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O diálogo cultural entre a História e outras disciplinas do campo

humanístico.1
Carla Teixeira2

O século XX, marcado por movimentos sociais e culturais movidos pela utopia e
barrados pela barbárie, modificou a maneira do homem enxergar o mundo e colocar-se
neste. As transformações ocorridas nas ruas não passaram despercebidas na academia.
A história chega ao final da década de 1960 e início de 1970 como uma ciência
institucionalmente dominante, mas intelectualmente ameaçada. O desafio lançado à
história pelas novas disciplinas assumiu diversas formas, estruturalistas ou não, que
colocaram em causa os seus objetos, desviando a atenção das hierarquias para as
relações, das posições para as representações. As atitudes do homem perante a vida e a
morte, suas crenças e comportamentos religiosos, bem como relações de parentescos e
familiares associados a rituais e formas de sociabilidade, surgiram como novos objetos
de pesquisa histórica. A partir de tal enfoque podiam ser experimentados tratamentos
inéditos tomados de análise linguística e semântica, dos meios estatísticos utilizados
pela sociologia ou de algumas abordagens antropológicas. A história busca, dessa
forma, uma estratégia para apropriar-se, por meio de outras ciências, de uma nova
legitimidade científica.
As variedades mais instigantes e inovadoras da história são as que tentam
escavar sob os fatos para descobrir a condição humana tal como foi vivida por nossos
antepassados. Estigmatizada sob diversos rótulos – história das mentalidades, história
social das ideias, história etnográfica ou apenas história cultural, esta última apreciada
pela maioria dos autores sobre o tema – a pretensão de todas é entender o sentido da
vida, não apenas para dar soluções definitivas a questões filosóficas, mas oferecendo um
acesso a respostas dadas por outros, tanto nas rotinas diárias de suas vidas quanto na
organização formal de suas ideias consolidadas há séculos.
O diálogo com as ciências, ditas “amigas”, veio para acrescentar a história não
apenas novos objetos, mas outras teorias e métodos que podem ser empregadas na
pesquisa histórica. Como aponta Darnton, o contato com o passado altera o sentido do
que pode ser conhecido. Os meios de comunicação, com o poder de moldar os fatos e
dar-lhes abertura, foi um fator crucial na Revolução Francesa, quando o jornalismo
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Trabalho apresentado para a disciplina de História e Cultura – Responsável: Prof. Dr. José Carlos
Barreiro - Programa de Pós-Graduação em História – Unesp/Assis – 1º semestre de 2013.
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Mestranda em História.
surgiu pela primeira vez como uma força nos negócios do Estado. O autor defende o
fazer histórico e as abordagens que os meios de comunicação fazem dos
acontecimentos. Ao tratar da “História social e cultural da comunicação impressa”,
vulgarmente conhecida como “História dos livros (ou da leitura)”, fato que restringe
pelo nome as possibilidades de pesquisa, é entender como as ideias eram transmitidas
por vias impressas e como contato com a palavra impressa afetou o pensamento e o
comportamento da humanidade nos últimos 500 anos.
O objeto de estudo é o todo correspondente à vida útil do texto: autor, editor,
leitor, resenhista e crítico. Para Darnton, um texto pode ser usado como meio de
resposta a questões, o que o torna o principal mediador entre palavra e pensamento, uma
vez que o texto é o pensamento materializado em palavra que, após ser lido, se tornará
pensamento novamente. Inerente a isso, há as variações desse processo, no tempo e no
espaço, e as suas ligações com o sistema social, político, econômico e cultural. A
imprensa escrita tem sido utilizada nos trabalhos de história política, uma vez que
historiadores e cientistas sociais, ocupados com o estudo desta última, passaram a
melhor perceber e precisar o destacado papel que a imprensa impressa assumiu
mediante práticas bem definidas dentro do campo político. É importante destacar que a
imprensa escrita tem sido fonte, também, para estudos historiográficos ocupados com
temáticas culturais, econômicas e religiosas. Embora haja ainda obstáculos pontuais a
serem vencidos no que tange a determinadas análises, os dados e informações
oferecidos por este tipo de fonte se constitui em um grande manancial para a pesquisa
histórica, como afirmaram Jeanneney e Capelato, enfatizando os jornais como fontes
das mais férteis para o conhecimento do passado, o que possibilita ao historiador
acompanhar o percurso dos homens através dos tempos, pois a imprensa registra,
comenta e participa da história.
O diálogo com outras ciências deve vir como um auxílio ao ofício do
historiador. Por tratar-se de uma disciplina que não se fecha, não se cala e nunca
termina, a história, como a vida humana, deve ser escrita e vivida de maneira líquida,
maleável e flexível, completamente o contrário do papel fixo atribuída a disciplina tida,
para o pesadelo dos colegas de ofício, como uma verdade absoluta e inquestionável.
O homem muda, sua maneira de se portar no mundo caminha n’outra direção, o
que obriga o historiador a pensar a partir de outras perspectivas. No século XVI
temiam-se os efeitos prejudicais das peças de teatro sobre o público geral. Hoje nos
preocupamos com a influência negativa da televisão e da internet sobre valores e
comportamentos. Seja qual for o ponto de vista adotado, essas discussões põem em
evidência a importância do contexto social e cultural em que os meios de comunicação
aparecem e se desenvolvem. De modo significativo, como aponta Peter Burke, foi com
a era do rádio que o mundo acadêmico começou a reconhecer a importância da
comunicação oral na Grécia antiga e na Idade Média. O início da idade da televisão,
durante a metade do século XX, deu surgimento à comunicação visual e estimulou a
emergência de uma teoria interdisciplinar da mídia, o que demonstra um caminho para a
utilização da teoria da comunicação à história e da história para a comunicação.
De acordo com Chartier, a atenção deve centrar-se na reavaliação crítica das
distinções tidas como evidentes e que torna-se o ponto a ser questionado. É importante
identificar a maneira como as práticas e as representações se cruzam nas produções e se
transformam em diferentes formas culturais. Questionar a divisão tradicional que opõe
letrado e popular, nos leva a pensar na oposição entre criação e consumo, produção e
recepção. Restituir a historicidade exige que o “consumo” cultural e intelectual seja
tomado como uma produção, que não fabrica um objeto, mas constitui representações
que nunca são idênticas às do produtor ou artista.
Para o autor, é preciso pensar em como todas as relações, incluindo as que
designamos por relações econômicas ou sociais, se organizam de acordo com a lógica
que põem em ato os esquemas de percepção e de apreciação dos diferentes sujeitos
sociais, o que traria para a hora do dia as representações que podem ser denominadas
como “cultura”, seja esta comum ao conjunto de uma sociedade ou própria de um
determinado grupo. É necessário a busca pela articulação entre a “estrutura cultural” e a
“estrutura social”, o que resultaria na elucidação de um padrão transmitido
historicamente, de significados corporizados em símbolos por meio das quais os
homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e atitudes perante a
vida.
A história deve buscar outras maneiras de estabelecer contato com a vida dos
homens e mulheres esquecidos pelo tempo, o que diria muito a respeito dos princípios
fundamentais da condição humana. Por isso, ao invés de confiar na instituição e na
tentativa de invocar qualquer vago clima de opinião, seria o caso de tomar outra
disciplina sólida e utilizá-la para relacionar a experiência mental com as realidades
sociais e econômicas. A Antropologia, a Sociologia e a Literatura fornecem ferramentas
fundamentais. Como enfatiza Darnton, não há defesa de projeto de pesquisa que anule
os limites entre a história e as outras formas de enxergar o mundo. A tarefa do
historiador é fazer justiça aos mortos de maneira que isso venha como um choque para
os desavisados que insistem em proteger as fronteiras historiográficas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História social da mídia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel,
1988.
CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e
peronismo. Campinas/ SP: Papirus / Fapesp, 1998.
DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. Trad.: Denise Bottmann. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
JEANNENEY, Jean-Nöel “ A mídia”. In: REMOND, R. (org.) Por uma história
política. Rio de Janeiro: FGV/UFRJ, 1996.

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