Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Aureo Busetto
Tão logo fora restabelecida a eleição direta para o executivo das capitais
dos estados, mediante aprovação da Lei n° 1.720 em outubro de 1952, dois
candidatos se lançaram à disputa pela prefeitura de São Paulo. O secretário
estadual da Saúde Francisco Antonio Cardoso, apoiado pelo governador Lucas
Nogueira Garcez, por ampla coligação situacionista (PSP, PSD, PRP, PR), por
uma ala do PTB e pela UDN, embora esta não integrasse o esquema governista
(Sampaio, 1982: 8 1-3), e o deputado estadual Jânio Quadros, cuja candidatura
fora lançada pelo minúsculo PDC e, logo depois, assumida pelo também peque
no PSB, porém não sem resistência de alas dos dois partidos (Busetto, 2002:
101-4; Hecker, 1998: 152-5). Em janeiro de 1953, dois outros candidatos entra
ram na disputa. O comerciante André Nunes Júnior, lançado pelo minúsculo
PTN, partido originário de uma cisão do PTB, e apoiado pelos comunistas, e o
127
estlldos históricos e 2003 - 3J
/28
Pcla legitimidade de prever
129
est"dos históricos e 2003 - 3 /
/30
Pela legitimidade de prever
131
estlldos histúricos. 2003 - 3 J
Porfírio da Paz. Logo, Jânio e Porfírio passariam a ser proclamados, tanto por
petebistas quanto por janistas, como a "dobradinha perfeita" para o governo.
Não demorou muito e a candidatura de Piza seguiu apoiada por inexpressiva ala
do PTB, comandada por Danton Coelho e pelos comunistas (Benevides, 1989:
53-9). Com a reafirmação de sua liderança no PSP e a expulsão de Garcez das
fileiras pessepisras, Adhemar foi lançado candidato pelo seu partido e recebeu o
apoio de uma pequena ala petebista (Sampaio, 1982: 84). A candidatura do
engenheiro Prestes Maia, nascida no seio das forças ligadas a Garcez, fora
apoiada por grande coligação (PSD, PRP, PL, PR, UDN e PDC) e por uma ala do
PTB comandada por Ataliba Leonel (Benevides, 1989: 54-5).
Em meados de 1954, a sucessão para o governo paulista já se encontrava
polarizada entre as candidaturas de Adhemar e Jânio. Adhemar necessitava da
vitória eleitoral para posicionar-se melhor na disputa pelo poder, pois o
ademarismo se encontrava afastado da prefeitura de São Paulo, após a vitória de
Jânio, e do executivo paulista, devido ao rompimento de seu líder com Garcez.
Sem programa definido, Jânio complementava o seu "tostão contra o milhão"
com a proposta de "varrer ratos, ricos e reacionários da política paulista" e com
um novo lema: "Não se desespere, Jânio vem aí".7 O janismo lutava para crescer,
sobretudo no interior paulista, dado que essa parte do estado era notadamente
um reduto eleitoral de Adhemar. A correlação de forças entre ademarismo e
janismo foi explorada pela campanha de Prestes Maia. Esta investiu numa
propaganda em que atacava constantemente a candidatura de Adhemar e
defendia a idéia de manter, para "o bem de São Paulo", Jânio e Porfírio no
executivo paulisrano, alegando que o eleitor que votasse na chapa janista estaria
ajudando a Adhemar, uma vez que Prestes Maia estava mais bem posicionado
para derrotar o líder do ademarismo do que a liderança máxima do janisl11o.s
A campanha eleitoral paulista de 1954 não foi marcada apenas pela
disputa entre ademarismo e janismo, mas também pela acirrada concorrência
entre a imprensa, institutos de opinião pública e líderes políticos na luta pela
definição do agente que seria mais qualificado para prever as tendências
eleitorais. O ótimo desempenho do lbope na campanha paulistana de 1953
integrava a pauta de preocupações dos homens de partido e profissionais da
imprensa. Os jornais e rádios passariam a se ocupar mais intensamente com a
divulgação dos seus prognósticos eleitorais. De maneira diferente dos dias
atuais, os institutos de opinião pública e a imprensa divulgavam os resultados de
suas sondagens sobre as preferências do eleitorado no período mais próximo à
data dos pIeitos.
Em matéria intitulada "As possibilidades dos três candidatos", publi
cada na véspera do pleito de J 954, O Estado de S. Paulo, apoiando Prestes Maia,
divulgava os resultados parciais de uma primária prévia eleitoral: "Capital: 10
lugar-PRESTES MAIA-Jânio Quadros; 2" lugar-Adhemar; 3" lugar-(muito
132
Pela legitilllidade de prel'er
133
estudos históricos. 2003 - 31
PREVISÃO POLÍTICA
134
Pela legitilllidade de prel'er
ÍNDICE
CANDIDATO
TOTAL
,
ÍNDICE
CANDIDATO
TOTAL
Adhemar de Barros 40,0%
TOlal 100,0%
/35
estlldos históricos e 2003 - 3 1
136
Pela legitimidade de prcl/cr
/37
estudos históricos - 2003 - 31
erro do prognóstico eleitoral, que não deveria ir "além de 1,7%, a mais ou a me
nos, em relação ao pleito".14
Embora os resultados da pesquisa do Ipê fossem bastante positivos à
candidatura e à pessoa política de Adhemar, esse dado não é suficiente para
definir a matéria como peça da propaganda ademarista. Entretanto, ao consi
derar a omissão do conrigente de indecisos no quadro ocupado com a prefe
rência eleitoral nos municípios do interior, a inexistência nesse quadro de
percentuais de entrevistados que votariam em branco ou nâo votariam, e o
mesmo se repetindo na parte do primeiro quadro ocupado com a capital,
pode-se afirmar que a matéria era fruto da campanha ademarista. Apesar do
supOSto cuidado do autor para evitar que a matéria deixasse vazar qualquer
pista que pudesse identificá-Ia com alguma candidatura específica, a ausência
daqueles dados pode ser interpretada como manipulação dos resultados da
pesquisa do Ipê. Pois, dessa forma, a matéria forjava a idéia de que os eleitores
das principais cidades do interior, tal como os paulistanos, não tinham inten
ção de votar em branco ou de deixar de votar e, mais ainda, reforçava a noção
de que a maioria dos eleitores interioranos já se tinha decidido pela candida
tura de Adhemar.
Não sem grande ansiedade, líderes políticos, partidos e imprensa aguar
davam pela divulgação dos resultados da pesquisa do Ibope. No dia 10 de outu
bro, os resultados parciais da pesquisa do instituto sobre a preferência eleitoral
dos paulistas eram publicados nas páginas dos jornais A Gazela e O Dia, este
ligado a Adbemar. Correspondentes à intenção de VOlO dos eleitores dos princi
pais municípios das diferemes regiões do interior paulista, os resultados do
levantamento do Ibope eram apresentados por localidade e apontavam, no côm
puto geral, a vitória folgada de Adhemar sobre os demais adversários.
Porém, no dia seguinte, quando da divulgação da parte conclusiva da
pesquisa do Ibope contendo a preferência dos eleitores da capital, cujos resulta
dos, que apomavam a vitória de Adhemar com mais de 90 mil votos sobre Jânio,
eram publicados nos jornais O Dia e Folha da Mallhã,15 a primeira página da
edição de O Estado de S. Paulo anunciava com destaque: "Vendido por 5 milhões
o inquérito do Ibope". Tratava-se de denúncia do radialista e publicitário J.
•
138
Pela legitimidade de prever
após a recusa do Comitê de Prestes Maia à oferta do Ibope, o que se veria era a
•
139
estlldos históricos. 2003 - 3 /
cias de J. Antonio D'Avila contra o Ibope e trazia novos detalhes sobre o assunto.
Numa matéria intitulada "Desacreditado o Ibope para fazer inquéritos", o jornal
•
/ 40
Pela 1C[,;itimid(/(le dc I,,·e,'cr
14/
estlldos históricos e 2003 - 3 J
dia seguinte à proclamação dos resultados finais pelo TRE, o Diário publicava
uma longa matéria redigida em termos muito próximos aos da matéria de 6 de
outubro. Porém, diferentemeOle dessa, a nova matéria, desde o seu título -"A
pedidos. A desmoralização do Ibope" - até a sua conclusão, revela, de um lado, a
intenção do jornal em forjar um clima de interesse geral pelo assunto e, de outro,
em classificar e julgar a natureza do erro cometido pelo Ibope. Segundo o
"veredicto final" do Diário, o equivocado prognóstico do instituto não era fruto
de falha ou incapacidade técnica e profissional, como cogitado anteriormente, e
sim de ralha moral. De maneira arbitrária, a matéria é assim concluída: "O pleito
iria dizer que as pesquisas do Ibope mereciam fé ou se eram forjadas, torcidas e
capciosas. E disse. Disse-o para a razão dos que acusavam de ser o instituto que se
aluga, que serve a quem mais der, que, acima da consulta franca e leal da opinião
pública, consulta os interesses monetários".
Entre os dias 23 a 28 de outubro, o D iário de S. Paulo publicaria cinco
longas reportagens que, contando com amplas chamadas nas primeiras páginas,
eram ocupadas com trechos da entrevista de Chacarian Sana-Khan, vidente ar
mênio residente no país desde os anos 1 920. Embora o Diário não vinculasse di
retamente essa série de reportagens à sua campanha de desmoralização do Ibope,
é lícito afirmar que ela integrava a sua tentativa de desqualificar e deslegitimar o
trabalho do instituto.
Na sua edição de 23 de outubro, o Diário publicava, na primeira página,
um longo resumo do que seria tratado na série de reportagens sobre as previsões
de Sana-Khan e na matéria daquele dia. O olho da matéria contém, entre outras,
as frases: "Sana-Khan profetiza: 'Três estrelas jupiterianas no destino de Jânio
Quadros'. Duas estrelas, que representam poder, já brilharam: falta a terceira. As
previsões estão se confirmando. Catete à vista". Publicada integralmente na
quinta página, a primeira reportagem informa que a entrevista de Sana-Khan
fora concedida durante "a madrugada do dia do pleito de 3 de outubro" ao
jornalista Walter Lobo. Inicialmente, o vidente se posiciona como "fora e acima
da política", discorre sobre a ambígua recepção de suas prev isões, sobretudo na
área política, e sua mestiça visão cósmica do mundo: ''Acredito também que
somos conduzidos pelo determinismo histórico, de acordo com a filosofia dia
lética, ou, mais positivamente, pelo pré-determinismo cósmico, conforme a filo
sofia profética".
Ao ser perguntado pelo jornalista se tinha alguma previsão sobre a
candidatura de Jânio, o vidente respondeu que tudo o que vinha ocorrendo na
vida política do candidato teria sido previsto em 1936, pois, nesse ano, lera a mão
de Jânio, então " um jovem e pobre estudante de 18 anos". Na ocasião, previra a
"predestinação política" de Jânio e que ele, apesar de sofrer "vexames policiais
provocados pelas suas idéias", conheceria em 1946 a sua primeira vitória, subiria
1 42
Pela legitimidade de prever
de novo em 1 950, e no ano de 1 953 "galgaria o primeiro dos três degraus jupite
rianos, enfrentando três poderosos competidores". O jornalista in.., iste com o vi
dente para saber o que significam os outros dois degraus jupiterianos. Com
linguagem obscura, repleta de alegorias e pouco inteligível, Sana-Khan retoma a
narrativa da visão que tivera ao ler a mão de Jãnio:
Jánio Quadros- montado num ginete cinzento escuro,
de 2 m de allUra e 1 ,5 de comprimenlO, sem apear, pela porta estreita, em
antigo solar de pedra situado no alIO da colina. Nessa ocasião, ostentara
cartola na cabeça, capa escura nas costas; na boca uma piteira de 18 em
de comprimento, dada por Juca PaIO, e, no dedo anular da mão esquerda,
quirologicamente chamado solar, uma chapa de ouro, à guisa de um
anel, bem ajustada, com a gravura das armas do Estado de São Paulo. A
seguir, o mesmo anel passara para o dedo médio (SalUrno) da mão
direi ta, tendo, agora, a gravura das armas do Brasil.
InsatisfeilO com a forma da narrativa, o jornalista pede, novamente,
mais esclarecimenlO ao mago, que responde com uma informação sobre a
natureza das profecias - "No profetismo, não há tempo, mas a visão fatalmente se
realizará" -, e uma tradução das alegorias: "O cavalo da visão era largo,
semelhante a um touro. O touro representa os meses de novembro para
dezembro. Significa também, pelos aSlrOS, o deus Júpiter. E Júpiter simboliza o
poder. Entrar por uma porta baixa e estreita significa a vitória de Jânio". Ato
contínuo, ao mago é perguntado: "Isso significaria que o Jánio vencerá o pleito
para os Campos Elíseos e depois tomará o Catete, forçando a silUação, numa
vitória difícil, pois o cavalo é largo e a pona estreita)". E o vidente responde
laconicamente: "O tempo vai dizer ! " . A reportagem é encerrada com a
afirmativa: "Com estas palavras (a interpretação é autorizada pelo vidente)
Sana-Khan deu-nos a entender queJânio irá para o Catete, depois de passar pelos
Campos Elíseos".24
As quatro outras reportagens do Diário envolvidas com a divulgação das
profecias de Sana-Khan não mais se ocupariam, pelo menos diretamente, com o
destino político de Jânio, mas com previsões sobre outras forças e agentes atuantes
na política e no destino político do país. A segunda reportagem, intitulada
"Crepúsculo da atuação política dos colaboradores de Getúlio", é ocupada com
uma longa descrição da "célebre visão" que Sana-Khan tivera ao ler, em 1 930, a
mão de GetúlioVargas, quando, além de antever vários falOS que se confirmaram
na trajetória política do consulente, previra também O seu "assassinato" durante
uma fulUra gestão presidencial. Visão que, segundo o vidente, nunca tinha sido
divulgada antes. A matéria é concluída com uma profecia sobre o fim do
getulismo: "A era getuliana durará um ciclo saturniano 'nadírico' - 29 anos e 168
dias - para seguir novo ciclo saturniano, porém, áureo ou prometeano. Quer dizer
/43
eswdos históricos. 2003 - 3 1
/ 44
Pela legitimidade de l'I"evel"
145
estllnos históricos e 2003 - 3 1
1 46