA e da FRM relativa ao período de criação e
veiculação do Telecurso na televisão brasileira constitui-se em um corpus documental de
suma importância para pensarmos o que foi esse programa. Fazem parte desse rol de fontes os
seguintes documentos: Relatório de avaliação do Fascículo Zero (Agosto de 1977); Seis
meses de experiência – Telecurso 2º Grau; Exames supletivos no Brasil antes e depois do
Telecurso 2º Grau; Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
O primeiro documento consiste em uma avaliação da Fundação Padre Anchieta sobre
o protótipo do que viriam a ser os fascículos do Telecurso. Na verdade, em nenhum momento
do documento aparece o nome Telecurso 2º Grau, que é denominado como série. Dele consta,
além da avaliação, o roteiro das entrevistas que foram realizadas com nove pessoas para se
conhecer a capacidade de assimilação do conteúdo do material impresso.
Seis meses de experiência – Telecurso 2º Grau, é um relatório preparado pela
Fundação Roberto Marinho avaliando a experiência do Telecurso ao longo do primeiro
semestre de 1978. Além de um texto de Roberto Marinho sobre o Telecurso, ao final do
relatório consta um exemplar do fascículo semanal.
Exames supletivos no Brasil antes e depois do Telecurso 2º Grau, apesar do título
muito atrativo, trata-se apenas de uma síntese da pesquisa realizada pela Fundação Carlos
Chagas para a FPA e FRM sobre o impacto do Telecurso na preparação dos alunos que
prestaram os exames supletivos.
O último documento, Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final, consiste em uma
síntese da experiência da FPA com o Telecurso. Esse relatório foi preparado provavelmente
quando a FPA já não fazia mais parte da co-produção com a FRM, servindo de base para
novas experiências em teleducação, objetivo que é citado expressamente no documento. Além
das 38 páginas com informações sobre o produto televisivo, o relatório conta com
aproximadamente cem páginas em anexo, incluindo nele um memorando assinado por José
Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, no qual o então Superintendente da Rede Globo
demonstra de que modo ele gostaria que fosse encaminhada a produção do Telecurso.
26

Essa documentação coletada nos arquivos da própria FPA, foi bastante relevante para
historiar e analisar as relações que permitiram a parceria para a criação do Telecurso, bem
como seu primeiro desenvolvimento. Pois a partir dela foi possível pensar os móveis que
ligaram e, posteriormente, afastaram os parceiros nessa empreitada.
Nesta direção, buscamos, também, pesquisar em órgãos da imprensa impressa.
Selecionamos os dois periódicos com maior tiragem em São Paulo, Folha de S. Paulo e O
Estado de S. Paulo, pesquisados no Arquivo Público do Estado de São Paulo; o jornal de
Roberto Marinho, O Globo, encontrado na Biblioteca Nacional; além da revista Veja,
consultada por meio de seu acervo digital. Essas fontes foram importantes para coletarmos
dados sobre manifestações (editoriais, artigos, reportagens, matérias especiais) que
permitiram conhecer como agentes da mídia, do campo político e do educacional viram a
relação TV e ensino, a teleducação e o Telecurso, bem como se interagiram ou não em
atividades relacionadas ou se tentaram influir no desenrolar delas. Os dados coligidos da
imprensa impressa foram cruciais para subsidiar a investigação sobre a relação de cada uma
das fundações com outros campos, sobremaneira o midiático e político. Todos esses materiais
relativos à imprensa foram interpretados sem perder de vista quais foram os móveis e
interesses das manifestações e participações de cada um dos agentes, visto que estes estão
sendo pensados e analisados não somente como fonte, mas também como objeto.
Os fascículos do Telecurso – História, Física, Biologia, Geografia. Matemática e
Química – adquiridos individualmente em sebos, possibilitou coletar dados empíricos
importantes, notadamente em termos dos profissionais que atuaram no programa.
As biografias e memórias, sobretudo de agentes do campo televisivo, como a do
31
jornalista Roberto Marinho, sempre confrontadas com os demais documentos, serviram
para a compilação de alguns dados empíricos e, notadamente, das impressões que agentes
envolvidos com o Telecurso tinham sobre o programa e sobre a utilização da televisão com
fins educativos. Nesse sentido, o portal Memória Globo foi uma importante ferramenta na
pesquisa de diversos perfis bibliográficos de pessoas que atuaram na emissora, desde
funcionários dos bastidores até artistas. No caso específico da Rede Globo, existem, também,
publicações de funcionários da emissora contando a sua experiência profissional; podemos
32
destacar o livro de Luiz Eduardo Borgerth, Quem e como fizemos a TV Globo, no qual o
autor apresenta diversos agentes envolvidos na constituição da emissora, sobretudo em suas
primeiras décadas.

31
BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
32
BORGERTH, Luiz Eduardo. Quem e como fizemos a TV Globo. São Paulo: Girafa, 2003.
27

A Legislação brasileira sobre a comunicação social, mais especificamente sobre a TV,


como o CBT e os decretos posteriores, tiveram um importante papel, já que a partir dela foi
possível notar o que era permitido, e confrontá-la com informações obtidas em outras fontes,
com a prática efetiva do campo televisivo brasileiro e, em especial, em relação aos programas
educativos.
Sobre a legislação educacional, destaca-se a Lei 5.692 de 1971, responsável não
somente pela reforma do 1º e 2º graus, mas também pela criação do ensino supletivo e a
regulamentação da utilização de meios de comunicação para a educação. Compreender as
mudanças no cenário educacional foi essencial para entender o que significou um programa
de cunho instrucional em uma emissora comercial.
Ainda no intuito de pensar a relação entre os campos midiático e político, foi possível
o acesso ao Diário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no qual encontramos o discurso
da atriz e, então vereadora arenista Daisy Lúcidi, relatado pelo jornal O Globo, enaltecendo a
chegada do Telecurso na cidade. Discurso relevante, pois exemplificou a relação imbricada
entre o campo televisivo e o campo político.
A busca pela compreensão do significado do ensino via televisão nos levou à análise
das fontes audiovisuais. Por isso, as teleaulas veiculadas entre 1978 e 1981 foram parte
integrante do nosso corpus documental. A consulta ocorreu no acervo da TV Cultura.
Todavia, como a reprodução das edições nos foi vetada, tendo em vista que os direitos
autorais do programa pertencem a FRM. Assim, o acesso ao audiovisual, comercializado pela
FPA, se deu, exclusivamente, para um visionamento in loco das edições do programa. Tendo
em vista esse agravante, optamos por escolher uma aula de cada disciplina cobrindo, assim,
toda a produção, o que nos deu um maior leque para comparações.
No trabalho com o audiovisual, o primeiro desafio, a ser superado foi o de utilizar as
imagens para além da simples exemplificação. Como assevera Burke: os historiadores tendem
a tratar as imagens como “meras ilustrações, reproduzindo-as nos livros sem comentário.”
Portanto, cabe ao historiador preocupado em trabalhar com a imagem como fonte e objeto
superar essa prática frequente de utilizar as imagens como simples recursos demonstrativos de
suas conclusões e avançar no sentido de utilizar a imagem como forma de oferecer novas
33
respostas e suscitar novas questões em seu trabalho de pesquisa.
Esse material audiovisual tornou possível uma análise mais concreta e específica das
imagens do Telecurso. Segundo João Freire Filho, “o difícil acesso a este último tipo de fonte

33
BURKE, Peter. Testemunha ocular. Bauru: EDUSC, 2004. p. 12.
28

representa sensível desafio, em particular para os interessados na linguagem e nos padrões


34
estéticos dos primórdios da TV.” A análise do material audiovisual exigiu, além de toda a
metodologia comum a qualquer objeto historiográfico, uma metodologia específica, que
cuidasse em compreender as especificidades técnicas e de linguagem do meio. Freire Filho
observa, ainda, que “a ausência de garantia epistemológica do registro audiovisual é uma
limitação para qualquer análise que procure apreender os estilos e as formas das primícias da
TV.” 35 Por conta disso, buscamos o conhecimento que cerca uma produção televisiva, desde
a função de cada profissional, até a formação dos cenários e planos de câmera. Ou seja, todos
os elementos que não são visíveis no produto final, mas que fazem parte de práticas dos
agentes desse campo. Combinando com a análise fontes textuais que dialogavam com o
audiovisual do Telecurso.
Como bem observou Marc Bloch, não cabe ao historiador encarnar o papel de juiz dos
infernos, que ao longo de seu trabalho distribui sentenças condenando ou absolvendo os
36
heróis da história, e sim, compreender, no sentido menos passivo da palavra. E para
apresentar os resultados da tarefa de compreender o significado do Telecurso 2º Grau na
história da TV brasileira, esta dissertação está estruturada em três capítulos.
O primeiro, intitulado “Experiências educativas sob um modelo televisivo comercial”,
visa à compreensão do entendimento que os agentes do campo midiático, político e
educacional dispunham acerca do papel da televisão como um meio educativo. Partindo da
discussão sobre os modelos televisivos – comercial e o público – instalados na Europa,
Estados Unidos e Brasil, buscamos compreender quais as características de cada modelo de
televisão, para a partir desse quadro pensarmos a programação educativa e conhecer como foi
concretizada as ações e experiências em programas de teleducação. Para tal objetivo, coube
ainda historiar a legislação educacional, pensando a aprovação da Lei 5.692/71 que criou o
ensino supletivo e, possibilitou a criação de cursos dessa modalidade com a utilização de
meios de comunicação. Expediente que abriu as portas para iniciativas como o Telecurso.
Apontaremos como diversas iniciativas em teleducação desenvolvidas ao longo do regime
militar no Brasil não tiveram alcance e eficiência para se consolidarem como programas
paradigmáticos.
No segundo capítulo, denominado “Telecurso: um programa da TV comercial sob
medida ao regime ditatorial”, verticalizamos a discussão acerca da criação, planejamento e

34
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129.
35
FREIRE FILHO, João. op. cit., p. 129.
36
BLOCH, March. Apologia da História – ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 125 – 128.
29

desenvolvimento do Telecurso 2ºGrau, analisando desde a parceria entre a FRM e a FPA para
a consecução do Telecurso até as estratégias utilizadas, sobretudo pela FRM, para assegurar
um espaço cativo na teleducação nacional. Discutiremos, ainda, todos os impactos gerados
pela criação do Telecurso, bem como a repercussão de uma empresa privada de comunicação
social colocar-se a disposição em prol da educação. Buscou-se compreender de que modo a
Globo e Roberto Marinho se posicionaram na condição de prestadores de serviço, pensando a
relação com os outros agentes, tanto do campo político quanto do educacional, envolvidos de
algum modo com o Telecurso. Mostrando como o projeto, apesar de ser produzido por uma
emissora comercial, respondeu a uma expectativa e a uma demanda do governo militar,
explicitada tanto em ações e declarações de setores do governo quanto na regulamentação do
setor educacional e da comunicação social .
No terceiro, e último capítulo, “Da sala de aula para a sala de casa: o Telecurso como
experiência audiovisual” nossa missão foi adentrar o universo das edições do Telecurso. A
partir do conhecimento dos agentes diretamente envolvidos com a produção das teleaulas e
por meio da análise desse conteúdo buscamos a compreensão do significado da veiculação de
um programa daquela magnitude, no final da década de 1970, pela principal emissora da
cadeia televisiva brasileira. E partindo dessa análise, estabelecer comparações com programas
concorrentes e perceber os elementos de produção que fizeram do Telecurso o paradigma de
teleducação para o modelo televisivo brasileiro, e que colaboraram na consolidação e
legitimação da imagem do concessionário Roberto Marinho e da Rede Globo no Brasil do
início dos anos 1980.
30

1º CAPÍTULO

EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS SOB UM MODELO TELEVISIVO


COMERCIAL
31

1 EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS SOB UM MODELO TELEVISIVO COMERCIAL

1.1 O modelo televisivo brasileiro: regulamentação e agentes

Falar em modelos televisivos pode soar estranho para aquelas pessoas que nasceram,
cresceram e envelheceram diante da telinha. Afinal, a TV tem sido tomada pela maioria dos
telespectadores como algo dado, posto, naturalizado. Uma característica que contribuiu para
tal naturalização foi o ato das empresas comerciais, que compõe majoritariamente a TV aberta
brasileira, silenciar sobre qualquer informação concernente à sua existência legal perante o
Estado brasileiro. As emissoras não costumam falar em concessões, em outorga, em nada que
possa desfazer a ideia de que a TV é um dado natural da vida cotidiana. As pessoas comuns
geralmente acreditam que a Globo é o canal do plim-plim, que o SBT é o canal do Silvio
Santos (não como proprietário), que a Bandeirantes é o canal dos esportes, e assim não
conseguem dimensionar que a televisão brasileira é um bem público, tem uma legislação que
a regulamenta e, o mais importante, que o espaço eletromagnético por onde as ondas trafegam
para chegar até os lares é um espaço público – como as praças e as rodovias. A cabeça do
telespectador é tomada de forma exclusiva pelas imagens veiculadas. E, assim, a televisão
vira algo cotidiano, rotineiro, que acompanha as pessoas durante as refeições, nos afazeres
domésticos, na reunião com a família e até na hora de dormir. Afinal, quem resiste aos feixes
de luz emitidos pelo aparelho televisor após um longo dia de trabalho? Não estamos, contudo,
concluindo que a experiência televisiva per se não resulta em algum tipo de aprendizado. Pelo
contrário. Concordamos quando se afirma que a “presença da TV na vida cotidiana tem
importantes repercussões nas práticas escolares, na medida em que crianças, jovens e adultos
de todas as camadas sociais aprendem modos de ser e estar no mundo também nesse espaço
37
da cultura”. Porém, esta é uma experiência restrita às imagens veiculadas, ou seja, a partir
do momento que a TV não trata de sua situação legal ao telespectador, esse fica
impossibilitado de conhecê-la por completo, de compreender o seu modelo e, assim, pensar
em maneiras sociais que possibilitem a sua participação ativa em processos de
acompanhamento social do meio.
Para o entendimento da estrutura e dinâmica do modelo televisivo brasileiro, é
necessário conhecermos, de maneira retrospectiva e comparativa, os sistemas de TV
instituídos tanto na Europa quanto nos EUA, para que, de tal forma, consigamos apreender
práticas próprias e reiteradas da organização e desenvolvimento do campo televisivo no
37
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
p. 18.
32

mundo ocidental. E, assim, possamos perceber quais visões e ações gerais sobre o meio foram
apropriadas ou adequadas quando da sua constituição no Brasil.
Os modelos televisivos, norte-americano e europeu, foram marcados por diferenças
significativas nas primeiras décadas de suas existências. Nos Estados Unidos o modelo foi
constituído baseado nas redes de televisão comerciais, ou seja, ainda que frutos de concessões
públicas, elas eram exploradas pela iniciativa privada, uma influência direta do sistema
radiofônico no país. A partir de 1939 a National Broadcasting Company (NBC), subsidiária
da RCA-Victor foi a primeira televisão comercial do mundo a realizar transmissões regulares.
Entre as principais características do modelo estadunidense destaca-se a grande influência dos
setores econômicos que pagam pelas emissões de propaganda, prática que obriga o meio a
dispor de um público consumidor para que os anunciantes se sintam motivados a investir
recursos financeiros no meio. Em outras palavras, podemos dizer que as redes comerciais
norte-americanas têm por objetivo, em grande medida, oferecer uma programação que alcance
o grande público, ou seja, uma ampla audiência. Tal programação está alicerçada no
entretenimento e na informação, com pouco espaço para a educação e a cultura. Para o
historiador francês Jean Noel Jeanneney: “a televisão comercial americana não tem
praticamente nenhum papel cultural e, contrariamente ao que acontece na Europa, está
afastada dos meios universitários e intelectuais.” 38
O principal fator de distinção no modelo televisivo europeu, em relação ao norte-
americano, foi o pioneirismo das redes públicas de televisão. Enquanto nos Estados Unidos a
TV surgiu com a preocupação de divertir o grande público, para com isso angariar mais
patrocinadores, na Europa o financiamento das estações de TV, na maioria dos casos, não
dependia de anunciantes, já que a emissão televisiva era, antes de tudo, tomada efetivamente
como serviço público. Dessa forma, em países como Alemanha, Espanha, França e Itália as
TVs públicas foram financiadas com dinheiro do contribuinte, por meio de uma taxa cobrada
39
de cada residência onde havia um aparelho televisor. A consequência imediata dessa
característica foi um equilíbrio um pouco maior entre informação, educação e entretenimento
– elementos que Asa Briggs e Peter Burke denominaram como quase uma tríade sagrada para
40
os meios de comunicação social. Com autonomia financeira e tempo para experimentar
diversos formatos e programas, as redes públicas conquistaram uma ampla camada da

38
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.
39
Para termos uma ideia do que representa essa taxa em termos monetários, em 2009, na Alemanha, ela era de €
18,12 mensais. In: VALENTE, Jonas. Sistema público de comunicação da Alemanha. In: AZEVEDO, Flávia et
al. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo:
Paulus; Intervozes, 2009. p. 61.
40
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. op. cit. p.193.
33

audiência na Europa. Somente ao longo da década de 1980 é que há uma paulatina mudança
no panorama televisivo europeu, fruto das pressões dos setores empresariais, que gostariam de
ter o meio como divulgador de seus produtos. Tal situação é favorecida, pois o setor público
passaria a receber a concorrência de redes privadas, além de se abrirem à publicidade, porém
com regras rígidas. Ainda assim, Jeanneney afirma que “nos Estados Unidos a idéia de uma
emissão do tipo da francesa Apostrophes, destinada a promover os livros e a leitura, é
inconcebível.” 41
Uma exceção significativa à regra do modelo exclusivamente público europeu foi a
Grã-Bretanha. Não que os ingleses tenham constituído um sistema semelhante ao norte-
americano, muito pelo contrário. O modelo televisivo britânico era distinto tanto dos outros
países europeus quanto dos Estados Unidos. Ou seja, não era um monopólio público, e
tampouco um monopólio comercial. Ocorreu na Grã-Bretanha, desde a década de 1950, a
divisão entre os esses dois setores, resultando em um modelo que alguns estudiosos apontam
42
como “a melhor TV do mundo”. Jeanneney também é partidário da ideia de que a Grã-
Bretanha foi o país que maior sucesso teve em assegurar um equilíbrio eficaz entre os setores,
43
resultado da combinação entre pragmatismo e imaginação. E nos traz um dado que
confirma esse equilíbrio: do ponto de vista da audiência, o setor público, formado por British
Broadcasting Company (BBC) 1 e 2 contava com 40% e 10% em 1980, respectivamente. E a
única cadeia comercial, a ITV, detinha 50% da audiência. 44
Apesar da Grã-Bretanha se constituir como uma exceção ao sistema de monopólio
público instalado em parte do continente europeu, curiosamente, foi em seu território que
nasceu a emissora que se transformaria em paradigma mundial de televisão pública. A BBC
de Londres iniciou suas transmissões regulares no ano de 1936. Esse status de emissora
modelo não foi conquistado por acaso, e algumas características gerais explicam a qualidade
da TV pública britânica. A excelência técnica, a facilidade de produção e a aquisição de bons
aparelhos, juntamente com a qualidade da equipe responsável pela operação dessas máquinas
– a BBC pode contar com um seleto grupo de operadores de câmera e de som. Assim, a
preocupação com a qualidade sonora esteve na ordem do dia, aspecto que durante muito
tempo não figurou nas outras televisões europeias, voltadas exclusivamente para a imagem,
singularidade que era a grande novidade do meio. Um último aspecto importante foi a

41
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244.
42
Cf. LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A melhor TV do mundo: o modelo britânico de televisão. São Paulo:
Summus, 1997.
43
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 247.
44
Ibid., p. 248.
34

proximidade de setores do mundo cultural britânico, que sempre se mantiveram muito


45
próximo da televisão. A soma desses aspectos, sem dúvida, contribuiu para a qualidade do
produto final.
O nascimento da televisão no Brasil, em 1950 com a TV Tupi, gerou muitas
expectativas, tanto por parte dos envolvidos diretamente com a emissora, quanto por outros
setores sociais curiosos sobre a nova tecnologia. Todavia, não se deve esquecer que o meio
surgiu no país sem uma legislação que o regulamentasse, situação comum à Ciência do
Direito, de modo geral, os avanços sociais vão sendo incorporados paulatinamente à norma
jurídica.
O mesmo aconteceu com o rádio. Apesar de sua primeira transmissão ter sido
realizada em 1922, o setor só começou a ser regulamentado uma década depois, por meio de
dois decretos, o primeiro de nº 20.047, de 1931, e o de nº 21.111, de 1932, ambos
promulgados pelo então presidente Getúlio Vargas. 46
O segundo decreto reconheceu e regulamentou a veiculação de publicidade nas
emissoras de rádio, o que ampliou a exploração comercial do meio em relação às iniciativas
pioneiras de rádio-clube que dependiam sempre da contribuição periódica dos seus sócios
47
para se manterem no ar. Assim, a exploração comercial passou a ser a regra do meio
radiofônico no país, prática que foi estendida à televisão. Apesar do restrito público alcançado
pela TV Tupi em 1950, a inauguração da emissora estava cercada de anunciantes e
patrocinadores, marcas como as da prata Wolff, lãs Sams do Moinho Santista, Guaraná
Champagne Antarctica e Sul-América foram, inclusive, citadas no primeiro discurso de Assis
Chateaubriand veiculado por sua emissora. 48
As primeiras medidas legais, por parte do Estado, que visavam a um mínimo de
regulação, foram sentidas de forma mais acentuada somente no início da década de 1960.
Uma dessas medidas foi a criação, durante o governo Jânio Quadros, do Conselho Nacional
49
de Telecomunicações (CONTEL) pelo Decreto 50.666, de 30 de maio de 1961. O Conselho
era formado pelo: diretor do Departamento de Correios e Telégrafos; três membros indicados
pelos ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica; um membro indicado pelo chefe do

45
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 246-7.
46
PIERANTI, Octavio Penna. Políticas para a mídia: dos militares ao governo Lula. In: Lua Nova, São Paulo,
68: 2006. p. 96.
47
SANTOS, Moacir José dos. A construção da política brasileira de Telecomunicações (1961 -1967).
Dissertação de Mestrado. Assis: UNESP, 2010. p. 39.
48
BARBOSA, Marialva Carlos. Imaginação televisual e os primórdios da TV no Brasil. In: RIBEIRO, Ana
Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto,
2010. p. 18-19.
49
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 31.
35

Estado-Maior das Forças Armadas; quatro membros indicados pelos ministros da Justiça e
Negócios Interiores, da Educação e Cultura, das Relações Exteriores e da Indústria a
Comércio; três representantes dos três maiores partidos políticos, segundo a respectiva
representação na Câmara dos Deputados no início da legislatura, indicados pela direção
nacional de cada agremiação; e o diretor da empresa pública que tinha a seu cargo a
exploração do Sistema Nacional de Telecomunicações. 50
Estavam entre as atribuições do CONTEL: elaborar o Plano Nacional de
Telecomunicações; adotar medidas que garantissem a continuidade dos serviços de
radiodifusão em caso de cassação ou não-renovação de concessões, autorizações ou
permissões; coordenar o desenvolvimento dos serviços públicos de comunicação; fiscalizar o
cumprimento de obrigações de concessionários e aplicação das devidas sanções havendo
necessidade; estabelecer normas técnicas visando à eficiência dos serviços nacionais de
telecomunicação; e por fim, fiscalizar o cumprimento das finalidades e obrigações de
programação por parte das emissoras de radiodifusão. 51
Apesar da criação do CONTEL, somente no ano seguinte seria criado um marco
regulatório definitivo para televisão. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT)
regulamentou não somente os serviços de radiodifusão (rádio e TV) como também os de
comunicação ponto a ponto (telefonia). A criação do CBT foi cercada de interesses e
pressões, por parte do Poder Executivo, dos empresários do setor e dos militares. Ao final a
batalha foi vencida por militares e empresários, que graças à pressão exercida junto ao
Congresso Nacional conseguiram derrubar, em uma só noite, 52 vetos do então presidente
João Goulart. “Os vetos derrubados referiam-se exatamente aos artigos que restringiam as
prerrogativas do Executivo no que diz respeito a fiscalização e a punição das emissoras.”
Gerando, consequentemente, “a total ausência de mecanismos capazes de coibir os eventuais
52
abusos no crescimento verticalizado da área” e na formação de monopólios.
A história do marco regulatório para as comunicações nasceu, ainda na década de
1940, já sob forte influência empresarial. Foram os radiodifusores brasileiros que, a partir de
1947, deram início à tramitação no Congresso Nacional de um projeto de Código Nacional de
Radiodifusão capaz de ordenar juridicamente o sistema de estações de rádio. Os empresários
50
SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. Elementos histórico-regulatórios da televisão brasileira. In:
BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e
hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. p. 40
51
RAMOS, Murilo César. Crítica do ambiente político-regulatório da comunicação social eletrônica brasileira:
fragmentação política e dispersão regulamentar. In: ROMÃO, José Eduardo Elias et. al. (orgs.). Classificação
indicativa no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça, 2006. p. 54.
52
PALHA, Cássia R. Louro. A Rede Globo e o seu Repórter: imagens políticas de Teodorico a Cardoso. Tese de
Doutorado. Niterói: UFF, 2008. p. 39-40.
36

buscavam a aprovação de um Código todo assentado sobre bases de exploração comercial.


Uma iniciativa corporativa, junto ao Poder Legislativo, que se desdobrou até 1957, quando
53
seu escopo foi estendido para os demais serviços de comunicações.
Os empresários da comunicação com o intuito de garantir a aprovação de um Código
que estivesse em sintonia com seus interesses, se reuniram e fundaram, em 27 de setembro de
1962, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT). Liderados por
João Calmon, do conglomerado Diários Associados, defenderam a exploração estritamente
comercial dos meios de radiodifusão e foram contra qualquer forma de regulação por parte do
Estado. Desse modo, nasceu a lei 4.711 de 27 de agosto de 1962.
Posteriormente à aprovação do CBT, o Decreto 52.795, de 31 de outubro de 1963,
fixou com mais clareza os objetivos do rádio e da televisão. De acordo com o artigo 3º,
mesmo em seus aspectos de entretenimento e informação, os serviços de radiodifusão eram
considerados de interesse nacional, ficando a exploração comercial autorizada na medida em
que não interferisse neste objetivo. 54
Os militares mantiveram uma estreita relação com os avanços das telecomunicações
55
antes mesmo do golpe civil-militar de 1964, sobretudo pelo seu aspecto de segurança
nacional. Desde os tempos iniciais do rádio no Brasil as Forças Armadas foram parte
importante durante o processo de conhecimento e avanço da tecnologia no país, vide a criação
da Comissão Técnica de Rádio (CTR) em 1931. O que colaborou na aquisição de um
instrumental técnico sobre os meios de comunicação. Em 1959, quando a Lei 3.654 criou as
Armas de Comunicações e Engenharia do Exército, as escolas militares de comunicações já
56
eram redutos de especialistas na área. O que acabou por legitimar a sua participação ativa
dos quadros militares nas discussões e na elaboração do CBT. Participação que deve ser vista
não somente como fruto do controle do saber técnico ou da tradicional atuação em órgãos
especializados, como a CTR, mas, como resultado da “construção e difusão da Doutrina de
57
Segurança Nacional que se tornou hegemônica dentro das Forças Armadas.”
58
Os militares, com base na Doutrina de Segurança Nacional, fomentada pela Escola
Superior de Guerra (ESG), viam o setor de telecomunicações como um elemento de

53
RAMOS, Murilo César. op. cit. p. 54.
54
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo. Porto Alegre: L.P.M., 1982. p. 150.
55
Sobre a denominação “golpe civil-militar” Cf. FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura
militar. In: Revista Brasileira de História. São Paulo. v. 24, nº 47, 2004. p. 29–60.
56
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit. p. 100.
57
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 48.
58
Segundo Nilson Borges, “Criada na época da guerra fria, nascida do antagonismo leste-oeste, a Doutrina de
Segurança Nacional fornece intrinsecamente a estrutura necessária à instalação e à manutenção de um Estado
forte ou de uma determinada ordem social. [...] Objetivamente, a Doutrina de Segurança Nacional é a
37

integração nacional e, por isso, investiram de forma estratégica em seu desenvolvimento, o


que consolidou, notadamente, o avanço da televisão no campo da comunicação social. Criada
em 1949, a ESG formou quadros civis e militares aptos a contribuírem contras as forças
consideras subversivas. Os responsáveis por essa formação foram treinados em colégios
militares dos Estados Unidos e participaram da Força Expedicionária Brasileira na Itália
durante a Segunda Guerra Mundial. 59
Porém, antes dos governos militares o Estado já agia sobre o meio. Nas décadas de
1950 e 1960, “o poder público contribuiu para o crescimento da televisão mediante
60
empréstimos concedidos por bancos públicos a emissoras privadas”. E o caráter de
segurança nacional do setor telecomunicações foi reconhecido pela Lei 2.587, ainda em 1955.
61
A essa época a responsabilidade sobre o setor era do ministério de Viação e Obras Públicas.
Não obstante, foi a partir do regime militar desencadeado pelo golpe civil-militar, em março
de 1964, que a preocupação do governo federal nos assuntos televisivos aumentou tanto
quantitativa quanto qualitativamente. Além do investimento pesado na infra-estrutura
necessária para a ampliação das emissões televisivas, os militares “aumentaram seu poder de
ingerência na programação por meio de novas regulamentações, forte censura e políticas
culturais normativas”. 62
O principal desses dispositivos criados durante o regime militar foi o Decreto-Lei 236
de 1967, o qual modificou o CBT. Podemos citar como exemplo a redação do então acrescido
artigo 53, estabelecendo “passíveis de punição empresas que supostamente investissem contra
alicerces do novo regime.” 63
Foi também durante os governos militares que houve a criação do Ministério das
Comunicações. Salvo o ministro Carlos Furtado Simas, que permaneceu no cargo entre 1967
e 1969, todos os demais que assumiram o cargo até o término do regime. Higino Corsetti,
Euclides Quandt de Oliveira e Haroldo de Matos eram oficiais militares, fato que evidencia a
importância do setor para a segurança nacional. 64

manifestação de uma ideologia que repousa sobre uma concepção de guerra permanente e total entre o
comunismo e os países ocidentais.” In: BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos
militares. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo
da ditadura. Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. p. 24.
59
SANTOS, Moacir José dos. op. cit., p. 47.
60
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 454.
61
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit. p. 96.
62
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 454.
63
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit., p. 97.
64
PIERANTI, Octavio Penna. op. cit., p. 99.
38

O regime militar dotou o país de um sofisticado sistema nacional de telecomunicações,


cujo ponto de partida foi a criação, em 1965, da Empresa Brasileira de Telecomunicações
(Embratel), e, em 1972, da holding Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebrás). 65
Observa-se que a atividade de radiodifusão no Brasil originalmente pública – com o
rádio – foi encampada com base em um modelo majoritariamente liberal, executado pela
iniciativa privada. 66 Pensada em uma perspectiva comercial e de potencial alcance nacional, a
exploração dos serviços de televisão em pouco tempo fez parte do interesse dos empresários
ligados à comunicação. Com pouco espaço para a regulação do setor, devido à fragmentação e
à dispersão das medidas legais, ocorreu a “concentração de poder político, econômico e
cultural em instituições de mercado, em detrimento do poder normativo, político,
67
regulamentar e regulatório, do Estado.” Foi sob este arcabouço legal que o modelo
televisivo brasileiro começou a nascer.
A partir de 18 de setembro de 1950, pelo canal 3 de São Paulo, a TV Tupi foi
responsável por realizar as primeiras experiências na televisão brasileira. Sua programação
recebeu forte influência do rádio, que além de fornecer os formatos dos programas, levou à
telinha os rostos desconhecidos de vozes tão famosas. A partir do dia 20 de janeiro de 1951, a
cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, também ganhou uma central da emissora que
era sintonizada no canal 6. Contemplando as duas principais cidades do país, coube à
emissora de Chateaubriand criar programas atrativos que incentivassem à aquisição de
aparelhos televisores pelo público brasileiro.
Assim, a TV foi ganhando espaço entre os concorrentes (imprensa impressa e rádio), e
já a partir de 1951 começou a ser fabricado no Brasil televisores da marca Invictus, causando
um crescimento vertiginoso na venda do produto. O aumento na comercialização dos
aparelhos também significava a ampliação do número de consumidores a serem alcançados
pelos anúncios publicitários televisivos. Enquanto a aquisição das unidades pela população
crescia em ritmo de progressão aritmética, o número de pessoas atingidas pelas mensagens
crescia em progressão geométrica, tendo em vista que nos primórdios da televisão no Brasil o
hábito de compartilhar o televisor era comum em razão do seu elevado custo. Na maioria das
vezes, o aparelho era exposto em espaços coletivos de grande circulação de pessoas, como
bares e praças públicas.

65
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 55.
66
SIMÕES, Cassiano Ferreira; MATTOS, Fernando. op. cit. p. 38-39.
67
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 50.
39

Essa potencialidade da TV como meio de divulgação de marcas e serviços gerou uma


forma particular de produção dos programas, sendo estes realizados diretamente pelas
agências de publicidade. Tal prática pode ser verificada em larga escala nos primeiros
programas da TV Tupi, que levavam o nome do patrocinador em seus títulos. Entre eles, o
Repórter Esso (1952) e os Espetáculos Tonelux (1952). 68
Coube à TV Tupi, como pioneira no Brasil, realizar as primeiras experiências nos
diversos gêneros televisivos. O teleteatro, por exemplo, teve um amplo espaço na
programação da emissora. Em agosto de 1952, foi criado por Cassiano Gabus Mendes o TV
de Vanguarda. No ar até 1967, e sob a direção de Walter Durst, o programa buscava criar
uma linguagem televisual que tentasse adaptar na telinha uma estética cinematográfica.
Ainda no gênero ficcional, Sua Vida Me Pertence foi a primeira telenovela produzida
pela TV Tupi, escrita por Walter Foster a trama foi ao ar em 1951 e era transmitida duas vezes
por semana. Mais de uma década depois, em 1964, a emissora levou ao ar uma das tramas de
maior sucesso no período O Direito de Nascer – ainda dentro da fase de adaptação de
telenovelas produzidas por autores latino-americanos, geralmente de origem cubana ou
venezuelana. Entretanto foi o lançamento de Beto Rockfeller, telenovela de Bráulio Pedroso,
que, exibida durante quase um ano a partir do final de 1968, introduziu definitivamente uma
69
mudança na fórmula, até então, dominante na produção ficcional televisiva. Essa telenovela
trouxe para o vídeo diálogos rápidos, linguagem coloquial e a reprodução de fatos cotidianos,
o que marcou uma distinção em relação à prática de produção do gênero, calcada em
melodramas com tramas mirabolantes ambientados em épocas remotas. A partir de Beto
Rockfeller as telenovelas passaram a se basear cada vez mais em textos nacionais com
referência à realidade brasileira. 70
O primeiro telejornal da TV Tupi, Imagens do Dia, foi ao ar ainda em 1950. Mas foi
com Repórter Esso, a partir de abril de 1952, que a emissora cedeu um espaço para o
jornalismo televisivo. O Repórter Esso permaneceu no ar até 31 de dezembro de 1970. No
que concerne a cobertura esportiva o canal foi responsável, em dezembro de 1955, por

68
RIXA, Ricardo Xavier. Almanaque da TV – 50 anos de memória e informação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
p. 230.
69
KORNIS, Mônica Almeida. Ficção televisiva e identidade nacional: o caso da Rede Globo. In: CAPELATO,
Maria Helena et. al. História e Cinema. São Paulo: Alameda, 2007. p. 100.
70
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. A renovação estética da TV. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goulart; SACRAMENTO, Igor; ROXO, Marco. História da televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p.
124.
40

inaugurar o sistema de transmissão direta veiculando a partida de futebol entre Santos e


Palmeiras, realizada na Baixada Santista. 71
A TV Paulista foi a primeira emissora que tentou fazer frente ao pioneirismo da Tupi.
A partir de 14 de março de 1952, os telespectadores de São Paulo puderam sintonizar o canal
5, em busca de mais programas. Não que eles fossem muito distintos, já que um dos maiores
sucessos da emissora era o teleteatro com Cacilda Becker, gênero que também fez sucesso na
TV Tupi. Mas, para além da telinha, era nos bastidores do incipiente campo televisivo que as
coisas aconteciam para a TV Paulista. Em 1955, o grupo do Deputado Ortiz Monteiro vendeu
o canal às Organizações Victor Costa. A partir daí, houve uma renovação nos quadros
técnicos da emissora, que passou a contar com Dermival Costa Lima, como diretor-geral,
Cláudio Petraglia, como supervisor, e Alvaro Moya, na direção do núcleo da dramaturgia.
Nesse novo momento da emissora paulista, destacaram-se duas atrações: o programa de
humor Praça da Alegria, no ar desde 1957, sob a apresentação do Manoel de Nóbrega; e
Silvio Santos, que, após colaborar em diversas áreas na emissora durante os anos de 1950, foi
contemplado no ano de 1963 com sua própria atração, o Programa Sílvio Santos. Apesar
dessas modificações ocorridas e dos realces em alguns programas, as tentativas da TV
Paulista de disputar com suas concorrentes a audiência televisiva terminou em novembro de
1964, ao menos sob a direção das Organizações Victor Costa, que vendeu a emissora ao
empresário Roberto Marinho. Este a adequou para a inauguração de sua TV Globo no ano
seguinte. 72
A TV Record, canal 7 de São Paulo, foi a terceira emissora a figurar no campo
televisivo brasileiro. A concessão foi dada, ainda no ano de 1950, a Paulo Machado de
Carvalho – empresário ligado às comunicações, proprietário da Rádio Pan-Americana, que em
1948 integrou à rede Emissoras Unidas com as rádios Record, São Paulo, Bandeirantes e
Excelsior. Porém, somente a partir de 27 de setembro de 1953 a emissora começou a
transmitir seus programas. 73
Para angariar um espaço entre as duas emissoras concorrentes, Tupi e Paulista, a
Record levou ao ar programas como: Grandes Espetáculos União (1953), show apresentado
por Blota Júnior e Sandra Amaral; Capitão 7 (1954), primeiro seriado de aventuras da TV

71
MATTOS, Sérgio. op. cit. p. 66.
72
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 231.
73
.Ibid., p. 232-257.
41

brasileira; Grande Ginkana Kibon (1955), onde Vicente Leporace apresentava calouros
mirins. 74
Com a chegada dos anos de 1960, a TV de Paulo Machado de Carvalho, ganhou novo
impulso, passando a investir na produção e transmissão de festivais de música brasileira,
sobretudo a partir da segunda metade da década. “Os musicais foram o ponto forte do canal,
que teve importância fundamental na popularização da bossa nova, do iê-iê-iê nacional, do
tropicalismo, do som da pilantragem e da música de protesto”. 75 Na TV Record, antes mesmo
dos festivais, realizados somente a partir de 1966, a programação musical já tinha espaço,
com os programas O Fino da Bossa e Jovem Guarda. O primeiro, no ar a partir de maio de
1965 todas às quartas-feiras, no horário nobre, era apresentado por Elis Regina e Jair
Rodrigues. O programa “galvanizou o público estudantil em torno da TV – preocupado com a
recuperação do ‘samba autêntico’ e com a adequação da tradição da bossa nova às novas
demandas políticas do pós-1964.” O que contrastava com a característica do Jovem Guarda,
liderado por Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos e que, exibido partir de setembro de
1965, passou a animar as tardes de domingo de boa parcela da juventude, sobretudo de “classe
média baixa, que pareciam escapar do alcance estético-ideológico da MPB, mais voltada para
o público universitário.” 76
Na década de 1960, em grande medida graças aos festivais, a TV Record ficou em pé
de igualdade na disputa pela audiência com as outras emissoras, esse excelente período teve
como ápice a inauguração de seu novo teatro no ano de 1969. Contudo, a boa fase não
conseguiu ser mantida na década seguinte e, após uma sucessão de incêndios que destruíram
seus auditórios, equipamentos e instalações, sua programação passou a se resumir
77
basicamente aos esportes, jornalismo e principalmente filmes oriundos dos Estados Unidos.
No dia 17 de julho de 1955, João Batista do Amaral inaugurou a TV Rio, canal 13. A
TV, que ganhou o apelido de A Carioquinha, em seus anos iniciais. Contou com a presença
de Walter Clark, figura importante na consolidação da TV Globo na década de 1970, onde
começou a colocar em prática suas ideias oriundas da área de publicidade para o novo meio.
O casting era formado por artistas oriundos da Rádio Mayrink Veiga. Apresentou ao seu
público, além do Teatro Moinho de Ouro, o programa TV Rio Ring, que nocauteava as
emissoras concorrentes aos domingos. Completando a grade de programação da emissora,

74
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 232.
75
Ibid., p. 232.
76
NAPOLITANO, Marcos. op. cit., 2010, p. 91-94.
77
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 231-233.
42

destacavam-se Flávio Cavalcanti apresentando o Noite de Gala, em 1957. E Léo Batista e


Heron Domingues a frente do Telejornal Pirelli. 78
No que tange a audiência, o auge da TV Rio ocorreu no ano de 1962. Quando a
emissora contou com uma faixa de programas semanais que agradaram muito o público.
Passada essa fase a emissora entrou em um lento processo de declínio. O primeiro motivo foi
a perda, em 1963, de grande parte de seu elenco para a recém chegada TV Excelsior. Fato que
obrigou a TV Rio a se utilizar de sua parceria com a TV Record, via a cadeia de Emissoras
Unidas, a qual a emissora estava integrada desde 1959, para iniciar a veiculação de
telenovelas, a partir de 1964. Porém, essa situação não seria sustentável por muito tempo. E a
inauguração da TV Globo em 1965, que retirou Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira
Sobrinho, o Boni da equipe de produção, somados à parca estrutura da TV Record para a
colaboração na produção audiovisual, acabaram levando João Batista do Amaral a vender a
emissora em 1968. Com isso, a TV Rio entrou na década de 1970 em uma situação crítica.
Vivenciou uma alteração constante de proprietários, mudou diversas vezes de prédio, e a
programação passou a se constituir basicamente de filmes antigos, o que resultou,
inevitavelmente, em queda de audiência. Em 1975, a emissora chegou a ter parte de seus
equipamentos confiscados pela RCA por falta de pagamento, as dívidas já se estendiam para a
folha salarial dos funcionários. Com situação financeira insustentável, a TV Rio viu sua
concessão cassada pelo presidente Geisel e os seus transmissores lacrados, definitivamente,
em 11 de abril de 1977. 79
No dia 30 de junho de 1959 surgia a TV Continental, canal 9 do Rio de Janeiro, de
propriedade do deputado Rubens Berardo. Na programação destaque para a cobertura
esportiva, os espetáculos musicais e a teledramaturgia, sobretudo o teleteatro. A emissora que
começou a década de 1960 com uma fatia da audiência não conseguiu mantê-la ao longo da
década. Sem muitas opções abriu espaços aos programas educativos, sob o comando do
professor Gilson Amado, porém, não era o suficiente para a sua sobrevivência. E o deputado
Rubens Berardo que já não era muito bem visto pelo governo militar, pelo seu vínculo antigo
com o PTB, e posteriormente, pelo seu ingresso no MDB – pelo qual ocupou o cargo de vice-
governador da Guanabara –, viu sua concessão ser cassada e a sua emissora sair do ar em
fevereiro de 1972. 80

78
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 233-235.
79
Ibid., p. 233-235.
80
Ibid., p. 236-238.
43

Em 9 de julho de 1960 foi ao ar a primeira emissão da TV Excelsior, canal 9 de São


Paulo. A emissora, de propriedade da família Simonsen, foi responsável, pela inserção de
novas práticas no campo televisivo que foram paulatinamente sendo incorporado pelos
agentes concorrentes no campo. Entre principal delas, estava o gerenciamento da emissora
como uma empresa, nesse sentido buscou-se a contratação de pessoas com um perfil mais
profissional, sobretudo das áreas de publicidade para alavancar a produção televisiva. Outro
exemplo importante foi a organização da programação, que passou a ter uma ordem vertical,
com os programas apresentados sempre na mesma sequencia e horizontal, o que deixou o
público mais a vontade sabendo o dia exato de cada programa. A TV Excelsior foi pioneira na
produção da primeira telenovela com capítulos diários 2-5499 Ocupado (1963), estrelando
Glória Menezes e Tarcísio Meira. E da criação do primeiro festival de MPB (1965). Tanto
uma fórmula quanto a outra foram seguidas pelas emissoras concorrentes em anos
posteriores.81
Apesar do sucesso entre a audiência, a TV Excelsior, não resistiria muito tempo no
campo televisivo brasileiro. Não por questões técnicas ou estéticas internas ao campo, mas
devido a ação e influência de agentes do campo político. Com a ascensão dos militares ao
poder em 1964, começam a ocorrer uma série de ingerências não só na emissora como nos
negócios de Wallace Simonsen, primeiro, sérias perdas no ramo do café, depois a falência da
Panair, sua empresa de aviação civil, tais acontecimentos acarretaram uma situação
insustentável, que não foi solucionada nem com a venda da emissora. Depois de algum tempo
Wallinho, filho de Wallace Simonsen readquire a TV Excelsior, todavia sem atingir o mesmo
sucesso. A crise tem o desfecho em 30 de setembro de 1970 quando a aparelhagem da
82
emissora foi lacrada, sua concessão cassada e o canal retirado do ar. De todo modo, a TV
Excelsior deixou marcas importantes, características que foram testadas e bem aproveitadas,
sobretudo pela TV Globo que acabava de surgir no campo televisivo brasileiro.
Com o desenvolvimento da TV no Brasil os agentes que foram pioneiros na
experimentação do meio, começaram a perder espaço para uma nova geração. Que investiu
em instrumental técnico, recursos humanos, adotou um modelo empresarial de gestão e ainda
souberam inovar nos aspectos estéticos da televisão. Assim, as emissoras pioneiras, TV Tupi,
Paulista, Record, Rio e Continental passaram a ocupar posições periféricas dentro do campo
televisivo. Algumas, como a TV Paulista e a TV Continental, nem chegaram a sobreviver até
os anos 1970. Outras, como a TV Tupi e a Rio, presenciaram nos anos 1970 sua última

81
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 239.
82
Ibid., p. 240,
44

década de vida. E no caso da Record, sua existência não lembrava nem de perto o auge
atingido nos anos 1960. Com o fechamento da TV Excelsior, a principal modificação no
campo televisivo na década de 1970 ficou por conta da Rede Globo.
Para o telespectador carioca sintonizado no canal 4, TV Globo, que acompanhava o
programa Buzina do Chacrinha, o domingo, 29 de agosto de 1971, era simplesmente mais
uma noite de descanso em frente à telinha. Porém, esse dia ficou marcado por representar o
momento que a TV brasileira escandalizou seus críticos da imprensa impressa – sempre
dispostos a escrever sobre o que denominavam de “baixo nível” da televisão nacional. Em
mais um final de semana de busca incessante por uma boa audiência, tanto o programa de
Chacrinha, quanto o Programa Flávio Cavalcanti, da TV Tupi, resolveram levar ao ar a mãe
de santo dona Cacilda de Assis, que dizia receber o espírito de Seu Sete da Lira, um exu de
umbanda. O Buzina do Chacrinha era transmitido aos sábados direto do auditório da Globo
em São Paulo. E no Rio de Janeiro tinha sua veiculação no domingo. O que possibilitou que a
mãe de santo participasse dos dois programas. O que se viu naquele domingo foi uma plateia
em êxtase assistindo a uma senhora de paletó, calças compridas, capa preta bordada com uma
lira em vermelho e dourado e um charuto à boca distribuindo bênçãos e tomando cachaça em
frente às câmeras. Para o então ministro das Comunicações, Hygino Corseti, as emissoras
utilizaram de sensacionalismo e “baixaria” como estratégia de mercado. 83
No Brasil, embora os investimentos iniciais tivessem advindo, como nos EUA, do
setor privado, para a criação e os primeiros passos do meio no país, o avanço mais
significativo da TV esteve ligado às políticas do regime militar, que como vimos,
possibilitaram a realização de um eficiente sistema de telecomunicação. Todavia, ao contrário
do modelo europeu de emissoras públicas, o investimento estatal no setor de
telecomunicações não privilegiou a constituição de uma ampla e forte TV pública, e sim
colaborou para que a TV Globo, criada em 1965, de propriedade de Roberto Marinho, fosse a
mais beneficiada, direta e indiretamente, pelos investimentos oficiais na infra-estrutura das
telecomunicações.
Obviamente, o sucesso da Rede Globo não se deve exclusivamente a esse fator, mas
sim por uma combinação que foi generosa à empresa de Roberto Marinho. As relações
amistosas com o regime militar, somadas ao incremento do mercado de consumo, propiciado
pelo “milagre econômico” – o que resultou em um aumento na venda de televisores –, além
de equipes de produção e administração preocupadas em imprimir um ritmo empresarial à

83
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. op. cit., p. 117.
45

emissora, combinando marketing e propaganda, e, por fim, um grupo de criadores de esquerda


84
advindos do cinema e do teatro, foram fatores suficientes para colocarem dentro de pouco
tempo a Rede Globo na liderança da audiência, e transformá-la na principal emissora do
campo televisivo brasileiro. E desse modo, episódios como os protagonizados pela mãe de
santo nos programas de Chacrinha e Flávio Cavalcanti se tornariam cada vez mais raros na
telinha da TV brasileira ao longo da década de 1970. Quadro de conteúdo televisivo
sobremodo resultante de uma série de modificações ocorridas com mais ênfase na TV Globo.
Roberto Marinho conseguiu a concessão para a criação de uma emissora de televisão
ainda em 1957, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Porém, somente oito anos depois,
e a partir da cidade do Rio de Janeiro, o empresário iniciaria as emissões regulares com a TV
Globo.
A inauguração em 26 de abril de 1965 mostrou no vídeo um homem de 60 anos,
dizendo que a nova emissora seria mais uma do grupo Globo, e dessa forma herdaria “as
tradições do jornal, seu amor à causa pública, sua permanente luta em defesa da iniciativa
privada, das liberdades públicas e da causa da democracia.” Agindo de modo coerente com
sua visão empresarial, jornalística e política de cunho liberal, Roberto Marinho mostrava
claramente que os militares poderiam continuar contando com a sua colaboração. Ocorreu, a
partir de então, uma relação de troca de gentilezas. O regime ajudou a Globo, com a estrutura
em telecomunicações, e também com o crescimento do país, o que acabou incentivando o
85
consumo e ampliando o mercado publicitário dentro da televisão. Enquanto a TV Globo
passou a produzir a imagem de um Brasil em ordem e progresso.
A partir da chegada de nomes como Walter Clark, José Ulisses Arce e Boni a emissora
passou por diversas inovações, algumas delas já experimentadas, em certa medida, pela
concorrência. Um dos primeiros passos foi a desvinculação da dependência das agências de
publicidade na produção dos programas. A partir de 1966, a TV Globo passou a controlar
integralmente sua produção, conseguindo organizar a programação de modo horizontal e
vertical, o que levou não só o telespectador a saber qual atração passaria naquele dia, como
ofereceu a Globo um imenso poder de negociação do seu espaço comercial, passando a
emissora a negociar pacotes que obrigavam o anunciante a comprar, junto com o horário
nobre, também espaços publicitários menos valorizados, de manhã e à tarde. 86

84
HAMBURGUER, Ester. op. cit. p. 455.
85
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, Pós-1930. (CD-Rom). Rio de Janeiro:
FGV/CPDOC, 2003.
86
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, op. cit.
46

A emissora investiu maciçamente em sua programação, calcada no par


entretenimento/informação. Em 1º de setembro de 1969 foi ao ar o Jornal Nacional –
primeiro telejornal a ser veiculado em rede para várias partes do Brasil. A atração confirmou
uma tendência tecnológica iniciada pelo Jornal da Globo e inspirada no telejornalismo
americano – câmeras portáteis que permitiam maior agilidade e uma nova linguagem, em que
ganhavam espaço o formato, a parte visual e o esmero técnico. 87
O Jornal Nacional se consolidou ao longo dos anos como um “modelo de timing da
88
informação”, no qual impera a fragmentação dos fatos, divididos em espaços de tempo
extremamente curtos, sobremaneira devido ao imperativo da otimização da divisão dos
espaços publicitários, que é o produto mais valioso da emissora. O resultado era uma notícia
expressa que chegava “ao ponto de quase eliminar informações de background que ajudariam
89
o espectador a localizar-se.” Talvez a melhor definição do papel exercido pelo Jornal
Nacional durante os anos de chumbo do regime militar tenha sido formulada, pelo presidente
Médici, em uma fala que fazia referência aos telejornais brasileiros:

Sinto-me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para assistir ao jornal.
Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em
várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento.
É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho. 90

Apesar da importância de um jornal de alcance nacional, sobretudo para os militares,


onde o Brasil aparecia editado e ordeiro, o entretenimento foi o segmento que a Globo mais
investiu. Sendo ele um dos responsáveis pelo “Padrão Globo de Qualidade.” A emissora
passou a “submeter sua produção a um conjunto de convenções formais que garantiu um
91
estilo próprio à sua programação.” Esse padrão, que não tinha um manual básico, esteve
apoiado na manutenção de uma superioridade técnica e econômica em relação aos
concorrentes do campo que permitia a TV Globo a utilização maior do videoteipe, a
diminuição dos programas ao vivo – sempre vulneráveis aos erros – e um maior controle na
produção, por meio da edição dos programas.
Esse padrão, além de ter sido responsável por “uma certa atribuição tácita de
inventariar e consolidar os aspectos constitutivos da nacionalidade nas esferas íntima, privada

87
Ibid.
88
SILVA, Carlos Eduardo Lins. Muito além do Jardim Botânico. Um estudo sobre a audiência do Jornal
Nacional da Globo entre trabalhadores. São Paulo: Summus, 1985. p. 38.
89
Ibid., p. 38.
90
Médici apud SILVA, Carlos Eduardo Lins. op. cit., p. 39.
91
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. op. cit., p. 119.
47

e pública”, 92 – colaborando, a seu modo, para a constituição de uma identidade nacional – foi
fator fundamental no distanciamento entre a TV Globo as outras emissoras em relação à
produção de produtos televisivos, um dos fatores explicativos de sua posição privilegiada no
campo.
Em 1970, com a venda da telenovela Véu de Noiva, a Globo iniciou uma trajetória de
comercialização internacional de seus produtos televisivos. Seus primeiros compradores
foram a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP) e países da América Latina, que adquiriam os
93
programas dublados para o espanhol. Com histórias atrativas, como a enfocada pela
telenovela Gabriela – que foi vendida para a RTP em 1977, e logo para países africanos de
língua portuguesa –, a emissora de Roberto Marinho se firmaria ao longo da década como
bem-sucedida vendedora de seus produtos de teledramaturgia para todo o mundo. A emissora
passou a divulgar, a partir de 1977, sua programação exportável no MIP TV, o Festival de
94
Televisão de Cannes, na França, uma das principais feiras de programas para televisão.
Em 1979, mais um reconhecimento internacional, o Internacional Council of the National
Academy of Televison, Arts and Sciences, dos Estados Unidos concedeu a emissora brasileira
95
o troféu Salute, pela qualidade de sua programação. “As condições de produção reunidas
pela Globo acabaram se tornando condições inalcançáveis para os concorrentes.” 96
Foi dentro desse modelo televisivo, estritamente comercial, ancorado em uma
programação que priorizava entretenimento e informação que os debates sobre a utilização do
meio como ferramenta educativa.

1.3 Debates e ações acerca do papel educativo da televisão

Ao longo dos anos de 1990 e da primeira década do século XXI, pesquisadores que
estudaram a televisão nos seus mais diversos aspectos concordam que independentemente da
veiculação de uma programação estritamente educativa, a TV no Brasil se constituiu como
um importante veículo de formação, tornado-se um lócus privilegiado de aprendizagem. A
professora Rosa Fischer destaca que o meio possibilitou desde o conhecimento de formas de
olhar e tratar o próprio corpo, até modos de estabelecer e de compreender diferenças de

92
BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 229.
93
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO, op. cit.
94
BRITTOS, Valério Cruz. As Organizações Globo e a reordenação das comunicações. In. Revista Brasileira de
Ciências da Comunicação. São Paulo. Vol. XXIII, nº 1, janeiro/junho de 2000. p. 69-70.
95
Portal Memória Globo. Acessado em 09 de fevereiro de 2011.
96
BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita. op. cit., p. 230.
48

97
gênero, de ordem política, econômica, étnica, social e geracional. A televisão ainda
proporcionou a difusão de informações sem distinção de pertencimento social ou região
geográfica. Tornando disponíveis repertórios exclusivos de outras instituições socializadoras
como a escola, a família, a Igreja, o partido político. 98
Entretanto, para além do conhecimento adquirido por meio de uma programação
voltada majoritariamente para o entretenimento e a informação, a preocupação com o uso da
televisão como ferramenta de uma educação formal, ou seja, capaz de contribuir na
complementação educacional de grandes contingentes populacionais desprovidos de
possibilidades de frequentar a escola regular, foi algo que seduziu os agentes ligados à
elaboração de políticas educacionais, sobretudo aqueles que estavam envolvidos diretamente
com a aplicação de recursos do Estado para a educação. O fascínio por parte dos educadores,
políticos e técnicos educacionais com os resultados positivos que a utilização dos meios de
comunicação em prol do ensino pudesse gerar, sobretudo em países mais pobres, tem uma
longa história, a qual antecede o surgimento do meio televisivo. Naturalmente, a televisão, por
unir som e imagem, acabou por potencializar essas utopias acerca do ensinar milhares de
pessoas simultaneamente. Mas, se recuarmos temporalmente, é possível notar que os avanços
tecnológicos dos meios de comunicação sempre impulsionaram o desenvolvimento de
experiências em ensino a distância. 99

Os cursos por correspondência, por exemplo, fizeram parte dos primórdios da


utilização dos meios de comunicação em prol do ensino. O envio de materiais impressos, bem
como de orientações de aprendizagem via serviço postal, ganhou espaço em todo o mundo
100
tornando-se uma nova ferramenta educativa ainda no século XVIII. No Brasil, apesar de
existirem experiências desde o início do século XX, somente no final da década de 1930 o
ensino por correspondência se consolidou. O Instituto Monitor (1939) e o Instituto Universal

97
FISCHER, Rosa Maria Bueno. op. cit., p. 16.
98
HAMBURGUER, Ester. op. cit., p. 242.
99
BELLONI, Maria Luiza. Ensaio sobre a educação a distância no Brasil. In: Educação e Sociedade, ano XXIII,
nº 78, Abril/2002. p. 124.
100
Segundo Inocêncio: “Dados recentes levam-nos a crer que o ensino organizado é produto do século XVIII
(um anúncio publicado a 20 de março de 1728 pela Gazeta de Boston fazia referência um material auto-
didático/educativo para ser enviado aos estudantes e apontava possibilidade para uma tutoria por
correspondência.” p. 27-28 apud ZAMLUTTI, Maria Esmeralda Mimeu. Uma análise do surgimento da
educação a distância no contexto sócio-político brasileiro do final da década de 30 e início da década de 40. Tese
de Doutorado. Campinas: Unicamp, 2006. p. 25. Apesar do autor considerar o anúncio em si como marco para o
ensino por correspondência, sua concepção é mais plausível do que a de autores que remontam essa modalidade
de ensino à Antiguidade Clássica.
49

Brasileiro (1941) tornaram-se referências por se constituírem ao longo dos anos como os dois
maiores centros de formação educacional do país na modalidade. 101

Em países da África, onde os problemas educacionais são ainda mais graves do que no
Brasil, as experiências com o ensino por correspondência apesar de tardias em relação aos
padrões brasileiros foram ousadas. Na Zâmbia, desde 1964, por iniciativa do governo o
National Corespondence College oferece vagas para o ensino médio. E na Nigéria, desde
1978, o National Teachers’ Intitute of Kaduma trabalha com a finalidade de melhorar a
qualificação do professores. 102

A sétima arte também atraiu os interessados na utilização de meios de comunicação


para o ensino. Diferentemente dos outros meios, a relação entre cinema e ensino, passava
mais pela utilização da tecnologia para incremento dos conteúdos, do que por uma
popularização do ensino, já que o cinema – da mesma forma que uma escola tradicional –
requer um espaço físico próprio para abrigar os alunos. Ainda assim, não faltaram iniciativas
no início do século XX contemplando o meio. Roquette-Pinto, em 1912, com o intuito de
utilizar o cinema no ensino e na pesquisa incorporou ao acervo do Museu Nacional sua
recém-criada filmoteca de películas produzidas durante as expedições geográficas, botânicas,
zoológicas e etnográficas de Cândido Rondon com os índios Nhambiquaras no Norte do país.
Duas décadas depois, em 1937, a Lei nº 378/37 criou o Instituto Nacional de Cinema
Educativo (INCE), com o objetivo de coordenar a aplicação do cinema educativo e promover
a sua divulgação por todos os meios. 103

Outra experiência marcante e inovadora no cinema foi a de Walt Disney, requisitado


pelo governo norte-americano no período da Segunda Guerra Mundial para a produção de
desenhos animados educativos. As películas tinham diversas finalidades desde “ensinar os
artilheiros a distinguir um avião amigo de um inimigo” até “convencer os cidadão americanos
a pagar o imposto de renda honestamente e rigorosamente em dia para que o governo pudesse
patrocinar as atividades bélicas.” 104

Roquette Pinto também esteve à frente da utilização do rádio com fins educativos no
Brasil. E, em 1923, juntamente com Henrique Monize, fundou a Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro. Com o objetivo de funcionar apenas para “fins exclusivamente científicos, técnicos,

101
Sobre o surgimento dos cursos por correspondência Cf. ZAMLUTTI, Maria Esmeralda Mimeu. op. cit.
102
NISKIER, Arnaldo. op. cit. p. 262.
103
RAMOS, Murilo César. op. cit., p. 50.
104
NADER, Ginha. Walt Disney: um século de sonho. São Paulo: SENAC, 2001. v.1 – Sua vida, seus sonhos,
seus filmes, suas realizações. p. 95 – 100.
50

artísticos e de pura educação popular”, 105 incumbindo-se de veicular alguns cursos em meio à
sua programação cultural. O Departamento de Correios e Telégrafos operava os programas
que transmitiam aulas de Literatura, Radiotelegrafia e Telefonia, de Línguas e outras de
interesse comunitário. 106

As ações educativas via rádio adentraram a década de 1930 sob a batuta do governo
federal. Em 1933, como resultado da Comissão Rádio-Educativa uma cadeia de emissoras
107
transmitiu, pela primeira vez, uma programação voltada para a instrução pública. E apenas
um ano depois foi criada a primeira escola radiofônica, a Rádio-Escola Municipal do Distrito
Federal, dirigida por Roquette Pinto. Fruto das ideias advindas da Reforma do Ensino do
Distrito Federal de 1928. Pela primeira vez as pessoas envolvidas com essas experiências
perceberam a necessidade de uma relação especial entre emissora e ouvinte para a efetivação
da prática educativa. Entre os resultados estavam a distribuição de folhetos com as lições
pelos correios e a correção dos trabalhos produzidos pela audiência. No ano de 1941 a Rádio-
Escola chegou a receber 20.437 trabalhos dos seus alunos/ouvintes. 108

Apesar do meio radiofônico ter sido dominado posteriormente pelo modelo comercial
de exploração – o que inviabilizou o espaço para uma programação educativa, vide que em
1936 a Rádio Sociedade foi doada ao governo devido a problemas financeiros –, essa
experiência foi fundamental para transformar Roquette Pinto em um dos grandes entusiastas
da utilização dos meios de comunicação com fins educativos, o que pode ser comprovado
quando observamos que Roquette Pinto, além das iniciativas com o cinema educativo,
também buscou criar uma TV Educativa no Brasil ainda na década de 1950.

Foi em 1952, juntamente com José Oliveira Reis, Lauro de Medeiros e Tude de Souza,
que Roquette Pinto formou de um grupo de trabalho, cujo objetivo era elaborar um plano para
dotar, a então capital federal, o Rio de Janeiro, de uma televisão educativa. A concessão foi
autorizada rapidamente pelo presidente Getúlio Vargas, por meio de um decreto em 10 de
maio de 1952. Esse resultado era muito expressivo, considerando que o Rio de Janeiro seria a
primeira cidade no mundo inteiro a ganhar uma concessão de canal de televisão para fins
exclusivamente educativos. Porém, “apesar da rapidez dos trâmites da documentação – edital
de concorrência e verba – para a compra dos equipamentos”, a descontinuidade administrativa

105
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 251.
106
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 161.
107
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 253.
108
Ibid., p. 253.
51

minguou os planos de Roquette Pinto. E os equipamentos, prontos para embarque, “ficaram


quase vinte anos em Nova Iorque, até que fosse possível a instalação da emissora.” 109

Enquanto isso, nos países em que o surgimento da TV se deu entre as décadas de 1930
e 1940 o debate de como utilizar esse novo meio de comunicação a serviço da educação já
ganhava contornos mais nítidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Federal
Communications Commission (FCC) iniciou a reserva de canais para emissões educativas em
110
1952, aproximadamente um ano depois, em 12 de maio de 1953, entrava no ar a KHUT
111
Houston, a primeira emissora exclusivamente educativa. Foi o pontapé inicial para a
criação de diversos programas educativos no decorrer de toda década de 1950.

Paralelamente, iniciava-se um período de debates sobre as potencialidades que a


televisão adquiria como meio educativo. O Brasil acompanhou essas discussões. Em 1961,
quando ocorreu o primeiro congresso internacional sobre rádio e televisão escolares em Roma
estavam presentes Marília Antunes Alves e Osvaldo Sangiorgi, coordenadores e professores
112
do pioneiro Curso de Admissão pela TV. Como lembra Cunha Lima: “no início dos anos
60 fervilhava no Brasil e no mundo a ideia de que a televisão seria a tábua de salvação da
educação, levando conteúdo de qualidade mais rápido e mais longe do que os métodos
tradicionais.” 113

A ideia de utilizar satélites para a educação foi cogitada, na Conferência Geral da


Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO), em 1960, a partir do
reconhecimento dos diplomatas e dos técnicos educacionais da impossibilidade de suprimir o
analfabetismo da população mundial apenas com o emprego dos meios tradicionais de ensino.
Nas conferências que se seguiram 1962 e 1964 ficou determinado tanto o “estudo das
consequências que o emprego de novas técnicas de comunicação em escala mundial poderia
ter sobre a realização dos objetivos essenciais da UNESCO, quanto à definição dos
“princípios e as grandes linhas de um programa longo prazo que teria como objetivo tratar das
comunicações espaciais para a livre circulação da informação, a rápida extensão da educação
114
e a intensificação dos intercâmbios culturais.

109
ALENCAR, Rui Souto. op. cit., p. 51.
110
BURBAGE, R.; CAZEMAJOU, J.; KASPI, A. Os meios de comunicação nos Estados Unidos: imprensa,
rádio, televisão. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora, 1973. p. 255.
111
ALENCAR, Rui Souto. op. cit. p. 51.
112
LIMA, Jorge da Cunha. Uma história da TV Cultura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo;
Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2008. p. 32.
113
LIMA, Jorge da Cunha. op. cit., p. 32.
114
BRITTO, Luiz Navarro de. Teleducação – o uso de satélites: política, poder, direito. São Paulo: T. A.
Queiroz; Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1981. p. 5 – 9.
52

Na esteira das discussões realizadas pela UNESCO outros organismos internacionais,


como a Organização dos Estados Americanos (OEA), passaram a pautar a temática. Em 1965,
o Brasil tornou-se membro da OEA, cujos objetivos eram especificamente voltados para os
problemas da América Latina, entre eles o da educação e da transformação social. Neste
momento a organização já atribuía prioridade máxima aos programas educativos de
radiodifusão e televisão e a formação de mestres nas técnicas de utilização de rádios e TV
educativos. Outra preocupação do organismo era com a dispersão de recursos nos campos
educativo, tecnológico e econômico. 115

A partir de 1968, a Organização das Nações Unidas (ONU) formou um grupo de


trabalho encarregado de estudar as possibilidades técnicas das emissões diretas via satélite e
as consequências destas realizações nos planos social, cultural e jurídico. Dentro da UNESCO
as discussões se prolongaram, com reuniões periódicas entre o final da década de 1960 e
início dos anos 1970, o maior resultado conquistado foi uma declaração de princípios
aplicáveis à utilização de satélites na 17ª Conferência Geral, realizada em 1972. Como forma
de incentivo à utilização dos satélites pelos países membros da UNESCO, em 1975 o
organismo entregou estudos de caso para Índia, Paquistão, Brasil, além de outros países da
América do Sul e da África. Estudos e preocupações que revelavam, em nível internacional,
uma política de reconhecimento da relevância da tecnologia espacial para a difusão da
educação. 116

No Brasil, a organização dos Seminários Brasileiros de Teleducação, a partir de 1969,


patrocinados pela Fundação Konrad Adenauer, constituíram-se como uma demonstração de
que as discussões estavam em estágio avançado. Esses debates foram responsáveis por trazer
a temática para a realidade brasileira, possibilitando aos agentes envolvidos com a questão
pensar o que seria possível realizar em termos de teleducação no Brasil. Durante esse período,
diversas obras na área e, sobre temas correlatos foram traduzidas para o português, em sua
maior parte destacavam as discussões e ações empreendidas nos Estados Unidos – país que
desde o surgimento da televisão conseguiu alguns avanços que merecem ser destacados
considerando que o seu modelo televisivo estritamente comercial se assemelha com o
brasileiro.

Com um sistema de televisão composto hegemonicamente por emissoras comerciais,


diversos setores norte-americanos começaram a se preocupar com o pouco espaço dedicado

115
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 163.
116
BRITTO, Luiz Navarro de. op. cit. p. 10.
53

aos programas educativos. Preocupação que desembocou na criação de organismos voltados


para a teleducação. Em 1967, sob a administração do presidente democrata Lyndon Johnson,
o Congresso, após diversas tentativas frustradas, consentiu em votar o Public Broadcasting
117
Act que instituiu uma rede de televisão pública, associando à Comissão Carnegie e à
Fundação Ford, com financiamento do governo federal. Em 1969 era criada a Corporation for
Public Broadcasting, que se destinava a repartir o subsídio previsto para o setor. 118

Tais iniciativas resultaram na criação, ainda em 1969, da Public Broadcasting Service


(PBS). Seu principal objetivo, na condição de organização não-comercial, era o de distribuir
conteúdo televisivo em nível nacional. Segundo Alyce Myatt - que foi vice-presidente de
programação da rede: “a PBS não é uma produtora de programas e nem encomenda
programas às emissoras, pois ela tem limitações legais para isso. Na verdade, os programas
119
e/ou séries são oferecidos à PBS, que os aprova ou rejeita”. Ou seja, ela não deve ser
entendida como um canal de televisão com programação própria, seu funcionamento tem
como base uma rede interligando as estações locais. 120
Em 1969, existiam 856 estações de TV comercial e 195 de TV educativa em território
norte-americano, o que denota, por um lado, o caráter predominante do modelo comercial da
televisão no país, mas, por outro, mostra um espaço de atuação para o setor educativo que já
reunia quase 200 emissoras que eram representadas pela National Association For
Educational Broadcasters (NAEB). O congresso da NAEB, realizado em 1969, reuniu cerca
121
de 7.250 delegados para discutir “os diversos domínios da radiodifusão educativa”.
Em 1969, do outro lado do Atlântico, outra experiência no campo de teleducação dava
seus primeiros passos: a Open University; tendo a BBC papel fundamental para sua execução.
Fruto, em grande medida, da permanente proximidade entre os setores do mundo cultural

117
A Comissão Carnegie ficou responsável pelo planejamento estratégico do setor de TV Educativa. “Esta
comissão distinguiu, então, três tipos de televisão: em primeiro lugar a televisão comercial, que tem
essencialmente por finalidade oferecer coisas repousantes e distração; em seguida, a televisão ligada ao ensino,
destinada a oferecer um saber reconhecido e, enfim a televisão pública, que se consagra a tudo aquilo que
apresenta interesse e importância no plano humano, sem que se transforme no momento em objeto publicitário, e
não é administrada em função de um ensino no sentido clássico do termo.” In: BURBAGE, R.; CAZEMAJOU,
J.; KASPI, A. op. cit., p. 231.
118
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 244-245.
119
CARMONA, Beth (org.). O desafio da TV pública: uma reflexão sobre sustentabilidade e qualidade. Rio de
Janeiro: TVE Rede Brasil, 2003. p. 21.
120
SILVA, Sivaldo Pereira da. Sistema público de comunicação dos Estados Unidos. In: AZEVEDO, Flávia et
al. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo:
Paulus; Intervozes, 2009. p. 140.
121
BURBAGE, R.; CAZEMAJOU, J.; KASPI, A. op. cit.,. p. 232.
54

122
britânico com a televisão. Esta instituição, como o próprio nome já revela, foi uma das
iniciativas pioneiras de universidade aberta no mundo e a mais influente em outros países.
A Open University, “planejada meticulosamente e com imaginação durante a década
de 1960, foi pioneira em recrutar estudantes para aprendizado a longa distância.” Marcando o
primeiro exemplo da iniciativa política do primeiro ministro britânico Harold Wilson, que
com essa atitude estava determinado a ampliar o acesso à educação superior a partir da
utilização de novas tecnologias. Como acentuam Briggs e Burke, Wilson “foi o primeiro
político a falar de uma revolução tecnológica importante, por estar totalmente consciente de
que ela estava acontecendo fora da Grã-Bretanha.” A universidade era de fato aberta,
nenhuma exigência de qualificação formal era pedida para quem entrasse na Open University.
O reitor, Geoffrey Crowther, dizia que ela era aberta não somente aos estudantes, mas a ideias
e métodos. As turmas de graduação tiveram início em 1971, e no ano de 1989 a universidade
123
atingiu a marca de cem mil alunos formados. A Open University nasceu no momento em
que autoridades e segmentos sociais acreditavam na capacidade da televisão em promover
mudanças educacionais desejadas para a incorporação de grandes contingentes populacionais
aos sistemas de ensino. Após a sua criação, diversos países, inclusive o Brasil, se lançaram na
tentativa de organizar universidades abertas com o intuito de suprir a carência de vagas no
ensino superior.
A integração nacional foi o elemento catalisador para a existência da TV brasileira no
modo que a conhecemos e não seria diferente no que concerne a sua utilização com fins
educativos. Não se deve perder de vista que houve uma contradição necessária na constituição
da televisão brasileira, segundo Bucci, “a excelência tecnológica e o refinamento plástico com
competitividade internacional surgiram como a contrapartida de uma sociedade atrasada,
iletrada que dependia das possibilidades técnicas desse meio para sua própria integração
124
política.” A despeito da generalização do autor, cabe observar que no Brasil existiam as
principais características para comportar um grande projeto de teleducação, uma televisão de
alta qualidade técnica e uma sociedade com baixos índices de escolarização.

O discurso dos agentes envolvidos com a teleducação tinha reflexo claro nos ideais do
regime militar. Edson Franco, diretor da Divisão de Educação da Abril, escreveu em um
documento de avaliação do curso Madureza Ginasial, veiculado pela TV Cultura, que a
contribuição da Abril ao setor estava em oferecer, ao lado de educandos e educadores, uma

122
JEANNENEY, Jean-Noël. op. cit., p. 246-7.
123
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. op. cit., p. 320.
124
BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial, 1997. p. 23.
55

“nova parcela de contribuição para que a Educação” viesse se constituir “ainda mais a mola
propulsora da integração social nacional”, tendo como objetivo único a promoção humana e
união dos “brasileiros no esforço comum” de se alcançar “o pleno desenvolvimento nacional,
econômico e cultural.” 125
Nos anos finais da década de 1960, autoridades ligadas ao governo, como o general
Taunay Coelho Reis, membro do CONTEL, chegaram a afirmar que “o Brasil, naquele
momento, possuía as melhores condições para o êxito da TV educativa, pois dispunha do
126
oitavo parque receptor do mundo, com três milhões de telespectadores.” Esse sentimento
era compartilhado com outros entusiastas da teleducação no Brasil. O professor Gilson
Amado, e em entrevista a revista Veja, no dia 14 de outubro de 1970, anunciava: “o Brasil
será um laboratório, representando um teste decisivo para a avaliação de televisão como
serviço de educação”. Apesar de tal entusiasmo, o professor demonstrava suas preocupações
com o ato de educar pela TV no Brasil, e indicava como principais problemas a insuficiência
de verbas oficiais; a dependência de horários para a gravação e apresentação cedidos pelas
emissoras comerciais; a falta de recursos humanos especializados na produção e realização de
programas educativos pela TV; o desconhecimento (por parte das autoridades ligadas, direta
ou indiretamente aos problemas educacionais) do verdadeiro valor da TV educativa. E,
finalmente, a não inclusão da TV educativa no sistema oficial de ensino. Deficiência que,
segundo Gilson Amado tornava o setor isolado e estanque, existindo mais para satisfazer a
programas e leis que foram criadas do que para consolidar a existência da TV como meio de
ensino. 127

Todas as ressalvas feitas por Gilson Amado são importantes, pois representam a visão
de um agente envolvido diretamente com a implantação da teleducação no Brasil. Um grande
entusiasta, reconhecido como alguém que por onde passou sempre lutou para deixar a TV um
pouco mais educativa. É interessante perceber que, apesar das críticas serem a todos os
setores envolvidos (ou que deveriam, na visão do professor, estarem envolvidos), elas recaem
com mais força sobre o Estado. Ou seja, a uma percepção clara de que e Estado deveria ser o
agente impulsionador das ações de teleducação no Brasil. O que ocorreu somente de modo
parcial com a execução de algumas ações.

Em meio ao debate sobre a utilização da TV para o ensino, ocorreu um amplo


processo de reformas educacionais que estavam dentro do planejamento do regime militar que

125
Avaliação Madureza Ginasial. s/d. p. 3.
126
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 55.
127
Veja, 14 de outubro de 1970. p. 52.
56

pretendia moldar as instituições de acordo com suas convicções. A primeira das reformas, a
do ensino superior, ocorreu em 1968, e restava ao regime reformar o restante do ensino que
ainda estava submetido a Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Desse modo, começava a surgir
nos corredores e gabinetes ministeriais uma nova legislação educacional. E quando afirmamos
que ela surgiu nos corredores e gabinetes do executivo, não se trata de um mero recurso de
linguagem. A Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que reformou o ensino básico, começou a
ser gestada um ano antes. Quando o ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho,
formou uma comissão para a elaboração do ante-projeto. Apesar do caráter reformador da lei,
é importante frisar que a “5.692/71 não significou uma ruptura completa com a Lei
4.024/61.”128

A maior modificação do projeto foi a união do então denominado ensino primário e


ginasial, formando o 1º Grau. E o ensino profissionalizante, que, a partir da reforma, passaria
a ser de caráter obrigatório a todo 2º Grau. Outra novidade, foi a criação do Ensino Supletivo,
que colaborou no incremento do debate sobre a utilização do rádio e da televisão no ensino.
Na Lei 5.692/71 seis artigos tratam diretamente sobre o Ensino Supletivo. Em seu capítulo IV
entre os artigos 24 e 28 “foram explicitadas as finalidades, abrangência e formas de
operacionalização” da modalidade. E por fim, no artigo 32 do capítulo V tratou-se da
necessidade de formação de professores para este tipo de ensino. Na Exposição de Motivos,
de autoria do ministro da Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, no momento de
encaminhamento do projeto ao presidente Médici, o Ensino Supletivo foi considerado capaz
de “suprir a escolarização regular e promover crescente oferta de educação continuada”,
complementando desse modo, o “êxito empolgante do MOBRAL que vinha rápida e
drasticamente vencendo o analfabetismo” além de “germinar a educação do futuro, essa
educação dominada pelos meios de comunicação.” 129

Posteriormente, outros dois documentos foram produzidos a pedido do MEC para o


esclarecimento, desenvolvimento e prática do ensino supletivo. O Parecer do Conselho
Federal de Educação nº 699, publicado em 28 de julho de 1972. Política para o Ensino
Supletivo, produzido por um grupo de trabalho, cujo relator era Valnir Chagas. No Parecer
699 o ensino supletivo foi considerado como “o maior desafio proposto aos educadores

128
GHIRALDELLI JR., Paulo. História da educação brasileira. São Paulo: Cortez, 2006. p. 124.
129
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 93 - 94.
57

brasileiros”, pois se acreditava que, pela primeira vez no Brasil, pensava-se “uma nova
concepção de escola”, então baseada em uma “nova linha de escolarização não-formal.” 130

O Ensino Supletivo foi organizado em quatro funções: suplência, suprimento,


aprendizagem e qualificação. A suplência tinha como objetivo suprir a escolarização regular
para os adolescentes e os adultos que não a tivessem seguida ou concluída na idade
apropriada. Para tais casos, previa-se a existência de cursos preparatórios para os exames
supletivos de 1º e 2º graus. O suprimento tinha por finalidade “proporcionar, mediante
repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização”, e era dirigido “aos que
131
tivessem seguido o ensino regular no todo ou em parte.” A aprendizagem caracterizou-se
pela formação metódica no trabalho, e ficou a cargo das empresas e de suas instituições de
ensino como, SENAI e SENAC. A qualificação também visava a formação de recursos
humanos para o trabalho. 132

A estruturação do Ensino Supletivo dentro do MEC passou pela criação do


Departamento de Ensino Supletivo (DESu) em 1973. Sua tarefa era a de “coordenar o
desenvolvimento de todas as atividades de educação de adultos em nível nacional, visando,
sobretudo, a sua expansão integrada com outras agências.” Papel executado até 1979 quando
foi substituído pela Subsecretaria de Ensino Supletivo (SESu). 133

Antes mesmo da promulgação da 5.692/71, e a criação do Ensino Supletivo, o governo


criou um projeto para a escolarização de adultos. Em 15 de dezembro de 1967, foi criada pela
Lei 5.379 sob a forma de Fundação, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).
Durante dois anos, os técnicos ligados ao Departamento Nacional de Educação (DNE) do
MEC trabalharam em sua elaboração, visando a uma organização descentralizada por meio de
convênios com órgão públicos e privados. Porém, a partir de 1969 o programa passa por uma
modificação, desvinculando-se do DNE e buscando uma campanha de massa. A presidência
134
da Fundação foi entregue ao economista Mário Henrique Simonsen, ligado ao Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). 135

130
Ibid. p. 93 - 94.
131
Lei 5.692/71. Reforma do 1º e 2º graus. Art. 22.
132
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 98
133
Ibid. p. 106-109.
134
Ibid., p. 83.
135
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) foi criado, no ano de 1961, por empresários brasileiros
descontentes com os rumos político-econômicos que o país estava tomando. O IPES foi um dos braços civis que
colaboraram para a derrubada do governo João Goulart e a implantação do regime militar em 1964. Existiu até o
ano de 1971, sendo responsável pelo planejamento de diversas políticas para o regime militar, mesmo na área da
educação. Para maiores informações sobre a relação entre o IPES e a política educacional do regime militar Cf.
58

Com essa nova configuração, o então ministro da Educação e Cultura, Jarbas


Passarinho, juntamente com Simonsen buscaram vender a ideia, junto à sociedade civil, de
que o Mobral resolveria o problema do analfabetismo no país, considerado pelo presidente
Médici como uma vergonha nacional. O governo buscava organizar um grande programa e
para isso buscou fonte de recursos. O financiamento era realizado com a utilização de 1% do
Imposto de Renda devido pelas empresas parceiras, complementada com 24% da renda
líquida da Loteria Esportiva. Assim, o Mobral, pelo seu caráter extra-orçamentário, disporia
de recursos amplos e ágeis. A principal característica do projeto era seu paralelismo em
relação às outras políticas educacionais, incluindo as de teleducação. Desse modo, os agentes
do governo buscaram estabelecer um programa que, de um lado, atendesse aos objetivos
educacionais, contemplando os marginalizados do sistema escolar. Mas que, sobretudo,
ampliasse “junto às camadas populares as bases sociais de legitimidade do regime, no
momento em que esta se estreitava junto às classes médias em face do AI-5.” O programa de
alfabetização, carro chefe do projeto, foi implantado com intensa propaganda política e tênue
fundamentação pedagógica. Era totalmente antagônico às iniciativas pré-1964 desenvolvidas
pelo professor Paulo Freire, a essa altura exilado. O Mobral “chegava imposto sem a
participação dos educadores e de grande parte da sociedade.” 136

O projeto ganhou dimensões enormes, condizentes com o sentimento de otimismo do


“Brasil Potência”. Aos poucos, além da alfabetização passou a realizar programas nos campos
da saúde, trabalho, recreação, civismo. Firmou diversos convênios, entre os parceiros estava a
Fundação Padre Anchieta (FPA). Com o passar dos anos, o Mobral passou a utilizar a
televisão, “introduzindo-a no seu Programa de Alfabetização Funcional – PAF/TV – dentro de
uma perspectiva de sistema de multimeios.” Sistema que vinha sendo experimentado há um
certo tempo pela FPA e que acabava de ser utilizado pela Fundação Roberto Marinho (FRM)
na criação e implantação do Telecurso 2º Grau. “Os programas possuíam o formato de
teleaula dramatizada, apoiados em publicações didáticas específicas, distribuídas aos alunos e
monitores: a série era constituída de 60 teleaulas de 20 minutos cada uma.” Uma estrutura
muito similar, aos programas da FPA e FRM. O PAF/TV do Mobral foi ao ar em 1979, em
São Paulo veiculado pela TV Cultura. Além de contar com recepção organizada, em 60

SOUZA, Maria Inez Salgado de. Os empresários e a educação: o IPES e a política educacional após 1964.
Petrópolis: Vozes, 1981.
136
HADDAD, Sérgio. op. cit. p. 83-88.
59

municípios, distribuídos em seis unidades da Federação: São Paulo, Bahia, Minas Gerais,
Ceará, Paraná e Rio de Janeiro. 137

Para além das medidas em âmbito estritamente educacional, os militares, ao


assumirem o poder, iniciaram diversas ações no campo específico da teleducação, unindo,
desse modo, os campos da educação e da comunicação. Em 1965, por meio da Portaria 312, o
CONTEL elaborou algumas normas para o rádio e a televisão. No documento estava
contemplado o princípio de que os meios de comunicação eram de interesse nacional, além da
expectativa de elevar o padrão cultural e educativo dos programas televisivos, mesmo em seu
aspecto informativo e de entretenimento. 138

Com o Decreto-Lei nº 236 essa característica, além de ter sido reforçada ganhou um
pouco mais de objetividade. Seu artigo 16 determinava “a obrigatoriedade de transmissão de
programas educacionais nas emissoras comerciais de radiodifusão, estipulando horário,
duração e qualidade desses programas.” Nessa primeira norma seriam 5 horas semanais de
transmissão. As reações às medidas foram distintas. Por um lado, a ABERT manifestava-se
contrária ao decreto, por outro, educadores lutavam para o efetivo funcionamento do
dispositivo.

A regulamentação para a aplicação da nova norma surgiu três anos depois. A portaria
interministerial nº 408, de 29 de julho de 1970, do MEC e do MINICOM, estipulou a
utilização de tempo obrigatório e gratuito que as emissoras comerciais de radiodifusão
139
deveriam destinar à transmissão de programas educacionais. Foi mantida a duração,
proposta inicialmente, de 5 horas semanais, sendo distribuídas em 30 minutos diários, de 2ª a
6ª feira e 75 minutos aos sábados e domingos, no período de 7 às 17 horas. A
responsabilidade pela execução e coordenação das atividades previstas na Portaria ficou a
cargo do MEC. 140

O principal instrumento utilizado para esse fim foi a Fundação Centro Brasileiro de
Televisão Educativa (FCBTVE). Instituída, ainda em 1967, após o presidente Castelo Branco
ter enviado uma mensagem ao Congresso Nacional solicitando a autorização para a criação de
um Centro com sede no Rio de Janeiro, e com a finalidade de adquirir, produzir e distribuir
material audiovisual destinado à televisão educativa no Brasil. O principal motivo apontado

137
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 298 - 299.
138
CAPARELLI, Sérgio. op. cit., p. 180.
139
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 168.
140
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 278.
60

pelo governo foi “a exigüidade das redes escolares e a insuficiência de professores”, que
141
tornaram a situação crítica no campo educacional.
Com isso, em 1967 a FCBTVE foi criada nos moldes desejados pelo presidente
gozando de autonomia administrativa, financeira e com a finalidade de produção, aquisição e
distribuição de material audiovisual destinado à radiodifusão educativa. Todavia, com o
passar do tempo essas atribuições foram se ampliando e, em 1968, embora não fizesse parte
de suas responsabilidades, a FCBTVE iniciou atividades de treinamento de pessoal para a
televisão educativa. 142 A partir de 1971, a FCBTVE passou a produzir programas educativos
para serem transmitido pelas emissoras comerciais. E somente no ano de 1973, após ganhar a
concessão do canal 2, do Rio de Janeiro, com o fechamento da TV Excelsior, a emissora
passou a veicular uma linha completa de programação produzida pela sua própria estação. 143
Um pouco mais tarde, em 1972, foi criado o Programa Nacional de Teleducação
(PRONTEL), aumentando o espaço governamental no debate e execução sobre o setor. O
órgão que ficou encarregado de supervisionar o emprego do rádio e da televisão no campo da
escolarização e da cultura, não foi incorporado estruturalmente ao DESu, no intuito de não se
configurar como instrumento voltado unicamente para o Ensino Supletivo, “um exclusivismo
144
que desvirtuaria os objetivos mais amplos” do PRONTEL. Na verdade, com a criação de
diversas emissoras educativas, esse organismo surgia como um agente centralizador, ao lado
da FCBTVE – que organizava os conteúdos – coordenando as atividades dessas emissoras.
Essa busca por acerto na área desembocou na tentativa de criação de um Plano Nacional de
Teleducação; segundo seus idealizadores, tal plano deveria integrar “os meios de
comunicação de massa com a educação, a partir do estabelecimento de prioridades
145
educacionais e culturais, através de um Sistema Nacional de Teleducação”. O PRONTEL
ficou subordinado ao MEC de “1972 a 1979, quando foi transformado em SEAT (Secretaria
de Aplicações Tecnológicas).” 146

A partir do final da década de 1960 e início dos anos 1970 surgiriam diversas
emissoras educativas no Brasil. A primeira a entrar no ar foi a TV Universitária de Recife,
canal 11, mantido pela Universidade de Pernambuco. À época de seu surgimento, a emissora
participou ativamente da luta pela audiência de aproximadamente 700 mil nordestinos, contra

141
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 54.
142
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 279.
143
Veja, 06 de junho de 1973. p. 89.
144
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 107.
145
Documento dos Seminários Brasileiros de Teleducação. s/d, p.3
146
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 108.
61

as duas concorrentes comerciais: TV Rádio Clube e TV Jornal do Comércio. A programação


nessa fase inicial da emissora totalizava 5 horas diárias e era constituída por programas
instrucionais em apenas 20% desse tempo. O restante era dedicado a teleteatros, debates,
entrevistas, documentários e musicais. 147
A TV Cultura, comprada pelo governador de São Paulo Abreu Sodré, em 1967, do
condomínio Diários Associados, de Chateaubriand, tornou-se a grande emissora educativa.
Apesar do pioneirismo da TV-U, foi com a TV Cultura que surgiu um espaço de produção de
programas educativos, o que resultou no compartilhamento de práticas, até então não
empregadas pelos agentes do campo televisivo. Com uma programação cultural-educativa a
emissora destacou-se e dentro de pouco tempo havia se tornado responsável pela produção de
programas que seriam reprisados para todo o Brasil pelas outras emissoras educativas.
Esses canais foram criados, em alguns casos, sob a tutela de secretarias de estado e,
por outro graças a ação das universidades. Todavia, a maioria deles sem nenhum
planejamento, e, o principal, sem articulação entre si. A tabela abaixo apresenta as nove
emissoras criadas entre 1967 e 1974 considerando sua criação legal frente ao Estado
brasileiro.
Quadro 1 – Emissoras educativas criadas entre 1967 e 1974 no Brasil.
Emissora Criação legal Vinculação administrativa
TVU-PE 1967 Universidade de Pernambuco/MEC
TVE-RJ 1967 FCBTVE/MEC
TV Cultura-SP 1967 Secretaria de Cultura
TVE-MA 1969 Secretaria de Educação
TVE-AM 1971 Secretaria de Comunicação
TVU-RN 1972 Universidade do Rio Grande do Norte/MEC
TVE-CE 1973 Secretaria de Educação
TVE-RS 1973 Secretaria de Educação
TV-ES 1974 Secretaria de Educação

Fontes: ALENCAR, Rui Souto; CARMONA, Beth; HADDAD, Sérgio.

A preocupação dos agentes governamentais em ordenar a situação das emissoras


educativas pode ser exemplificada com as palavras do então ministro do planejamento do
governo Médici, Reis Velloso, justificando a criação de uma rede de emissoras educativas.
Segundo o ministro, diversas emissoras estavam sendo criadas “desordenadamente e a alto

147
Veja, 25 de dezembro de 1968. p. 55.
62

custo”, devido ao fato dessas TVs educativas, algumas estaduais, outras independentes, terem
objetivos e estruturas diversificadas. O ministro chegou a utilizar o exemplo da cidade de
Maceió que “estava fazendo uma TV educativa, sem pensar na TV Universitária do Recife.”
E foi além ao denunciar que Natal construía sua TV, com equipamentos diferentes da
148
emissora de João Pessoa. Reis Velloso chegou a dizer que “a situação era tão
desarticulada, que os programas gravados por uma emissora não poderiam passar nas outras.
Os equipamentos eram diferentes.” Como todas as emissoras educativas, direta ou
indiretamente, eram estatais, o ministro reconhecia que havia um desperdício de dinheiro
suntuoso e incompreensível para um país em desenvolvimento. 149
As afirmações de Reis Velloso ilustram como as TVs educativas não conseguiram
responder aos desafios da instalação de um grande projeto de teleducação, em âmbito
nacional. Soma-se a isso o caráter comercial do modelo televisivo brasileiro, calcado no par
informação/entretenimento. O que basta para concluir que ainda não existiam práticas
educativas dentro do campo televisivo nacional, o qual ainda iria ver florescer durante as
décadas de 1960 e início de 1970 as primeiras, e ainda incipientes, experiências na produção
de programas educativos

1.3 A inserção de programas educativos na televisão brasileira

Ainda no início da década de 1960, diversas experiências com programas educativos


foram surgindo na televisão brasileira. A TV Cultura de São Paulo, em sua fase comercial, foi
responsável por uma delas e levou ao ar a partir de 1961 o Admissão pela TV. Em pouco
tempo, o programa passou a integrar o projeto TV Escolar da Secretaria de Educação de São
150
Paulo, o curso era fruto da iniciativa da professora Marília Antunes Alves. Entre os
professores que atuaram no curso, estavam Osvaldo Sangiorgi, Elvira Reale e Raphael
151
Sansevero. O curso “tinha duas finalidades precípuas: ajudar a preparar o aluno e, ao
mesmo tempo, auxiliar o professor, pois este acompanharia a aula e depois explicaria algum
ponto que por ventura não tivesse compreendido.” A grade de programação contemplava as
principais disciplinas do currículo oficial, “além de aulas complementares sobre Artes
Plásticas, Iniciação Musical e Literatura Infantil,” 152 como pode ser visto no quadro abaixo:

148
Veja, 22 de julho de 1970. p. 74.
149
Veja, 22 de julho de 1970. p. 74
150
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 265.
151
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 162.
152
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit.,p. 186 - 187.
63

Quadro 2 - Dia e horário das aulas do curso Admissão pela TV.


Admissão pela TV – 10h30 às 11h
Segunda-feira Matemática
Terça-feira Português
Quarta-feira História
Quinta-feira Português
Sexta-feira Matemática
Sábado Geografia
Fonte: BARROS FILHO, Eduardo Amando de.

Apesar de um sucesso momentâneo, causado, sobretudo pela novidade da emissão, o


curso de Admissão pela TV não lograria grande êxito na televisão brasileira. O improviso era
uma característica marcante do curso e foi apontado por um de seus integrantes como a causa
principal de seu desfecho. Segundo Oswaldo Sangiorgi, que lecionou Matemática, “era tudo
improvisado”. Ele ressaltou que não havia preparação e que os professores chegavam cinco
minutos antes, passavam apenas um pó de arroz no rosto e iam lecionar diante das câmeras.
Para além do simples improviso podemos constatar a partir das palavras do professor
Sangiorgi que o curso Admissão pela TV ainda que utilizando o meio como ferramenta de
propagação de suas aulas para um grande número de alunos, não utilizava uma linguagem
específica para a veiculação de conteúdos instrucionais pela televisão. Nas palavras de
153
Sangiorgi: “éramos os professores comuns, de giz e quadro-negro”. É bom lembrar que
durante os anos iniciais da televisão no Brasil, o improviso foi, sem dúvida, um companheiro
inseparável na produção dos programas, porém, tal característica foi perdendo espaço na
televisão com o passar do tempo devido às modificações ocorridas a partir da final dos anos
de 1960, quando processos empresariais passariam a ser adotados pelas emissoras.
Mesmo com as queixas de agentes envolvidos com o programa, essa primeira
experiência paulista em teleducação se mostrou relevante, pois levou a Secretaria de
Educação do Estado a estruturar um setor próprio para os assuntos de rádio e televisão
154
educativos. Além do surgimento do Serviço de Formação por Rádio e Televisão
(SEFORT) que passaria a responder pelas iniciativas em teleducação no Estado.
A partir dessa estruturação, novos cursos foram criados, porém com características
diversas do pioneiro curso de admissão. Da iniciativa do SEFORT constavam cursos de
línguas, de férias, de matemática moderna, economia doméstica. Para a produção desses
cursos eram utilizadas as instalações de emissoras comerciais, tais como TV Cultura, TV

153
Veja, 18 de junho de 1969, p. 58.
154
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 265.
64

Paulista, TV de Bauru e TV Globo, com as quais o governo estadual negociava o aluguel ou a


cessão de horário. 155
Em um período de experiências e descobertas sobre o telensino no Brasil, o Rio de
Janeiro também ganhou seu curso. Na cidade maravilhosa, a iniciativa partiu da Fundação
João Batista do Amaral que, instituída em abril de 1961, era voltada para o adulto analfabeto
ou recém-alfabetizado, sendo a ele dirigido três cursos: o de alfabetização, de Emergência,
156
para alunos semi-alfabetizados, e o de 2ª série. Os cursos contavam com aulas periódicas,
preparadas e organizadas pela professora Alfredina Paiva e Souza e sua equipe de trabalho. 157
A transmissão das aulas era realizada pela TV Rio, sob a coordenação da Secretaria de
Educação da Guanabara. Além da transmissão pela TV, esses cursos da Fundação João
Batista do Amaral tinham outra particularidade, suas edições eram gravadas em videoteipe,
copiados em 16mm, com a ajuda da Aliança Para o Progresso, e exibidos em cine-escolas
158
para soldados analfabetos e em penitenciárias. A despeito de todo esse apoio, e dos
objetivos de João Batista do Amaral – que visava comercializar os cursos que produzia junto a
159
outras emissoras ou ao governo federal –, a Fundação encerrou suas atividades em 1964
por falta de recursos.
Outra experiência organizada nos idos dos 1960 foi o Curso do Artigo 99, que ficou no
ar entre 1966 e 1970, sob os auspícios do professor Gilson Amado. Produzido e transmitido
pela TV Continental, esse curso foi um dos primeiros projetos da televisão brasileira que
mobilizou profissionais minimamente especializados, uma televisão comercial, além de
patrocínio de anunciantes. O curso ganharia impulso no ano de 1967, ocasião em que a Shell
passou a patrociná-lo, e, assim, os professores começaram a ser remunerados, todas as aulas
foram gravadas e as apostilas impressas.160
Sob o patrocínio da Shell, o programa Curso do Artigo 99 passou a ser veiculado
também pela TV Tupi. Entretanto, mesmo sendo transmitido por uma emissora maior, o
programa encerrou suas emissões no início da década de 1970, devido às próprias limitações
da TV Continental, que acabou falindo em 1971.
Para a revista Veja, a inclusão de uma programação voltada para a educação e cultura
na TV Continental era reflexo direto da própria crise dentro da emissora, o que possibilitava
ao jornalista Gilson Amado, se aproveitando desse caos artístico e financeiro, inserir –

155
Ibid., p. 265.
156
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 264.
157
NISKIER, Arnaldo. op. cit., p. 162.
158
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 264.
159
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 51.
160
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 266.
65

inicialmente sem patrocínio – uma grade de programação, no horário nobre, contendo


161
produtos televisivos voltados para a cultura e educação, incluindo os cursos.
A despeito dessas experiências nas emissoras comerciais, a produção de programas
instrucionais na primeira metade da década de 1970 foi realizada substancialmente pelos
canais educativos. Nesse sentido, surgiram os programas Madureza Ginasial, pela TV Cultura
de São Paulo, João da Silva e A Conquista¸ pela FCBTVE.
162
O Madureza Ginasial , produzido pela Fundação Padre Anchieta, mantenedora da
Rádio e TV Cultura de São Paulo (canal 2, recém adquirido de Assis Chateaubriand), teve
início ainda em 1969 e era veiculado de segunda à sexta-feira , em dois horários – das 19h às
19h40 e das 22h às 22h40, além de ser transmitido por outras 29 emissoras em todo o país, e,
também, via emissoras de rádio. A produção dos fascículos do Madureza Ginasial ficava a
cargo da Editora Abril Cultural, “pioneira na publicação de material de apoio para a
teleducação”. 163
O entusiasmo com a produção do Madureza era grande, seja por parte da imprensa,
que via no programa uma forma de tornar a televisão um pouco mais útil, segundo a própria
crítica feita pelos meios da imprensa impressa que viam na TV uma concorrente, seja por
parte das pessoas envolvidas diretamente com o projeto. No caso dos primeiros, fica claro o
incentivo dado a esse tipo de experiência. Matéria publicada na revista Veja afirmava que
todos na TV Cultura acreditavam que a maior atração da nova emissora seria o curso de
Madureza, “cujas aulas eram pequenos espetáculos onde o professor quase nunca apareceria”,
uma vez que se acreditava que a imagem e o som ensinavam melhor. Segundo o responsável
pelo setor cultural da TV Cultura, Cláudio Petraglia, as aulas eram “tão divertidas, que, em
pouco tempo” iriam “concorrer com os programas de maior audiência em São Paulo.” 164
O programa que teve uma primeira versão durante a fase comercial da TV Cultura,
passou por uma total reformulação durante o período de transição para a Fundação Padre
Anchieta. Diversos testes foram feitos, e “a ideia era fugir do convencional, o programa
buscava ser totalmente diferente das aulas comuns. Muitas vezes era dispensada a presença
visual do professor, que poderia ser substituído por imagens, durante suas falas [...] os
produtores buscavam aulas agradáveis e objetivas.” 165

161
Veja, 18 de junho de 1969, p. 57.
162
A primeira versão do programa foi ao ar ainda na fase comercial da TV Cultura, em 1966. Cf. BARROS
FILHO, Eduardo Amando de. op. cit.
163
Avaliação Madureza Ginasial. s/d.
164
Veja, 18 de junho de 1969, p. 57.
165
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 188-9.
66

Porém, no âmbito do aprendizado dos alunos, o Madureza Ginasial deixou a desejar


em alguns aspectos. A aposta inicial feita em inovações que literalmente tiravam o professor
de cena foram reprovadas pelos alunos/telespectadores. A revista Veja informava que os
resultados da primeira avaliação em 1970 mostravam um maior aprendizado nas aulas
“simples e diretas” em que a imagem do professor aparecia no vídeo do que nas aulas
166
apresentadas com a preocupação de espetáculo. Nesse sentido, algumas mudanças foram
realizadas no programa. Houve a introdução de edições explicativas, orientando de que modo
deveria ser realizado o estudo pela televisão. Além da reformulação de diversas aulas, que
passaram por um processo de padronização da linguagem e também dos recursos técnicos.
Georg Sperb, um dos coordenadores do curso, e que posteriormente participaria da
experiência do Telecurso, se manifestava na imprensa nos seguintes termos: “apresentadores
excelentes sentiam dificuldades de falar fácil. Tivemos de reformular muitas aulas apagando
167
vídeo-tapes inteiros.” Essas adaptações ocorreram ainda mais rapidamente tendo em vista
que o programa ganhou status nacional a partir do momento que a FPA assinou convênio com
o MEC para a sua transmissão em todo o país.
O Madureza Ginasial, com seus variados recursos e apoio técnico, trouxe alguns
elementos novos para a produção de programas educativos, com variados recursos e apoio
técnico. Segundo Gilson Amado, o curso da FPA estruturado em 400 aulas era bem mais
168
moderno e teria sido a causa para o enceramento do programa Artigo 99. E de fato, o
Madureza foi responsável por experimentar um novo modo de produção de programas
instrucionais. Contava com a presença de professores da USP para a preparação dos textos das
aulas, como era o caso da antropóloga Ruth Cardoso, o economista Paul Singer, o lingüista
169
Flávio Di Giorgi, o sociólogo Gabriel Cohn, o psicólogo Rodolfo Azzi. Exemplo de uma
prática que perdurou e serviu de modelo para outras experiências, como o Telecurso 2º Grau,
tal como será tratado posteriormente no 3º capítulo.
Apesar do desfecho do curso do professor Gilson Amado, não demoraria muito para
que ele estivesse engajado em uma nova experiência para a utilização da televisão em prol do
ensino. Dessa vez, Gilson Amado colaborou na elaboração de João da Silva, telenovela
didática, produzida entre 1972 e 1973 pela FCBTVE, e voltada para as séries iniciais do então
denominado 1º Grau. Estreou na TV Rio em 1973 e foi reprisada por outras emissoras, como
a Globo, Tupi e Cultura. Além das emissões livres, sua veiculação também ocorria de forma

166
Veja, 06 de maio de 1970. p. 66.
167
Veja, 02 de setembro de 1970. p. 72.
168
HADDAD, Sérgio. op. cit., p. 267.
169
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 188.
67

organizada, nos chamados telepostos. Tanto para aqueles que a acompanhavam na sala de sua
casa quanto para os que a assistiam na sala dos telepostos, era possível contar com cinco
livros de apoio que versavam sobre os conteúdos discutidos na telinha.
Escrita por Lourival Marques – autor consagrado por suas produções dramatúrgicas
para a Rádio Nacional – e dirigida por Jaci Campos, a trama da telenovela contava a história
de João da Silva, nordestino que vai para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Porém, sua
condição de analfabeto e sem nenhuma qualificação profissional se revelava em um
empecilho para sua sobrevivência na cidade grande. Os problemas de João começam a ser
resolvidos quando ele matricula-se em um curso supletivo, no qual, além de realizar sua
formação educacional, conheceu Rosinha colega de sala e futura esposa. Para o diretor Jaci
Campos, a fórmula de mesclar os elementos já consagrados da novela comercial com os
objetivos de uma emissão educativa ampliaria a audiência do programa, rendendo sucesso.
Nas palavras do diretor: “atingiremos dois tipos de público [...] Uns acompanharão a novela
para aprender; outros por sua parte ficcional.” 170

Ao utilizar um gênero televisivo de bastante sucesso junto à audiência brasileira, João


da Silva buscou conquistar um público que formalmente não precisaria acompanhar um
programa de cunho instrucional. Esse artifício não era inédito, e já tinha sido utilizado pela
TV Globo e TV Cultura na co-produção da novela Meu pedacinho de chão, escrita por
Benedito Ruy Barbosa e Teixeira Filho e que foi ao ar a partir de 16 de agosto de 1971. Meu
pedacinho de Chão ficou conhecida como a primeira novela educativa ao fornecer aos
alunos/telespectadores noções sobre o mundo rural.

Na esteira das novelas didáticas surgiu A Conquista. Criada em 1979, essa telenovela
educativa manteve toda a estrutura e a forma de recepção do primeiro projeto similar da
FCBTVE, João da Silva. Todavia, voltou-se para as séries finais do curso 1º Grau, ou seja,
uma possibilidade para a audiência que acompanhou a primeira telenovela educativa de
concluir essa etapa de estudo.
As experiências citadas, Madureza Ginasial, João da Silva e A Conquista guardavam
em comum o fato de, além de serem iniciativas governamentais ou de emissoras ligadas ao
poder público, não terem tido grande sucesso, nem continuidade, consequentemente não se
tornando paradigma de teleducação para a televisão brasileira. No caso do Madureza Ginasial
ocorreu uma vasta aprendizagem de técnicas pelos profissionais da FPA envolvidos com o
programa. Experiência que foi fundamental para o desenvolvimento posterior de novos

170
Veja, 27 de setembro de 1972. p. 54.
68

produtos educativos para a TV brasileira, um deles o Telecurso de 2º Grau, em parceria com a


FRM. Em relação às novelas didáticas João da Silva e A Conquista, apesar de terem sido
veiculadas por grandes emissoras como Globo e Tupi, a própria falta de uma melhor
organização estrutural do projeto fez com que ocorresse sua derrocada. A posterior
concorrência do Supletivo de 1º Grau organizado pela FRM, a partir de 1981, foi decisiva
para o encerramento de A Conquista.
Como foi possível observar, não foram poucas as manifestações pela utilização da
televisão como meio educativo. Inicialmente essas discussões foram realizadas de forma
isolada, sobretudo em fóruns internacionais, porém com o passar dos anos e o
desenvolvimento da televisão, as proposições sobre o papel da TV começaram a surgir de
acordo com os problemas oriundos de regulamentação e de certa experimentação do setor
governamental, por meio das emissoras educativas. Apesar de todas as ações capitaneadas
pelo Estado, não foi possível montar uma rede pública educativa. Mesmo em uma época em
que as políticas eram levadas a cabo pelo espírito nacionalista e ufanista do Brasil Potência,
como o Mobral. No caso específico da teleducação, as políticas continuaram desencontradas,
de efeito efêmero e sem produzir no país um modelo de teleducação.
69

2º CAPÍTULO

TELECURSO 2º GRAU: UM PROGRAMA DA TV COMERCIAL SOB


MEDIDA AO REGIME DITATORIAL
70

2 TELECURSO 2º GRAU: UM PROGRAMA DA TV COMERCIAL SOB MEDIDA AO


REGIME DITATORIAL

A educação engrandece também aqueles que a


promovem.

Roberto Marinho

2.2 A criação e os primeiros passos

É usual dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas na epígrafe acima
há uma inversão completa desse dito popular. A afirmativa do experiente empresário da
comunicação, então com 74 anos de idade e tendo recém inaugurado uma fundação batizada
com seu nome, sintetizava, ao seu modo, todo um repertório audiovisual que estava sendo
colocado em prática para a realização de um programa televisivo de cunho educativo: o
Telecurso 2º Grau. Mas, promover educação para se engrandecer não seria uma tarefa
simples, mesmo para o homem mais bem posicionado no campo televisivo e sua poderosa
emissora. Diversas experiências em teleducação surgiram no decorrer da década de 1970,
sobretudo nos primeiros anos, porém nenhuma delas angariou o sucesso que parte dos
programas de entretenimento/informação das emissoras comerciais estavam acostumados a
atingir.
O período de abertura lenta, segura e gradual do regime militar, capitaneado pelo
presidente Geisel, marca uma inflexão das ações do Estado em teleducação. Toda a estrutura
de comunicação existente, com destaque para as emissoras educativas, se constituiu
basicamente nos governos militares anteriores. A partir da segunda metade da década de
1970, colocar para funcionar essa estrutura seria a principal tarefa no setor. Ademais,
considerando que mesmo com os diversos programas criados por agentes – públicos e
privados – envolvidos com a produção televisiva, ainda não havia um modelo de programa
educativo no campo televisivo brasileiro que, além de responder à demanda crescente por
educação, se enquadrasse na lógica do modelo comercial de televisão, já hegemônico no país.
Na prática, tinha-se uma série de programas educativos que se configuraram, apesar de
relativo e pontual sucesso, como meras extensões da sala de aula nos estúdios de TV, como
visto no capítulo anterior.
Esse panorama começa a ser alterado com a criação do Telecurso 2º Grau, programa
instrucional voltado para a preparação de jovens e adultos, maiores de 21 anos, aos exames
71

supletivos. A primeira marca distintiva do Telecurso em relação às experiências anteriores foi


o fato de um empresário do setor comercial da comunicação ser o grande responsável pela
concepção e desenvolvimento do projeto.
171
Em 26 de setembro de 1977, o empresário Roberto Marinho criava sua Fundação,
com o objetivo declarado publicamente de colocar os meios de comunicação a serviço da
educação. 172 A partir desse momento, o dono da TV Globo passou a atuar em uma área ainda
pouco contemplada pelas emissoras comerciais de televisão no Brasil, e que lhe possibilitaria
estreitar ainda mais as suas relações com diversos setores da sociedade e com o Estado, então
governado pelos militares.
A tarefa de colaborar com a resolução das deficiências educacionais do país poderia
ser realizada pela própria TV Globo que, além de se configurar como a principal emissora no
campo televisivo brasileiro na década de 1970, deveria cumprir, assim como as demais, a
obrigação legal estabelecida pela Portaria 408, de 1970, editada conjuntamente pelo MEC e
pelo MiniCom, e que previa a exibição obrigatória de pelo menos cinco horas semanais de
programação educativa pelas emissoras comerciais.
Porém, Roberto Marinho optou por criar mais uma instituição, ampliando ainda mais o
173
número de organismos pertencente às Organizações Globo. Na visão do empresário, a
FRM seria a “síntese de todas as sínteses” dos objetivos de suas empresas de comunicação. E
174
havia nascido, existia e continuaria existindo com o intuito de servir à sociedade brasileira.
175
Para os críticos, a Fundação seria o seu passaporte para o céu. O fato é que por meio de
uma Fundação seria possível a arrecadação de fundos, o abatimento de impostos e a captação
de verbas públicas para a execução dos projetos, expedientes que seriam impossibilitados caso
o Telecurso fosse simplesmente mais um programa na grade da rede carioca de TV.
A FRM iniciou seus trabalhos em duas frentes: na preservação do patrimônio histórico
e artístico nacional e na educação. Seu primeiro trabalho, ainda em 1977, foi uma campanha
de conscientização a respeito do patrimônio histórico de Minas Gerais. A Campanha de

171
RIXA, Ricardo Xavier. op. cit., p. 255.
172
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.), op. cit., p. 11.
173
Segundo informações de estudo da época: “A Rede Globo, tomada no conjunto das empresas que constituem
o grupo, é uma das maiores empresas privadas do Brasil, de propriedade do Dr. Roberto Marinho, que também é
seu administrador [...] com base no índice de faturamento no ano de 1978, a organização alcançou cerca do
equivalente a 0,4 do PNB. A organização consiste de uma série de empresas operando no ramo das
telecomunicações, entre as quais se incluem o jornal O Globo, a Rede de Televisão (5 estações próprias e 35
afiliadas), um sistema de 17 estações de rádio em AM e FM, duas editoras, uma companhia de promoções, uma
empresa para operação de cabodifusão e uma galeria de arte.” In: ARAÚJO e OLIVEIRA, João Batista.
Telecurso 2º Grau. Rio de Janeiro, 1980. p. 10 apud RONCA, Antonio Carlos Caruso, op. cit.
174
09/08/1979 – O Globo – Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo.
175
MACHADO, Romero. op. cit. p.52
72

Preservação da Memória Nacional trazia o slogan: “Nosso passado está vivo, ajude a
conservá-lo.” Nessa primeira campanha, a FRM já demonstrava como seria a sua atuação.
Contando com a parceria com instituições especializadas, organismos públicos e uma ampla
utilização do alcance nacional da TV Globo para dar publicidade às suas ações. No caso
específico daquela campanha, a FRM buscou o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico e Nacional (Iphan) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico
(Iepha) de Minas Gerais. As ações na TV estavam ligadas à divulgação de mensagens
televisivas que sensibilizassem a população sobre a importância de se preservar obras de arte,
monumentos históricos, etc. A campanha durou oito anos, veiculando mais de 500
propagandas de televisão. 176
Enquanto a FRM se apresentava à sociedade por meio de uma campanha pela
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, nos seus bastidores um projeto mais
ambicioso estava sendo preparado: um curso de ensino supletivo pela televisão e em rede
nacional. Com a execução desse projeto, Roberto Marinho concretizaria um dos motivos
principais para a criação da sua Fundação: empregar seus veículos de comunicação a serviço
da educação.
As estatísticas sobre a situação da educação no Brasil justificavam a iniciativa de um
curso supletivo pela televisão. Em 1978, cerca de dois terços da população acima de 21 anos
não havia completado o 2º Grau. Esse amplo número de pessoas despertou a atenção dos
realizadores do projeto. E em todos os eventos de divulgação do Telecurso se ouviu falar
nesse amplo público que o programa poderia atender. O que também serviria para legitimar a
atuação da FRM no setor educacional.
O fato de Roberto Marinho assegurar que a FRM teria todo o respaldo da TV Globo
177
para a produção do Telecurso não significava que ele queria executar o projeto por
iniciativa exclusiva de sua fundação. Seguindo a concepção de atuação que já havia sido
esboçada na Campanha de Preservação da Memória Nacional, a FRM buscou um parceiro,
mas, desta vez com experiência em teleducação e reconhecimento social neste tipo de
atividade.
A instituição escolhida foi a FPA, que desde sua criação, em 1967, empenhava-se na
produção de diversos programas instrucionais. A FPA tinha uma origem muito diversa de sua
congênere carioca. Nasceu da iniciativa do governador Abreu Sodré de criar uma emissora de

176
FINGUERUT, Silvia; Sukman, Hugo (orgs.), op. cit., p. 18.
177
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
73

178
TV pública para o estado de São Paulo. Desde que iniciou suas emissões, a TV Cultura
buscou seu espaço no campo televisivo, destacando-se, notadamente entre as emissoras
educativas, e tornando-se pauta recorrente nos veículos de imprensa impressa paulista como O
Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo e a revista Veja. Ao final da década de 1970 e início
dos anos 1980, tais veículos teciam comentários e críticas por meio de matérias, editoriais e
notas, a partir de suas visões e representações do papel de uma emissora cultural-educativa.
Apesar de não contar com os recursos econômicos, tecnológicos e artísticos da TV
Globo, a FPA detinha uma experiência considerável de mais de uma década, na produção de
programas educativos. Esse conhecimento de parte de seus produtores e técnicos se
constituiu, como algo muito distinto do apresentado na emissora carioca, a qual mantinha sua
programação calcada no par entretenimento/informação. A TV Cultura, apesar de todas as
dificuldades, notadamente financeiras, advindas de seu caráter público – mas totalmente
dependente de verbas estatais –, era reconhecida no campo televisivo e político como uma
emissora com capacidade de produção de programas de qualidade voltados para a educação, e
também para o ensino, além do reconhecimento setores que viam na FPA uma instituição
exemplar na tarefa de levar cultura à população. E foi esse o principal fator considerado por
Roberto Marinho ao escolher a FPA. O empresário sabia da importância de ter ao lado de sua
fundação um parceiro experiente e, sobretudo, reconhecido caso quisesse que o projeto
Telecurso alcançasse sucesso.
Produtos televisivos como Inglês com Música (1969), Curso de Auxiliar de
Administração de Empresas (1972), Curso de Auxiliar de Comércio Exterior (1974),
179
Telescola-74 (1974), além do já citado Madureza Ginasial, garantiram a FPA
reconhecimento frente aos agentes ligados à educação, à televisão e ao poder público.
Segundo seu presidente, à época, Antonio Soares Amora, foi devido à experiência e ao
sucesso do programa Madureza Ginasial que a FRM buscou a FPA para firmar o convênio de
execução do Telecurso. 180
Mas toda essa experiência da FPA não assegurava condição de igualdade na parceria
para produção do Telecurso. Na verdade, garantia ampla participação no trabalho e na
produção, mas em termos contratuais todos os direitos foram reservados a FRM. Essa queria
criar algo novo, a partir da experiência da FPA em teleducação, mas agregando a tal

178
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 123.
179
BARROS FILHO, Eduardo Amando de. op. cit., p. 184-191.
180
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
74

experiência à sua marca, notadamente a partir da utilização do que havia de mais moderno na
indústria televisiva nacional, via utilização de sua rede de TV.
E, sem dúvida, a contribuição que a emissora carioca poderia fornecer ao projeto de
um programa nacional de educação pela TV era de grande valia. A essa altura a emissora de
Roberto Marinho, além do prestígio nacional, já começava a ser reconhecida
internacionalmente por suas produções de qualidade. Era a oportunidade que a empresa de
comunicação teria de transportar todo esse reconhecimento para uma produção educativa,
tarefa que tinha suas particularidades.
Mesmo se constituindo como uma parceria, o trabalho entre as duas fundações era
marcado por disputas que refletiam a disposição de cada uma das emissoras dentro do campo
televisivo. Relação de força que foi se delineando desde o contrato para a parceria até a
criação e o desenvolvimento do programa.
Apesar de todo o alarde publicitário realizado, sobretudo por parte da FRM, na criação
do Telecurso, a parceria entre as empresas de Roberto Marinho e a FPA para a criação de um
programa televisivo não era inédita. Anos antes, em 1973, o autor de telenovelas Benedito
Ruy Barbosa, à época trabalhando na TV Cultura, buscou a ajuda da Rede Globo para o
financiamento das gravações da telenovela educativa Meu Pedacinho de Chão. Segundo
Benedito Ruy Barbosa, havia um certo preconceito entre os conselheiros da FPA em gastar os
escassos recursos da fundação com a produção de uma telenovela. Após tentar, sem sucesso,
parceria com outros canais de televisão, que sempre propunham uma produção triangular
envolvendo o governo federal, o autor recorreu à TV Globo. O projeto foi analisado por Boni
que o aprovou. Diferentemente das outras empresas que Benedito Ruy Barbosa procurou, a
emissora carioca forneceu todos os recursos financeiros para cobrir as despesas com os atores
e a equipe técnica de produção. Os capítulos da telenovela foram gravados em duas fazendas
na cidade de Itu, interior de São Paulo, e nos próprios estúdios da FPA. A trama veiculada,
por ambas as emissoras, inaugurou o horário das 18 horas da TV Globo, alcançando ótimos
índices de audiência. 181
O que ocorreu de distinto no caso do Telecurso foi uma maior intensidade na parceria.
Buscou-se uma atuação ativa de ambas as partes no projeto. Trabalho que uniu o
departamento de educação da FRM e o departamento de ensino da FPA. Nesse sentido, sim,
houve uma simbiose praticamente inédita no campo televisivo brasileiro – formado por
emissoras muitas vezes antagônicas, e que prezavam mais pela concorrência do que pela

181
MEMÓRIA GLOBO. Autores: Histórias da Teledramaturgia. São Paulo: Globo, 2008. v. 1 p. 210 – 211.
75

parceria. Somente, a partir desse esforço inicial, se tornou possível a concretização do


programa.

Organograma 1 - Principais agentes envolvidos com a produção do Telecurso 2º Grau.

Telecurso 2º Grau

Roberto Marinho Antônio Soares Amora


FRM FPA

Calazans Fernandes Oswaldo Sangiorgi


Departamento de Departamento de Ensino
Educação

Sylvia Magaldi Célia Marques


Coordenadora pedagógica Coordenadora
pedagógica

Fonte: Confeccionado pelo autor com dados extraídos dos Fascículos do Telecurso 2º Grau.

Como a parceria entre as fundações começou ainda em 1977, mais precisamente nos
mês de julho, ou seja, antes mesmo da inauguração oficial da FRM, foi necessário um artifício
jurídico para a celebração do contrato. No momento da assinatura da parceria, são
identificadas como partes no convênio, a FPA e a Central Brasileira de Produções e
Empreendimentos (CBPE).
O contrato registrava, devidamente, a divisão de tarefas entre as duas fundações. À
paulista ficou a incumbência de se comprometer “com a utilização de seus recursos humanos,
instalações e equipamentos” para a produção dos “programas-aula de televisão”. A outra parte
do contrato, a CBPE, representante da FRM, restou manter “junto à primeira, um coordenador
de produção”, o qual teria o papel de exercer o controle de qualidade da produção das aulas
que seriam veiculadas, bem como indicar e requisitar, material audiovisual de arquivo e
gravações especiais com o elenco da Rede Globo, sem ônus para a TV Cultura, quando
76

entendesse necessário que tais expedientes fossem colaborar para o enriquecimento do


produto. 182
Após a efetivação do contrato de parceria, as duas fundações elaboraram um
cronograma sintético com as principais atividades para o desenvolvimento do trabalho. Entre
as atividades previstas para a primeira fase estavam previstas: o planejamento, a avaliação
com os protótipos dos fascículos, a produção do programa-piloto para TV, a elaboração dos
textos para os fascículos, a redação pedagógica, a produção dos programas de TV, e,
finalmente, a transmissão.
A primeira atividade contemplada, de acordo com o cronograma sintético, foi o
planejamento. Nessa etapa, realizada no mês de julho de 1977, as duas instituições chegaram
a um acordo sobre como seria o programa e traçaram as primeiras balizas de como ele seria
produzido e esboçando seus passos de ação para as fases seguintes de produção.
A avaliação do protótipo dos fascículos, prevista para ser realizada em agosto de 1977
consistiu em um estudo realizado por uma equipe da FPA, no qual buscava-se saber qual seria
o melhor material impresso a ser adotado pelo programa. Durante esse processo, foi
produzido um documento denominado Relatório de Avaliação do Fascículo Zero, que revelou
algumas das preocupações iniciais dos agentes envolvidos com a elaboração dos fascículos.
O objetivo central da avaliação foi responder a seguinte pergunta: como funcionaria o
Fascículo Zero como material de estudos para alunos de supletivo 2º grau? Partindo desse
questionamento, a equipe realizou entrevistas com nove pessoas. As perguntas do
questionário foram divididas no intuito de responder a quatro situações. Em primeiro lugar,
buscava-se detectar qual a sistemática de estudo que um estudante de 2º grau normalmente
empregaria para aprender um determinado conteúdo de programa de supletivo 2º grau. Em
seguida as perguntas buscavam determinar a funcionalidade das ilustrações e da diagramação
nos fascículos. O terceiro objetivo consistia em identificar a comunicabilidade do texto. E, por
fim, visava averiguar a necessidade de uma seção de orientação de estudos e de uma seção de
auto-avaliação. 183
Todos os testes eram importantes, já que, segundo os organizadores do programa, os
fascículos deveriam ser planejados e redigidos com a preocupação de “facilitar ao máximo o
aprendizado” do aluno/telespectador, considerando, ainda, que o público do supletivo já era
adulto. 184

182
FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final, 1980. p. 3.
183
FPA. Relatório de Avaliação do Fascículo Zero. 1977. p. 2 – 5.
184
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1978.
77

Tal atividade era considerada de importância fundamental na execução do projeto,


tendo em vista que a todo o momento os realizadores do programa reiteravam a importância
da complementaridade dos meios (televisão e fascículo) para que o Telecurso alcançasse o
sucesso. Todavia, é importante salientar que esse discurso, que enaltecia os fascículos, servia
também como defesa para críticas contra o ensino pela televisão. Não se deve perder de vista
que as duas instituições envolvidas com a realização do programa têm o caráter de empresas
televisivas e, consequentemente, a atenção maior seria dada à produção do audiovisual. Ainda
assim, o cumprimento dessa etapa era fundamental, já que os fascículos deveriam estar nas
bancas quando da estreia do programa.
A elaboração dos textos para os fascículos do Telecurso era realizada por professores
da USP, seguindo um modelo utilizado pela FPA durante a produção do Madureza Ginasial.
Porém, apesar desse formato ser conhecido anteriormente, ainda havia problemas para sua
execução, sobretudo no que diz respeito à coordenação entre os trabalhos. Entre o texto dos
professores da universidade e a produção dos fascículos existia um redator pedagógico, cuja
função era adequar o texto elaborado pelos primeiros ao público alvo. É importante frisar que
os professores da USP estavam cientes de que seus textos eram direcionados para um curso
supletivo de 2º grau. Mesmo assim, as fundações viam a necessidade de adaptação do
material. O resultado em termos práticos era que a FRM, em suas reuniões e pronunciamentos
para divulgação do programa, apresentava o material do Telecurso como autoria dos
professores da USP, porém o texto do material passava por muitos cortes de acordo com os
interesses das fundações. Vale ressaltar que o Telecurso recebeu a chancela “Aprovado pelo
MEC”; dado que o programa devia seguir o currículo escolar oficial.
Paralelamente às avaliações desenvolvidas sobre os fascículos, outra equipe trabalhava
na produção do programa piloto para TV. Como veremos no terceiro capítulo, o grande
desafio para as fundações era criar um produto televisivo diferenciado que cumprisse os
objetivos de educar, porém de maneira que atraísse um grande público. Ou seja, para além de
um programa instrucional, o Telecurso precisava se tornar um programa de sucesso.
Ao final de 1977, com grande parte das atividades realizadas, as duas fundações
podiam dizer que tinha um programa educativo para o ensino supletivo. Toda a estrutura
estava pronta, havia um plano traçado para a execução do projeto e a clara percepção de como
seria o funcionamento do curso. Cumprida essa etapa, as instituições fizeram convites e
anunciaram o novo programa para o poder público. Apresentar o Telecurso para os agentes
políticos se tornaria uma estratégia constante da FRM, evidentemente visando à legitimação e
ao reconhecimento de suas ações comunicacionais no interior do campo político nacional.
78

No dia 16 de janeiro de 1978, no prédio da Fundação Padre Anchieta, ocorreu o


lançamento oficial do Telecurso 2º Grau. A cerimônia, realizada na hora do almoço, reuniu,
além dos presidentes das fundações parceiras – Roberto Marinho e Antonio Soares Amora –,
parte do secretariado do Estado de São Paulo, representantes do MEC e funcionários ligados à
produção do programa. O evento marcava simbolicamente o início de uma série de ações
voltadas à divulgação e à legitimação do Telecurso junto ao campo político. Os principais
agentes envolvidos com o projeto tinham de modo muito claro as potencialidades do novo
programa. E buscaram, a partir desse momento, demonstrar para os setores sócio-políticos a
grandeza do projeto.
Os produtores ao tornarem público os objetivos do Telecurso, anunciavam que o
programa não serviria tão somente para preparação dos alunos aos exames supletivos, mas
tinha interesse, também, em oferecer um curso de atualização de conhecimentos para aqueles
185
que já haviam concluído os estudos. Os números eram animadores e impressionantes.
Falava-se em 400 mil pessoas, com mais de 21 anos, que potencialmente poderiam ser
atendidas pelo programa, somente na Grande São Paulo. 186
A apresentação desses números na cerimônia de lançamento do Telecurso gerava um
desconforto entre os presentes. Se por um lado, tais dados justificavam a necessidade da
existência do projeto de Roberto Marinho. Por outro, escancarava a omissão do Estado,
governado pelos militares, na formulação de condições de acesso à educação por aquele
contingente de pessoas. Durante a cerimônia, coube ao secretário geral do MEC, Euro
Brandão, a ingrata missão de explicar o motivo da existência daquele número de pessoas sem
escolarização. Para o secretário, era “perfeitamente natural” que cerca de 400 mil pessoas,
com mais de 21 anos, não pudessem frequentar o 2º grau, dado que a meta prioritária do
governo federal para o ano de 1979 era “a escolarização de 90% dos 25 milhões de crianças
de 7 a 14 anos de idade, do 1º grau de ensino.” 187
Prioridade ao ensino de 1º grau era o mantra dos governistas durante toda cerimônia.
188
O então secretário de Educação de São Paulo, José Bonifácio Coutinho Nogueira, mesmo
reconhecendo o supletivo pela televisão como uma forma de “recuperar pessoas” que por
189
“razões sócio-econômicas não puderam freqüentar o antigo curso colegial”, enfatizava que

185
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
186
FRM. Relatório 1. 1978.
187
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
188
José Bonifácio Coutinho Nogueira foi o primeiro presidente da FPA, ocupando o cargo entre 1969 e 1972.
189
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
79

“a grande deficiência” estava no ensino de 1º grau, nível escolar, em que dos 700 mil alunos
matriculados apenas 200 mil chegavam à 8ª série. 190
O secretário da Cultura, Ciência e Tecnologia, Max Feffer, lembrou que a oferta de
ensino para o 1º grau crescera bastante durante a década de 1970, mas não tivera
191
correspondente ampliação no 2º grau. E completava seu discurso afirmando que, “por
todas as razões que não permitiram um grande número de pessoas a freqüentar o 2º grau na
idade escolar”, o Telecurso se constituía numa oportunidade para que os interessados se
aperfeiçoassem. Por fim, ressaltara os baixos custos da produção do programa. De acordo
com o secretário, estimativas feitas pela FRM indicavam que, para atender toda a clientela
prevista – cerca de 400 mil pessoas – dentro do sistema oficial de ensino, seriam necessários
investimentos da ordem de dois bilhões de cruzeiros, considerando os custos de construção,
remuneração do corpo docente, equipamento. E que o Telecurso custaria 10% desse valor. 192
E o primeiro resultado desse investimento foi assistido pelos presentes à cerimônia por
volta das 13h30, horário em que a primeira aula do programa foi reprisada pela TV Cultura. A
edição foi um exemplo do que viria a se constituir o Telecurso, demonstrando a capacidade da
FRM em envolver os principais artistas da Rede Globo, e mostrando, inegavelmente, que a
participação da fundação na parceria era a certeza do empenho da TV de Roberto Marinho no
projeto. A estreia contou com tapes do humorista Chico Anísio, dos atores Kito Junqueira e
Paulo Gracindo, dos cantores Moreira da Silva, Isaura Garcia, Maísa e Rita Lee,
193
representantes de diferentes gêneros musicais, do samba ao rock, revelando o interesse da
produção em tornar o programa educativo bastante popular.
Mesmo o Telecurso contando com todo esse aparato técnico e artístico, Oswaldo
Sangiorgi, diretor da FPA, alertava que nada conseguiria substituir um professor. Para ele, as
aulas pela TV não garantiriam o aprendizado e teriam apenas um caráter motivador para o
194
aluno buscar informação nos fascículos. Porém, entendia que o Telecurso seria importante
ao “auxiliar o processo educativo, além de ser uma forma de proporcionar educação
permanente a todos, através da utilização de multimeios, como fascículos, jornais e televisão.”
Mas lembrava que o aproveitamento dos alunos/telespectadores somente poderia ser notado a
195
partir da realização dos exames supletivos oficiais.

190
O Estado de São Paulo. TV inicia curso de 2º grau. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
191
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
192
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
193
Ibid.
194
O Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
195
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
80

Quando da inauguração do Telecurso, Sangiorgi já acumulava uma longa atuação com


programas educativos. Talvez por conhecer bem os desafios de se educar pela televisão, o
diretor do Departamento de Ensino da FPA tivesse sido tão reticente em suas palavras iniciais
sobre o Telecurso. Ademais, é lícito supor que ele soubesse que fazer um programa educativo
alcançar um grande sucesso, como almejava Roberto Marinho, não era uma tarefa fácil. Ainda
mais considerando que historicamente a televisão brasileira, incluindo a emissora de Roberto
Marinho, se dedicara exclusivamente ao entretenimento e à informação. A prudência do
discurso de Sangiorgi marcava, de certa maneira, uma distinção entre os agentes envolvidos
com programas educativos em emissoras públicas e os que trabalhavam com o entretenimento
em estações comerciais.
O próprio Roberto Marinho, sabendo do longo caminho a percorrer com o Telecurso,
armou-se de todos os argumentos durante o seu discurso para defender o programa diante das
autoridades presentes na cerimônia de lançamento. O empresário classificou o momento de
“importante e decisivo”, visto que com o Telecurso ocorreria efetivamente o encontro dos
meios de comunicação de massa com os anseios da sociedade por educação. Admitiu a
existência de outras experiências na área, mas foi incisivo ao afirmar que o Telecurso
representava uma experiência pioneira e que se configurava como uma iniciativa que nascia
vitoriosa, e se tornara possível pela soma de esforços. Reconhecia que a FPA tinha larga
experiência no seu campo de ação e conseguira formar uma competente equipe de técnicos, e
que a FRM, embora recente, asseguraria, com sua presença a contribuição da Rede Globo ao
Telecurso. 196
Na parte final de seu discurso, Roberto Marinho assinalou a necessidade de ampliação
do público ao Telecurso, e ressaltou que, apesar do programa ter sido iniciado somente em
São Paulo, o projeto era nacional, “uma contribuição ao Brasil”. Fazendo um paralelo com a
história da TV, Marinho afirmava: “a televisão tornou-se possível porque tornou
rigorosamente nacional a nossa capacidade de comunicação. Somos imagem e som para todo
197
o Brasil. Temos assim, os instrumentos para as aulas e cursos de âmbito nacional.”
O empresário não se esquecera de salientar o aspecto social do projeto: “a
característica social é inseparável dos meios de comunicação de massa. Nada é social e
publicamente mais urgente do que a educação.” E finalizava seu discurso em tom patriótico:

196
Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
197
Ibid.
81

“É com esta obra, a serviço do Brasil, a serviço de nosso povo, que concebemos e pomos em
prática o Telecurso, a cargo da Fundação Anchieta e da Fundação Roberto Marinho.” 198
Um dos parceiros do projeto, o jornal Folha de S. Paulo, tratava de divulgar em uma
matéria o que mais tarde se confirmaria como um dos diferenciais do Telecurso em relação
aos outros programas educativos que já haviam existido na TV brasileira. O periódico
destacava que o Telecurso era produzido obedecendo aos princípios básicos de atração dos
programas de TV comercial, utilizando uma linguagem acessível aos telespectadores que
ainda não cursaram o 2º grau. Também enfatizou o trabalho de atores e apresentadores
199
conhecidos do grande público e o fato das transmissões serem todas realizadas a cores.
Enfim, o jornal louvava o fato da lógica da TV comercial brasileira, em termos de produção,
finalmente chegar aos programas instrucionais. Posicionamento que rendia ao Telecurso e aos
seus realizadores reconhecimento e legitimação política, contribuindo, em certa medida, para
que Roberto Marinho ampliasse ainda mais suas ações no setor das comunicações eletrônicas.
Com o início do Telecurso pela televisão começou também a comercialização dos
fascículos nas bancas de jornal. Para potencializar as vendas, as duas fundações investiram
maciçamente em propaganda. Esse tipo de ação publicitária pôde ser constatada pelo leitor
dos veículos da mídia impressa um dia após a inauguração do Telecurso.
Os principais jornais de São Paulo trouxeram, durante as primeiras semanas após a
inauguração da novidade televisiva, espaços publicitários apresentando o programa e
divulgando a venda dos fascículos, como podemos observar na imagem abaixo:

Imagem 1 – Modelo de propaganda do Telecurso na imprensa impressa.

Fonte: Folha de S. Paulo, 17 de janeiro de 1978.

198
Globo. Lançado o Telecurso da Fundação Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1978.
199
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
82

A propaganda acima reproduzida, que ocupou meia página na capa do caderno Folha
Ilustrada, da Folha de S. Paulo, incentivava, em destaque, a compra dos fascículos. O
anúncio avisava que as aulas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Geografia e História
ocorreriam durante o primeiro semestre de 1978, e que os fascículos poderiam ser adquiridos
200
todas as quartas-feiras nas bancas com a garantia de entrega da frota da Folha. Uma
semana após a inauguração do programa o convite era para a aquisição do segundo fascículo,
na semana seguinte do terceiro, e assim sucessivamente, sempre reforçando a necessidade do
aluno/telespectador comprar o material.
Mas a publicidade sobre o Telecurso não ficou restrita aos meios impressos. A
televisão foi um importante canal de divulgação do produto e a participação da Rede Globo
no projeto favoreceu ainda mais tal exposição midiática. O canal de Roberto Marinho
forneceu além dos atores para a gravação das chamadas, os horários na TV para sua
veiculação, formato semelhante ao realizado durante as primeiras campanhas da FRM.
Abaixo (imagem 2) podemos observar um frame dessas propagandas do Telecurso, nela o
humorista Jô Soares segura um fascículo do programa como se estivesse apresentando a
novidade para a mulher que está sentada ao seu lado.

Imagem 2 – Jô Soares em propaganda do Telecurso veiculada na televisão.

Fonte: FRM 30 anos.

Antônio Ronca, ao estudar o programa, descreveu outras duas peças publicitárias


veiculadas pela TV. A primeira exibia a imagem do viaduto do chá, em uma tomada geral,
com intenso movimento de pessoas, e uma voz em off, de início, dizia: “meu nome é Adolfo

200
Folha de São Paulo. Telecurso de 2º grau já iniciado em dois canais. São Paulo, 17 de janeiro de 1978.
83

Bezerra, 27 anos, casado. Já fui atendente de hospital, enfermeiro, balconista de farmácia. Em


1978, achei que devia mudar de vida, ter uma profissão. A primeira coisa que pensei é que
teria que terminar o 2º Grau.” Com o avançar da narração o foco da câmera vai se fechando:
“Sempre é bom ter um diploma, é uma coisa mais básica, mais sólida. Aí me veio na cabeça
fazer o supletivo, comprei os fascículos e fiz a inscrição. Lia os fascículos nas horas de folga e
no ônibus.” E ao final em close-up o rapaz conclui: “Melhorei profissionalmente e não tenho
mais vontade de parar de estudar; cheguei até prestar exame para direito, mas não consegui
freqüentar o curso por causa do trabalho. Mas eu chego lá.” 201
A segunda propaganda apresentava um operário que, aos poucos, conseguia adquirir
formação profissional. Enquanto quadros em diferentes momentos de sua vida ganhavam a
tela o operário repetia: “eu cheguei lá.” A propaganda terminava com a frase que se tornou o
slogan nas propagandas na imprensa impressa: “Telecurso 2º Grau: estude sempre. O
caminho é esse.” 202
A utilização da TV era uma estratégia comercial declarada de Roberto Marinho.
Matéria publicada em O Globo ressaltava a utilização do meio na divulgação do Telecurso.
Segundo o jornal, a televisão procurou utilizar tudo aquilo que poderia gerar respostas
positivas. De acordo com a matéria, os anúncios do Telecurso eram vistos no Brasil cerca de
9.000 vezes por mês, sempre contando com “o uso da capacidade motivadora da televisão,
dentro da mais moderna linguagem, aproveitando até a credibilidade proporcionada pela
participação de artistas conhecidos e estimados pelo público.” 203
Uma vez por mês os fascículos do Telecurso vinham acompanhados do Jornal do
Estudante, encarte que publicava cartas dos alunos/telespectadores com suas impressões sobre
o programa. Obviamente, mesmo as declarações que continham algum tipo de crítica ao
vinham acompanhadas de algo elogioso. Nesse sentido, todas as propagandas, tanto no meio
impresso quanto no televisivo, chamavam a atenção para a possibilidade de crescimento
pessoal, sobretudo com ganhos a partir da conquista de novos postos de emprego, ressaltando
sempre que o caminho para o sucesso só dependia da vontade do aluno.
Iniciada a exibição do Telecurso 2º Grau e as veiculações publicitárias em São Paulo,
competia a FRM buscar contatos com os agentes que viabilizariam as parcerias para a
expansão nacional. Mas antes que o programa atingisse o ápice com a veiculação, Roberto
Marinho buscou apoio em cidades estratégicas para lançar, de forma paulatina, o Telecurso, e

201
RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit., p. 90.
202
Ibid. p. 90
203
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1978.
84

conseguir dar maior visibilidade ao projeto. Tarefa que foi constantemente perseguida pelos
produtores no decorrer do primeiro semestre de 1978.

2.3 Expansão e desenvolvimento

Em meio ao processo de divulgação e expansão do Telecurso ocorriam alguns fatos


que diziam respeito ao futuro do programa. Em matéria publicada no dia 23 de março de
204
1978, o jornal O Estado de S. Paulo registrou a posição do diretor do Departamento de
Ensino Supletivo do MEC, Leonardo Leite Carvalho, sobre o uso dos meios de comunicação
no ensino. A matéria destacava que Carvalho defendia os supletivos via rádio e TV das
críticas feitas por educadores de que os projetos do governo eram ineficientes e de alto custo.
Esse tipo de notícia revela que havia uma crítica e uma vigilância quanto à utilização desse
tipo de programa. A posição de Carvalho sobre o tema era importante para as aspirações da
FRM. O diretor, quando da inauguração do Telecurso, enviou uma nota às autoridades
presentes à cerimônia em São Paulo parabenizando pela iniciativa. As críticas pontuais à
utilização da televisão no ensino supletivo não foram, entretanto, capazes de desencadear uma
polêmica sobre a criação do programa por Roberto Marinho.
Conforme estabelecido entre a FPA e FRM, ainda na etapa de planejamento, o
momento de expansão nacional do Telecurso estava chegando. Os primeiros meses de 1978
marcaram o sucesso das teleaulas e das vendas dos fascículos em São Paulo, e a boa aceitação
do programa, não somente pela audiência, mas, notadamente, por parte de agentes ligados aos
poderes públicos – que estavam ansiosos para contar com o Telecurso em sua cidade. Nesse
momento, a meta da FRM era atingir todo o território nacional, estabelecendo parcerias com
secretarias de educação, com emissoras educativas e afiliadas da Rede Globo.
Dessa forma, depois de São Paulo o próximo local escolhido pela FRM para a
exibição foi a Capital Federal. Possivelmente, a centralidade de Brasília e sua
representatividade como aglutinadora do poder político nacional fizeram da cidade a favorita
para receber o programa antes mesmo do Rio de Janeiro, cidade natal da FRM e da TV Globo.
A chegada oficial do Telecurso à Capital Federal, no dia 19 de abril de 1978, foi
marcada por uma cerimônia para apresentação especial do programa às autoridades locais.
Estavam presentes os diretores da Globo de Brasília, Afrânio Nabuco e Edgardo Erichsen, o
secretário de educação do Distrito Federal, Embaixador Wladimir Murtinho, o chefe da

204
O Estado de S. Paulo. Técnico do MEC defende supletivo por Rádio e TV. São Paulo, 23 de março de 1978.
85

gabinete do MEC, Carlos Alberto Direito, o secretário-geral do MEC, Euro Brandão e o reitor
da Universidade de Brasília (UNB), José Carlos de Azevedo.
Como ocorreu na inauguração do Telecurso em São Paulo, a presença das autoridades
educacionais ligadas ao MEC era importante para a viabilização dos futuros projetos da FRM.
Entre os presentes, em Brasília estava o reitor da UnB, o qual, dois anos mais tarde, firmaria
uma parceria com a FRM para a criação do Telecurso voltado para o 1º grau. A UnB foi
pioneira na busca por experiências com teleducação. Mesmo com a impossibilidade da
instalação de uma Universidade Aberta no Brasil, aos moldes da Open University britânica, a
UnB criou cursos de extensão à distância que seguiam a metodologia da instituição inglesa.
205

Durante a cerimônia, Roberto Marinho anunciou a expansão do Telecurso que nos dias
subsequentes chegaria a mais três cidades: Brasília, Goiânia e Rio de Janeiro. Em seu
discurso, o empresário disse que vinha recebendo solicitações de diversas regiões do país para
a instalação do projeto. Ressaltou que, “no espaço de 90 dias”, o programa estaria
206
beneficiando um terço da população brasileira nos principais centros de decisão do Brasil.
E prosseguia reconhecendo que o sucesso do Telecurso ocorreu rapidamente e atribuiu o êxito
do programa, por um lado, à carência no Brasil de projetos em prol da educação, e, de outro,
sobretudo, à “qualidade da oferta elaborada por técnicos e professores, que aliaram o melhor
do seu talento à capacidade multiplicadora da televisão.” 207
Roberto Marinho afirmava estar ciente da grande responsabilidade de seu programa
junto à sociedade. Na falta de dados concretos sobre o sucesso do Telecurso no que se referia
à aprendizagem – tendo em vista que ainda não havia sido realizado nenhum exame supletivo
oficial –, o empresário falou sobre a importância de sua iniciativa dentro de uma concepção
de educação permanente, a qual se fundava “no princípio de que o processo de aprendizado
deve prolongar-se e aprimorar-se por toda a vida, objetivando a promoção social, cultural e
econômica do ser humano.” 208 E reforçou essa ideia ao recordar que já na cerimônia realizada
na FPA, ele tinha consciência de que o Telecurso buscava ampliar o conceito de educação
permanente, nos padrões até então implantados no Brasil. 209

205
O Estado de São Paulo. UnB dará curso por correspondência. São Paulo, 11 de março de 1979.
206
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
207
Ibid.
208
Ibid.
209
Ibid.
86

Para além da função estritamente educacional, Roberto Marinho não poderia deixar de
210
ressaltar que o Telecurso estava colaborando para o desenvolvimento nacional. Segundo
ele, o programa era fundamental para “o desenvolvimento harmonioso de um país” que estava
211
vivendo um “acelerado processo de mudança e modernização.” Todavia, essa fala otimista
quanto à saúde econômica do país não encontrava ecos na realidade, pois no final da década
de 1970 já se podia verificar os primeiros “sinais de esgotamento dos modelos econômicos
latino-americanos” que mostraram-se “incapazes de manter um processo de crescimento auto-
212
sustentado.” Nesse sentido, o PIB brasileiro, que chegou a crescer a 14% em 1973, com
uma dívida externa na casa dos US$ 12,6 bilhões, passados pouco mais de quatro anos
registraria 5% de crescimento agregado a uma dívida que multiplicaria por mais de três vezes
213
atingindo US$ 43,5 bilhões. Roberto Marinho ainda enfatizou que pretendia com o
Telecurso “possibilitar o encontro aqui, e agora, da educação com a TV”, que na sua
concepção, enfrentavam um desafio comum: o “serviço aos que mais precisam.” E encerrou
afirmando que a FRM trabalharia “para a democratização do ensino e para a igualdade de
oportunidades, indispensáveis postulados à grandeza de um futuro que podemos desde já
entrever.” 214
A instalação da Telecurso em Brasília possibilitaria a Roberto Marinho alcançar
parceiros estratégicos para a expansão, reconhecimento e legitimação política do projeto e de
sua fundação. Logo após estrear em Brasília foi iniciada a transmissão do programa em
Goiânia e Anápolis.
Ao que tudo indica a FRM não encontrou dificuldades para a instalação do projeto no
Estado de Goiás. O principal parceiro era a Organização Jaime Câmara, de propriedade dos
Irmãos Câmara, que eram donos tanto de emissora afiliada da Rede Globo no estado, a TV
215
Anhanguera, quanto do jornal O Popular, periódico encarregado pela distribuição dos
fascículos do Telecurso na região.
Após estrear em São Paulo, Brasília, Goiânia e Anápolis, o Telecurso, que foi
amplamente divulgado nas páginas do O Globo ao longo dos primeiros meses do ano de 1978,

210
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
211
Ibid.
212
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil,
1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.) O Brasil Republicano. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 253
213
EARP, Fábio Sá; PRADO, Luiz Carlos Delorme. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração
internacional e concentração de renda. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. (Org.) O
Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 223
214
O Globo. Um terço da população nos grandes centros vê o Telecurso. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1978.
215
CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo. Porto Alegre: L.P.M, 1982. p. 109.
87

finalmente chegaria às telinhas cariocas. No Rio de Janeiro, o programa seria veiculado a


partir do dia oito de maio em quatro horários, às 7h30 e às 8h15, pela TV Globo, e às 16h30 e
19h30, pela TV Educativa, além das reprises nos finais de semana. 216
O anúncio da chegada do Telecurso ao Rio de Janeiro desencadeou demonstrações
públicas de apreço de agentes ligados ao campo político, televisivo e educacional sobre a
iniciativa da FRM. A primeira manifestação pública de representantes do Poder Legislativo da
cidade do Rio de Janeiro. Na sessão ordinária do dia 20 de abril de 1978, a vereadora e atriz
Daisy Lúcidi (ARENA) destacou “o grande serviço que a emissora estava prestando ao Rio e
à nacionalidade.”
Naturalmente, essa declaração ganhou destaque nas páginas do jornal de Roberto
Marinho. Na notícia, intitulada “Vereadora aplaude Telecurso”, o jornal enfatizou os
agradecimentos, mas não citava em nenhum momento que Daisy Lúcidi, além de vereadora,
era atriz do elenco Global. Situação que denota um claro exemplo das interfaces e relações
entre o campo televisivo e o campo político.
O discurso realizado pela atriz/vereadora da tribuna da Câmara Municipal do Rio de
Janeiro não foi tão extenso, mas contemplou pontos importantes para o projeto de legitimação
da FRM, da Globo, e do próprio Roberto Marinho.
Segundo a vereadora, o Telecurso, que já havia sido “lançado há três meses em São
Paulo com um sucesso espetacular”, chegaria ao Rio, apesar dos altos encargos empregados
pela FRM. Lúcidi reiterou o caráter comercial da emissora de Roberto Marinho aos colegas
vereadores: “Vejam, Sr. Presidente, Srs. Vereadores, que beleza de iniciativa! Uma cadeia de
televisão, de custos altíssimos, de manutenção elevadíssima, dedica boa parte de seu horário
aos que precisam receber instrução do 2º Grau, sem sair de casa.” 217
Em seguida, a vereadora ressaltou a criação da Rio Gráfica Educação e Cultura, a qual
em suas palavras se configurava como “outra organização desse brasileiro indomável e de
espírito empreendedor, o insigne Doutor Roberto Marinho a quem a cultura brasileira deve,
hoje, um grande acervo de iniciativas e realizações.” 218
Encerrando seu discurso, Daisy Lúcidi reiterou que “a partir do dia 08 de maio, uma
segunda-feira, teremos o Telecurso 2º Grau no Rio,” motivo de “incontida satisfação para
todos nós, por sabermos que muita gente, milhões de pessoas, estavam esperando ansiosas,

216
O Globo. Telecurso é mostrado a jornaleiros no Rio. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1978.
217
Diário da Câmara Municipal, Rio de Janeiro. Ata da 26ª Sessão Ordinária em20 de abril de 1978.
218
Ibid.
88

por esta oportunidade de complementar em casa seus estudos.” E finalizou, afirmando que seu
pronunciamento tinha como objetivo:

Prestar ao grande brasileiro Roberto Marinho, as homenagens de nossa Casa,


as homenagens de nossa Cidade – os agradecimentos que transmito
orgulhosa e comovida, de quantos estarão, a partir dos próximos dias, de
olhos pregados na televisão aprendendo mais, alargando seus horizontes, se
preparando melhor para enfrentar a vida difícil de nossos dias. 219

Outro agente importante – tanto no campo televisivo quanto no educacional – que se


manifestou a partir da chegada do Telecurso no Rio de Janeiro, foi o professor Gilson Amado.
Essa manifestação pública também foi divulgada pelo jornal O Globo, que não poderia
menosprezar um elogio de um dos principais entusiastas da teleducação no Brasil. Dessa vez,
o jornal utilizou a seção Carta aos leitores para publicar a declaração. Nesse momento,
Gilson Amado era o Presidente da FCBTVE do Rio. Ou seja, um parceiro da FRM, tendo em
vista que o Telecurso seria veiculado também pela TVE. Na carta, Gilson Amado cita o
convênio entre as instituições e parabeniza Roberto Marinho pela iniciativa:

Felicito o ilustre amigo pelo lançamento do Telecurso 2º Grau,


empreendimento educativo e cultural que enriquece a televisão brasileira e
com o qual a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa muito se honra de
colaborar. 220

Como um agente ligado às emissoras educativas, Gilson Amado, diferentemente da


vereadora Daisy Lúcidi, não poderia esquecer o papel da FPA na elaboração do Telecurso:

[...] ontem, através do programa ‘lições de vida’, tive a oportunidade de falar


sobre o ‘Telecurso’, colocando em relevo a importância, para a educação de
nosso povo, da meritória iniciativa da Fundação Roberto Marinho, com a
cooperação da Fundação Padre Anchieta. 221 [grifo nosso]

O fato da declaração de Daisy Lúcidi ter sido publicada como uma matéria, enquanto a
de Gilson Amado na seção Carta aos Leitores, revela o modo que Roberto Marinho, por meio
de sua empresa jornalística, tratava o tema, marcando a distinção e a importância dos agentes
para o processo de legitimação e reconhecimento do Telecurso. De um lado, Daisy Lúcidi que
além de vereadora e oriunda da Rede Globo, eram figura popularmente conhecida, não
somente por sua atuação política, mas sobretudo pela performance artística como
222
apresentadora de um programa na Rádio Nacional desde 1971, e, o mais importante,
apoiava o projeto de Roberto Marinho. De outro lado, um agente relevante dentro do campo

219
Diário da Câmara Municipal, Rio de Janeiro. Ata da 26ª Sessão Ordinária em20 de abril de 1978.
220
O Globo. Telecurso 2º Grau (carta aos leitores). Rio de Janeiro, 12 de maio de 1978.
221
Ibid.
222
http://www.museudatv.com.br/biografias/Daisy%20Lucidi.htm Acesso em 15/05/2011.
89

televisivo e educacional, com firme atuação nos primeiros experimentos na área de


teleducação, mas, embora, integrante de uma parceria circunstancial com a FRM, suas
considerações e ações dentro do setor se constituem em uma contraposição ao exaltado
pioneirismo de Roberto Marinho na criação e na natureza de financiamento do Telecurso.
Afinal foi Gilson Amado, como vimos no primeiro capítulo, que defendia que as ações em
teleducação deveriam ser fruto da ação do Estado, por meio de suas emissoras educativas, as
quais, para o professor, deveriam ter papel fundamental no desenvolvimento educacional do
país. Nesse sentido, mesmo reconhecendo que as declarações de apoio de Gilson Amado ao
programa eram importantes para a estratégia da FRM de expansão nacional do Telecurso – já
que quanto maior o reconhecimento dentro dos campos televisivo, político e educacional mais
legítima tornava-se a atuação da FRM e da Rede Globo na área de educação – Roberto
Marinho não concederia um amplo espaço em suas empresas para repercutir declarações de
um agente que na década anterior também havia colocado no ar um programa educacional
pioneiro cujas principais ideias estavam sendo retomadas pelo Telecurso.
Pouco antes do início das edições do Telecurso nas telinhas cariocas, a FRM precisou
acertar alguns detalhes quanto ao processo de distribuição dos fascículos. Os donos de banca
de jornal do Rio de Janeiro foram apresentados ao Telecurso no dia 24 de abril de 1978, em
evento realizado no auditório do O Globo. Na ocasião, foi explicado como seria o Telecurso e
o funcionamento de distribuição dos fascículos. A reunião, além de palestras, contemplava a
exibição, via circuito fechado de TV, de uma edição do programa educativo. Participaram
Luiz Paulo Jacobina Vasconcelos, diretor do O Globo, que apresentou Nilson Rezende,
gerente de Circulação do jornal, Wellis Costa e Hamilton Pacciulo da Rio Gráfica Educação e
Cultura, todos incumbidos de explicarem aos convidados as diversas fases do programa. 223
Pacciulo afirmou que o Telecurso tinha como finalidade “atender a uma massa da
população” que não tivera condições de estudar “por vários motivos”, e que as aulas na
televisão teriam uma função motivadora, “quase um show”. Dessa forma, dando um
panorama sobre o conteúdo das disciplinas que poderiam ser encontradas nos fascículos,
sempre com bastante clareza, ele ressaltou que o curso completo teria um ano e meio de
duração e os alunos teriam o direito, inclusive, à carteira de estudante. 224
Um semestre no ar. Foi esse o tempo que a FRM necessitou esperar para que o
Telecurso despertasse interesse entre os principais agentes do campo político. Esse
reconhecimento tornou-se fator preponderante para viabilizar a expansão nacional do projeto

223
O Globo. Telecurso é mostrado a jornaleiros no Rio. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1978.
224
Ibid.
90

a partir de julho de 1978. Devido ao êxito do Telecurso em São Paulo e a sua boa aceitação
nas cidades onde fora inaugurado no decorrer do primeiro semestre, a expansão em âmbito
nacional não parecia estar cercada de maiores problemas. Afinal, o modo de veiculação e
ordenação das atividades já estava sendo executado nas principais capitais do país. Nesse
momento, o Telecurso ganhava relevo pela demonstração da força e do alcance geográfico
que a televisão comercial poderia atingir em um processo educativo, o que interessava muito
aos militares com vistas à sua política de integração nacional.
O Telecurso, que já era veiculado em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Goiânia, a
partir do dia 14 de julho de 1978 passou a ser transmitido para todo o Brasil via 33 estações.
A ampliação do sinal esteve alicerçada na vasta rede de afiliadas à Rede Globo, nas emissoras
educativas do governo federal e em alguns canais comerciais.
Na região Norte, por exemplo, onde a TV Globo não possuía afiliadas, a parceria foi
efetivada com outras emissoras comerciais. Como se pode observar pelos dados (quadro 6)
todos os estados dessa região exibiam o Telecurso ao menos uma vez por dia. Em algumas
localidades, onde havia uma dificuldade maior para a distribuição dos fascículos, a FRM
montou um esquema de mala direta, pelo qual o aluno/telespectador podia adquirir o material
diretamente com a Rio Gráfica Educação e Cultura.

Quadro 3 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Norte em 1978.


Horários
Estados Emissora/Cidade Segunda a sexta-feira
Acre TV Acre/Rio Branco 18h30
Amapá TV Amapá/Macapá 18h30
TV Ajuricaba/Manaus 12h15
Amazonas TV Amazonas/Manaus 18h15
TV Educativa/Manaus 20h
Pará TV Liberal/Belém 8h45 (1ª emissão)
13h30 (2ª emissão)
Rondônia TV Rondônia/Porto Velho 18h30
Roraima TV Roraima/Boa Vista 18h30
Fonte: FRM. Relatório 1.
Na maioria dos estados da região Nordeste, a veiculação do Telecurso ocorreu em
duas emissões, possivelmente devido à alta demanda por educação nessas localidades. Dentre
as emissoras comerciais, somente a TV Verdes Mares, no Ceará, e a TV Gazeta, em Alagoas,
exibiam o programa apenas uma vez ao dia. No caso cearense, entretanto, a emissão era,
entretanto, complementada pela veiculação da TV Educativa.
91

Quadro 4 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Nordeste em 1978.


Estados Emissora/Cidade Horários
Segunda a sexta-feira
Bahia TV Aratu/Salvador 10h15 (1ª emissão)
11h15 (2ª emissão)
TV Verdes Mares/Fortaleza 11h45
Ceará 6h45 (1ª emissão)
TV Educativa/Fortaleza 18h40 (2ª emissão)
10h30 (1ª emissão)
TV Difusora/São Luís 17h (2ª emissão)
Maranhão 12h30 (1ª emissão)
TV Educativa/São Luís 18h30 (2ª emissão)
11h45 (1ª emissão)
Piauí TV Rádio Clube/Teresina 14h45 (2ª emissão)
19h30 (1ª emissão)
Rio Grande do TV Universitária/Natal 21h (2ª emissão)
Norte 10h (1ª emissão)
TV Globo/Natal 11h30 (2ª emissão)

Paraíba TV Globo/João Pessoa 10h (1ª emissão)


11h30 (2ª emissão)
Pernambuco TV Globo/Recife 10h (1ª emissão)
11h30 (2ª emissão)
TV Universitária/Recife 18h15 (1ª emissão)
21h30 (2ª emissão)
Alagoas TV Gazeta/Maceió 15h45
10h45 (1ª emissão)
Sergipe TV Sergipe/Aracaju 12h10 (2ª emissão)
Fonte: FRM. Relatório 1.

A região sul também contou com uma ampla cobertura para a veiculação do Telecurso
(quadro 8). No Rio Grande do Sul, uma emissora comercial e outra educativa totalizavam três
emissões diárias do programa. Em Santa Catarina, a TV Coligados levava ao ar o programa
em dois horários. E, no Paraná, duas emissoras eram responsáveis pela cobertura no Estado.

Quadro 5 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sul em 1978.


Estados Emissora/Cidade Horário
Segunda à sexta-feira
TV Gaúcha/Porto Alegre 9h15
Rio Grande do Sul 19h (1ª emissão)
TV Educativa/ Porto Alegre 21h (2ª emissão)
11h35 (1ª emissão)
Santa Catarina TV Coligados/Blumenau 17h15 (2ª emissão)
9h45 (1ª emissão)
TV Paranaense/Curitiba 10h30 (2ª emissão)
Paraná TV Cultura 10h15 (1ª emissão)
Canal 8 – Maringá 11h (2ª emissão)
Fonte: FRM. Relatório 1.
92

A maior parte da região sudeste já acompanhava o Telecurso há algum tempo, com


exceção dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, que receberam o sinal a partir de julho.
Em ambos a emissão era feita por dois canais. No caso mineiro, a própria TV Globo era
responsável pela veiculação na região metropolitana de Belo Horizonte. E a TV Triângulo
complementava a cobertura do estado, gerando sinal para Uberlândia. No Espírito Santo, a
emissão ficou por conta da TV Gazeta e da TV Educativa, que transmitiam as aulas da FRM
quatro vezes ao dia.

Quadro 6 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Sudeste em 1978.

Horários
Estados Emissora/Cidade Segunda a sexta-feira
TV Triângulo/Uberlândia 12h30
Minas Gerais 10h (1ª emissão)
TV Globo/Belo Horizonte 11h30 (2ª emissão)
12h (1ª emissão)
Espírito Santo TV Gazeta/Vitória 15h30 (2ª emissão)
18h15 (1ª emissão)
TV Educativa/Vitória 21h15 (2ª emissão)
Fonte: FRM. Relatório 1.

Por fim, a região Centro-Oeste, que também já havia sido contemplada com a
inauguração antecipada do Telecurso em Goiânia e Brasília, restava apenas o então estado do
Mato Grosso. 225 Na região, a veiculação foi realizada por meio de três emissoras, garantindo
que as aulas chegassem à Cuiabá, Campo Grande e Corumbá.

Quadro 7 – Transmissão do Telecurso 2º Grau na Região Centro-Oeste em 1978.


Horários
Estados Emissora/Cidade Segunda a sexta-feira
TV Centro América
Canal 4 - Cuiabá 11h45
Mato Grosso TV Morena
Canal 6 – Campo Grande 11h30
TV Cidade Branca
Canal 5 - Corumbá 17h15
Fonte: FRM. Relatório 1.

225
O Estado do Mato Grosso do Sul foi criado através de Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977 e
instituído oficialmente a partir de 1º de janeiro de 1979.
93

O alcance nacional do Telecurso significava visibilidade às ações da FRM, e por


extensão à Rede Globo, e de todos que faziam parte do projeto. Um desses exemplos foi o
convite feito a dois funcionários da Rede Globo, Boni e Mauro Salles, para ministrarem
conferências na Escola Superior de Guerra (ESG). O painel, realizado no dia 29 de agosto,
sobre o tema Televisão e Educação: as responsabilidades da TV, contou ainda com a
participação do general Octávio Pereira da Costa, 226 e Glauco Carneiro.
O general Octávio Costa abriu os debates do dia, e iniciou sua conferência colocando
uma questão aos estagiários da ESG: “De onde vem a música e os enlatados que
consumimos?” Segundo Costa, a principal fonte seriam as “agências norte-americanas”, o
que, para ele caracterizava uma situação de grave distorção em que se estava formando no
país uma “geração de não-brasileiros.” E dentro desse quadro, o modelo televisivo brasileiro
era um dos responsáveis por tal situação. O general considerava que o Brasil detinha um
“enorme e complexo sistema de comunicação social”, mas que ao mesmo tempo “era
perdulário e pobre, gigantesco e carente.” Para Costa, o cerne do problema estava na forma de
financiamento desse sistema, marcado pela “captação de recursos da publicidade comercial”
em detrimento de alternativas como “um sistema de pagamento de taxas sobre a produção, a
venda ou a utilização de receptores.” Desse modo, para o general, a educação, sempre estaria
marginalizada na programação, notadamente pela “orientação explícita dos programas de TV,
realizados com base no apoio das verbas publicitárias visando a influenciar o público a
consumir os produtos e serviços fornecidos pelos publicitários.” Ainda segundo Costa, a
dependência da publicidade e a caracterização comercial dos meios de comunicação
implicavam, também, em “forte estímulo à concentração geográfica e de propriedade,
existindo uma tendência para a formação de conglomerados nos grandes centros urbanos.” E
em tom de alerta, citando as empresas de Roberto Marinho, discorria: “está à vista de todos
nós o flagrante exemplo do sistema Globo. Dir-se-á que isso é eficiência e gera qualidade,
mas monopólio é sempre monopólio.” 227
Para o general Costa, aquele tipo de situação gerava transtornos inclusive para os
veículos impressos, “porque a vitória da televisão no conjunto do mercado publicitário deve-
se, em grande parte, ao poderio das grandes multinacionais de publicidade que preferem
anunciar na televisão, onde o custo-telespectador é inferior ao do custo-leitor dos jornais.” E

226
O general Octávio Pereira da Costa esteve no comando da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP)
durante o governo do presidente Médici. Na época da realização do debate na ESG era comandante da 6ª Região
Militar do Exército.
227
O Estado de S. Paulo. General acusa televisão de desnacionalizar a cultura. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
94

ainda frisava que mesmo com as agências de publicidade nacionais atingindo 60% do
mercado “convém estar atento às tendências de contratação dos serviços de agências
estrangeiras pelas empresas multinacionais.” O general finalizou sua conferência citando o
pensador Bertrand Russel, para quem “a educação visa a capacitar a pensar e não a fazer
pensar o que os professores pensam” e afirmando que: “a televisão não visa a fazer pensar o
que o empresário, o anunciante, o produtor, ou o governante pensam, mas a fazer o
telespectador descobrir sua própria verdade, seu próprio pensamento quaisquer que sejam os
riscos dos caminhos da liberdade.” 228
Em seguida, coube a Mauro Salles, publicitário e funcionário da TV Globo, a tarefa de
explanar aos estagiários da ESG sobre as benesses do modelo televisivo brasileiro. Segundo
Salles, era necessário manter a TV sob a égide da livre iniciativa, apoiada em princípios
pluralistas que impedissem o monopólio e assegurassem ao telespectador e ao anunciante
opções baseadas nas realidades do mercado e não lastreadas nas eventuais diretrizes dos que –
na empresa ou no governo – eventualmente detivessem o poder. Mauro Salles comentou que a
televisão alcançara, em 1977, a marca de 60% das verbas publicitárias encaminhadas aos
veículos de comunicação, totalizando um montante de CR$ 7 bilhões. Situação apontada,
229
anteriormente, como um problema pelo general Otavio Costa. Mauro Salles, ainda falou
sobre o projeto Telecurso 2º Grau, o qual representava para ele a iniciativa de ensino mais
importante já realizada pela televisão brasileira. E que já estava atendendo 500 mil pessoas.
Mas considerou que “o projeto estará incompleto enquanto não for possível apoiá-lo em uma
quantidade significativa de CROs que disponham de videoteipe. E enquanto não se investir
maciçamente em cassetes para fazer circular a programação sem as amarras dos horários
fixos” 230
O professor Glauco Carneiro, em um primeiro momento, fez uma breve análise da
televisão brasileira mostrando as mudanças ocorridas na programação no decorrer dos anos.
De acordo com o professor, era possível verificar que “o grotesco, o caricatural, o cômico e o
monstruoso eram usados como apelo”, e o telespectador encarado pelas agências publicitárias
“como um feixe de potencialidades a explorar, só interessando na medida em que sejam
acionados os mecanismos certos – erotismo, inveja, orgulho, frivolidade, crendice – para que
reaja segundo uma determinada disposição de compra.” Carneiro ainda defendeu a tese da
necessidade de um “controle comunitário” sobre a comunicação para que os veículos

228
O Estado de S. Paulo. General acusa televisão de desnacionalizar a cultura. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
229
Ibid.
230
ESG. Painel: televisão e educação.
95

exibissem o que era “significante na cobertura dos acontecimentos potencialmente


explosivos.” E acrescentava que no caso específico da televisão, essa orientação poderia ser
“condicionada à obrigação maior de colaborar na manutenção e melhoria da ordem social.”
Segundo o professor: “Acreditar o contrário é querer colocar o jornalismo à margem dessa
ordem o que injustificável.”
O painel se encerrou com a fala de Boni. O representante da Rede Globo mostrou um
vasto conhecimento sobre teleducação, citando diversas experiências realizadas em outros
países. Aproveitou também para tecer algumas comparações entre a regulamentação brasileira
e norte-americana. Lembrando que a Comissão de Comunicações do Congresso nos Estados
Unidos havia acabado de aprovar alterações no código daquele país datado de 1934, e que
segundo Boni inspirou o CBT, e que a tendência era que a nova norma fosse ainda mais
liberal.
O painel sobre Televisão e Educação, realizado na ESG, transformou-se em pauta para
os veículos de imprensa impressa nos dias que se seguiram. O modo que cada um dos jornais
apresentou o debate revela um pouco sobre os diversos interesses em jogo no campo
midiático.
Na Folha de S. Paulo, por exemplo, as publicações iniciaram com uma pequena nota
que destacou, a fala do professor Glauco Carneiro, sobre a importância da formação de uma
central de produção de programas educativos pelo governo. Apontou que Boni, durante sua
conferência, falou sobre as mudanças no Código de Comunicações dos Estados Unidos. Sobre
a participação de Mauro Salles, a nota assinalou a atenção para a utilização da televisão como
instrumento auxiliar do ensino. E, de forma curiosa, encerrou a nota apenas pontuando a
participação do general Octávio Costa, sem sequer apresentar o eixo-central de sua
conferência. 231
Porém no dia seguinte a Folha publicou uma editorial com o título A invasão
eletrônica. O editorial alerta que as opiniões pelo general podem ser “criticáveis em relação a
que as emitiu”, afinal o Octávio Costa foi assessor do presidente Médici e poderia ter influído
para que muitas das recomendações que fez fossem concretizadas. Mas, segundo o editorial,
não podem ser criticáveis em relação ao conteúdo, pois quando o general acusa a TV
brasileira de desnacionalizar a cultura não poderia ser mais explícito. O jornal afirmava que a
atividade televisiva “sem dispensar o lucro, comporta simultaneamente uma obrigação social:

231
Folha de S. Paulo. ESG promove painel sobre a TV brasileira. São Paulo, 30 de agosto de 1978.
96

a de difundir educação e cultura e influir para a elevação do nível do povo e contribuir para
sua informação.” 232
O Estado de S. Paulo publicou uma matéria sobre o evento, na qual deu um grande
destaque à fala de Octávio Costa, citando, inclusive, os trechos em que o general acusou a
Rede Globo de manter um monopólio nas comunicações. Apesar da ampla cobertura dada na
matéria às palavras do general, no dia seguinte, em editorial o jornal fez duras críticas a
Octávio Costa, ao regime militar e aos agentes ligados à televisão brasileira. Segundo o
jornal: “a televisão é meio e, não é aos meios que se devem ser atribuídas responsabilidades e
sim aos agentes. Quando a responsabilidade dos agentes culturais é assim refratada para
incidir sobre os meios, então não há nada a fazer.” Afirma-se no editorial que o general:

tomou muito tempo aos estagiários ao condenar os enlatados em nome de


uma preservação duvidosa de nosso patrimônio cultural ponto também
preferido pelo ministro das comunicações Euclides Quandt de Oliveira que
vive a reclamar um percentual mais significativo na programação de
produção nacional e a anunciar um projeto de lei do Ministério visando a
controlar a observância desse norma quantificante. 233

Quanto às críticas do general Octávio Costa aos programas norte-americanos, o


editorial observa que:

O problema não é o enlatado em si, utilizado como solução – e solução


barata – para preencher o vazio de horas mortas ou constituir-se num
intervalo entre dois itens da programação que representem um investimento
muito maior por parte das empresas de televisão. O problema é que o
enlatado se torna para o espectador um lazer compulsório tanto quanto a
mediocridade do resto. 234

E denunciava a política de comunicações do regime:

O problema está na política nacional de comunicações nos critérios para


distribuir concessões e no nível cultural exibido por quase todas as emissoras
do País. Se os enlatados são normalmente uma dose concentrada de
violência de estímulos amorais, será educativo substituí-los na programação
das tevês pela banalidade, frivolidade e pobreza cultural dos programas de
produção nacional? Será alguma vantagem poder dizer que essas
deficiências são boas porque são nossas. 235

E citava a então recente concessão de canais para o empresário Silvio Santos:

Quem não se lembra do panegírico gratuito pronunciado pelo ministro


Quandt de Oliveira para o Sr. Senor Abravanel, dito Silvio Santos, de corpo
232
Folha de S. Paulo. A invasão eletrônica. São Paulo, 31 de agosto de 1978.
233
O Estado de S. Paulo. Os enlatados e as tábuas da lei. São Paulo, 31 de agosto de 1978.
234
Ibid.
235
Ibid.
97

presente ao lhe conceder um canal de televisão? Os frutos da expectativa


ingênua e temerária do Sr. Ministro estão aí: enlatados e mais enlatados a
semana inteira de dias [?] úteis, contra um programa de cerca de nove horas
de duração centralizado narcisisticamente na figura do animador-anunciante-
proprietário de estação de TV. 236

Para finalizar, fala-se no editorial das relações entre a emissora de Roberto Marinho e
o regime militar, com uma pergunta retórica ao seu leitor:

Quem não percebe que a pouca combatividade de uma rede tentacular de


emissoras é contraprestação pelas benemerências do governo de um governo
que não deseja ser apoquentado pela opinião pública? 237

O Globo também fez uma ampla cobertura do painel, publicando nos dois dias
subsequentes ao evento, a íntegra das quatro conferências. Dias depois, o jornal surpreendeu
seus leitores trazendo uma matéria intitulada “O único monopólio admissível nas
comunicações: o da confiança e do respeito da opinião pública”; a qual era nada mais do que
uma resposta de Roberto Marinho às críticas do general Octávio Costa à sua emissora. Antes
da resposta, uma breve apresentação sobre o empresário salientava “que há mais de meio
século” ele assumira as responsabilidades do seu periódico e posteriormente, do sistema
Globo de Rádio e Televisão. De acordo com a matéria, simultaneamente ao envio da carta ao
jornal, uma cópia dela foi lida pelo telefone para o general Octávio Costa, com o pedido de
que ele autorizasse sua publicação, ao que o militar cedeu pronta e cordialmente. Tal atitude
evidencia a forma de relação entre as empresas de comunicação e o governo militar, mesmo o
general não integrando mais o governo. 238
A carta enviada de Roberto Marinho não ficaria sem resposta. Passados doze dias, foi
possível verificar no jornal a seguinte matéria: “Octávio Costa responde à carta de Roberto
239
Marinho.” Em sua missiva, o general procurou encerrar a discussão e não polemizar.
Manifestou-se honrado de receber do amigo uma carta “longa, sentida e cordial”, a qual não
precisou sofrer corte nenhum para ser publicada no periódico. Octávio Costa admitia que
considerava “apropriado e salutar” que houvesse pontos de vista distintos, dentre eles, o sobre
a “ainda verde experiência brasileira no campo da televisão.” Com tal expressão, Costa
tentava deslegitimar a auto-proclamada experiência de Roberto Marinho no campo, uma vez
que entendia que a TV no Brasil ainda estava por amadurecer. E que o maior mérito do painel

236
O Estado de S. Paulo. Os enlatados e as tábuas da lei. São Paulo, 31 de agosto de 1978.
237
Ibid.
238
O Globo. O único monopólio admissível nas comunicações: o da confiança e do respeito da opinião pública.
Rio de Janeiro, 03 de setembro de 1978.
239
O Globo. Octávio Costa responde a carta de Roberto Marinho. Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1978.
98

realizado na ESG foi colocar na mesma mesa opiniões distintas sobre um meio, proferidas, de
um lado, por Boni e Mauro Salles, com uma visão de competência profissional, e, do outro,
ele, com uma “angustiosa preocupação social.” Ao final, o general agradeceu novamente a
carta, escrevendo que até as divergências são capazes de enriquecer o homem. Dessa forma,
Octávio Costa não rebateu Roberto Marinho acintosamente, mas marcou claramente uma
distinção das posições que cada um deles ocupava em relação ao papel que a televisão deveria
ter no país, não abrindo mão do seu ponto de vista e mantendo assim sua crítica inicial.
Desde o surgimento da televisão no Brasil, a imprensa impressa teceu críticas ao meio.
E a produção do Telecurso não foi o bastante para arrefecer alguns críticos, mesmo os
defensores de uma televisão mais voltada para o educativo. Afinal, a força das representações
negativas dos críticos sobre a TV superava qualquer novidade positiva na programação
educativa. Um exemplo desse tipo de representação que os veículos de imprensa impressa,
sobretudo aqueles que não detinham concessões para operar canais de televisão, faziam do
meio, pode ser sintetizada em uma charge de Angeli, abaixo reproduzida e publicada na Folha
de S. Paulo.

Imagem 3 - Charge de Angeli publicada na Folha de S. Paulo.

Fonte: Folha de S. Paulo, 24 de setembro de 1978.

À luz da informação do aumento do analfabetismo no país, a charge atribuía a


televisão um papel preponderante naquele fenômeno, assim como o reconhecimento do poder
do meio por tão importante serviço prestado. Ainda era o primeiro ano de exibição do
Telecurso, mas para Roberto Marinho seu programa devia colaborar justamente para rebater
esses tipos de críticas, fosse elas de agentes políticos, fosse de agentes de outros setores. Por
99

esse motivo, a estratégia de divulgar, a todo o momento, o sucesso do programa para os


políticos era de fundamental importância para a sobrevivência e para imagem da Fundação.
A cada dia, a cada nova aula veiculada, a cada nova inserção publicitária na televisão,
a cada novo fascículo vendido, a marca Telecurso 2º Grau ia se consolidando como uma
referência de sucesso em termos de teleducação. A legitimação e o reconhecimento dos
campos político e educacional, foram fundamentais nesse processo, que se estendeu por mais
algum tempo, exigindo da FRM uma boa relação com os setores interessados em conhecer o
projeto. Por isso, divulgar a iniciativa e ampliar as parcerias era um caminho que deveria ser
seguido para que o programa se consolidasse definitivamente e conseguisse o apoio dos
militares.

2.4 O Telecurso como paradigma de teleducação na televisão brasileira

As estratégias da FRM para a divulgação do Telecurso entre os agentes do campo


político e educacional estavam surtindo efeito. Secretários de estados ligados à área
educacional e, políticos tanto da ARENA quanto do MDB, em todo o país, tinham o
conhecimento do projeto. Até os membros da ESG já tinham sido apresentados ao Telecurso.
Definitivamente, a estratégia comercial da FRM era divulgar ao máximo suas iniciativas. Essa
ampla divulgação rendeu às Organizações de Roberto Marinho ainda mais legitimação e
reconhecimento dentro de seus campos de atuação e nos externos, como o político.
Passados apenas três meses do início da exibição do Telecurso em rede nacional, outro
passo importante na busca da FRM por reconhecimento e legitimação foi dado. O então
presidente da República, Ernesto Geisel, enviou uma carta para Roberto Marinho com
comentários sobre o Telecurso. Segundo o comunicado, o presidente conheceu o Telecurso a
partir de um relatório enviado pelo próprio Roberto Marinho, com informações,
detalhamentos e especificações sobre o programa demonstrando o modo que atuava a FRM na
divulgação de seu produto.
Uma notícia dessas não passaria incólume à cobertura do O Globo, sempre em busca
de notícias positivas sobre o grupo comunicacional de Roberto Marinho. A matéria com os
elogios do presidente ao Telecurso foi vendida aos leitores em tom triunfal, com manchete na
primeira página do periódico: “Geisel aplaude o Telecurso”. A carta do presidente foi
publicada na íntegra. 240

240
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
100

Na sua missiva, o presidente assegurava que em “numerosos pronunciamentos” tinha


“acentuado e reiterado a preocupação de seu governo” com “a ampliação de oportunidades de
educação para todos os brasileiros,” e ponderava que melhor do que as suas declarações, eram
os fatos e os números, que segundo o presidente confirmavam essa direção. Ainda de acordo
com Geisel, a mensagem da Presidência da República enviada ao Congresso Nacional com a
proposta orçamentária para o ano de 1979 previa a destinação de 43 bilhões de cruzeiros para
a Educação e Cultura, sendo que desse total, cerca de dois bilhões seriam aplicados no
241
Supletivo. Tais palavras de Geisel são importantes pois denotam que o governo federal
estaria disposto a investir na educação supletiva, direção que muito interessava a Roberto
Marinho.
Todavia, Geisel não ficou restrito aos assuntos educacionais, aproveitou a carta para
rebater seus opositores. A essa altura, o regime militar sofria diversas críticas não somente
dos agentes oposicionistas internos, mas da comunidade internacional, por violações aos
Direitos Humanos, sobretudo dos Estados Unidos, situação que levou Geisel a não visitar esse
país ao longo de seu mandato. 242 Tais críticas ficaram mais agudas, sobretudo com a ascensão
de Jimmy Carter à Presidência norte-americana a partir de 1977. Isso porque a política externa
243
de Carter para a América Latina estava sustentada pela defesa dos Direitos Humanos. E
mesmo com a visita do presidente dos Estados Unidos ao Brasil, em março de 1978, com o
244
objetivo de “aplainar divergências bilaterais”, a discussão seguia candente. Segundo
Geisel, o cuidado com a educação era “a forma básica e autêntica de promover os direitos
humanos.” 245
A temática do desenvolvimento nacional também recebeu atenção de Geisel. O
presidente afirmou que a destinação de recursos federais para a educação estava intimamente
ligada ao “contexto da política para a consolidação do processo de desenvolvimento
brasileiro.” Em um chamamento da iniciativa privada e marcando claramente uma distinção
entre o Brasil e os países de orientação comunista, Geisel afirmava que “em nenhum país do
mundo livre o problema da educação se pode resolver por ação exclusiva do governo .” E
apontava que a educação fazia parte de um esforço coletivo da sociedade, sendo que essa
responsabilidade deveria ser “particularmente acrescida no caso das empresas de

241
Ibid.
242
GARCIA, Eugênio Vargas. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Contraponto
Editora, 2006. p. 214.
243
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2005. p. 231.
244
GARCIA, Eugênio Vargas. op. cit. p. 216.
245
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
101

comunicação.” Segundo o presidente, “além de maior qualidade e clareza que as técnicas de


gravação emprestam às aulas, a televisão multiplica pelo número de aparelhos a ação de um
único professor e supre deficiências de instalações escolares e de tempo dos alunos.” 246
Ao final da carta o presidente enfatizava:

Por todas essas razões registro com efusivos aplausos a iniciativa da Rede
Globo, de produzir o Telecurso 2º Grau. É uma realização que honra a
tradição de reais serviços prestados a Nação por Vossa Senhoria e por essa
organização, e merece por isso o apoio do governo e reconhecimento da
comunidade brasileira. 247 [grifo nosso]

É interessante notar que Geisel atribui a iniciativa do Telecurso direta e


exclusivamente à Rede Globo, denotando que, mesmo oficialmente o programa sendo uma
iniciativa da FRM em parceria com a FPA, quem mais se legitimava, além do próprio Roberto
Marinho, era a TV Globo. Afinal, se até mesmo o presidente da República entendia o
programa como uma produção da Rede Globo, o que dizer da audiência regular do Telecurso
que via os atores e as atrizes das novelas lecionando disciplinas no programa todos os dias?
Sem deixar de notar que o presidente também se esqueceu de incluir em sua congratulação à
participação da FPA na produção do Telecurso.
Parte do sucesso do Telecurso em seu primeiro ano de veiculação na televisão
brasileira foi fruto de um amplo trabalho na produção audiovisual do programa, que resultou
em boa aceitação da audiência e, consequentemente, seu reconhecimento no campo televisivo
e em setores oficiais envolvidos com a política educacional. Para além disso, outra parte do
sucesso deve-se à capacidade que a FRM teve de aproximar do projeto diversos agentes do
campo político e educacional, característica que só foi possível porque o Telecurso estava em
consonância com o regime militar. Pois, mesmo em um período notadamente marcado pela
distensão política, um certo enfraquecimento do poderio dos militares e o crescimento das
forças de oposição, ter o apoio oficial do governo militar ainda era um dos objetivos
principais a ser alcançado pela FRM, tanto para sobrevivência do Telecurso quanto da própria
fundação em termos de financiamento público dos seus projetos.
Para tanto, o Telecurso teria de responder a algumas expectativas dos governos
militares para a educação. Expectativas que tiveram seus delineamentos lançados já no início
do regime, com os acordos MEC-USAID e as reformas no sistema de ensino. O objetivo da
integração nacional, mencionado em grande parte dos documentos oficiais dos governos
militares, era uma característica que convergia o Telecurso, e por extensão à Rede Globo, e os

246
O Globo. Geisel aplaude o Telecurso. Rio de Janeiro, 26 de outubro de1978.
247
Ibid.
102

líderes do regime militar. Afinal, em uma iniciativa inédita, um programa instrucional era
veiculado por uma TV comercial em nível nacional, e seus conteúdos eram os mesmos para
todo o país, o que significa um modo de integração via teleducação. Ou seja, o Telecurso, ao
seu modo, conseguiria aquilo que o regime militar esperava realizar com as emissoras
educativas, uma ampla rede capaz de integrar o país, compartilhando suas ideias e seus
valores educativos.
Apesar do sucesso alcançado pelo programa já em seu primeiro ano de exibição, o
formato ainda não estava consolidado. Pois, mesmo sendo reconhecido e legitimado por
agentes dos campos político, televisivo e educacional, o Telecurso, por ser um programa
instrucional, necessitava de resultados concretos de aprendizagem, para que o sucesso
momentâneo e inicial se transformasse em algo longo e duradouro, capaz de se tornar o
paradigma, uma referência no campo televisivo brasileiro. Como o Telecurso em si não
certificava o seu aluno/telespectador, restava a FRM aguardar os exames oficiais do Ensino
Supletivo, para uma avaliação mais objetiva dos resultados do programa.
Com a realização dos primeiros exames, aplicados pelas secretarias estaduais de
educação, a FRM contratou uma empresa para realizar entrevistas para saber qual tinha sido o
meio de preparação dos alunos. Os resultados da pesquisa foram divulgados pelo O Globo,
em matéria que daria o tom de qual seria o discurso dos idealizadores do Telecurso desse dia
em diante. Para as Organizações Globo estava claro que o Telecurso se afirmava como um
grande sucesso e que sua contribuição para o desenvolvimento educacional do país estava
somente começando. Intitulada “Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste,” a matéria
ocupou uma página inteira do jornal e tratou de contar a história de sucesso da FRM e do
programa que surgiu em São Paulo, definido como “uma experiência piloto em vista de
futuros programas de caráter nacional”, mas que em pouco tempo conseguiria alcançar um
grande sucesso e chegar a todo o Brasil.
A matéria destacava o papel da FRM que havia decidido enfrentar o desafio da
teleducação, buscando amenizar “a grande carência educacional no Brasil.” E registrando que
o desafio contava com um importante aliado, pois, em fins de 1977, existiam cerca de “14
milhões de aparelhos de televisão” no Brasil. Segundo a matéria, tais televisores “poderiam
captar programas de educação desde que transmitidos também por emissoras comerciais”, o
que ocorria pela primeira vez no país, de acordo com o jornal. 248

248
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
103

Na matéria era reconhecido que o problema educacional ganhava “dimensões


inaceitáveis” para um país que queria e precisaria se desenvolver rapidamente. Mas o que
soaria como uma possível crítica ao regime era atenuando quando à matéria apontava que tal
problema estava tendo “toda a atenção do governo”.
Mesmo reconhecendo que a “forma de educar à distância já existia no Brasil”, e que as
emissoras educativas foram criadas com tal finalidade – e por isso a FRM procurou se valer
da experiência da FPA para o empreendimento, o jornal reafirmava que “o caráter da
249
iniciativa privada do Telecurso 2º grau (em televisão) é inédito no Brasil.” Esse era um
forte argumento utilizado por Roberto Marinho em todas as suas declarações sobre o
Telecurso.
De acordo com a matéria, a pesquisa revelava que de todos os alunos que prestaram os
exames, 48% deles haviam se preparado através do Telecurso. E em São Paulo pela primeira
vez, em uma década, o número dos que procuraram os exames supletivos de 2º grau superou a
procura para os do 1º grau. Para O Globo, os resultados ultrapassavam as expectativas mais
otimistas e confirmavam o papel que a televisão podia desempenhar na educação brasileira:

Estes resultados apontam o Telecurso como assumindo o papel expressivo


em educação, através da comunicação de massa, tanto pela abrangência de
uma clientela considerável que dele se serve para preparar-se para os exames
supletivos, como pelos resultados positivos quanto à aprovação dos
candidatos nestes exames. 250

A matéria divulgava ainda, opiniões de agentes ligados a outros campos sobre o


Telecurso. O diretor de Ensino Supletivo do MEC, Leonardo Leite Neto, que acompanhava a
iniciativa desde sua inauguração, observava que:

Nos grandes centros, pesquisas recentes têm revelado que pessoas moram às
vezes a duas horas de transporte do local de trabalho e os que precisam
estudar e trabalhar nem sempre almoçam e jantam em casa, afastando-os do
convívio da família. Neste sentido, um programa de auto aprendizagem, pela
televisão, como alguns já existentes, permitirá que as pessoas possam
estudar em sua própria casa, assistindo ao programa pelo vídeo, e adquirir os
fascículos pela rede de distribuição, para então se inscreverem nos exames.
251

O diretor de Serviços dos Exames Supletivos da Secretaria de Educação, José Vicente


Lírio de Almeida, avaliava que: “o Telecurso como programa instrutivo e cultural, atingiu
uma classe carente de escolarização e interessada em mudar suas condições de vida e seu

249
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
250
Ibid.
251
Ibid.
104

padrão cultural.” A psicóloga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Bernadete Angelina


Gatti, preconizava que: “o Telecurso pode ser um instrumento de grande importância para a
democratização do ensino.” 252
Todas essas declarações, juntamente com o bom desempenho alcançado pelo curso
durante o primeiro exame supletivo oficial após a exibição do programa em São Paulo,
enriqueceram os argumentos da FRM para a consolidação do programa e para uma futura
adoção pelo poder público da metodologia elaborada por ela.
E o próprio Leonardo Leite afirmava: “podemos imaginar a grande escola que a TV,
devidamente utilizada, com a orientação adequada, poderá se tornar no país, onde hoje, todos
querem estudar, como uma forma mais efetiva de promoção social e pessoal.” Caminho,
segundo Leite, que colaboraria para a “democratização do ensino.”
O desempenho obtido pelos alunos do Telecurso nos exames oficiais de Supletivo
continuaria sendo utilizados pelos dirigentes da Fundação, ora como argumento para o apoio
governamental na execução de futuros projetos, ora nas campanhas publicitárias. E dessa
forma, corroborando ainda mais a ação educativa da FRM frente à sociedade brasileira. No
início de 1979, a FRM confeccionou diversos cartazes e os espalhou pela cidade de São
Paulo, expondo a frase: “Faça o curso que mais aprovou em 1978: Telecurso 2º Grau.” 253
Matéria publicada na Folha de S. Paulo destacava os resultados do primeiro ano de
existência do programa:

Até agora, os índices de audiência têm sido altíssimos, os exames tem


mostrado que é maior a aprovação dos alunos vindos do Telecurso do que
aqueles que fizeram o curso pelos métodos tradicionais, e até na Ilha de
Fernando de Noronha, 30 alunos fizeram com sucesso o exame desse ano.

O jornal destacou ainda que a universidade de Harvard acabara de editar um livro “A


televisão no terceiro mundo” onde analisava a experiência de educação brasileira pela TV. E
revelava que pelo fato do Telecurso ser uma experiência “educacional única no mundo” já
começava a ser copiado por outros países. 254 Ao que tudo indica ocorreram experiências com
o programa na Costa do Marfim, no Chile e em Paris, ainda no ano de 1979. Com o avançar
da década de 1980 países do continente africano, como Angola e Moçambique, também se

252
O Globo. Telecurso 2º grau. Em São Paulo, o grande teste. Rio de Janeiro, 02 dezembro de1978.
253
RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit., p. 96.
254
Folha de S. Paulo. Educação pela TV os primeiros resultados. São Paulo, 08 de fevereiro de 1979.
105

interessaram pelo projeto. Também é de conhecimento experiências que ocorreram no início


dos anos 2000 em Timor Leste. 255
Dentro da concepção de multimeios em que o Telecurso foi planejado, uma ferramenta
importante para o acompanhamento efetivo da utilização dos recursos da televisão e dos
fascículos era a formação de locais onde os interessados pudessem assistir às teleaulas. Nesses
ambientes, o aluno/telespectador teria a companhia de outras pessoas também interessadas em
estudar, além da presença de um monitor, devidamente capacitado para acompanhar todo esse
processo de aprendizagem. A ideia desses espaços de transmissão coletiva não era original da
FRM, e remonta ao advento da televisão no país.
O alto valor do televisor contribuía para que os telespectadores de maneira geral
utilizassem esse tipo de estratégia para poder contemplar a novidade. E mesmo com a
expansão do meio e a natural queda dos preços dos aparelhos nas décadas subsequentes, ainda
era comum, notadamente nas cidades menores e no interior a existência de pontos para
compartilhamento da televisão, seja uma praça ou um bar. E mesmo nas áreas urbanas, a
prática se mantinha, o que originou a figura do televizinho.
Especificamente na utilização do televisor para fins educativos, os espaços coletivos
para exibição das teleaulas têm uma clara inspiração na escola tradicional, uma vez que se
configuram basicamente como uma sala de aula. Ou seja, um espaço onde pessoas se reúnem
para aprender.
256
Um bom exemplo da utilização da televisão no ensino ocorreu no Maranhão. Em
1969, os técnicos da TV Educativa do estado, tiveram a ideia de criar um sistema de televisão
escolar, alicerçado em telepostos para aumentar a oferta de vagas para os alunos de quinta à
oitava série do 1º grau. Passados sete anos do início da experiência o número de alunos na
rede aumentou em cinco vezes, chegando à marca de 13.000 alunos/telespectadores. 257
Outro caso bem sucedido da utilização de núcleos de recepção para programas educativos
ocorreu em São Paulo, com o início das emissões do Madureza Ginasial pela TV Cultura, a
partir de 1969. Atingindo a marca de 200 telepostos em pouco menos de um ano de exibição.
Porém, diferentemente da experiência da TVE do Maranhão, havia a reclamação da falta de
treinamento. Segundo pesquisa de avaliação do curso realizada nos telepostos de São Paulo e
São José dos Campos cerca de 92% dos entrevistados afirmavam que não haviam recebido

255
AMARANTE, Maria Inês. O telecurso brasileiro em Timor-Leste: comunicação sociocultural e educativa na
educação a distância. Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São
Paulo, ano 2, n. 4, 2008.
256
Carvalho, C. M. Uma reflexão sobre o papel dos canais educativos no Brasil. In: Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação, 28, Intercom, 2005.
257
Veja, 05 de janeiro de 1977. p. 43.
106

treinamento para a função que estavam exercendo. O que evidencia o caráter pioneiro, mas
explicita a face amplamente experimental do projeto, o qual seria aperfeiçoado somente no
decorrer dos anos. O sucesso inicial do Madureza em São Paulo gerou ainda situações
inusitadas, como o caso do universitário Júlio Rodrigues Gonçalves que montou um teleposto
no quintal de sua casa, na cidade de Osasco, e cobrava 40 cruzeiros de seus 14 alunos. 258
Já em 1972, a FPA anunciava, em parceria com o Centro de Integração Empresa –
Escola (CIE-E), a oportunidade para as empresas montarem telepostos para seus funcionários
podendo deduzir os gastos no Imposto de Renda. Eram ofertados os cursos de Madureza e de
Auxiliar de Administração. 259
Apesar da ideia não ter sido inédita, a FRM pensou rapidamente em um nome para
batizar esses espaços. Algo que transmitisse um tom de seriedade, exigido a um projeto de
educação empenhado em conquistar alunos e o financiamento governamental. Desse modo,
chegou-se ao Centro de Recepção Organizada (CRO). Esse seria o espaço reservado para os
alunos/telespectadores do Telecurso 2º Grau que quisessem acompanhar as aulas de modo
mais formal ou mesmo aqueles que não tivessem um aparelho de televisor em casa. Segundo
a FRM era necessário para montar um CRO primeiramente o local. Bastando uma sala, que
poderia ser em uma escola, em uma igreja, em um clube, em uma cooperativa, em um
sindicato, em uma empresa comercial ou industrial. O local necessitava possuir um aparelho
televisor, preferencialmente a cores, e o mobiliário para os alunos/telespectadores. Devendo
contar ainda com a presença de um monitor. 260
A própria FRM reforçava em seus documentos e em declarações públicas de seus
dirigentes que um maior nível de aproveitamento do Telecurso ocorreria entre os alunos que
acompanhassem no CRO. Argumento que talvez servisse para resguardar a FRM de futuras
críticas que apontassem para um baixo aprendizado dos alunos que acompanhavam o
programa em suas casas pelo sinal livre. Estudos acadêmicos posteriores tentaram demonstrar
que os índices de aprovação nos exames supletivos, dos alunos dos CRO, eram equivalentes
àqueles que acompanhavam o Telecurso da sala de sua casa, não havendo tanta discrepância
261
quanto era anunciado pela FRM. O que revelava que a insistência da Fundação em
divulgar e insistir na formação de CRO era mais uma das estratégias para angariar apoio dos

258
Veja, 14 de outubro de 1970. p. 52.
259
Veja, 11 de outubro de 1972.
260
FRM. Relatório 1 p. 78 – 81.
261
RENNHACK, Anna Maria de Oliveira. O Telecurso 1º Grau e o Telecurso 2º Grau, via TV, aplicados em
Telepostos em unidades do sistema penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, como meios preparatórios aos
exames de suplência de 1º e 2º Grau, realizados pela Secretaria de Estado de Educação e Cultura no Rio de
Janeiro, no ano de 1982. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ, 1984.
107

poderes públicos ao seu projeto, do que preocupação com o aprendizado dos


alunos/telespectadores.
Essa ação coordenada para a criação dos CROs já estava em curso antes mesmo da
estreia do Telecurso em São Paulo. Durante esse período de preparação, a FRM conseguiu o
apoio da Secretaria do Interior do Governo do Estado, por meio da Fundação Faria Lima.
Uma das reuniões organizadas pela Secretaria, em dezembro de 1977, contou com a presença
do prefeito da capital paulista, Olavo Setúbal, do secretário do Interior, Raphael Baldacci, de
representantes da FRM e da FPA e cerca 150 prefeitos de diversos municípios do estado. No
encontro foi apresentado um plano de implantação dos CROs com o intuito de ampliar a
captação do sinal do programa. Segundo Antônio Soares Amora, os CROs serviriam para
atingir um grande número de pessoas que “não possuem aparelhos de televisão.” 262
Pouco antes do programa ir ao ar, 75 representantes da Fundação Faria Lima no
estado, se reuniram para acertar mais alguns detalhes desse plano de implantação. A
Secretaria pediu aos seus representantes que entrassem em contato com os prefeitos ou com
os responsáveis pelas torres retransmissoras para garantir qualidade das imagens para a
recepção do Telecurso, bem como assegurar que qualquer problema de queda de sinal, tanto
por falha técnica ou humana, fosse comunicado, a fim de ser solucionado. 263
Os monitores dos CRO de São Paulo seriam selecionados entre professores,
universitários e voluntários qualificados, receberiam treinamento específico e seriam
remunerados no valor de um salário mínimo, com recursos advindos do Fundo de
Participação dos Municípios e da FPA. 264
No início de 1979, a FRM assinou um convênio com a Secretaria de Educação do
Distrito Federal para a transmissão do programa em circuito fechado, em cooperação com a
Fundação Educacional do Distrito Federal. Um passo adiante na criação dos CROs. O
convênio distribuía as responsabilidades dos envolvidos da seguinte forma:

A Fundação Roberto Marinho obriga-se a ceder, pelo regime de comodato e


pelo prazo de quatro anos, dois aparelhos reprodutores de vídeo-tape e a
gravar as fitas e a entregar fascículos e tablóides com desconto de 30% do
preço da capa. Por sua vez a Fundação Educacional obriga-se a veicular em
circuito fechado os cursos produzidos pela Fundação Roberto Marinho;
acompanhar, avaliar e controlar o rendimento escolar dos alunos colocando
os dados a disposição da Fundação Roberto Marinho, instalar e operar o

262
Folha de S. Paulo. O supletivo pela TV em janeiro. São Paulo, 20 de dezembro de 1977.
263
Folha de S. Paulo. Telecurso está em preparação. São Paulo, 07 de janeiro de 1978.
264
Ibid.
108

sistema de videoprograma, franquear o uso dos programas educativos e


culturais e garantir a manutenção dos aparelhos. 265

Estavam presentes à cerimônia de assinatura do Convênio, além de Roberto Marinho,


o embaixador Wladimir Murtinho, secretário de Educação e Cultura do DF, Calazans
Fernandes, João Carlos Magaldi, Afrânio Nabuco, diretor regional da Globo em Brasília e
Edgardo Ericksen, diretor de relações públicas da Globo-DF.
Segundo Calazans Fernandes:
O convênio permitirá fazer uma avaliação correta dos resultados do
Telecurso 2º Grau, em termos econômicos pedagógicos e sociais: com o
ensino em circuito fechado, poderemos saber por quanto estamos educando o
estudante. Poderemos também projetar novos programas a partir da
experiência adquirida no circuito fechado. Em síntese servirá como feed-
back. 266

Os técnicos da FRM tinham o resultado do supletivo no Rio de Janeiro como


parâmetro para averiguar a eficácia do curso. De acordo com os dados disponíveis, do total de
alunos aprovados, 41% deles assistiram ao Telecurso, 30% frequentaram cursinhos, 10% se
prepararam via estudo individual, 0,7% pelo rádio e 10,2 % não se prepararam. Segundo o
coordenador de Ensino Supletivo da Secretaria de Educação e Cultura do Rio, o professor
Dinamerico Pereira Pombo, os dados revelavam o completo êxito da experiência, constituindo
o Telecurso 2º Grau uma valiosa alternativa de horário e custo para os que quisessem concluir
os estudos regulares interrompidos. 267
Ademais, o professor Pombo defendia a unificação dos exames supletivos em todo o
Brasil:

Ressalvadas algumas particularidades regionais, só pode trazer benefícios


uma melhor unificação dos critérios na elaboração das provas, na medida,
em que ajusta distorções. Mas, para isso é necessário que as diferentes
regiões tenham acesso ao mesmo tipo de informação. E a imensa penetração
da televisão pode garantir a recepção em todo o Brasil, de idêntico conteúdo.
268

A essa altura, o Brasil já tinha um novo presidente, João Baptista de Oliveira


Figueiredo, mas esse fato em nada alterava a relação entre a FRM e o governo militar, pois
parte significativa dos agentes políticos já conhecia o projeto. Em julho de 1979, o ministro
da Educação e Cultura, Eduardo Portella, declarou que não se educava um país de 120
milhões de habitantes com processos artesanais de educação, bem como não se educaria uma
265
O Globo. Brasília terá Telecurso 2º Grau em circuito fechado. Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1979.
266
O Globo. Brasília terá Telecurso 2º Grau em circuito fechado. Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1979.
267
Ibid
268
Ibid.
109

269
sociedade de massa sem a utilização dos meios de educação de massa. Essa declaração
seria a chave para a aproximação da FRM com vistas à produção de um programa com
financiamento do governo militar. Pouco mais de um mês após a afirmativa do ministro de
Educação, Roberto Marinho fora convidado para apresentar à Comissão de Educação e
Cultura da Câmara dos Deputados o Telecurso 2º Grau.
O convite feito ao empresário Roberto Marinho para esclarecer o funcionamento de
seu projeto aos deputados demonstra como as relações entre o empresário e o campo político
estavam afinadas. Acompanharam o empresário na sessão João Carlos Magaldi, Calazans
Fernandes e Afrânio Nabuco. Roberto Marinho, em longa exposição, discorreu sobre os
primeiros projetos da Fundação, que foram realizados ainda em 1977, dedicados à
preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, com ações específicas em cidades do
estado de Minas Gerais. Tratou também das atividades que a FRM vinha desenvolvendo junto
às crianças e jovens do Morro da Mangueira e na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, até
chegar aos detalhes sobre a criação e desenvolvimento do Telecurso 2º Grau. Nesta direção,
revelava que a criação do Telecurso partira de uma análise daquilo que seria possível executar
dentro dos recursos disponíveis. Ressaltava que a Fundação elegera a Educação Permanente
“como um capítulo dos mais carentes no quadro total da problemática brasileira cuja solução
parcial poderia ser imediatamente atacada.” E buscando o apoio dos deputados, o empresário
disponibilizou diversos dados sobre o Telecurso, preparando exclusivamente para aquela
sessão, dois documentos com detalhes do programa. E ao longo de toda sua fala, apresentou
as características e singularidades do seu projeto de educação.
O empresário buscou por meio do seu discurso mostrar a potencialidade do programa.
Afirmou que a trajetória do Telecurso já era suficiente para se desconfiar “que algo novo e
importante surgiu no campo da teleducação.” E disse estar honrado em dar seu testemunho à
Casa, pois podia assim oferecer “ideias para o debate sobre uma política nacional de
teleducação.” Citando Dean Jamison, assessor do Banco Mundial para assuntos da educação,
afirmava que o Telecurso atendia aos requisitos de “alta qualidade de ensino e custo
baixíssimo para o beneficiário.” 270
Mesmo o Telecurso alcançando todos esses êxitos, relatados exaustivamente por Roberto
Marinho, o empresário admitia que não cabia à iniciativa privada arcar com tal
responsabilidade sozinha. Em suas palavras:

269
O Estado de S. Paulo. Um novo órgão para teleducação. São Paulo, 17 de julho de 1979.
270
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
110

Torna-se evidente que, a par do inegável serviço prestado à comunidade, um


empreendimento de tal envergadura supõe um ônus financeiro que ultrapassa
o âmbito da iniciativa privada, quer em termos de esforço operacional, quer
em termos de responsabilidade social. O poder público não pode ficar alheio
a um problema de vastas dimensões e de implicações tão vitais para o
próprio desenvolvimento da nação. 271

Esse argumento insere-se bem na concepção do papel que a educação teve durante o
regime militar. Alicerçada em dois pontos chaves, o ideário nacionalista baseado na Doutrina
de Segurança Nacional e o ensaio de um projeto econômico desenvolvimentista que
272
resultavam em uma força de trabalho minimamente especializada.
Assim, Roberto Marinho procurava mostrar aos deputados de que modo o poder
público poderia colaborar com o projeto, e citou o exemplo da criação dos CROs, os quais
poderiam fazer uma grande diferença no resultado final do aprendizado do aluno a partir de
um mínimo de investimento. E insistiu que para o efetivo sucesso se requeria “do poder
público uma política educacional específica de apoio à teleducação, reconhecida e incentivada
como uma das respostas válidas e inovadoras aos ingentes desafios de países como o nosso,
em rápido processo de transformação.” Segundo Roberto Marinho:

Cabe ao poder público adotar uma política lúcida e ousada, tanto a nível
executivo como legislativo, de apoio à teleducação e a todas as formas de
educação que ajudem a realizar o salto qualitativo que o processo de
educação brasileira necessita dar com urgência. 273

Ainda que o governo não tenha criado uma ampla política para a teleducação, como
sugeria o discurso de Marinho, o governo abriu a possibilidade de financiamento dos projetos
da Fundação. Ou seja, a reunião de Marinho e o Poder Legislativo foi, sem dúvida, um passo
importante para a FRM conseguir uma parceira com o governo militar. No início de 1980, o
Acordo de Cooperação e Amparo Técnico e Financeiro nº 01/80, com o propósito de
implantação de um curso supletivo de primeiro grau nos moldes do Telecurso para todo o
Brasil via televisão foi assinado por Roberto Marinho e Eduardo Portella, estando Boni entre
as testemunhas. 274
A criação de uma versão do Telecurso para o 1º grau com financiamento público
constituía-se como a efetivação dos objetivos buscados pela FRM desde sua criação. A
instituição de Roberto Marinho, por meio de suas relações com o campo político, demonstrou

271
Ibid.
272
MARTINS, Maria do Carmo. Currículo, cultura e ideologia na ditadura militar brasileira: demarcação do
espaço de atuação do professor. In: CERRI, Luis Fernando (org.). O Ensino de História e a Ditadura Militar.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2005. p. 17.
273
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
274
MILANEZ, Liana. TVE Brasil: cenas de uma história. Rio de Janeiro: ACERP, 2007. p. 63.
111

como uma emissora comercial podia cumprir as determinações legais de veiculação de


programação educativa e ainda obter lucro. Algo que para outros concessionários seria
impensável, considerando que o modelo da televisão brasileira, estritamente comercial e
calcado no par entretenimento/informação, nunca valorizou uma programação educativa. E
como agravante, as emissoras concorrentes não dispunham de recursos tecnológicos e
financeiros para competir com o modelo de teleducação que o Telecurso impunha. E mesmo
ocupando um horário marginal na grande de programação da Rede Globo, o programa
conseguiu consolidar sua marca como um produto de sucesso da televisão brasileira. Marca
que estava intimamente relacionada à emissora de Roberto Marinho.
Como já se anunciava, o convênio assinado entre a FRM e o MEC, para a elaboração
de um Telecurso voltado para o 1º grau, não contou com a participação da FPA. Roberto
Marinho optou por diversificar seu parceiro escolhendo dessa vez a UnB. Essa situação
incomodou alguns dirigentes da FPA, que perceberam que o espaço da instituição paulista no
projeto diminuíra vertiginosamente logo após a produção, e que a partir da exibição do
programa em rede nacional passou a ser comum as pessoas identificarem o Telecurso somente
como da Rede Globo, desprezando o fato da parceria com a fundação paulista. Situação que
culminou com declarações fortes em relação ao programa de um dos homens mais
importantes da FPA.
Essas críticas tiveram ressonância no O Estado de S. Paulo. O jornal que sempre
ocupou suas páginas com notícias relacionadas à TV Cultura, publicou uma matéria na qual
enfatizava as palavras proferidas por Osvaldo Sangiorgi durante sua conferência no Seminário
sobre Ensino Supletivo, ocorrido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Na matéria, o
jornal destacou as conclusões do professor sobre o que ele denominou como “utilização
abusiva da tecnologia no ensino e particularmente no curso supletivo.” Em clara referência ao
Telecurso, a matéria ressaltava que, segundo Sangiorgi, “o ensino tradicional era
fundamentado no trinômio ‘quadro-professor-livro’ e, quando os três processos eram
eficientes, o ensino poderia ser considerado satisfatório.” E completava avaliando que naquele
momento ocorria o inverso: “as escolas quase não tem quadros-negros, os livros são
deficientes e o professores, por razões diversas, não têm condições de ensinar eficientemente”
Ainda segundo o professor, “a tecnologia como elemento único de promover o aprendizado,
já demonstrou suas distorções e não adiantam circuitos fechados de TV, audiovisuais e livros
pretensamente simples para educar um aluno.” Sangiorgi diagnosticava o que ocorria era a
proliferação de cursos supletivos em detrimento da escola tradicional, sendo que os primeiros
só em São Paulo, já contavam com 150 mil alunos inscritos. Ao final da matéria, o jornal
112

apresenta as últimas observações feitas pelo professor e que de algum modo também recaíam
sobre o governo:

Quanto à utilização da televisão como veículo de ensino, o diretor da


Fundação Padre Anchieta reconhece o seu valor, mas condena e seu
excessivo uso comercial. Apontou o fato de os programas virem com o aviso
de ‘recomendado pelo MEC’ e, ao mesmo tempo, recomendarem a compra
de fascículos nas bancas de jornal. 275

O professor entendia que ao recomendar o programa o ministério passava ao


aluno/telespectador a impressão que bastaria assistir as teleaulas para se ter o direito ao
diploma, bem como a venda dos fascículos nas bancas criava a ilusão de que o certificado
276
viria anexo.
A parceria entre MEC e FRM não passaria incólume nem mesmo dentro do governo
federal. Além das críticas já citadas de Osvaldo Sangiorgi, o jornal O Estado de S. Paulo
publicou uma matéria destacando que a teleducação havia perdido verbas. E que tal queda nos
277
recursos inviabilizaria o atendimento dos programas básicos e prioritários. Segundo
Reynaldo Valinho, titular da Secretaria de Aplicações Tecnológicas (Seat), o órgão dispunha
de CR$ 128,5 milhões para o exercício do ano de 1980, contra CR$ 214,4 milhões para o ano
anterior, representando, assim, decréscimo real na ordem de 60%, e nominal de 40% quando
comparado os dois orçamentos. 278 Valor que, segundo informava Valinho, era muito inferior
ao destinado a FRM para a execução de supletivo de 1º grau. E acrescentava ainda que o
orçamento da secretaria teria de ser de CR$ 600 milhões para a pasta conseguir atender às
demandas de assistência financeira a entidades de teleducação responsáveis pela produção e
aquisição de séries ou filmes educativos, bem como as tarefas de produzir, gerar, distribuir e
veicular programas educativos para rádio e televisão, adquirir e instalar equipamentos e obras.
Ou seja, justamente o papel que o governo esperava que fosse desempenhado com o
Telecurso 1º Grau.
Em matéria publicada na quarta-feira, 17 de setembro de 1980, o jornal O Estado de S.
Paulo divulgou uma denúncia de repasse de verbas do governo federal à FRM, feita por Luis
Eduardo Nascimento, então diretor da TV Educativa do Espírito Santo. Segundo o diretor, o
MEC repassou à FRM, por determinação do ministro do planejamento, Delfim Neto, a

275
O Estado de S. Paulo. Diretor condena uso abusivo de tecnologia no Supletivo. São Paulo, 29 de abril de
1980.
276
O Estado de S. Paulo. Diretor condena uso abusivo de tecnologia no Supletivo. São Paulo, 29 de abril de
1980.
277
O Estado de S. Paulo. Teleducação perde verba. São Paulo, 05 de junho de 1980.
278
Ibid.
113

quantia de “Cr$ 285 milhões para a realização de um curso supletivo de 1º grau a ser
veiculado por todas as emissoras de televisão do país, em cumprimento à Portaria 408.” Para
Nascimento:

A medida é absurda porque a Fundação Roberto Marinho, não tendo


recursos próprios para fazer o programa, terá de recorrer, muito
provavelmente, à Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, do
Rio de Janeiro, um órgão do Ministério da Educação que deveria ter sido
acionado para o cumprimento da missão. 279

Nascimento ainda pronunciava que:

Enquanto a Secretaria de Assuntos Tecnológicos do MEC desenvolve


esforços sobre-humanos para formalizar projetos visando a dotar as TVs
Educativas de equipamentos, a Fundação Roberto Marinho ganha de mão
beijada uma grande verba que poderia ter sido destinada não só à rede de
emissoras educativas como às próprias universidades que atualmente
enfrentam problemas até de falta de giz. 280

Na matéria do O Estado de S. Paulo era informado ainda que, durante o III Encontro
do Sistema Nacional de Televisões Educativas (Sinted), Luiz Eduardo Nascimento
manifestara sua estranheza em relação à liberação daquela verba, assim como propunha a
realização de uma reunião extraordinária em Brasília, dentro de três meses para discutir os
problemas que afetavam as emissoras do setor. A matéria ainda traz um relato de Nascimento
sobre a situação das nove emissoras que compõe o Sinted. Segundo ele, com exceção da TV
Educativa do Rio e da TV Cultura de São Paulo:

As demais lutam com dificuldades que vão desde a falta de equipamentos


básicos, como vídeo-cassete, até o relacionamento com a própria Embratel,
que às vezes beneficia a Rede Globo em detrimento das outras emissoras,
como ocorreu recentemente por ocasião do jogo entre a seleção brasileira e a
do Uruguai.

De acordo com O Estado de S. Paulo, Nascimento não soubera explicar a razão pela
qual a FRM foi contemplada com Cr$ 285 milhões. Porém, fez observações contundentes ao
jornal: “Só sei que a Rede Globo é um país dentro de um país e, nesse episódio, me senti
como um menino pobre que queria apenas uma bala doce, enquanto um outro, muito rico,
ganhava sem maiores esforços um saco de balas.”
Esse convênio do MEC com a FRM geraria mal estar também na TVE do Rio de
Janeiro. A emissora que havia criado a telenovela didática A Conquista, voltada para as
últimas séries do 1º grau, se viu obrigada pelo MEC a substituí-la pelo Telecurso de 1º grau
279
O Estado de S. Paulo. MEC dá 285 milhões para supletivo da TV. São Paulo, 17 de setembro de 1980.
280
O Estado de S. Paulo. MEC dá 285 milhões para supletivo da TV. São Paulo, 17 de setembro de 1980.
114

da FRM. Conflito que acabaria ocasionando o afastamento do então diretor executivo da


TVE, Ronaldo Nordi, pois se recusara a tirar o programa do ar. 281
O Telecurso 1º Grau foi produzido pela FRM, porém em parceria com a UnB.
Entrando no ar a partir de 16 de março de 1981. O programa conseguiu ampliar a
grandiosidade, em termos quantitativos, do seu precursor, tendo em vista que as aulas
começaram simultaneamente em todo país, reunindo mais de 50 emissoras de TV e cerca de
mil estações de rádio. No rádio, o Telecurso aproveitava toda a estrutura do Projeto Minerva
do MEC. 282
Em 1981, o Telecurso voltaria a ser tema de debate na ESG, mas, ao contrário da
primeira vez, quando foi assunto coadjuvante dentro do painel sobre Televisão e Educação, o
programa foi pauta principal, e por isso a conferência contou com a presença de Roberto
Marinho e de José Carlos de Almeida Azevedo, reitor da UnB e parceiro da FRM no projeto
de Supletivo de Primeiro Grau, então recém lançado na televisão brasileira.
O evento teve a cobertura do jornal O Globo que publicou na íntegra, como era de
costume, as duas conferências, em uma matéria que ocupou duas páginas no jornal e dava
como manchete em letras garrafais: “Telecursos de 1º e 2º Graus são experiências vitoriosas.”
Esse evento na ESG é significativo, pois marcou o fim de uma era e o início de outra dentro
do projeto da FRM para a educação. De 1978 até o momento desse evento, o Telecurso
conseguiu se constituir como uma marca de sucesso, graças à ampla divulgação aos agentes
interessados no decorrer desses anos, conseguindo, ao cabo, o reconhecimento dos militares,
evidenciado, sobretudo, pelo financiamento público do programa.
Com tais objetivos alcançados, Roberto Marinho declarou durante sua conferência que
há pouco menos de quatro anos, a FRM “lançava o Telecurso 2º Grau com a convicção de
poder contribuir de maneira objetiva no esforço educacional brasileiro.” Roberto Marinho
tinha convicção de que estava cumprindo sua missão. Segundo ele: “Ao favorecer a educação
de todos, os meios de comunicação de massa estão promovendo ativamente a elevação da
cultura e da civilização do povo brasileiro.” 283
Ao final do ano de 1981, a revista semanal Veja classificava o Telecurso 2º Grau
como “a primeira experiência de TV educacional no Brasil transformada em sucesso de
audiência.” 284 Segundo Calazans Fernandes o programa atingia 3% dos lares brasileiros. 285

281
MILANEZ, Liana. op. cit., p. 62.
282
O Globo. Aulas do Telecurso Primeiro Grau começam amanhã em todo país. Rio de Janeiro, 15 de março de
1981.
283
O Globo. Telecursos de 1º e 2º Graus são experiências vitoriosas. Rio de Janeiro, 25 de junho de 1981.
284
Veja, 11 de novembro de 1981.
115

As relações de Roberto Marinho com o campo político mostraram-se cruciais para o


sucesso do Telecurso. Com o trânsito que o empresário tinha entre as autoridades do governo,
tornar o programa uma solução para os problemas educacionais brasileiros foi questão de
tempo. Soma-se a isso, a utilização de toda estrutura de suas empresas de comunicação para
dar visibilidade ao projeto. E assim, posicionar o Telecurso como o paradigma de teleducação
pela televisão no Brasil.

285
Veja, 18 de novembro de 1981.
116

3º CAPÍTULO

DA SALA DE AULA PARA A SALA DE CASA: O TELECURSO COMO


EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL
117

3 DA SALA DE AULA PARA A SALA DE CASA: O TELECURSO COMO


EXPERIÊNCIA AUDIOVISUAL

3.1 A produção das teleaulas: entre práticas comerciais e educativas

No dia 16 de janeiro de 1978, foi ao ar pela primeira vez a vinheta de abertura do


programa Telecurso 2º Grau. Em meio aos símbolos da FRM, da FPA e do Telecurso, uma
286
voz masculina, em off, anunciava: “Fundação Roberto Marinho em parceria com a
Fundação Padre Anchieta apresenta: educação permanente, Telecurso 2º Grau, atualização de
conhecimentos, exames supletivos”. Após a vinheta e ao término do primeiro programa, os
telespectadores podiam até perceber que algo novo surgia na televisão brasileira; há
declarações de que as linhas telefônicas da Rede Globo ficaram congestionadas, com o
287
número expressivo de pessoas ligando para saber mais informações sobre a novidade. De
todo modo, dificilmente os telespectadores imaginariam que o programa se transformasse,
alguns anos depois, no paradigma de teleducação para televisão brasileira.
O Telecurso 2º Grau foi dividido em três fases. Ao longo de dezoito meses e 450
teleaulas depois, o aluno/telespectador completaria o curso com todas as disciplinas do
currículo oficial. Segundo Roberto Marinho, uma das grandes vantagens do Telecurso era o
seu custo final para o aluno. Tal critério era reconhecido por técnicos de organismos
internacionais, como o Banco Mundial. O empresário ressaltava que o valor total do curso
para o aluno chegaria a CR$ 1.800,00 o que representava, segundo ele, “o preço de duas ou
288
três mensalidades de um outro curso qualquer.” O impacto que a veiculação do Telecurso
gerou nos cursinhos preparatórios para o Exame do Ensino Supletivo não é mensurável, mas
sabe-se que desde à época do Madureza Ginasial os donos desses estabelecimentos
289
criticavam cursos pela televisão, talvez por isso Roberto Marinho tivesse frisado o custo
que cada aluno empreenderia para a conclusão do Telecurso.
A produção do programa ocorreu de forma segmentada, ou seja, cada fase foi
produzida separadamente, o que contribuiu para o aprimoramento do produto com o passar do
tempo. Por esse motivo, não foi aplicado um modelo único de aula, mas diversos formatos
experimentais. Cada disciplina tinha seus autores e roteiristas, corroborando para que o
programa não tivesse uma mesma “cara”, diferentemente do Telecurso que conhecemos hoje

286
Recurso em que um texto é lido sobre as imagens e o seu emissor/narrador não aparece na dimensão do vídeo.
287
NISKIER, Arnaldo. op. cit., 1999. p. 307.
288
O Globo. Roberto Marinho na Câmara: Telecurso é inédito no mundo. Rio de Janeiro, 09 de agosto de 1979.
289
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
118

e que, independente das matérias, possui um roteiro fixo a ser seguido. No caso do Telecurso
2º grau, cada programa, cada disciplina, cada equipe tinha a liberdade, dentro dos padrões
exigidos pela Rede Globo, de utilizar os recursos que melhor atenderiam aos objetivos do
projeto.
A realização de um programa televisivo pode ser dividida em quatro etapas: pré-
produção, na qual todo o conceito do produto é pensado e organizado; montagem ou ensaio,
quando o estúdio e a sala de controle são preparados e os elementos do programa são
ensaiados e coordenados; produção, momento em que o programa é gravado; e pós-produção,
quando o programa é editado. Em cada uma dessas etapas os diversos agentes envolvidos
290
exercem uma função específica.

Durante o processo de pré-produção do Telecurso houve uma reunião na FPA, para a


primeira avaliação do programa piloto para a televisão entre profissionais das duas
instituições. Estavam presentes, Calazans Fernandes, do departamento de Educação da FRM,
Mário Chamie, então secretário Municipal de Cultura de São Paulo, Eduardo Sidney, da
FRM, Antonio Abujamra, George Sperber e Célia Marques, os três da FPA. A essa equipe
cabia, além da avaliação do piloto, propor alterações ou qualquer outro tipo de intervenção
que, ao final, servisse de base para a produção da série.
A avaliação tinha como finalidade analisar o piloto, observando, sobretudo, a
utilização do veículo TV no projeto em questão, o Telecurso. O objetivo da aula pela TV,
segundo os avaliadores, era o de apresentar um tema, sem esgotar as informações a respeito,
de maneira agradável, motivadora, com a finalidade de reavivar os conhecimentos – público
em geral –, mas principalmente, despertar interesse pela busca de mais informação – público
específico. 291 Como se pode notar, a equipe trabalhava com a ideia de dois públicos distintos
para o programa. De um lado, o geral, que assistiria ao programa simplesmente para
atualização de conhecimentos, dentro de uma proposta de educação continuada/permanente. E
do outro, o público específico que acompanharia o programa no intuito de conseguir um
certificado de 2º grau, e que teria de ter seu interesse despertado para efetivar a aquisição do
fascículo.
Partido desse objetivo, a equipe realizou a análise considerando os aspectos estéticos e
os aspectos funcionais do piloto. Por aspectos estéticos, a equipe entendia todos os elementos
utilizados na produção da aula que ressaltavam o caráter televisivo do programa. Em termos

290
BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção & direção. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 15 –
28.
291
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
119

dos aspectos funcionais, compreendia-se o modo como programa funcionaria para aqueles
que realmente necessitavam do aprendizado, o público específico.
A avaliação da equipe em termos estéticos destacava de forma positiva a correta
alternância no uso de imagens em preto e branco e as em cores, expediente que assinalava as
distinções entre o antigo e o novo, o passado e o presente, o que deu ritmo próprio ao
programa. A utilização de dois videoteipes com monitor no estúdio. O uso oportuno de
292
chroma-key e uma boa seleção de excertos audiovisuais sobre pintura, arquitetura,
escultura, para exemplificação do conteúdo. Ainda em relação aos aspectos estéticos a equipe
fez duas ressalvas. A primeira delas relativa às narrações e recitações em off, as quais, de
acordo com a avaliação, deveriam ser feitas por atores de renome. E no tocante à cenografia, a
avaliação pontuava que era correta a utilização de uma estrutura padrão a ser preenchida com
ilustrações referentes ao tema de cada programa, mas deveria ser mais bem elaborada, para
ressaltar sua função articuladora na série. Nota-se que as ressalvas em relação aos aspectos
estéticos do piloto foram pontuais, não prejudicando a boa avaliação final do produto pela
equipe, por entender que ele agradaria a um grande público. 293
Por outro lado, o que mais inquietou a equipe de avaliação foram os aspectos
funcionais do piloto. De acordo com os avaliadores, apesar do piloto apresentar um bom
desempenho no quesito estético, não se deveria esquecer o público específico visto que era
com essa faixa de audiência que se assumirá um compromisso de educação supletiva e o
sucesso do empreendimento dependeria das possibilidades que o projeto oferecesse para esse
público vencer uma etapa definida de escolarização. 294
Assim, a equipe pontuou diversos problemas de ordem funcional no piloto. O primeiro
ponto acentuava uma preocupação com a transmissão da mensagem que segundo a avaliação
parecia prejudicada pelo padrão de linguagem de alguns depoimentos e do apresentador, que
foram consideradas um pouco sofisticadas para o público de ensino supletivo. Justificaria tal
opinião o fato de existirem referências sutis que, exigindo atenção demasiada do
telespectador, tornariam o programa cansativo e até mesmo desmotivador, e, mesmo apesar de

292
De acordo com Herbert Zettl: “Chroma-key é um efeito especial que usa uma determinada cor (chroma),
geralmente, azul ou verde, como fundo para uma pessoa ou objeto que vai surgir em frente à cena de fundo (...)
Um exemplo típico é o homem/a moça do tempo na frente de um mapa meteorológico ou uma imagem de
satélite. Durante o chroma-key, o mapa meteorológico ou a imagem de satélite gerada por computador substitui
todas as áreas azuis (ou verdes) – mas não o apresentador. O efeito de key faz com que o homem do tempo
pareça estar em pé em frente ao mapa do tempo ou à imagem de satélite.” In: ZETTL, Herbert. Manual de
Produção de Televisão. São Paulo: Cengage Learning, 2011. p. 243.
293
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
294
Ibid.
120

todo o esforço, o público poderia não conseguir captar completamente o sentido das
referencias. 295
Ainda no tocante à compreensão da audiência, a equipe elencaria outro ponto
negativo: a relação desproporcional entre quantidade de informação e velocidade de
comunicação. Para sanar tal ponto, a equipe sugeria a utilização de “redundância inteligente”
como forma de comunicar ou reforçar a mensagem. E finalizou advertindo que faltava um
“ponto de referência” para a edição, ou seja, um objetivo. Problema que poderia ser resolvido,
segundo a avaliação, com um planejamento didático que contemplasse a introdução, o
desenvolvimento e conclusão do piloto. 296
A partir dessa constatação, a equipe de avaliação sugeriu algumas ideias para a
resolução dos problemas apontados. Uma delas era a de separar o texto entre dois emissores,
sendo que: “um deles assumiria o papel de informante objetivo (e poderia ser interpretado por
um apresentador ou ator de renome) e outro seria uma autoridade em cada assunto, incumbida
de emitir comentários.” Por fim, ressaltava-se na avaliação que a análise do programa piloto
valia mais como amostra de utilização de recursos técnicos disponíveis do que como amostra
de “tratamento conteudístico”, pois as equipes responsáveis pelos textos e supervisão
pedagógica ainda não estavam constituídas. 297
Ao fim e ao cabo, a reunião da equipe de avaliação do programa piloto transcorreu
sem maiores problemas e surpresas, sendo discutidos os pontos que a equipe considerou
pertinentes e, indicadas possíveis resoluções. Ao final do documento, compreende-se que o
programa está pronto para ser produzido, ao menos em relação aos aspectos televisivos.
Reforçando essa ideia, a última preocupação do grupo apontada no texto foi a de alertar que
ainda não havia uma abertura oficial do programa, sugerindo, assim, que a TV Globo se
incumbisse desta parte da produção da vinheta. Todavia, ao contrário do que imaginava, a
equipe de avaliação a discussão sobre o piloto estava só começando e ainda iria render fortes
emoções. 298
Após a primeira avaliação, o programa piloto foi encaminhado para o Rio de Janeiro,
aos cuidados do superintendente de Produção e Programação da Rede Globo, José Bonifácio
de Oliveira Sobrinho, o Boni, o qual oficialmente não integrava os quadros profissionais da
FRM. Porém, Roberto Marinho não deixaria que um dos seus principais diretores ficasse fora
de um projeto da dimensão do Telecurso, expediente que ilustra a relação tênue em termos

295
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
296
Ibid.
297
Ibid.
298
Ibid.
121

administrativos/operacionais entre a fundação e a emissora. Com a saída de Walter Clark da


299
Rede Globo, no início de 1977, o espaço de Boni naturalmente cresceu e com ele suas
responsabilidades. Assim, coube ao superintendente colaborar na produção televisiva do
programa. Um dos resultados dessa participação no projeto foi registrado em um memorando
encaminhado a FPA em que Boni faz valer sua posição privilegiada dentro do campo para
tecer suas críticas e fazê-las serem cumpridas durante o processo final de produção da série.
Boni iniciou o documento com uma apreciação geral sobre o piloto. Na qual
considerando os custos e o trabalho empregados afirmava ser perfeitamente dispensável à
produção de um outro, pois esse continha “defeitos tão evidentes e qualidades tão claras” que
cumpriam o objetivo de avaliar o produto. 300
De acordo com Boni o programa apresentava “uma evolução apreciável no sentido
didático, com colocação da proposta, que além de atrair compradores para os fascículos,”
seria efetivamente útil aos alunos. Opinião divergente da avaliação feita pela primeira equipe.
Outra qualidade destacada por Boni foi “a utilização de recursos variados de televisão – como
a música, o teatro, a entrevista, a reportagem, a narração, o desenho.” O uso desses recursos,
demonstrava, para ele, o conhecimento da equipe sobre a produção educativa, e concluía que
o formato compunha “um programa dentro dos melhores moldes didáticos recomendados”
pelos produtores de teleducação em todo mundo, segundo os padrões do período. 301
Boni dividiu os defeitos do piloto em quatro áreas: direção, texto, edição e som. E
teceu fortes críticas aos aspectos estéticos do piloto, justamente os que tinham sido elogiados
pela avaliação da FPA. Com ênfase, Boni defendia que era “preciso partir para a
simplificação, evitando-se rebuscamentos inúteis, como efeitos desnecessários de chroma-key
ou marcações ridículas, como a do narrador falando para o receptor ou a declamação ao
espelho”, referindo-se à cena que o ator Antônio Fagundes representava no piloto. E afirmava
que tal tipo de preocupação além de expressar um tom amadorístico, atrasava “a produção
dificultando a adoção de um processo industrial, rápido e objetivo.” 302
Em termos dos textos empregados no programa piloto, Boni avaliava que o uso de
algumas palavras – como “urgia, estagnação, alheamento” – ou expressões – como “famílias
abastadas, decadentes suspiros das aristocráticas ninfas” – resultavam em uma linguagem
pesada e imprópria para o veículo televisão, meio que, para o diretor da TV Globo, deveria ser
“coloquial e direto.” E concluía que palavras e expressões “não correntes na língua falada”

299
CLARK, Walter; PRIOLLI, Gabriel. O campeão de audiência. Rio de Janeiro: Best Seller, 1991.
300
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
301
Ibid.
302
Ibid.
122

davam ao programa “tom professoral e rançoso”, e, portanto, os redatores teriam de “estar


mais familiarizados com o veículo” ou então que seus textos pudessem ser modificados. 303
Essa foi uma das críticas compartilhadas nas avaliações, demonstrando que, apesar de
uma instituição ser comercial e a outra pública, nesse quesito o que pesou foi a preocupação
de uma linguagem mais adequada à televisão. Boni, porém, foi além, e disse que os redatores
tinham de se familiarizar com a televisão para que o Telecurso não adquirisse características
professorais. 304
As observações de Boni quanto à edição e ao som foram pontuais, e estavam ligadas à
qualidade técnica de ambos. No caso da edição, ressaltou o seu bom ritmo, mas pediu cuidado
na utilização de diferentes padrões empregados pela TV Globo e TV Cultura. 305
As orientações realizadas por Boni, no memorando, deveriam ser seguidas ao longo da
produção de toda a série. Para que isso acontecesse, pediu urgência na constituição da equipe
de produção, a ser formada por profissionais “experientes e rápidos”, para que se obtivesse,
assim, um bom volume de produção, com boa qualidade e sem rebuscamentos. Sugeria que a
equipe, então em formação, devesse ser reduzida, pois havia superposições de funções,
306
especialmente nas áreas de apoio, assistentes de produção e pesquisa.
Ademais, Boni propunha que, imediatamente após a constituição da equipe, fosse
marcada uma reunião na TV Globo-SP ou na TV Cultura, com a finalidade de discutir o piloto
e o “balisamento da filosofia de produção.” E salientava que à reunião devem estar presentes,
307
além dele próprio, Joe Wallach , Eduardo Sidney e outros envolvidos com o projeto a
critério de seleção da FPA e FRM. E numa demonstração de controle do projeto, solicitou a
“elaboração do cronograma de produção e edição, para acompanhamento pela Rede
Globo.”308
Para a produção do Telecurso, a FRM designou a Rede Globo e a TV Cultura para a
formação de uma equipe geral que seria responsável pela produção audiovisual do programa,
pelo menos nas suas duas primeiras fases. Essa equipe era formada por 31 profissionais: um
coordenador geral; dois diretores de TV; dois assistentes de direção; dois gerentes de

303
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
304
Ibid.
305
Ibid.
306
Ibid.
307
Joe Wallach, norte-americano, chegou ao Brasil em 1965 para gerir os recursos investidos na emissora pelo
grupo norte-americano Time-Life na TV Globo. Acabou permanecendo na emissora – a pedido de Roberto
Marinho – mesmo após o fim da parceria, tornando-se um dos seus homens de confiança e com importante papel
na articulação entre Walter Clark e Boni.
308
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
123

produção; dois coordenadores de geração; um supervisor de cena; um coordenador técnico;


um figurinista; um maquiador; um cenógrafo; um contra-regra; um coordenador de estúdio;
um iluminador; um assistente de iluminação; dois operadores de áudio; dois operadores de
microfone; um sonoplasta; um assessor de operações; um supervisor de edição; um operador
309
de telecine; dois operadores de vídeo; quatro operadores de VT; dois câmeras.

Não foi possível identificar os executores de algumas das funções acima, notadamente
aquelas de menor prestígio em termos de produção televisiva que, diferentemente dos
diretores, produtores ou realizadores do programa, não eram mencionados sequer nos créditos
das teleaulas ou em outros documentos das fundações.

No contrato estabelecido entre as fundações estava prevista a função de um


coordenador de produção, que ficaria a cargo da FRM. No memorando elaborado por Boni
era confirmada essa função, bem como o nome indicado para exercê-la: Eduardo Sidney. Ao
coordenador, segundo o documento de Boni, caberia as seguintes atividades: o controle de
qualidade da produção das aulas para a televisão; o controle da filosofia do produto, após
definição dela por parte das fundações em relação às linhas que deverão ser seguidas; o
fornecimento de material dos arquivos da Rede Globo, além de gravações especiais com o
seu elenco para enriquecimento do projeto; o controle do cumprimento dos cronogramas de
produção; o controle de métodos e sistemas de trabalho e rendimento dos profissionais
envolvidos no projeto; e a organização do tráfego e distribuição dos programas na Rede
Globo. 310
311
Gregório Bacic era o responsável pela produção das teleaulas de Geografia. E no
ano de 1979, atuou também como diretor na disciplina de Matemática. Jornalista, cineasta e
diretor, começou sua trajetória na televisão, em 1967, quando a TV Bandeirantes, de São
Paulo, preparava-se para entrar no ar. Em 1968 foi contratado pela TV Globo, que passava
por dificuldades para selecionar jornalistas consagrados – uma vez que não enxergavam a
televisão como um veículo para o jornalismo – e começou a investir em jovens profissionais.
312
Na emissora Bacic trabalhou no Jornal da Globo, noticiário que posteriormente foi

309
FRM. Relatório 1. 1978. p. 96-97.
310
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final.
311
O produtor é o responsável na fase de pré-produção do programa por desenvolver o seu conceito, criar seu
orçamento, escolher o diretor, trabalha junto ao roteirista e aprovar os métodos do diretor, a iluminação e o
cenário. Na fase de montagem/ensaio o produtor deve supervisionar toda a produção. Assistindo aos ensaios e
anotando as possíveis mudanças, além de manter a produção dentro de seu cronograma e orçamento. Durante a
produção decide com o diretor quais tomadas usar. E na última etapa aprova a versão final editada do programa,
coordena sua divulgação e avalia seu desempenho. Cf. BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção &
direção. Belo Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 15 – 29.
312
MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional. A notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004. p. 18
124

substituído pelo Jornal Nacional (1969). Transferiu-se para a TV Cultura, onde atuou como
313
diretor. E pouco antes do início do Telecurso voltou a trabalhar na emissora de Roberto
Marinho, mas dessa vez como cineasta, participando do grupo que produziu O Globo
Repórter, no qual realizou uma de suas principais produções, Retrato de Classe (1977). Em
um estudo sobre o programa Cássia Palha revelou as principais características do
documentário de Bacic que buscou a partir de uma fotografia escolar da década de 1950
reunir vinte anos depois essas pessoas pertencentes às “frações médias da grande capital
paulista”. Segundo Palha, “esquivando-se da armadilha de reduzir os sujeitos a generalizações
conclusivas” Bacic conseguiu, por meio de “uma narrativa poética e, ao mesmo tempo
memorialística das personagens”, evocar “uma construção de popular num mundo urbano sem
grandes privações, mas não por isso afastada de seus conflitos.” 314

Silvio de Abreu foi outro agente importante da televisão comercial que colaborou no
Telecurso. Trabalhou como produtor e roteirista nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura,
durante a primeira fase e Química na terceira. Em depoimento posterior, o autor afirmou que
foi “chamado pelo próprio Boni para implantar o projeto Telecurso.” Ele havia acabado de
escrever a telenovela Éramos Seis pela TV Tupi e começou seu trabalho no Telecurso, antes
mesmo de escrever sua primeira telenovela para a Rede Globo, Pecado Rasgado.

Um dos profissionais que atuou na direção das aulas de Inglês foi Hugo Barreto, então
funcionário do departamento de televisão da FRM. Barreto fez carreira dentro da Fundação,
tornando-se em 2002 o seu secretário-geral. Entre outros nomes que passaram pela direção e
produção do Telecurso estão: Paulinho Pereira, Dorival Dellias Filho e Luiz Deganello nas
teleaulas de Matemática e Física; Marco A. Mora, Bigal Netto e Denise Banho para as de
Química.
Entre os cenógrafos do Telecurso estava Naum Alves de Souza, que em 1979,
elaborou os cenários e os figurinos das teleaulas de Inglês. Ele ficou conhecido no meio por
ter confeccionado os bonecos de Vila Sésamo o que lhe rendeu um contrato com a TV Globo.
Após esse período Naum começou a se dedicar ao teatro e passou pela experiência de fazer os
cenários e dirigir a peça de sua autoria chamada Maratona, além de trabalhar na cenografia e

313
Revista PJ:BR – Jornalismo Brasileiro. ECA-USP. Edição 07, 2º semestre de 2006. Disponível em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/entrevistas7_c.htm. Acesso realizado em 15/05/2011.
314
PALHA, Cássia R. Louro. A Rede Globo e o seu Repórter: imagens políticas de Teodorico a Cardoso. Tese
de Doutorado. Niterói: UFF, 2008. p. 106.
125

no figurino de Macunaíma, adaptação da obra de Mário de Andrade com direção de Antunes


Filho. 315
Serão esses agentes os responsáveis por experimentar práticas oriundas da televisão
comercial na produção de um programa de cunho educativo. O resultado dessa amálgama
ficou registrado no audiovisual do Telecurso.

3.2 A novidade também era falar de humanidades

A grade curricular do Telecurso durante sua primeira fase foi formada por disciplinas
da área de Ciências Humanas: História; Geografia; Língua Portuguesa e Literatura. A
justificativa dos organizadores por essa composição era a de que essas quatro disciplinas
iniciais cumpriam funções específicas dentro do programa. De acordo com esse raciocínio,
Língua Portuguesa e Literatura teriam a função de consolidar uma base para a comunicação,
abrindo o caminho para tantas outras teleaulas que viriam pela frente. História e Geografia
consistiam em disciplinas interligadas, mas o principal motivo pela escolha de ambas era o
316
fato de sua produção ser considerada mais fácil. Assim, no que diz respeito aos termos
técnicos iniciar o Telecurso por essas disciplinas se configuraria como uma forma de escapar
– ao menos temporariamente – de um possível constrangimento, em uma mal sucedida
aventura televisiva pelas ciências exatas e biológicas. Todavia, a escolha de tais disciplinas
também continha seus desafios e implicações. Afinal, o programa teria de tratar logo no início
de sua exibição de assuntos delicados para o regime militar. Como explicar, por exemplo, a
importância do ensino de História, em um país onde uma década antes os cursos
universitários em que se formavam estudiosos da área foram esvaziados e em seu lugar
criaram-se licenciaturas curtas? Ou como explicar os problemas sociais em futuras teleaulas
de Geografia. O fato é que os responsáveis pelo Telecurso, Roberto Marinho e Antonio
Soares Amora, além dos outros agentes envolvidos sempre que podiam afirmavam que o
programa seguiria as diretrizes apontadas pelo MEC para o ensino supletivo. Tema que se
tornou até título de matéria do jornal O Globo alguns dias após a inauguração do programa:
Telecurso atenderá à reforma do ensino. 317
As aulas de História do Telecurso eram apresentadas por Gianfrancesco Guarnieri. O
ator chegou ao programa com 43 anos de idade e uma carreira artística iniciada na década de
315
GUZIK, Alberto (org.) Naum Alves de Souza. Imagem, Cena, Palavra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. p.
105 – 141.
316
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 84.
317
O Globo. Telecurso atenderá à reforma do ensino. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1978.
126

1950, no teatro. A partir do final dos anos 1960 estreou nas telenovelas, tendo participado de
mais de 14 delas até 1978. Com papéis como o de Tonho da Lua em Mulheres de Areia
(1973), escrita por Ivani Ribeiro, e veiculada pela TV Tupi, Guarnieri foi tornando-se popular.
As aulas tinham um formato muito simples, quando comparamos com as outras
disciplinas da primeira fase. Privilegiando a exposição dos conteúdos, centrado na figura
única do apresentador, que ora era visto no estúdio, ora fazia narração em off, enquanto
imagens apareciam no vídeo. Geralmente, essas inserções de audiovisuais serviam como mera
ilustração, o que denota uma dificuldade inicial em utilizar as imagens para o ensino de
História. Situação que não deveria ser muito diferente nos estabelecimentos escolares oficiais,
afinal as diretrizes educacionais estabelecidas pelo regime militar “em relação ao ensino de
História não somente reforçaram as características já presentes neste ensino desde, pelo
menos, o início do século XIX, como ajudaram a consolidar concepções tradicionais acerca
do conhecimento histórico.” 318
No cenário, Guarnieri dividia espaço com objetos relacionados aos temas discutidos
durante as aulas, como pode ser observado na fotografia abaixo.

Imagem 4 - Gianfrancesco Guarnieri apresentando teleaula de História.

Fonte: http://www.memoriaoral.com.br/album/?album_id=4

Ainda que como um recurso meramente ilustrativo, a inserção do material audiovisual


utilizado durante as teleaulas de História era fruto direto dos avanços tecnológicos alcançados
pela televisão no decorrer das décadas anteriores, o surgimento do VT, como vimos no

318
FONSECA, Thais Nivia de Lima. O ensino de História do Brasil: concepções e apropriações do
conhecimento histórico (1971-1980). In: CERRI, Luis Fernando (org.). O Ensino de História e a Ditadura
Militar. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2005. p. 51.
127

primeiro capítulo, trouxe ao meio a possibilidade de transportar, editar e arquivar imagens –


ainda que muitas vezes as emissoras optassem por reutilizar o material tendo em vista os altos
custos. O fato do Telecurso ter sido produzido a cores também o diferenciava dos seus
antecessores.
Esses excertos relativos ao cinema, à música, à literatura e aos esportes compunham
um repertório audiovisual com qualidade suficiente para colaborar na apresentação dos
conteúdos da disciplina. Na exibição da primeira aula, por exemplo, que tinha como tema
Introdução ao Estudo da História, fragmentos audiovisuais como os do filme Tempos
Modernos, do músico Jhony Alf, e até mesmo do gol de Pelé pela seleção brasileira na final
da Copa do Mundo de 1970, foram utilizados para ilustrar as explicações de Guarnieri a
respeito do que seria um fato histórico. Apesar da boa qualidade desse material, nota-se que
sua utilização se dava, majoritariamente, de modo ilustrativo, ou seja, quando Guarnieri
falava sobre o nazismo, surgiam no vídeo imagens do líder nazista Adolf Hitler, sem um
trabalho de análise maior por parte do roteiro da teleaula sobre o que estava sendo exibido em
termos imagéticos.
Outro recurso técnico utilizado durante as teleaulas era a inserção no vídeo de
legendas em caracteres, para destacar frases lidas pelo apresentador. Em uma das aulas, surge,
na tela escura, em caracteres brancos, a frase: “um povo que não conhece sua história está
condenado a repeti-la.” A célebre sentença do pensador George Santayanna é exemplar em
como o conteúdo das aulas de História poderia abrir espaço para se refletir sobre a situação
presente, o que significava naquele momento no Brasil tratar do processo da abertura política
e o desgaste do regime militar. Porém, a frase foi dita em um momento da aula em que não se
tratava do Brasil. Pelo contrário, logo após a citação da frase, apareciam imagens da
longínqua civilização egípcia.
Observando as capas dos livros de História e Geografia do Telecurso é possível fazer
algumas considerações. Na capa de História observa-se duas imagens. Ao fundo a reprodução
da gravura de 1835 do pintor e viajante alemão Rugendas na qual retrata o trabalho em um
engenho de açúcar no século XIX. A segunda imagem, sobreposta a primeira é a de um
trabalhador da siderurgia. O que denota a ênfase na figura do operário representante da
indústria de base, pela qual o desenvolvimento nacional estava umbilicalmente ligado, e se
configurava para aluno/telespectador a tão esperada ascensão profissional. Na composição
com a imagem de fundo revela-se a contraposição entre o passado escravista e o presente
industrial, o antigo e o moderno.
128

Na capa de Geografia observamos a imagem do mapa Nova et Accurata Brasiliae


Totius Tabula, do holandês Jan Blaeu, de 1640, onde é possível localizar o Brasil. Em
consonância com a imagem à referência ao elemento estritamente físico da disciplina,
ressaltado pelo tom verde da capa, parecia mais conveniente aos produtores naquele período
de ditadura, evitando, assim, a tendência crescente da disciplina de destacar aspectos mais
críticos. E a imagem fazendo referência ao mapa do país reforça um vasto repertório de
imagens veiculadas no decorrer de toda a década de 1970 com a idéia do “Brasil Potência”.

Imagem 5 - Capas dos livros com o curso de História e Geografia.

Fonte: HISTÓRIA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982; GEOGRAFIA EM 2 VOLUMES.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1981.

A disciplina de Geografia também era parte integrante da primeira fase do Telecurso.


As teleaulas eram apresentadas pela atriz Ariclê Perez, de 34 anos. Oriunda do teatro, e com
uma passagem pelo cinema em Paixão na Praia (1971), a atriz ainda iniciava sua carreira na
televisão. Sua estreia tinha sido pouco tempo antes na novela Canção para Isabel (1976), da
TV Tupi.
Apesar de ser a única apresentadora do curso, Ariclê Perez não realizava um papel
com a mesma centralidade de Guarnieri. Isso porque o curso de Geografia apresentava uma
dinâmica distinta em relação ao programa de História, no que concerne à forma de difusão de
seus conteúdos. Nesse sentido, cabia a Ariclê apenas apresentar alguns conceitos que seriam
129

desenvolvidos por outros tipos de emissores, ora por um narrador em off, ou em depoimentos
de especialistas, debates ou reportagens.
Na teleaula de número dois, que explorou o tema O Brasil e o seu lugar no mundo, o
artifício central escolhido para a explanação dos conteúdos era um grupo de jovens
universitários estudantes de Geografia que discutiam o tema da teleaula.
O recurso do debate era interessante, pois imprimiu ritmo distinto à narrativa, já que os
participantes explanavam suas impressões acerca do tema sem uma sequência aparentemente
tão orquestrada, como seria no caso da fala exclusiva de um apresentador/professor. Mais uma
vez os recursos técnicos próprios da televisão entravam em cena, o expediente da edição
possibilitava o recorte e os ajustes das falas dos estudantes de acordo com o espaço de tempo
previsto para o programa, tratando de fazer os encadeamentos das ideias apresentadas no
debate.
Para ilustrar as informações discutidas pelos universitários, entre cada um dos trechos
do debate surgiam no vídeo imagens sempre seguidas de uma narração em off que
complementava a explicação. Em um dos momentos dessa edição surgem no vídeo cenas que
parecem ser do início do século XX retratando o trabalho dos imigrantes no Brasil.
Aproximando-se do final da teleaula surge na tela em uma tomada externa de quase
três minutos um repórter questionando populares, notadamente migrantes, sobre os motivos
de sua vinda para São Paulo. No total foram seis entrevistas. Em um plano cruzado, onde
apareciam na dimensão do vídeo apenas o entrevistado e o microfone do repórter. A entrevista
se constituía como um expediente importante, pois contribuía com explicações mais claras,
vindas, geralmente, de pessoas simples, com realidades mais próximas dos possíveis
alunos/telespectadores. No caso específico dessa teleaula o repórter, curiosamente, acabou
cometendo um erro geográfico, perguntando para o entrevistado “o motivo de sua vinda para
o Sul”, sendo que São Paulo localizava-se, já naquela época na região Sudeste. Mas,
possivelmente isso não era um erro, mas sim recurso de linguagem utilizado pelo repórter
para aproximá-lo de seus entrevistados e da audiência que comumente referem-se a São Paulo
com Sul e aos migrantes que vem para o estado como vindos do Norte.
As inovações mais interessantes em relação ao modo de utilização da televisão para
ensinar conteúdos na primeira fase do Telecurso 2º Grau ficaram por conta das aulas de
Língua Portuguesa e Literatura. Já na forma de condução do programa havia diferenças. Eram
utilizados dois apresentadores, que se revezavam na explicação dos conceitos. Eram eles: o
ator Kito Junqueira e a atriz Cléo Ventura. Junqueira iniciou sua carreira na televisão, atuando
pela TV Tupi, no início da década de 1970; chegou ao elenco da Globo para atuar na
130

telenovela O Espelho Mágico (1977) e, no mesmo ano do início do Telecurso, participou de


outra trama da emissora de Roberto Marinho – Te Contei?. Cléo Ventura também era uma
jovem atriz. Passou pela TV Record, no início dos anos de 1970, atuando em algumas
telenovelas da emissora.
A jovem dupla tinha o papel de transmitir os conteúdos, aproximando-se daquilo que
era realizado por Guarnieri nas aulas de História. Contudo, a principal diferença era que os
dois, além de dividirem o conteúdo, podiam contar com diversos recursos, como
dramatizações, músicas, depoimentos, para exemplificar os conceitos abordados na aula.
Destaque para a atuação do jovem ator Ney Sant’Anna, de 24 anos. Filho do cineasta
Nelson Pereira dos Santos, havia começado no cinema aos 16 anos, na TV estreou na
telenovela Cinderela 77 (1977), da TV Tupi, no papel de Pefinho. No Telecurso interpretava
um jovem que acompanhava as teleaulas tecendo observações, indagações, e afirmações que
eram utilizadas como forma de reforçar um determinado conteúdo ou como ganchos para os
apresentadores. A boa atuação no Telecurso, provavelmente lhe valeu um papel na primeira
novela de Silvio de Abreu pela Rede Globo, Pecado Rasgado (1978), onde fez o papel de
Rodrigo. Para além das dramatizações de Ney, as edições das teleaulas ainda contavam com
algumas cenas isoladas para exemplificar o conteúdo, além de depoimentos de pessoas com
conhecimento sobre a matéria veiculada.
A teleaula número 13 de Língua Portuguesa, dedicada ao estudo de verbos, inicia-se
com a fala dos dois apresentadores – ambos com roupas em tom azul –, que introduziam a
temática. Na sequência, aparece Ney Sant’Anna dizendo que já sabia tudo sobre os verbos e,
citando algumas das características básicas sobre o assunto gramatical. Ao voltar para o
estúdio, um pequeno erro de continuidade: a apresentadora Cléo Ventura, aparece com uma
blusa verde. Talvez a produção tenha notado que os dois apresentadores estavam muito
parecidos vestidos de azul.
Para explicar os tempos verbais, os apresentadores utilizaram imagens com cantoras
brasileiras, entre elas Gal Costa, Maria Bethânia e Fafá de Belém. A metodologia funcionava
da seguinte forma: o trecho da interpretação da música ia ao ar; em seguida, os apresentadores
faziam os apontamentos do tempo verbal; o trecho no qual a cantora pronunciava o verbo
surgia novamente na tela e, nesse momento, a imagem era congelada e, em caracteres
brancos, a designação do tempo verbal utilizado aparecia. Por exemplo: pretérito perfeito. Na
sequência, o apresentador explicava o que era o pretérito perfeito, e essa mesma dinâmica era
repetida com outros tempos verbais. Essa técnica se transformou em um importante artifício
para outras produções educativas posteriores. O programa Nossa Língua Portuguesa (1994),
131

por exemplo, veiculado pela TV Cultura e apresentado pelo professor Pasquale Cipro Neto
utilizou a mesma técnica, com as devidas adaptações, para ensinar a correção gramatical a
partir de letras de músicas, filmes e desenhos.
Por volta da metade da aula, passados cerca de sete minutos, eram exibidas algumas
dramatizações que exemplificavam os tempos verbais restantes. Essas encenações tinham uma
presença muito marcante do humor. Uma delas tratava do imperativo negativo. A cena se
passa em um escritório, onde estão dois homens e uma mulher. Após a secretária não atender
a um pedido de um dos homens, que aparentava ser seu patrão, este começa uma conversa
com o outro, que diz que para que seu pedido fosse atendido, ele precisaria usar o imperativo.
O homem, em dúvidas do que isso significava, começou a ouvir atentamente a explicação do
amigo. Passado algum tempo, ele diz ter aprendido o significado do imperativo, e, ao refazer
o seu pedido para a secretária, dá um enorme grito, utilizando corretamente o tempo verbal. A
secretária, assustada cai da cadeira, e, ainda no chão, entrega os papéis desejados. O produtor
Silvio de Abreu, em entrevista posterior, confirma que esse lado humorístico era uma
distinção das aulas produzidas por ele: “Pude exercer a veia da comédia, porque fazia as aulas
como se fossem esquetes humorísticos.” Essas dramatizações eram realizadas por Consuelo
Leandro, Cristina Pereira, Marivalda, Sérgio Roberto, Myriam Lins, Neusa Maria Faro, atores
319
de comédia, com atuação, sobretudo, em São Paulo. Essa dinâmica prossegue até o final
da aula, com dramatizações para exemplificar os tempos verbais, e o apresentador com a
função de explicar o conteúdo. Ney Sant’Anna continua fazendo o papel do aluno, inquieto e
curioso, que contesta o conteúdo, mas, ao final, se mostra satisfeito com o novo aprendizado.
Essa característica é perceptível também na disciplina de Literatura.

Imagem 6 – Ney Sant’Anna em teleaula do Telecurso.

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=527174

319
MEMÓRIA GLOBO. Autores: Histórias das Teledramaturgia. São Paulo: Globo, 2008. v. 2. p. 282.
132

Na abertura da teleaula de Literatura Brasileira de número 25, surgem imagens que o


aluno/telespectador estava familiarizado, cenas de Selva de Pedra (1973), Espelho Mágico
(1977), Saramandaia (1976), Te Contei? (1978) e Mulheres de Areia (1973) se alternaram
antes do início do programa. Ao final dessa introdução de quase 2 minutos, tempo acima dos
40 segundos comumente utilizados, surge em caracteres na cor laranja, o título da teleaula A
telenovela brasileira. A câmera focaliza Ney Sant’Anna, que está no seu quarto, sentado no
chão e assistindo a abertura da aula em um pequeno aparelho televisor. Quando
repentinamente, o jovem se levanta, olha para câmera e indaga: “Ah não, essa é demais. Já me
convenceram que teatro é literatura, já me fizeram gostar de poesia, já me fizeram até gostar
de ler um pouco, mas me dizer que novela de televisão é literatura, ah não, essa é demais”, e
revoltado deixa seu quarto.
320
A apresentadora Cléo Ventura surge no vídeo, em plano médio, e explica o que é a
telenovela. Após a sua explicação, um breve trecho de uma cena de telenovela é apresentado.
Ney volta à cena um pouco mais calmo e concorda com Cléo: “tá certo, tem um texto, mas eu
não sei se é literatura não! Afinal de contas só dizem besteiras nessas novelas, e eu não
gosto... muito.” No momento das últimas palavras da sua fala o ator volta sua atenção ao
televisor, fixando o olhar no aparelho, e a cena é completada apenas com a parte sonora do
trecho da telenovela que ele se põe a assistir, denotando o despertar de certo interesse de Ney
por aquele gênero de programa televisivo.
321
Em plano americano, a veterana atriz Laura Cardoso aparece no estúdio para
explicar a origem da telenovela, remontado aos folhetins do século XIX. De seu quarto, Ney
dialoga com a fala da atriz: “Folhetim eu sei o que é, eram aquelas histórias compridas que
saíam nos jornais em capítulos” – em close-up, se surpreende com seu raciocínio,
completando sua fala – “como as novelas.”
A teleaula prossegue com essa dinâmica. Os apresentadores aprofundam os detalhes
sobre o gênero; falam da autora cubana Glória Magadan, enquanto, na tela, trechos de outras
telenovelas vão surgindo, a exemplo de Carinhoso (1973), a primeira novela de Lauro César
Muniz na TV Globo e Beto Rockfeller (1968-1969), escrita por Bráulio Pedroso e transmitida
pela TV Tupi. Após Cléo Ventura apresentar o enredo da trama, aparece na tela, o também
veterano ator Lima Duarte, para dar seu depoimento sobre a telenovela. O ator da Rede Globo

320
No plano médio a pessoa é enquadrada, geralmente, da cintura para cima e divide a dimensão do vídeo com
os outros elementos cenográficos. Cf. BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção & direção. Belo
Horizonte: Editora Leitura, 2002. p. 251
321
No plano americano a pessoa é enquadrada, geralmente, do joelho para cima.
133

procurou explicar o momento sócio-histórico de transformação que o gênero havia


experimentado com a produção de Beto Rockfeller:

Isso foi por volta de 1967, 68 quer dizer, havia toda a indústria
automobilística começava a empregar muita gente, começava a surgir um
novo tipo de homem, que era operário especializado. Esse pessoal do ABC.
Então começava a surgir. O Brasil já tinha sido bi campeão mundial de
futebol, começava a surgir um novo tipo de homem uma nova pessoa
brasileira que vinha na crista da onda da industrialização já naquela época
bem emergente mesmo. Então, eu não sei se foi porque a gente fez porque
determinou ou porque toda um conjuntura sócio-econômica as pessoas
mesmo passaram a exigir da televisão uma conversa mais téte-à-téte, uma
conversa mais íntima, foi então que a gente decidiu por fazer uma novela
chamada Beto Rockfeller.

O depoimento de Lima Duarte é mais um sintoma de que o audiovisual do Telecurso


tinha suas brechas de oposição ao regime militar. A escolha dele em si para dar seu
depoimento na teleaula já revelava esse caráter. O ator conseguiu muita popularidade
interpretando o Zeca Diabo na telenovela O Bem Amado (1973), de Dias Gomes. E no ano de
1977, Lima estrelou o Carijó em Espelho Mágico. Escrita por Lauro César Muniz, a trama
abordou o cotidiano de profissionais ligados à televisão, atores, diretores, autores. Todos
tinham os seus dramas contados nos bastidores de Coquetel de Amor, uma novela que se
322
passava dentro de Espelho Mágico. No último capítulo, Lima Duarte deixou o seu
personagem de lado e falou em nome de todos os atores. No discurso de encerramento
reivindicava os direitos profissionais de trabalhadores do teatro, cinema, circo e TV. Ademais,
passagens que tratavam sobre os direitos autorais e a regulamentação da profissão foram
323
censuradas pelo regime. Assim, pode-se dizer que Lima Duarte estava atento as
movimentações pela abertura política, e talvez por isso, tenha se lembrado, durante o seu
depoimento à aula do Telecurso, do “pessoal do ABC”, os metalúrgicos que romperam o
limite estrito estabelecido pela lei antigreve e o silêncio geral a que a classe trabalhadora tinha
324
sido forçada a permanecer desde as greves de Contagem e Osasco, em 1968. Ou seja,
desde os tempos de Beto Rockfeller.
Na sequencia da teleaula, após mais alguns exemplos de tramas produzidas para a
televisão brasileira, Cléo Ventura explicou o enredo da telenovela global Nina (1977-1978) de

322
DICIONÁRIO DA TV GLOBO. Programas de Dramaturgia & Entretenimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003. p. 75 – 76.
323
KEHL, Maria Rita. Um só povo, uma só cabeça, uma só nação. In: Carvalho, Elisabeth; KEHL, Maria Rita;
RIBEIRO, Santuza Naves. Anos 70. Rio de Janeiro: Europa, 1979-1980. Vol. 5 Televisão. p. 9.
324
SANTANA, Marco Aurélio. Trabalhadores em movimento: o sindicalismo brasileiro nos anos 1980-1990. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida Neves (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da ditadura.
Regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
p. 287.
134

Walter George Durst. Com a narração da apresentadora em off e, na tela, cenas da telenovela,
Cléo explica: “Nina é a história de um jovem professora perseguida por problemas
ideológicos. No final, uma surpresa: a mocinha não fica com o mocinho porque ela é
anarquista e ele é um industrial com ideias conservadoras.” É importante frisar que a
explicação de Cléo Ventura, ainda que superficialmente trata de temas delicados. Pois, mesmo
com o processo de abertura em andamento, falar em “anarquismo”, “perseguição ideológica”
e “ideias conservadoras” na televisão não era algo comum.
O desfecho da teleaula foi realizado por Ney Sant’Ana, já totalmente convencido de
que o conteúdo veiculado era importante. O ator apareceu falando pausadamente, tendo ao
fundo, uma música suave, e, em close-up, encerrou a aula:

É, eu tava me lembrando da primeira aula de literatura, agora eu vejo como a


minha cabeça mudou, como eu entendo de um monte de coisas que antes eu
não tinha nem ideia. O exame tá chegando e, eu ainda tenho muita coisa pra
estudar, mas a principal mesmo é que a literatura analisa as pessoas, as
coisas, e eu acho que eu aprendi a fazer isso com a minha vida também.

Essa telaula de Literatura Brasileira pode ser tomada como um claro exemplo de como
o Telecurso era importante para a imagem das Organizações Globo. Incluir o tema telenovela
em uma aula de Literatura não era um fato qualquer. Apresentar no Telecurso as telenovelas
como parte integrante da literatura brasileira, rompia com todos os cânones até então
estabelecidos pelos críticos literários. E como pode ser observado durante a teleaula o
objetivo não era o de mostrar como a teledramaturgia era capaz de adaptar obras literárias
com sucesso, mas justamente afirmar que o gênero na virada dos anos 1960 para 1970,
conseguiu criar uma fórmula que tornava suas produções peças únicas, como qualquer outra
produção literária. E, portanto, deveriam sim, ser consideradas literatura. O que beneficiava a
emissora de Roberto Marinho, que apesar de não ter sido a pioneira no gênero, transformou ao
longo da década de 1970 a telenovela no seu principal produto televisivo.
A equipe de produção, que contava com Silvio de Abreu como o principal produtor,
soube dar um dinamismo e um ritmo distinto ao programa. O produtor se diz o responsável
pelas inovações que as aulas de Língua Portuguesa e Literatura apresentaram: “criei toda
aquela linguagem dos primeiros programas, misturando informações didáticas com o humor e
elementos da telenovela.”, comenta o autor. 325 Se ele realmente foi quem conseguiu criar essa
fórmula, não é possível precisar. Todavia, o fato é que as aulas de Língua Portuguesa e
Literatura se destacaram durante a primeira fase por conseguirem combinar os elementos

325
MEMÓRIA GLOBO. op. cit. p. 282.
135

televisivos e educativos. E considerando que essas disciplinas concentravam um número


maior de teleaulas, não há dúvidas de que elas foram o destaque dessa primeira fase, e
contribuíram muito para o rápido sucesso do programa.

3.3 What? Função logarítmica na televisão? That’s impossible!

A segunda fase do Telecurso 2º Grau, iniciada em 1979, contemplava as disciplinas de


Inglês, Organização Social e Política Brasileira e Educação Moral e Cívica (OSPB/EMC) e
Matemática.
O curso de Inglês era bem distinto das outras disciplinas, em termos da dinâmica e dos
recursos utilizados pela produção para realização do programa. Havia o expediente das
dramatizações, mas, diferentemente, das teleaulas de Língua Portuguesa/Literatura, eram bem
extensas, algumas ocupando até cinco minutos. Na maioria das vezes, essas esquetes
consistiam em uma cena interpretada por dois atores, totalmente em inglês. Apesar disso, os
atores detinham uma expressão corporal muito marcante, no intuito de facilitar a compreensão
do aluno/telespectador sobre o que estava sendo dito.
Outra novidade na aula de inglês foi o merchandising. Em uma das cenas, ambientada
em uma oficina automotiva, os veículos utilizados na composição do cenário são todos da
Volkswagen. Durante o diálogo dos personagens, a câmera focaliza o macacão do mecânico,
no qual também está estampado o símbolo da referida fábrica. Essa situação é interessante,
pois por um lado demonstra outras formas de exploração comercial do Telecurso por parte da
FRM, e por outro evidencia como agentes externos, de outros campos – que não o político,
televisivo ou educacional –, nesse caso uma grande multinacional da indústria
automobilística, encarava o programa, não tão somente na condição de um espaço
publicitário, mas com expectativas de que essa inserção colaborasse para mostrar a sociedade
que a empresa investia em ações sociais importantes para a formação do trabalhador, talvez
como forma de contrapor às diversas ações do movimento sindical que havia deflagrado
diversas greves desde 1978.
As teleaulas de inglês utilizaram uma técnica muito particular para o aprendizado do
novo idioma pelo aluno/telespectador. Após a repetição da cena de dramatização, a
apresentadora fazia uma narração em off dos principais termos utilizados no diálogo anterior,
que apareciam em caracteres amarelos com a tela azul. Até aí nada de novidade ou inovação,
afinal a inserção de caracteres era um recurso básico utilizado por todas as disciplinas, a
diferença estava na sequência da cena, quando uma grande boca feminina ganhava toda a
136

dimensão do vídeo e realizava a pronúncia dos termos que estavam sendo estudados na
teleaula. E para reforçar ainda mais o conteúdo, enquanto a boca repetia os termos, eles
apareciam novamente no vídeo em caracteres amarelos, reforçando ainda mais a mensagem.
Essa mesma metodologia era utilizada após todas as dramatizações das teleaulas.
Outra disciplina que fez parte da segunda fase do Telecurso foi OSPB/EMC,
completando o rol das Ciências Humanas do currículo oficial. Instituídas pelo MEC com o
advento do regime militar, cumpriam dentro do sistema de ensino o papel de levar a sociedade
brasileira temas considerados estratégicos para os militares, dentro da concepção da Doutrina
de Segurança Nacional.
No caso específico do Telecurso, EMC/OSPB eram ministradas conjuntamente. Era
uma das aulas que utilizava menos recursos e pouco dinamismo na apresentação dos
conteúdos. As disciplinas eram apresentadas pelo jovem ator Jorge Fernando, de apenas 23
anos e que havia acabado de estrear na Rede Globo, na série Ciranda, Cirandinha (1978). Na
trama Jorge Fernando interpretava o papel de Reinaldo, jovem que dividia um apartamento na
Zona Sul do Rio de Janeiro com mais três amigos Helinho (Fábio Jr.), Tatiana (Lucélia
Santos) e Susana (Denise Bandeira). Voltada para o público jovem tratava sobre o
comportamento daquela geração no final da década de 1970. A série fazia parte das inovações
na grade de programação da Rede Globo, naquele momento, e era uma aposta de Boni e
Daniel Filho. Por abordar temas como drogas e amor livre chegou a ter problemas com a
Censura que não se contentou apenas com o corte de falas e cenas, havendo a necessidade de
326
Daniel Filho ir até Brasília para o primeiro episódio ir ao ar. Curiosamente, menos de seis
meses após a exibição da série, Jorge Fernando seria escalado para ministrar as teleaulas de
Educação Moral e Cívica no Telecurso. Apesar de ter espaços significantes de fala, o destaque
ficava por conta das narrações em off realizadas por Henrique Martins que ocupavam a maior
parte das teleaulas, dando aos programas um tom documentarista.
Apesar das disciplinas de EMC/OSPB terem sido instituídas pelos militares, muitos
assuntos tratados nas aulas poderiam ser considerados como delicados para o regime. A aula
de número 10, por exemplo, teve como tema o Direito ao voto. À época da gravação do VT,
início de 1979, o país ainda vivia sob uma legislação eleitoral oriunda da chegada dos
militares ao poder. Com vistas a tratar do conteúdo da forma mais oficial possível, os
produtores da aula utilizavam como base para todas as discussões a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, o que facilitaria possíveis ajustes exigidos pelos censores. A aula em

326
DICIONÁRIO DA TV GLOBO. op. cit. p. 383 – 384.
137

questão inicia-se com a cena de pessoas caminhando em uma grande cidade, enquanto o
narrador, em off, pronuncia o artigo 21 da Declaração:
Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país
diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Todo
o homem tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. A
vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será
expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto
secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Na tela, surge em caracteres brancos o nome do documento e, em seguida, Jorge


Fernando inicia a sua apresentação:

Hoje nós vamos falar de um direito muito importante, o direito ao voto, que
é assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. O voto tem
um sentido um pouco maior do que a gente pensa, o voto não é uma
obrigação para quem tem o título de eleitor, na verdade o voto é a chance
que nós temos de dar a nossa opinião sobre qualquer coisa, você pode votar
dentro de uma reunião de amigos, opinando sobre um assunto qualquer a ser
decidido, você pode votar para a presidência do seu time de futebol para os
dirigentes de seu sindicato e para os homens que governam o país.

Nesse momento, Jorge Fernando faz uma pausa de dois segundos, troca de câmera e
prossegue a explicação: “o voto é uma manifestação, é uma participação que a gente faz. Por
isso, para o cidadão participante, é necessário que ele vote com consciência. Isso quer dizer,
saber por que e para que ele está votando, não apenas votar por votar.”
A introdução ao tema feita pelo apresentador é muito interessante, pois inicia a
discussão justamente trazendo à tona a importância do ato de votar. Tratando até de dirigentes
sindicais, o que aponta para mostrar que o programa estava atento aos movimentos de
oposição ao regime militar que exigiam a volta ao Estado Democrático de Direito. Ao mesmo
tempo, é interessante notar como o redator da teleaula inseriu o exemplo da presidência do
clube de futebol, em uma época em que as pessoas poderiam votar apenas para a presidência
do time de coração, porque, para a presidência do país, as eleições permaneciam indiretas, o
que talvez justifique também a pausa feita pelo apresentador antes de dizer que podemos
eleger “os homens que governam o país.”
Após essa introdução, o narrador Henrique Martins inicia uma longa explicação, com
mais de dois minutos e meio, sobre o significado da democracia. A certa altura de sua
explanação, o narrador diz: “no regime democrático, os homens que fazem parte do Estado,
que governam, são eleitos por votos. O voto é, portanto, uma manifestação de toda a
sociedade escolhendo os seus representantes, escolhendo quem os governará.” E finaliza essa
138

etapa dizendo que: “a forma mais perfeita de participação democrática é o plebiscito que
surgiu em Roma no ano 500 a.C..”
Nesse momento da aula, surge sentado e em plano médio, em um estúdio de cor
escura, um homem de blusa vermelha e blazer azul. Em caracteres brancos, aparece no vídeo
a informação “Heródoto Barbeiro – Historiador.” O depoimento de Barbeiro foi o primeiro de
um especialista na teleaula, e ocorreu após quatro minutos e meio do início, durando
exatamente um minuto. Em seu depoimento, falou um pouco sobre o conceito de plebiscito:

A palavra plebiscito significa um grande acontecimento no qual o povo vai


decidir a respeito de um assunto de suma importância para a sociedade.
Logicamente, é uma palavra de origem latina, porque apareceu em Roma.
Em Roma quando havia grandes decisões a serem tomadas pelo povo, essas
decisões eram chamadas de plebiscito.

Seguindo sua explicação, o historiador dá um exemplo concreto da utilização do


plebiscito na história política brasileira:

Poderia até dar um exemplo aqui mesmo no Brasil. Em 1963, o Brasil era
uma República Parlamentar. Nós tínhamos parlamentarismo no Brasil
naquela época, o presidente então, o presidente João Goulart convocou um
grande plebiscito nacional e nesse plebiscito o povo foi chamado a dizer sim
ou dizer não.

Impressiona o fato de Heródoto Barbeiro recorrer ao exemplo do plebiscito ocorrido


durante o governo João Goulart, que foi conturbado e que sucumbiu justamente com o golpe
civil-militar em 1964. Barbeiro segue com sua explicação, e termina de contar a história:

Logicamente, venceu aqueles que queriam a volta à República


Presidencialista e consequentemente então o povo opinou. Portanto, no
plebiscito é quando a vontade do povo, o mais importante componente da
nação, ele se manifesta e através dele então o Estado sabe como se conduzir.

A forma com que Barbeiro conclui seu depoimento põe em relevo o poder de decisão
popular e o caráter acertado de sua decisão soberana de voltar ao presidencialismo, mas não
tratava, obviamente, do fato daquele expediente não ser utilizado no período do regime
militar. Esse depoimento exemplifica como os assuntos tratados nas disciplinas de
EMC/OSPB, por maior controle que tivessem, estavam reféns do momento histórico de
abertura do regime, no qual vozes dissonantes das oficiais transpareciam nos audiovisuais do
Telecurso, ainda que em menor grau. Demonstrando como um produto televisivo pode ser
múltiplo.
Logo após a fala de Heródoto Barbeiro, a voz em off trata de fazer reparos ao
depoimento anterior. Segundo o narrador: “em sociedades complexas, há uma extrema
139

dificuldade em fazer-se uma consulta popular em todos os momentos sobre todos os assuntos.
Isso então conduziu ao sistema representativo de poder em vigor em muitos países.” Nos
vídeos, é apresentada a cena de um repórter que tenta abordar pessoas na rua, mas sem
sucesso, reafirmando a mensagem de que muitas vezes o povo não está disposto a decidir seus
destinos. Em seguida, Jorge Fernando explica como o voto é o modelo mais avançado de
representação política. De acordo com o apresentador:

Muitas vezes, quando nós temos que decidir dentro de um grupo de pessoas,
nem sempre todo mundo tem a mesma opinião. Quando, porém, o direito de
todos está envolvido, o voto é o jeito que usamos para acharmos o resultado
das tendências e opiniões dentro desse grupo esse processo dá as condições
necessárias para que possamos escolher nossos representantes em qualquer
lugar ou dirigente do governo.

Após essa fala, prosseguem as narrações em off de Henrique Martins. Até que um
segundo depoimento de um especialista surge na tela. Dessa vez, o de um agente oficial,
Francisco José Costa, assessor de Comunicações do TRE, explicando um pouco sobre a
legislação eleitoral brasileira. Seu breve testemunho, tem duração de cerca de 45 segundos e,
novamente, a voz de Henrique Martins vinculada a imagens meramente ilustrativas, ocupando
o vídeo por mais de dois minutos é a única fonte de conteúdo para os alunos/telespectadores.
Segundo Jorge Fernando: “Toda a restrição feita a quem não vota prova que o voto é um
dever, todo o, brasileiro, salvo algumas exceções previstas na lei, é obrigado a votar.” E,
novamente, o assessor do TRE aparece no vídeo e afirma: “É pelo exercício do voto que se
aperfeiçoa a democracia.” Próximo do final da teleaula Jorge Fernando tenta realizar uma
síntese do assunto discutido:

Pelo que deu pra perceber votar é um dever, existem muitas leis que obrigam
o cidadão a votar, mas eu acho que o mais importante é a gente saber que
votar é um direito que nós temos, é a contribuição para a comunidade que
pertencemos, ao mesmo tempo se alguém se recusa a votar está anulando a
sua participação política deixando de exercer o seu direito, de participar das
decisões que se tomam sobre sua sociedade.

Apesar da teleaula não ter se encerrado, essa foi a última grande intervenção realizada
pelo apresentador Jorge Fernando. Mas a aula ainda teria a participação de um terceiro
especialista, que daria seu depoimento sobre o assunto. Gravado a partir de uma tomada
externa, o jurista Dalmo Dallari fala sobre a importância do voto:

O direito de votar se tem afirmado como um dos mais importantes do mundo


moderno. É completado pela noção que existe também do dever de votar, e
porque razão. É um direito porque é indispensável que o povo tenha a
possibilidade de externar a sua opinião de escolher seus representantes e
140

dessa maneira de influir sobre as decisões dos assuntos de interesse público.


Mas existe também o dever de votar, porque se o povo não participa dessa
maneira, se o povo não escolhe os seus representantes e se não procura
escolher bem os seus representantes, evidentemente, a sociedade não poderá
ser governada de acordo com a vontade do povo e de acordo com os
interesses do povo.

Em seguida, Dallari tece algumas considerações sobre o campo político brasileiro:

Tem-se falado num enfraquecimento do Parlamento, do enfraquecimento da


classe política, entretanto ainda resta uma possibilidade muito grande de
influência do Parlamento e muitas decisões de extrema importância serão
tomadas no Senado, na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa
questões como problemas de salário, relações trabalhistas e outras questões
fundamentais que serão decididas no Parlamento, e por esta razão é
indispensável que o povo vote e vote bem, escolhendo representantes dignos,
pessoas que assumam o compromisso de adotar atitudes mais condizentes
com o interesse do povo, e não pessoas que vão fazer do seu mandato, da sua
condição uma possibilidade de obter proveitos pessoais.

E conclui sua fala reafirmando a importância do voto: “Acho, portanto, fundamental


que o povo vote e que vote bem escolhendo bons representantes porque dessa maneira é que
se poderá ter então uma revalorização do Parlamento e que se poderá ter um governo
desenvolvido de acordo com os interesses do povo.”
A participação de Dalmo Dallari é exemplar no que tange a utilização de vozes de
oposição ao regime dentro do Telecurso. Ainda que o jurista não fosse alguém com um
grande apelo popular e conhecido da audiência, sua participação no programa com uma fala
tão extensa evidencia que os produtores estavam atentos à discussão latente no período.
Dallari era um defensor dos direitos humanos e ficou ainda mais em evidência quando do seu
seqüestro em 02 de julho de 1980.
A última disciplina da segunda fase era Matemática, apresentada por Marco Nanini.
Com 40 anos de idade o ator tinha uma trajetória no teatro, nas telenovelas e no cinema. E
atuou no Madureza Ginasial na mesma função. Ao seu lado, o professor da USP Luiz Barco,
responsável pelas explicações dos conteúdos.
Talvez o maior desafio para os produtores fosse o de saber quais recursos da televisão
poderiam ser utilizados para o ensino de Matemática, pois as estratégias que minimamente
deram certo nas aulas da primeira fase pouco colaborariam para o aprendizado da disciplina.
Sem alternativa, os produtores optaram por enfatizar a figura do professor. Porém, ao
fazer tal escolha, os produtores abriram mão do dinamismo que a TV havia proporcionado nas
disciplinas da primeira fase. Mesmo as aulas de História, nas quais durante os seus 15
minutos, o predominante era a explanação de Guarnieri, havia algum dinamismo,
141

proporcionado, sobretudo, pelas inserções de material audiovisual. No curso de Matemática, a


tônica era a explicação quase que exclusiva do professor, sobretudo quando o conteúdo a ser
tratado tinha um alto grau de abstração e complexidade.
Na teleaula de número 20, por exemplo, em que o tema era função logarítmica, quem
mais aparece no vídeo é Luiz Barco tecendo suas explicações sobre o assunto sem se
diferenciar de um professor que estivesse explicando o tema em uma escola. Marco Nanini,
tinha uma atuação secundária, e nas poucas vezes que aparecia era simplesmente para
anunciar o conteúdo do dia ou para sinalizar o início de outra atividade. Na teleaula em
questão Nanini inicia dizendo: “Bem, vamos ver agora as propriedades não-operatórias do
logaritmo, matéria muito importante para o entendimento do assunto matemático.” E ao final,
ao se despedir dos alunos, sempre em tom otimista e alegre, alerta para a importância do
estudo no material impresso: “Muito bem, hoje você aprendeu direitinho logaritmos e
propriedades. Façam os exercícios, estudem nos fascículos e temos um encontro marcado no
próximo programa. Até lá!”
Mas o tom otimista de Nanini não convencia o aluno/telespectador, que, na sala de
sua casa, sentia dificuldade para a compreensão da matéria, e expressaria essa insatisfação por
meio do Jornal do Estudante: “o apresentador não é de nada, aquilo é mais palhaçada que
aula de Matemática”, escreveu um estudante. 327
Em outra carta mais um aluno/telespectador tecia seus comentários sobre os rumos das
teleaulas: “se os professores de Matemática julgam-se gênios e que estão lidando com super-
alunos, aqui está um que não é, e assistir as aulas de TV ou não dá no mesmo, pois são
328
completamente negativas.” E mesmo o estudante que aparentava ter um grande apreço
pelo Telecurso não poupava as teleaulas de Matemática:

Eu fiz o ginásio completo e apesar de ter dificuldade na matemática, tenho


alguma noção. Sinto muito por aqueles, que não têm noção nenhuma. Eu por
exemplo, farei outro curso de matemática e serei obrigada a recorrer a um
professor particular. Está desanimador. Será que os matemáticos são tão
frios, que não têm sensibilidade para sentir o problema de quem estuda
sozinho?... Desculpe meu desespero. Talvez os professores compreendam,
embora acredito que eles tenham tido a oportunidade de estudar com
professores e não sozinhos como nós. Tenho certeza, que quando eles
tiveram dúvida eles tinham alguém que os ajudasse. 329

A produção tentou utilizar alguns recursos para amenizar as longas explicações dos
professores. Um dos efeitos fazia com que a mão, bem como a caneta do professor,

327
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 192
328
Ibid.
329
Apud RONCA, Antonio Carlos Caruso. op. cit. p. 193
142

desaparecesse no momento em que se escrevia a explicação na lousa. Assim, o aluno assistia


no vídeo apenas as equações, que aparecia termo por termo, número por número. O professor
ainda contava com o auxílio de um quadro vermelho, no qual os gráficos já estavam
desenhados, facilitando a visualização no vídeo. Em outros momentos quando as explicações
de Marco Nanini eram um pouco maiores, havia elementos cenográficos para que ele pudesse
interagir, como compassos, transferidores, figuras geométricas. Os produtores apostaram até
em um robô, talvez no intuito de mostrar a relação entre Matemática e robótica, demonstrando
o aspecto tecnológico da disciplina (imagem 7). Todavia, com exceção desses efeitos, as
teleaulas de Matemática do Telecurso pouco se diferenciavam das aulas da escola tradicional.
Ficavam, ainda, em considerável desvantagem, pois na escola havia a possibilidade de
questionamentos, enquanto na televisão isso era impossível, mesmo com o esforço do
professor em repetir ou reforçar sua explicação.

Imagem 7 – Bastidores da teleaula de Matemática com Marco Nanini

Fonte: LIMA, Cunha.

Essa rejeição à Matemática era esperada pelos organizadores, que optaram por inserir
a disciplina somente na segunda fase do Telecurso. Sendo classificada, entre eles, como
disciplina tabu para os alunos/telespectadores, pois nela se concentrava o maior número de
reprovações nos exames supletivos. A justificativa é plausível, afinal, como vimos na
descrição das teleaulas, a produção teve dificuldades em fazer com que a linguagem televisiva
colaborasse no bom andamento do curso e no aprendizado do conteúdo. Evidenciando o quão
143

complexo era aproximar a Matemática do aluno/telespectador. E até mesmo no material


didático essa característica transparece.
Observando as capas dos livros de Matemática e Física nota-se a distinção entre as
disciplinas. Enquanto a primeira trazia diversas abstrações aritméticas e geométricas sem
nenhuma relação com o cotidiano do aluno/telespectador. A capa de Física mostrava uma
pessoa em um vôo tranqüilo e suave em uma asa delta. Ainda que aventuras radicais como
essa não façam parte do cotidiano da maioria dos alunos/telespectadores do Telecurso à
referência ao ato de voar é muito mais atrativa do que os gráficos, ângulos e polígonos da
Matemática.

Imagem 8 - Capas dos livros de Matemática e Física

Fonte: MATEMÁTICA EM 2 VOLUMES. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982; FÍSICA CURSO COMPLETO.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1980.

A junção de Matemática, Inglês e EMC/OSPB na mesma fase resultou em um grande


desafio para a produção do programa. Primeiro, pela pressão de manter o nível de qualidade
que o Telecurso havia atingido durante a sua primeira fase de exibição, agradando bastante
sua audiência. Depois, pelo fato de trabalhar com disciplinas tão complicadas, e diversas entre
si, o que colaborou ainda mais para que não houvesse um padrão entre as aulas. De todo
modo, tal experiência gabaritou a equipe de produção para a formatação e realização da
terceira fase do programa.
144

3.4 Uma Química (quase) perfeita.

A terceira e última fase do Telecurso 2º Grau veiculou as teleaulas de Física, Química


e Biologia. Foi nesse momento que a produção conseguiu realizar modificações substanciais.
Entre as novidades estavam a inclusão de teleaulas introdutórias, ensinando o
aluno/telespectador a estudar pelo Telecurso. Essas aulas visavam a melhorar o
aproveitamento dos estudantes, que muitas vezes acompanhavam o curso de modo
equivocado, o que acarretava em um fraco desempenho nos exames oficiais. Com a correção
de parte dos problemas verificados nas duas primeiras fases e o auxílio de novos recursos,
como material audiovisual encomendado especialmente na Alemanha, constituído por
laboratórios experimentais, para ilustrar melhor as teleaulas o programa conseguiria encontrar
seu formato.
A disciplina de Física era apresentada por Silvia Bandeira. Para a atriz de 29 anos, o
Telecurso foi sua porta de entrada para a televisão, apesar de já ter participado do corpo de
jurados do Programa Silvio Santos e na condição de assistente de palco de Paulo Gracindo no
330
programa 8 ou 800. O programa da FRM foi a primeira oportunidade que Silvia teve em
um papel de destaque na televisão. Em uma matéria da revista Veja, a atriz admitiu a
importância do programa para a sua carreira. “Este trabalho é muito importante (...) porque
limpa a imagem que eu tinha de mero enfeite”, admite a atriz. De acordo com a revista, Silvia
estava gastando seu tempo livre com as questões de Física, “para poder passar as informações
331
aos alunos de forma convincente.” No estúdio, a atriz dividia espaço com o professor
Eliseu Gabriel de Pieri.
A produção do programa buscava utilizar diversos recursos para facilitar a
visualização dos alunos. Na teleaula sobre movimento uniforme, a primeira imagem a ganhar
o vídeo é a de uma bola branca que desliza por uma superfície verde. Em plano médio, no
centro do vídeo, surge a apresentadora, que faz uma breve introdução sobre a temática da
aula. Em seguida, aparecem imagens de um jogo de futebol, enquanto a atriz segue sua
explicação, em off, sobre o conceito de movimento uniforme. Nesse momento a palavra é
passada para seu parceiro de estúdio, o professor Eliseu.
Com o professor, as explicações ganham densidade e são aprofundadas de modo
paulatino. Em um dos exemplos, o professor joga uma bola branca no chão para demonstrar o
movimento realizado pelo objeto; em seguida, coloca a bola em uma canaleta, pela qual o

330
Veja, 18 de julho de 1979. p. 52.
331
Ibid.
145

objeto irá fazer um trajeto. Antes de realizar o exercício, Elizeu faz um link com a aula
passada, dizendo que utilizaria uma máquina fotográfica especial que gera fotografias
332
esfrogostrópicas para poder analisar com precisão o trajeto realizado pelo objeto. Após o
movimento realizado pela bola, o professor analisa os resultados por meio da foto tirada
durante o percurso.
Após utilizar esse equipamento, o professor recorreu a uma lousa azul, fixada no
cenário, para prosseguir com sua explicação. Entre o exercício com a bola na canaleta e as
explicações na lousa, o professor Elizeu gastou mais de 6 minutos das teleaula. Assim, o
espaço para Silvia Bandeira foi significativamente reduzido; nessa edição, a apresentadora
aparece somente mais duas vezes – em um breve take de dez segundos e no encerramento do
programa. Em contrapartida, o professor Elizeu voltou a sua lousa também por duas vezes,
porém, ocupando quase três minutos em cada uma das intervenções. Ou seja, repete-se a
mesma dificuldade das teleaulas de Matemática. Sempre que os produtores precisavam
abordar cálculos e conteúdos com exercícios de maior complexidade, o recurso mais utilizado
era a lousa, demonstrando assim, os limites do ensino de certas disciplinas pela televisão, ao
menos com os recursos disponíveis na época.
No final da aula, o professor Elizeu ressaltava aos alunos a importância de se estudar
pelo material impresso: “E agora é que você entra na história. Pensando nisso que nós falamos
e estudando com bastante energia no seu fascículo”.
Antes de acabar a aula, Silvia Bandeira em sua mensagem de encerramento, lembrou a
importância da disciplina de Matemática, tão traumática para alguns alunos/telespectadores
durante a segunda fase. Enquanto a câmera fazia um movimento de saída de um plano
americano para o plano médio, a apresentadora dizia: “no programa de hoje, analisamos esse
tipo particular de movimento, chamado movimento uniforme. Agora, aí em casa, trabalhando
no seu fascículo, fazendo os exercícios, você vai poder entender melhor ainda como a
matemática nos ajuda nos estudos dos movimentos”.
Nas disciplinas de Química e Biologia, houve a utilização de dois apresentadores. Esse
formato já havia sido testado durante primeira fase, nas aulas de Língua Portuguesa e
Literatura, alcançado bons resultados. Essa dinâmica trouxe um ritmo mais acelerado ao
programa, proporcionando, ainda, o questionamento e as indagações entre eles, a partir de
estratégias como “a redundância inteligente” e outras formas de “comunicar ou reforçar uma
informação”, tal como sugerido bem anteriormente pela equipe de avaliação que acompanhou

332
Fotografias que registram as posições sucessivas de um corpo em movimento.
146

à produção do Telecurso ainda na sua fase de projeto-piloto. O que possivelmente facilitava o


entendimento do conteúdo pelos alunos/telespectadores. 333
A segunda disciplina da terceira fase era Química. O curso era apresentado por Marília
Gabriela e Mário Lago. A jornalista, de 31 anos, era repórter da revista eletrônica da Rede
Globo Fantástico. Já Mário Lago, no alto dos seus 67 anos e de uma longa trajetória
televisiva, havia acabado de estrelar em Dancin’ Days (1978), um dos grandes sucessos de
audiência no período e na história das telenovelas globais.
A aula de número 14 tratou da Hipótese de Avogadro e Equações de Clapeyron. A
primeira cena mostra a vista aérea de uma paisagem rural. Após alguns segundos, a voz de
Mário Lago em off, começa a explicar a importância do oxigênio para a sobrevivência
humana. Na sequência, surgem no vídeo imagens de uma pessoa nadando e, logo em seguida,
uma animação representando o caminho que o oxigênio faz dentro do corpo humano. A voz
em off de Marília Gabriela explica que uma pessoa normal utiliza, em média, 3 litros de ar por
minuto. Após esse comentário, a apresentadora aparece em close-up, no centro do vídeo e faz
a pergunta que guiará toda a aula: “será que sabendo isso, a gente pode calcular quantas
moléculas de oxigênio cada um de nós respira por minuto?”
A partir desse momento, inicia-se uma tabela bem entrosada entre Marília Gabriela e
Mário Lago, trazendo um dinamismo que se tornaria comum aos episódios do Telecurso. O
apresentador aparece em plano médio, de jaleco branco, em um laboratório, e com um ar de
sabedoria inicia a resposta da questão introduzida por Marília Gabriela: “para contarmos o
número de moléculas que existem em certa quantidade de gás, precisamos observar algumas
propriedades específicas dos gases.” Imediatamente, surge no vídeo um desenho do rosto de
Amadeo Avogadro enquanto Mário Lago, em off, explica, em pouco mais de 45 segundos,
quem foi o cientista e qual sua hipótese para o funcionamento dos gases. Eis que na tela surge
novamente Marília Gabriela, que reforça o conteúdo explicado por Lago: “Então, segundo o
que Avogadro disse, em cada um dos recipientes existe um mesmo número de moléculas – já
que ambos os gases estão em recipientes de mesmo volume submetidos a mesma pressão e
mesma temperatura.” Ao final de sua fala, com um semblante de inquietação, a apresentadora
pergunta: “Até aí, tudo bem, mas quantas moléculas existem em cada recipiente?”.

333
Avaliação de Pré-produto: piloto TV. In: FPA. Telecurso 2º Grau – Supletivo. Relatório Final
147

Imagem 9 - Marília Gabriela apresentando teleaula de Química.

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=527174

A palavra é passada para Mário Lago que aparece sentado e tranquilamente formula
sua resposta, levanta-se e caminha pelo laboratório: “a teoria de Avogadro inicialmente era
uma hipótese; com o desenvolvimento da Química, ela foi confirmada.” A tela é tomada por
imagens representando as moléculas. Em caracteres brancos, vão surgindo os valores
enunciados em off pelo apresentador: “Hoje sabemos que 22,4 litros de qualquer gás a pressão
de uma atmosfera e a temperatura 273 Kelvin ou 0º Celsius contém um mol de molécula.”
Marília Gabriela aparece no vídeo para reforçar a mensagem passada anteriormente:
“Portanto, se os gases estiverem em recipientes de 22,4 litros submetidos a pressão de uma
atmosfera e a temperatura de 273 Kelvin, teremos um mol de moléculas em cada recipiente.”
O vídeo fica totalmente azul e, de acordo com a narração do apresentador, surge em caracteres
brancos uma equação: “Quando temos uma atmosfera de pressão e 273 Kelvin, dizemos que
estamos trabalhando em condições normais de temperatura e pressão, CNTP.” A continuidade
da explicação ocorre em plano médio, no qual o apresentador, à esquerda, divide a dimensão
do vídeo com uma tela azul que aparece a sua direita. Na tela, com o avançar da explicação,
os dados da equação continuam surgindo em caracteres brancos: “Por isso, dizemos que 1 mol
de qualquer gás nas condições normais de temperatura e pressão ocupa sempre um volume de
22,4 litros, a isso chamamos de volume molar que é o volume de um mol”.
Novamente, com o intuito de reforçar o conteúdo, Marília Gabriel afirma: “Quer dizer,
então, que 22,4 litros de qualquer gás em condições normais de temperatura e pressão é
chamado de volume molar”.
148

Sentando, apoiando-se em uma mesa, Mário Lago ressalta a importância da afirmação


feita por sua colega de trabalho: “Essa informação é de grande valor para o trabalho com
gases. Se quisermos calcular, por exemplo, o volume ocupado por meio mol de gás de
hidrogênio nas condições normais de temperatura e pressão, vamos utilizar o conceito de
volume molar”.
Com a tela totalmente azul, Mário Lago prossegue com sua explicação e as
informações vão surgindo em caracteres brancos: “Sabemos que um mol de qualquer gás em
condições normais de temperatura e pressão ocupa 22,4 litros. Isso quer dizer que, também
um mol de hidrogênio ocupa 22,4 litros, meio mol corresponde a X litros, então efetuamos o
cálculo e o resultado é de 11,2 litros”.
Em plano médio, Gabriela sintetiza o conteúdo, em tom de plena compreensão: “Se a
gente sabe que um mol de gás ocupa 22,4 litros, podemos calcular qual o volume ocupado por
qualquer quantidade de gás, é simples” – nesse instante, a apresentadora vira-se para a outra
câmera e prossegue concluindo seu raciocínio e inserindo um novo questionamento: “mas isso
só é valido quando o gás está em condições normais de temperatura e pressão. Quando a
temperatura ou a pressão é outra, a gente não pode usar a regra de três para calcular o volume
ocupado por um gás. E aí, como se faz?” Mário Lago, em seu laboratório, explica que: “a
equação geral dos gases nos permite trabalhar nesses casos, ela nos diz que para uma massa
fixa de gás em qualquer situação a relação entre as variáveis de estado volume, pressão e
temperatura é sempre constante.” E, em off, enuncia a equação, que surge em caracteres
brancos no vídeo: “Pressão vezes volume dividido pela temperatura é igual a uma constante”.
Nesse momento, Marília Gabriela convida o aluno/telespectador: “Vamos usar então a
equação geral dos gases e aplicar ao nosso exercício.” Na sequência, um trecho de mais de um
minuto, no qual a apresentadora, em off, faz os cálculos, que são apresentados na tela azul e
em caracteres brancos:

Temos uma pressão de uma atmosfera 273 Kelvin e volume de 11,2 litros, a
equação geral dos gases diz que: pressão vezes volume dividido pela
temperatura é igual a uma constante, efetuando os cálculos temos o resultado
0,0410. Agora vamos comparar com outro cálculo, digamos que a gente
tenha 0,75 mol de um gás qualquer em condições normais de temperatura e
pressão ele ocuparia 16,8 litros aplicando esses dados a equação geral dos
gases teríamos: uma pressão de uma atmosfera 273 Kelvin e volume de 16,8
litros colocando esses dados na equação geral dos gases temos que a
constante é 0,0615.
149

Após encerrar a explicação, a apresentadora surge no vídeo e, em tom de dúvida,


indaga: “Mas deve ter alguma coisa errada aí, eu pensei que a constante ia ser a mesma, não é
o que a equação geral dos gases diz?”.
Mário Lago, inicialmente em close-up, vai caminhando pelo laboratório até parar e
iniciar sua explicação, sanando a dúvida da apresentadora: “A equação geral dos gases nos diz
que, para uma massa fixa de gás, em qualquer situação, em qualquer estado, a relação entre
suas variáveis de estado é uma constante. Essa constante, porém, depende diretamente do
número de moléculas de gás em estudo”.
Após essa explicação, faz mais alguns cálculos que apareceram na tela. Em off, o
apresentador diz: “Se dividirmos os valores obtidos pelo número de moles de gases utilizados
em cada caso, 0,5 no primeiro e, 0,75 no segundo, teremos o mesmo número: 0,082”. Mário
Lago aparece sentado e afirma: “sabemos então que as constantes são o produto do número de
moles, pelo número 0,083.”
O apresentador narra, em off, mais um exemplo de como se monta a equação:

Pressão, vezes volume, dividido pela temperatura é igual ao número de


moles n, vezes 0,082, o valor 0,082 é uma constante para todos os gases
representada pelo símbolo R e, é chamada constante universal dos gases. A
equação, então, pode ser escrita dessa forma, ou ainda: pressão, vezes
volume é igual ao número de moles do gás, vezes a constante, vezes a
temperatura.

Por fim, em plano médio, o apresentador levanta-se de sua bancada e caminha pelo
laboratório, enquanto pronúncia suas últimas palavras: “esta equação engloba tudo o que
estudamos até agora sobre gases, relacionando entre si as variáveis de estado de um gás e
ainda seu número de moles. É conhecida como equação de Clapeyron.” Nesse momento, a
câmera fecha em close-up no apresentador, que retoma a questão inicial da aula: “Agora, você
já pode me responder quantas moléculas de oxigênio você respira por minuto? Ahn?”.
Interessante visualizar as capas dos livros das disciplinas de Química e Biologia que
trazem desenhos educativos. Na capa de química, a estrutura molecular da clorofila e uma
pequena planta nascendo no rodapé. Na de Biologia algo mais inusitado, o ciclo vital da rã,
apresentado em 16 estágios. Desde “a eliminação de gametas” pelos animais adultos,
passando por todas as fases de crescimento em sentido anti-horário.
150

Imagem 10 - Capas dos livros de Química e Biologia

Fonte: QUÍMICA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a
Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1980; BIOLOGIA EM 2 VOLUMES.
Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio
Gráfica, Educação e Cultura, 1980.

A última disciplina do Telecurso era Biologia, o curso era apresentado pelo casal
Antônio Fagundes e Clarisse Abujamra. Fagundes havia estreado na Rede Globo na novela
Saramandaia (1976), atuou também em Nina (1977), mas foi em Dancin’Days (1978),
quando interpretou Cacá que Fagundes conquistou o público e consequentemente uma vaga
no casting do Telecurso. 334 Paralelamente as gravações do programa o ator também estrelava
na série Carga Pesada (1979). Clarisse começou na Globo com Anjo Mau (1976) e Escrava
Isaura (1976).
A empatia do público com a figura do casal pode ter sido o principal motivo para a
escolha deles para as teleaulas de Biologia. Uma das provas que a parceria fez sucesso foi a
contratação do casal pela TV Cultura para uma nova dobradinha. O programa educativo É
proibido colar (1981) reunia alunos das redes oficiais de ensino para disputas de brincadeiras,
provas e testes, ia ao ar todos os sábados às 16h e chegou a registrar 15 pontos de audiência,
angariando o 2º lugar para a emissora educativa paulista. 335
A teleaulas de Biologia tinha um mesmo ritmo e dinâmica das demais disciplinas da
terceira fase. Da mesma forma que no curso de Química, os apresentadores se revezam
bastante na explicação. O que colaborava no entendimento do conteúdo. O cenário todo

334
Folha de S. Paulo, 08 de fevereiro de 1979. Educação pela TV: os primeiros resultados.
335
Revista Veja, edição 704, 3 de março de 1982. p. 7.
151

produzido em tons de verde, com diversas plantas ao fundo, dava ao programa uma atmosfera
bem característica da disciplina, muito relacionada à vida e a natureza, ainda contava com um
grande painel com o Homem Vitruviano, de Da Vinci, localizado no centro do estúdio.
Diversos recursos eram utilizados, sobretudo para exemplificar as explicações dos
apresentadores: quadros, animações e vídeos eram os mais recorrentes. Depoimentos de
especialistas também faziam parte das teleaulas. Na edição de número 33, por exemplo, que
tratava sobre Os sistemas digestivos Clarisse Abujamra utilizou um quadro, no qual havia
uma minhoca desenhada, em cores fortes e acompanhada de diversas legendas que
identificavam as partes do aparelho digestivo do animal. Nas aulas de Biologia, manteve-se a
preocupação dos produtores em reforçar que os alunos/telespectadores deveriam estudar pelos
fascículos tarefa sempre lembrada ao final de cada teleaula pelo casal apresentador.
Durante a produção do audiovisual do programa verificou-se as principais distinções
entre os agentes concorrentes do campo televisivo. De um lado, a emissora educativa de
maior destaque e empenhada na tarefa de produzir produtos em teleducação desde sua origem.
E de outro, a principal emissora comercial, que encampava a ideia de criar programas
educativos. O papel de Boni na orientação da produção do Telecurso acentuou essas
distinções. Não há dúvida de que o maior trunfo do Telecurso, em termos de produção
televisiva, foi poder contar com um número tão amplo e diverso de pessoas ligadas à televisão
comercial. Esse foi o grande diferencial em relação aos outros programas instrucionais
produzidos na televisão brasileira durante o regime militar.
152

CONSIDERAÇÕES FINAIS
153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro de um quadro televisivo com alguns experimentos educativos pouco


duradouros e sem abrangência nacional, além do descumprimento ou burla da legislação
referente à programação educativa, o surgimento do Telecurso 2º Grau – criado, em 1978,
pela parceira entre FRM e a FPA – acabaria por impor um paradigma à produção de telensino
no Brasil, ainda que os agentes responsáveis pela sua condução se valessem ou promovessem
algumas reconfigurações de alguns expedientes aplicados anteriormente a programas voltados
para a instrução pública, quer tivessem sido produzidos por emissoras comerciais, como a TV
Tupi e a TV Continental, quer por públicas, como a TVE, do Rio de Janeiro, e mais
notadamente a TV Cultura de São Paulo. Ademais, pode-se afirmar que o empreendimento de
Roberto Marinho no setor de telensino se constituiria em um elemento de legitimação política
de suas ações, e por extensão da Rede Globo, quer dentro do campo televisivo, quer no campo
político, fosse durante o regime militar, fosse num provável futuro político democrático.
Com sucesso confirmado logo no início de sua veiculação, o programa obteria
repercussão positiva no campo televisivo, político e educacional, mesmo tendo recebido
algumas pontuais críticas oriundas sobremaneira de agentes ligados ao telensino, às emissoras
públicas de televisão ou ao setor de políticas educacionais. A posição privilegiada de Roberto
Marinho no campo da comunicação social, então garantida pela ampla proximidade do
empresário ao regime militar, era um dos móveis que possibilitaria o sucesso e a boa
repercussão alcançados pelo Telecurso 2º Grau. Naquele momento e dado o quadro
televisivo nacional, a Rede Globo era a única que dispunha de condições para investir
recursos tecnológicos e profissionais adequados e, modernos à produção e veiculação de um
programa educativo da magnitude alcançada pelo Telecurso. Ademais, Marinho para
concretizar e dinamizar o seu empreendimento de telensino valera-se de um conjunto
significativo de relações sociais com agentes de diversos setores do poder político.
O modelo televisivo brasileiro teve como principais fundamentos desde sua criação
práticas comerciais oriundas da era do rádio. Soma-se a isso a pouca regulamentação do setor
em sua primeira década de existência. O que resultou em emissoras comerciais com
programações voltadas exclusivamente para o entretenimento e a informação com pouco
espaço para a educação. A constituição e a dinâmica do modelo televisivo comercial
tornaram-se, no Brasil, um fator estruturante das práticas desenvolvidas pelos agentes do
campo televisivo em termos de produção. Dessa forma, era muito difícil a utilização da
televisão em prol da educação, uma vez que os próprios agentes atuantes no meio se
154

excluíram, por bom tempo, da tarefa de pensar sistematicamente como equacionar a relação
TV/ensino. O meio era visto como mera ferramenta para a reprodução de conteúdos
educativos para as massas, tal era a grande justificativa dos primeiros incentivadores do uso
da televisão no ensino. Não se considerava a priori os particulares recursos de linguagem do
meio para a produção de programas educativos. Somente a partir do momento que os agentes
começaram a compreender que o ensino via TV não poderia ser uma mera reprodução da sala
de aula, a modalidade de telensino daria os seus primeiros passos sólidos em direção à
produção de programas notadamente pautados na linguagem audiovisual. O exemplo do
Telecurso 2º Grau auxilia a compreensão de que apenas quando programas educativos
passaram a ser pensados e experimentados por profissionais formados dentro da lógica
televisiva comercial, em nítida consonância com novos experimentos da linguagem
audiovisual televisiva, foi possível se avançar na busca e construção sistemática de um
modelo de produção de telensino.
O advento da década de 1960 marcou uma inflexão no campo televisivo nacional,
resultando em certa diversificação nas grades de programação do meio. Inflexão promovida
externamente pela tomada de poder pelos militares em 1964, e internamente pela constituição
de novo quadro de concessionários, embora estes tivessem obtido concessões ou operassem
suas emissoras anteriormente ao golpe civil-militar. O governo federal, durante o regime
militar, iniciou um movimento de investimentos maciços em telecomunicações, visando à
integração do país via meios eletrônicos, na esteira da Doutrina de Segurança Nacional. Mas
ao contrário do que ocorria na Europa, onde o Estado investia recursos para o
desenvolvimento da radiodifusão pública, no Brasil, durante o regime militar, os maiores
beneficiados continuaram sendo as emissoras comerciais, e, dentre elas, a que mais aproveitou
as “benesses oficiais” foi a Rede Globo, do concessionário Roberto Marinho.
Os anos de crescimento econômico no Brasil passaram a justificar uma visão
desenvolvimentista em que a educação adquiriu papel central em colaborar para a formação
de mão de obra qualificada. A partir dessa demanda o setor educacional sofreu intervenções
do regime por meio de diversas reformas. Dentro desse quadro de alterações seria decretada a
Lei 5.692 de 1971, a qual reformulava as bases do ensino de 1º e 2º graus, e estabelecendo a
modalidade de Ensino Supletivo, bem como prevendo a possibilidade da utilização do rádio e
da televisão para aquele fim. Soluções na área de teleducação que, ademais, já eram debatidas
em importantes organismos internacionais, como a UNESCO, OEA e ONU.
Naquela época, algumas ações na área de teleducação tinham sido realizadas pelo
governo e mesmo por algumas emissoras públicas ou comerciais. Experiências pioneiras
155

como o programa Artigo 99, o Madureza Ginasial e a telenovela educativa João da Silva,
foram importantes, pois colaboraram para a introdução das primeiras, porém incipientes,
práticas da produção teleducativa. Contudo, nenhuma delas conseguiu alterar o quadro da
situação da programação educativa e muito menos criar um modelo exequível e de sucesso
que pudesse ser desenvolvido pela TV comercial, nem mesmo os experimentos com
telenovela de cunho educativo.
Em 1977, quando Roberto Marinho criou sua Fundação com o intuito de colaborar em
diversas causas sociais, dentre elas a educação, o quadro brasileiro de teleducação começaria
a ser alterado. A criação da FRM abriria espaço para doações, abatimento de impostos e o
financiamento público dos projetos. O que talvez explicasse o motivo do empresário não ter
criado o Telecurso como mais um programa da Rede Globo, atendendo, inclusive, o disposto
pela Portaria 408.
Para o início do projeto, entretanto, faltava ao empresário e à sua rede de TV
experiência na área teleducativa, situação alegada pela FRM ao buscar a FPA para ser
parceira na produção do Telecurso. Todavia, durante a produção do programa o que se
observou foi que a condução e a participação dos profissionais ligados à emissora comercial
ganhavam corpo e começavam prevalecer em detrimento daqueles vinculados à emissora
pública paulista. Direção expressa na adoção de práticas como a seleção de produtores e
roteiristas oriundos da emissora comercial, com o fito de adequar as telaulas à linguagem mais
propriamente televisiva, a qual, então, era experimentada mais largamente pelos profissionais
da Rede Globo. A escolha de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para acompanhar o
andamento dos trabalhos não deixava sombra de dúvidas sobre aquela direção, além de ser um
atestado do desejo de Roberto Marinho ter um programa com a cara de sua emissora. E isso
significava dizer que o “Padrão Globo de Qualidade”, o qual passava a orientar toda a
produção da emissora a partir da década de 1970 e respondia, em certa medida, aos anseios do
regime militar por melhoria na produção televisiva nacional, devesse finalmente ser aplicado
na teleducação.
Para além da lógica comercial, marca indelével da produção da Rede Globo, Roberto
Marinho soube valer-se de relações com o campo político para divulgar o Telecurso 2º Grau
e, mais uma vez, angariar apoio a um dos seus empreendimentos televisivos, inclusive para
um futuro desdobramento do projeto, com o Telecurso 1º Grau.
Em uma época em que a abertura política se apresentava no horizonte do país,
entretanto envolta em incertezas, a característica marcante do projeto de telensino de Roberto
Marinho foi aliar o padrão de qualidade adotado pela sua rede de televisão à sua influência
156

política como estratégia para conseguir o apoio do regime militar e demais setores da
sociedade civil, fortalecendo, dessa forma, o empreendimento e tornando o programa como
paradigma para o setor de teleducação. O que equivale a dizer que qualquer tentativa de
telensino não teria como se realizar, pelo menos com sucesso, caso não atingisse o padrão do
Telecurso 2º Grau, inclusive no caso de emissoras públicas ou de projetos congêneres
oriundos do executivo nacional. Enfim, a Rede Globo se posicionava à frente de possíveis
concorrentes em termos de teleducação, repetindo, assim, o que já ocorria em termos de
produção de entretenimento e telejornalismo. Não por acaso a parceria com a FPA fora
deixada de lado com a comprovação do sucesso e positiva repercussão do Telecurso.
Assim, pode-se afirmar que o empreendimento de Roberto Marinho com o Telecurso
2º Grau e o sucesso obtido pelo programa se constituiriam em um dos elementos de
legitimação à posição privilegiada da Rede Globo de Televisão, junto a setores militares.
Afinal, o programa, de um lado, cumpria a determinação legal referente à programação
educativa na TV e concretizava projeto de telensino acalentado pelo regime militar, e, de
outro, servia como dado para legitimar, por parte do regime militar e do próprio Marinho, “as
benesses” concedidas pelos governos militares à Rede Globo. Entretanto, a constituição do
Telecurso 2º Grau como paradigma em telensino garantia, de certa maneira, uma legitimação
prévia da Rede Globo e do concessionário Roberto Marinho num futuro político democrático,
cuja antevisão e busca eram crescentes no campo político nacional. Naquele futuro, Marinho
poderia ostentar seus feitos na área de telensino, livrando-se ou atenuando uma provável
identificação dele como “colaborador de uma ditadura”, e, mais ainda, não contaria com
concorrente à altura para oferecer de imediato nenhum produto para sobrepor-se aquele que já
era considerado o melhor e mais abrangente programa televisivo de instrução pública.
Sem se esquecer que algumas das edições das aulas do Telecurso pudessem vir a servir
também, num futuro democrático, como atenuantes de possíveis críticas sobre a proximidade
de Roberto Marinho, e sua Rede Globo, com o regime militar. Mesmo que conteúdos
apresentados na teleaulas tivessem sido abordados, por força da lei, à luz de interpretações
favoráveis ao regime militar, a produção do programa, vez ou outra, procurava investir, ainda
que indiretamente, em pontuais expedientes que pudessem dar um tom de questionamento ou
crítica a práticas próprias do autoritarismo militar. Situação evidenciada ora em trechos dos
textos lidos pelos apresentadores – sobremaneira nas aulas de História, Geografia e mesmo
EMC/OSPB – e pontuados com referências a temas delicados ao regime militar, ou mesmo no
convite de especialistas que claramente faziam oposição ao regime e batiam-se pela
democratização.
157

As aulas do Telecurso configuraram-se como um importante elemento no avanço do


setor de telensino, pois elas eram muito superiores em termos de produção técnica de tudo o
que havia sido realizado anteriormente por outras emissoras no setor, a julgar pelo que é
conhecido desta produção. Ademais, rompiam com o modelo de aula propício à sala escolar, o
qual tinha marcado sobremaneira os primeiros programas de telensino. Ainda que se
retomassem alguns expedientes já experimentados nas produções anteriores, como o recurso
do uso do teledrama, vindo das telenovelas educativas, e do parcial uso de audiovisuais, as
aulas do Telecurso eram investidas mais amplamente de recursos próprios da linguagem
audiovisual televisiva. Seus textos eram mediados ampla e sistematicamente por imagens de
arquivos da TV (produzidas por jornalismo, documentário, dramaturgia, musicais,
cinematográficos e fotográficos), ou mesmo as produzidas especialmente para a apresentação
do conteúdo de uma teleaula, elaboradas com base em ilustrações, cenários com reprodução
de ambientes relacionados às disciplinas ou conteúdos destas, na linguagem da
teledramaturgia, quando não de programas humorísticos. E mesmo em relação aos conteúdos,
as teleaulas mostraram um dinamismo e uma riqueza de detalhes, inclusive com a
participação de especialistas, que a escola tradicional do final da década de 1970 não teria
facilidade em superar, embora as dificuldades no ensino de Matemática igualassem o
Telecurso e a escola, pelo menos inicialmente.
Assim, a Rede Globo que dominava desde o inicio da década de 1970 a produção do
entretenimento e da informação no Brasil, conquistava com o Telecurso 2º Grau o terceiro
elemento sagrado da produção televisiva: a educação.
158

FONTES
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Lei 4.711/62 – Código Brasileiro de Telecomunicações.

Material didático do Telecurso 2º Grau

BIOLOGIA EM 2 VOLUMES. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio


com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1980.

FÍSICA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em convênio


com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1980.

GEOGRAFIA EM 2 VOLUMES. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em


convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1981.

HISTÓRIA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em


convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982.

MATEMÁTICA EM 2 VOLUMES. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em


convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1982

QUÍMICA CURSO COMPLETO. Telecurso 2º Grau. Fundação Roberto Marinho em


convênio com a Fundação Padre Anchieta. São Paulo: Rio Gráfica, Educação e Cultura, 1980

Audiovisual

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