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Urbanização em Rede: os Corredores de Atividades Múltiplas do PUB

e os Projetos de Reurbanização da EMURB em São Paulo (1972-82).

O estudo do papel desempenhado pelas redes de mobilidade urbana – sistemas viários e de


transportes públicos de massa – na configuração da cidade de São Paulo vem sendo realizado
há vários anos. No entanto, esses trabalhos têm priorizado a primeira metade do século XX,
deixando de fora as grandes transformações realizadas durante os anos do regime militar.

Este trabalho tem como objeto os projetos urbanos realizados ao longo da rede do Metrô, que
procuravam adensar as faixas territoriais diretamente servidas por esse sistema, vinculando a
maior oferta de viagens pelo sistema de transporte de massa com intensificação planejada do
uso do solo. Com origens e destinos distribuídos em corredores junto às redes de transporte de
massa, o deslocamento da população por grandes distâncias se tornaria mais fácil, rápido e
econômico. Um dos objetivos principais do Plano Urbanístico Básico (SÃO PAULO, 1969) foi
reduzir o tempo de viagem para ampliar o oferecimento de alternativas de residência e trabalho
e de acesso fácil a serviços em toda a área metropolitana.

São analisados casos de ações de reurbanização planejadas pela Empresa Municipal de


Urbanização - EMURB entre 1972 e o início da década de 1980, associados à rede do Metrô.
Os casos são o projeto CURA Santana (1973), Brás-Bresser (1976) e CURA Jabaquara/
Conceição (1973-81). É identificado um mesmo raciocínio arquitetônico sobre o urbano, que
abrange da macro escala da rede aos recortes em escala menor das intervenções de
reurbanização.
Urbanização em Rede: os Corredores de Atividades Múltiplas do PUB
e os Projetos de Reurbanização da EMURB em São Paulo (1972-82).

O estudo do papel desempenhado pelas redes de mobilidade urbana – sistemas viários e de


transportes públicos de massa – na configuração da cidade de São Paulo tem priorizado a
primeira metade do século XX, deixando de fora as grandes transformações realizadas durante
os anos do regime militar.

Os maiores focos desses estudos são os dois planos de rede viária que orientaram o
crescimento de São Paulo durante a primeira metade do século XX: a cidade dos trilhos de
bonde e a cidade das avenidas.

Para receber os trilhos dos bondes elétricos, a cidade desenvolveu um novo padrão viário que
ampliava as secções das ruas, melhorava seus viadutos, instalava equipamentos e mobiliário
urbano contemporâneo. A atuação da Diretoria de Obras e de Victor da Silva Freire, auxiliada
por Bouvard em 1911 foi essencial para a configuração das feições européias que foram
sobrepostas aos traços coloniais que ainda perduravam no casario paulistano da época do
começo do século XX.

O Plano de Avenidas, elaborado por Prestes Maia a partir dos estudos desenvolvidos junto a
Ulhôa Cintra a partir de 1924, conduziu até a década de 1960 as diretrizes viárias implantadas
na cidade. Além da escala urbana do Plano, cuja estrutura diagramática redefiniu a relação
entre o centro e as áreas de expansão de São Paulo, o padrão viário se alterou, assim como as
diretrizes para as edificações a serem construídas nas áreas lindeiras. As vias largas, com
amplas calçadas e canteiros centrais com linhas de bondes e previsão de futuros metrôs
subterrâneos, deveriam suportar a verticalização das construções e o adensamento
populacional. As perspectivas e cortes das ruas sugeriam edifícios afrancesados, mas a
coincidência da implantação das primeiras fases do plano com o amadurecimento do
racionalismo arquitetônico em São Paulo conferiu a essas vias uma face mais abstrata, pautada
por obras de Rino Levi, Vital Brasil, Jacques Pilon e outros arquitetos da primeira geração
moderna.

Várias pesquisas vêm se dedicando a esses planos, dos quais podemos destacar os trabalhos
de LEME (1990), ANDRADE (1992), SOMEKH (1994), SIMÕES (1990 e 1995), TOLEDO (1996)
CAMPOS NETO (1999), e mais recentemente, o de PARTESANI (2008), que aprofunda o
entendimento do projeto das vias, da forma das ruas e das avenidas desses dois planos.
A segunda metade do Séc. XX foi marcada pela colaboração da equipe de Robert Moses,
responsável pela elaboração do “Plano de Melhoramentos Públicos para São Paulo” (MOSES,
1950 e SALVI, 2005). Moses trazia para São Paulo o modelo do norte-americano Highway
Research Board, de vias expressas que interligavam as cidades à expansão periférica
horizontal de subúrbios residenciais de classe média motorizada. Moses introduz uma nova
escala para o planejamento de mobilidade urbana ao articular o viário municipal com a rede de
rodovias estaduais. Trazia também um novo paradigma para a forma das vias – as urban
highways, cuja separação em relação ao tecido urbano era essencial para atender a um volume
de tráfego de veículos que em poucas décadas a nascente indústria automobilística colocaria
em circulação pelas cidades brasileiras (LAGONEGRO, 2003 e SALVI, 2005).

Com o retorno de Prestes Maia à condução da prefeitura de São Paulo em 1961, a fase
seguinte de implantação das avenidas do seu plano foi atualizada por esse novo padrão. A
avenida 23 de Maio e sua extensão a sul, a avenida Rubem Berta, foram concebidas e
construídas segregadas da malha urbana existente através de diferenças de níveis, vias
marginais e viadutos, para evitar a interferência de cruzamentos e tráfego local. A partir de 1965
Faria Lima daria seqüência a esses projetos criando a ligação Leste-Oeste e atravessando com
vias expressas a praça Roosevelt e o Parque Dom Pedro. Consolidava assim a tendência a
ocupar espaços públicos abertos com equipamentos viários e de transportes de massa.

No entanto, as condições urbanas das cidades brasileiras eram tão críticas, que mesmo um
regime ditatorial teve de desenvolver algum nível de planejamento urbano. Inspirado nas
propostas do Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 19631, o governo militar criou o
BNH – Banco Nacional de Habitação e o SERFHAU – Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo em 1965. Reconhecia assim a necessidade de uma política centralizada para
organizar os conflitos urbanos e atenuar as demandas por habitação social.

Essa diretriz de planejamento se manifesta em São Paulo já na gestão de Faria Lima. Após
iniciar a sua gestão dando seqüência aos projetos viários de Prestes Maia, Faria Lima contrata
um consórcio de empresas de consultoria brasileira e norte-americanas para desenvolver o
Plano Urbanístico Básico – PUB, trazendo novos parâmetros para o projeto dos sistemas de
mobilidade urbana de modo integrado com o planejamento urbano.

A sofisticação metodológica do PUB tornou-o mais abrangente plano produzido até então no
Brasil (VILLAÇA, 1999), característica decorrente das qualidades da ampla equipe mobilizada.
Pelo lado norte-americano se constata a presença de uma visão mais articulada entre
mobilidade e urbanismo do que aquela trazida anteriormente por Moses. Participaram
planejadores tais como Francis Violich2, Louis Wetmore3, Calvin Hamilton4. Entre os brasileiros
podemos identificar vários profissionais que atuaram no SAGMACS de Lebret na década
anterior: na equipe técnica temos a presença de Joaquim Guedes e Domingos Teodoro de
Azevedo e entre os consultores encontra-se Celso Lamparelli na área educacional.

O conceito de cidade que alimentava o PUB estava baseado no deslocamento diário de


grandes contingentes da população por longas distâncias. Um conceito urbano distinto tanto da
idéia da cidade composta por um conjunto de pequenos núcleos urbanos auto-suficientes
(defendida por Anhaia Melo), quanto da concepção de uma cidade mononuclear de expansão
ilimitada (defendida por Prestes Maia).

Um dos objetivos principais do Plano Urbanístico Básico foi reduzir o tempo de viagem para
ampliar o oferecimento de alternativas de residência e trabalho, assim como de acesso fácil a
serviços em toda a área metropolitana. A mobilidade física dos habitantes deveria acentuar a
mobilidade da força de trabalho, no sentido de ampliar a concorrência por postos de trabalho e
mão de obra ao não se vincular o emprego à proximidade com a moradia. Para otimizar os
investimentos em serviços públicos que oferecem melhorares condições de reprodução da força
de trabalho, as facilidades de movimento da população ampliaria as áreas servidas pelos
equipamentos. Assim, rede de vias expressas e de linhas de metrô eram partes estratégicas do
PUB e não complementares (SÃO PAULO, 1969).

Entregue no final da gestão de Faria Lima, o PUB escapa por pouco de ser incinerado pelo
novo prefeito, Paulo Maluf (FELDMAN, 2005). Suas análises e propostas aguardariam a gestão
de Figueiredo Ferraz (1971-1973) para serem parcialmente retomadas, ainda que o Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado pouco expressasse a riqueza e complexidade de método
do PUB (VILLAÇA, 1999). Interessa-nos para este trabalho dois aspectos nos quais as
formulações do PUB tiveram alguma continuidade.

O primeiro é a malha direcional de vias expressas de padrão ortogonal, que fundamenta o


Plano de Obras de Vias Expressas e Arteriais elaborado em 1972, sob a coordenação de
Roberto Cerqueira César e parcialmente implantado nas décadas seguintes (com várias
alterações de trajeto, mas seguindo os mesmos princípios).

O segundo é o conceito de “Corredores de Atividades Múltiplas” associados às linhas de Metrô.


Propondo uma faixa de 600 m de largura com densidade habitacional alta (300 habitantes por
hectare), o esquema previa a concentração de escritórios e comércio nas proximidades das
estações, enquanto as praças com serviços públicos ficariam entre duas estações. Este
conceito esteve na base da criação das Z8 do PDDI nas regiões próximas às estações do Metrô
(HECK, 2004) e foi objeto de vários planos elaborados pela Prefeitura ao longo da década de
1970. Analisaremos a seguir alguns casos de renovações urbanas planejadas entre 1972 e a
década de 1980, que pretendiam criar corredores de adensamento demográfico ao longo da
rede de Metrô5.

EMURB: planejamento e projeto urbano associados à rede de mobilidade

Apesar de ocorrer nos anos mais rígidos do regime militar, a gestão de Figueiredo Ferraz
apresentou importantes contribuições para a estruturação de instituições de planejamento
urbano em São Paulo. Engenheiro de reputação profissional elevada, Ferraz se apoiou em
profissionais da área de arquitetura e planejamento que não estavam engajados nas ações de
oposição ao regime militar. Roberto Cerqueira César, ex-sócio de Rino Levi e colaborador de
Faria Lima, foi convidado para coordenar a COGEP (Coordenadoria Geral de Planejamento) e
logo depois para assumir a presidência da EMURB (Empresa Municipal de Urbanização),
fundada em dezembro de 1971.

Concebida como um instrumento para agilizar as intervenções urbanísticas da prefeitura e


superar a inércia das estruturas de carreira das secretarias, a EMURB abriu na gestão de
Cerqueira César (1972/73) um leque amplo de projetos urbanos. Concretizou em projetos
diversas idéias em circulação no meio arquitetônico paulista, constituindo um estoque de
propostas maior do que a possibilidade de sua implantação pela prefeitura. Entre eles, os
projetos relacionados com o Metrô então em construção.

Sendo então ambas as instituições municipais, foi estabelecida uma divisão de atribuições.
Enquanto o Metrô era responsável pelo planejamento das linhas e pelo projeto das estações e
demais equipamentos operacionais, a EMURB se ocupava de planos de reurbanização das
áreas diretamente servidas pela rede.

Os planos de reurbanização das áreas desapropriadas para o Metrô não tinham como objetivo
apenas minimizar os impactos negativos das demolições para a construção da rede. Heck
(2004) demonstra que seu principal objetivo era reverter ao poder público os ganhos de
valorização imobiliária advindos da implantação do Metrô. A EMURB atuou em conjunto com a
Companhia do Metrô, desapropriando as grandes áreas próximas às estações e ao longo das
linhas, planejando reurbanizações que permitissem a sua comercialização com lucros, os quais
deveriam amortizar os elevados custos de implantação da rede.
Consideramos que para isso foi retomado o conceito dos Corredores de Atividades Múltiplas do
PUB, com o objetivo de viabilizar o adensamento nessas áreas. Um conceito esquemático com
diversas possibilidades de formalização. Algumas das áreas definidas como objeto de
reurbanização associada à rede do Metrô foram escolhidas para receber verbas federais. Em
1973 a Prefeitura de São Paulo aderiu ao programa Comunidades Urbanas de Recuperação
Acelerada – CURA, do BNH (LUCCHESE, 2004). Inicialmente foram indicadas quatro áreas:
Santana, Jabaquara, Vila das Mercês e Itaquera. A EMURB foi definida como coordenadora do
programa em São Paulo e elaborou diretrizes para as quatro áreas. Em 1975 o prefeito, Olavo
Setúbal (1975-79) redefiniu as prioridades, escolhendo a área ao longo do Metrô entre as
estações Brás e Bresser para os investimentos do BNH, depois substituída pelo Jabaquara
como prioridade principal.

Santana

Situado no extremo norte da linha quando o Metrô iniciou sua operação, o projeto Santana
abrangia uma área de quatorze mil e setecentos metros quadrados, em seis quadras de
intervenção. Nelas o plano previa a construção do terminal de ônibus urbano conectado por
corredor subterrâneo à estação e o desenvolvimento de um novo tipo de quadra que superasse
os limites dos pequenos lotes existentes.

No lugar da renovação urbana espontânea, que ocorreria pela valorização da área, o


adensamento vertical da reurbanização planejada pretendia remembrar os lotes das quadras.
Os projetos combinariam a liberação de mais áreas verdes para uso coletivo com a organização
da circulação e dos estacionamentos de modo a eliminar conflitos de fluxos. Somente uma ação
pública a um só tempo poderia ter a eficiência necessária para isso, o que justificava a ampla
desapropriação. O Zoneamento do PDDI era a base legal que fundamentava a operação,
definindo as áreas envoltórias às estações do Metrô como Zonas de Uso Especial – Z8. Para
evitar processos independentes da ação pública, essas áreas tinham usos e índices mais
restritivos, gerando a “denominação pela qual ficaram conhecidas como áreas ‘congeladas’ –
justamente prevendo-se ali uma atuação da Prefeitura” (HECK 2005, p. 130).

Essa estratégia teve resultados diversos nos vários casos que analisamos aqui. Em Santana,
três mandados de segurança impetrados pelos moradores e proprietários contra a EMURB
sustariam a continuidade do projeto, restringindo a implantação à estação do Metrô, ao terminal
de ônibus e a uma quadra modelo, a quadra 46.
Os mandados questionavam a legalidade da desapropriação para posterior revenda, tendo a
EMURB ganho a causa em todos eles em 1976. Entretanto, com a conclusão da obra da
estação em 1975, os imóveis se valorizaram, dificultando a desapropriação quando concluído o
processo judicial. Com isso o projeto se arrastou até 1979, levando à perda dos prazos para os
recursos do BNH.

A única quadra na qual o plano urbanístico da EMURB se concretizou, a quadra 46 (ruas


Daizan Magalhães, Ezequiel Freire e Avenida Cruzeiro do Sul) não apresenta qualidades que a
distinga dos projetos do mercado imobiliário da época. Apesar dos remembramentos de lotes
em quatro áreas maiores, apenas alguns dos itens dos objetivos gerais dos planos de
reurbanização foram alcançados: os afastamentos amplos entre os edifícios e a concentração
de acessos de veículos..

Paradoxalmente, o adensamento da região acabou ocorrendo fora do polígono “congelado”, a


norte da estação, atingindo um perfil de renda muito mais elevado do que aquele visado pelo
programa CURA.

Brás/Bresser

A escolha da linha Norte-Sul como a primeira a ser implantada gerou várias críticas, pois as
principais demandas de deslocamento da população de baixa renda era no sentido Leste-Oeste
(MUNIZ, 2005; PEDROSO, 1998). Assim, o caráter de meio de transporte de massa com
grande relevância social esteve associado ao projeto da linha Leste-Oeste desde antes do seu
desenho. A COGEP coordenou um amplo estudo para definição da Zona Metrô Leste, definindo
os perímetros de intervenção ao longo da linha entre o Brás e Itaquera. Participaram da sua
elaboração a EMURB, o Metrô, a Secretara Municipal de Vias Públicas (SVP) e Secretaria
Municipal de Transportes (SMT) (HECK, 2005, p. 170).

O projeto da linha Leste-Oeste efetivamente implantado alterou o estudo inicial da HMD, tendo
sido desenvolvido pela própria equipe do Metrô (que a partir de 1972 passou a realizar projetos
próprios e não apenas verificar projetos terceirizados6). Ao contrário da proposta original de
construção de uma linha subterrânea pela avenida Celso Garcia, o novo traçado emerge
elevado do espigão central por sobre o Parque D. Pedro II e segue cortando na diagonal a
malha urbana do Brás até encontrar a linha férrea na estação Bresser. Seu traçado atravessa
na diagonal diversos quarteirões, levando à desapropriação de uma área muito superior à da
projeção dos trilhos. Nessa opção já estava incorporada a intenção de um amplo processo de
reurbanização.

A idéia da multi-modalidade de sistemas de transportes foi levada adiante: Metrô e avenida


Radial Leste ultrapassaram o rio Aricanduva e reestruturaram enormes setores da região Leste.
As desapropriações também foram mais abrangentes se comparadas às da linha Norte-Sul.
Para que o Metrô cumprisse uma função estruturadora da nova configuração do tecido urbano
dessa região, o traçado desenhado cortava indistintamente núcleos urbanos em processo de
consolidação e áreas de baixa densidade7. A nova escala metropolitana se impunha sobre a
dinâmica local.

Apesar da escolha de sistemas pré-fabricados para as estações, os custos de desapropriação,


da construção da avenida, de canalizações de córregos e de outros equipamentos elevaram o
valor do investimento global do Metrô. Essa seria a razão pela qual o empreendimento da
EMURB na região do Brás foi elevado a prioridade para o projeto CURA pela administração
municipal em 1976. Os recursos federais do BNH e os lucros obtidos com a comercialização
dos imóveis deveriam amortizar os altos investimentos municipais no Metrô.

Em nossa pesquisa nos arquivos da EMURB foram localizados vários estudos de reurbanização
(sem identificação de autores ou data), que revelam a sua intenção em adotar os princípios dos
projetos anteriores em uma escala até então não tentada. A posição da linha elevada,
atravessando as áreas desapropriadas apresentava novas possibilidades urbanísticas e
arquitetônicas.

Os cortes e maquetes ilustram bem a concepção: edifícios multifuncionais, com comércio nos
pavimentos inferiores, estacionamento no sub-solo e torres laminares de habitação ou escritório
nos pisos mais elevados são distribuídos por uma superfície plana pública ajardinada
atravessada pelos trilhos elevados. Uma cidade na qual o adensamento e a facilidade de
deslocamento em transporte público deveria conviver com a amplidão dos espaços abertos
verdes.

Apesar do desenvolvimento e qualidade dos projetos da área Brás-Bresser, o seu contrato com
o BNH não prosperou, permanecendo as áreas remanescentes desocupadas até a segunda
metade de década de 1980. Na gestão Jânio Quadros (1985-88) a COHAB recebe a área da
EMURB e constrói ali diversas torres habitacionais, ocupando a maior parte dos terrenos como
área de uso comum desses condomínios. Abandonava-se assim as potencialidades inovadoras
pretendidas para essa área.
CURA Jabaquara/Conceição

Após o fracasso do projeto Brás-Bresser a prefeitura prioriza a área Jabaquara em 1977.

Em 1973 escritório Croce, Aflalo e Gasperini havia realizado o estudo de Viabilidade


Econômico/Financeira da Área Cura Piloto Jabaquara8. A área se estendia ao longo de todo o
espigão ao sul da Avenida dos Bandeirantes, entre o Aeroporto de Congonhas e a Rodovia dos
Imigrantes, atingindo duas estações projetadas (Conceição e Jabaquara)e avançando pela
extensão da avenida Armando de Arruda Pereira. Abrangia ainda o Sítio da Ressaca (que
abriga antiga casa bandeirista) e a Vila do Encontro (setor com maior carência de infra-estrutura
e perfil de baixa renda).

Para o programa CURA a grande área foi subdvidida em quatro perímetros de reurbanização.
Para a área envoltória da estação Conceição foi seguido o plano original desenvolvido pela
Promom Engenharia S.A. sob coordenação da EMURB. As áreas próximas à estação
Jabaquara compunham o perímetro Metrô-Inocoop. Os remanescentes da desapropriação ao
sul da estação constituíram a área de reurbanização do Sítio da Ressaca. A Vila do Encontro,
área mais carente de infra-estrutura constituiu o quarto setor do programa CURA Jabaquara.

Situada no extremo sul da linha de Metrô, a estação Jabaquara foi concebida interligada a dois
terminais, um de ônibus rodoviários inter-urbanos, para o litoral, e outro para ônibus urbanos e
metropolitanos, que conecta a rede à região do ABC. O projeto reorganiza completamente o
arruamento pré-existente e integra por galeria sob a avenida os dois terminais e o mezanino da
estação de Metrô.

O partido arquitetônico dos terminais explora a espacialidade das grandes coberturas


horizontais, acomodando-se dos dois lados da cumeeira pela qual passa a avenida, e abrindo,
na espera do embarque da rodoviária, um terraço para a paisagem9. Dentro das áreas do
complexo, um supermercado privado acentua a intenção de conferir características de centro
comercial e de serviços aos principais pontos nodais da rede. Nas proximidades do complexo
intermodal encontram-se os vários conjuntos habitacionais realizados pelo INOCOP e COHAB e
outros empreendimentos privados com características semelhantes.
O que poderia ser considerado um plano integrado para toda essa área, tornou-se objeto de
partilha entre várias secretarias da prefeitura (LUCCHESE, 2004). Ainda que a EMURB tivesse
exatamente a função de evitar a dispersão das intervenções municipais, agiram nessa poligonal
o Metrô associado ao Inocop e à COHAB, a COGEP e as Secretarias Municipais de Vias
Publicas e de Serviços e Obras, além de todas as Secretarias Municipais responsáveis pelos
equipamentos públicos propostos.

Com os problemas decorrentes das dificuldades de coordenação dos projetos, o CURA


Jabaquara expõe os limites sociais da política urbana do período. Apesar da área ter um
conjunto de bairros periféricos onde predominava o perfil de baixa renda e falta de infra-
estrutura, os conjuntos habitacionais propostos pela COHAB tinham perfil de renda média
(LUCCHESE, 2004). O estudo realizado pouco após a sua implantação por Carvalho (1982)
demonstrou que a área do projeto CURA Jabaquara sofreu rapidamente grande valorização,
tendo o perfil social dos moradores sido alterado poucos anos após a construção da linha do
Metrô e das infra-estruturas e equipamentos do programa.

O mesmo ocorreu com a área Conceição, no setor norte do perímetro total do projeto CURA.

Com cerca de 10 hectares, a proposta de reurbanização da área onde se localiza a estação


Conceição, foi elaborada pela empresa de consultoria PROMOM em 1974, sob coordenação do
arquiteto Paulo Sérgio de Souza e Silva. Tratava-se de uma área com padrão de classe média,
com estrutura mais consolidada do que os trechos mais a sul (BARTALINI, 1988). Foram
previstas a reestruturação do sistema viário, a implantação de uma praça junto à estação do
metrô, de um pequeno parque aproveitando a mata existente, um terminal de ônibus e a divisão
da área restante em 6 grandes terrenos para empreendimentos comerciais diretos da EMURB
ou de terceiros.

A realização do empreendimento levou mais tempo do que o esperado. Apenas em 1981 o


Grupo Itaú iniciou a aquisição de quatro áreas e planejou o seu remembramento para um
melhor aproveitamento urbanístico. O projeto realizado pela equipe da Itauplan, composta pelos
arquitetos João Eduardo de Gennaro, Jaime Cupertino e Francisco Javier Judas y Manubens,
alterava o plano urbanístico inicial. Conforme depoimento de Jaime Cupertino, as cinco torres
propostas evitavam o efeito “paredão” do plano inicial baseado em edifícios laminares (FICHER,
N. e PAIVA, C. 2003).
A fusão entre os espaços privados de acesso público e os espaços públicos da praça, rua e
estação de Metrô ocorre sem comprometer a integridade dos espaços coorporativos, de acesso
restrito, constituídos pelas torres unidas pelos ambientes abaixo do nível da avenida. A
interligação subterrânea entre as torres permitiu, por sua vez, a liberação do solo para a
continuidade da superfície. A complexidade do entrelaçamento dos vários níveis de sub-solo e
de superfície contrasta com a clareza e ritmo dos volumes principais das torres. Uma rara
experiência de novos padrões de urbanização bem sucedida nesse período em São Paulo.

Conclusão

A experiência do Jabaquara nos permite concluir que o adensamento através da verticalização


corresponde ao objetivo original da proposta dos Corredores de Atividades Múltiplas:
transformar uma área de baixo custo imobiliário em uma grande concentração populacional
servida por modernos sistemas de transportes de massa. Já a alteração do perfil de renda dos
habitantes, que ocorre com a substituição dos moradores originais por outros com renda mais
elevada, corresponde ao aumento do seu valor imobiliário gerado pela presença de uma rede
de transporte de massa eficiente e sofisticada se comparada com os outros modos de
transporte público existentes naquele momento. Uma valorização que poderia ser explicado
pelo impacto pioneiro da linha Norte-Sul, a primeira de uma ampla rede de linhas cujo ritmo
lento de implantação geraria efeitos desse tipo, os quais deveriam ser reduzidos com a
progressiva universalização do acesso ao sistema. Entretanto, deve ser considerado que a
estratégia de conquistar para o poder público o retorno financeiro dos seus investimentos no
Metrô descarta o desenvolvimento de uma política social associada à melhoria no sistema de
transporte. Uma das principais preocupações do programa CURA “a construção de moradias
sociais nas áreas de investimento publico não era compartilhada pelos gestores municipais” de
São Paulo (LUCCHESE, 2004)10.

Essa crítica não deve impedir de que se reconheça nesses projetos a introdução de novas
abordagens urbanísticas e arquitetônicas, proporcionais à escala metropolitana que se atingia
em São Paulo. O complexo intermodal junto à estação Jabaquara e a reurbanização da área da
estação Conceição apresentam diferentes características, mas ambos referem-se muito mais a
condição de parte de uma rede em macro-escala do que à situação urbana pré-existente.

Por outro lado, a descrição desses projetos por áreas, pode induzir a uma leitura fragmentada
dessa estratégia urbanística de caráter sistêmico. Em depoimento ao autor, Reis Filho11, retoma
um conceito fundamental para entendê-la. Ao pensar a cidade como um processo dinâmico,
Reis Filho recupera a classificação daquilo que é estruturante e daquilo que é estruturado. Pelo
seu custo e prazo de construção, o estruturante demora mais para ser completado, tornando-se
mais permanente, enquanto o estruturado se renova com rapidez. A estratégia urbanística foi
conceber o Metrô como o estruturador dessa ação em escala metropolitana, constituída por
uma seqüência de intervenções que formam um sistema aberto para a sua expansão e
renovação.

Portanto, tanto a macro escala da rede, como os recortes em escala menor das intervenções de
reurbanização, são objetos de um mesmo raciocínio arquitetônico sobre o urbano. Idéia
estranha para as gerações mais novas, que se acostumaram a contrapor as duas escalas para
valorizar a importância do local contra qualquer idéia de plano em macro escala.

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VILLAÇA, F. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute,


2001.
Ilustrações

4. Esquemas explicativos da reurbanização


Santana

5. Quadra modelo 46 (foto de época)


1.Plano Urbanístico Básico – PUB 1969.

6. Maquete plano inicial de reurbanização junto


à estação Conceição.

2. Corredores de Atividades Múltiplas PUB

7. Plano de Implantação do Itaú junto à estação


Conceição.
3. Plano de reurbanização Santana EMURB
8. Foto da construção do viário e estação
Conceição do Metrô

12. Corte esquemático do projeto de


Reurbanização entre as estações D. Pedro II e
Brás.

9. Projeto de Reurbanização entre as estações


D. Pedro II e Brás.

13. Centro Cultural Jabaquara e Biblioteca


Pública, implantados junto ao restauro do Sítio
da Ressaca. Ao fundo a verticalização da região,
posterior à implantação do Metrô.
10. Perspectiva do parque sob os trilhos
elevados do metrô.

14. Conjunto habitacional vizinho à estação de


11. Detalhe da maquete do projeto de Metrô Jabaquara.
Reurbanização entre as estações D. Pedro II e
Brás
1
.

2
Professor da Universidade da California, Berkeley e autor de "Cities of Latin America: Planning and Housing in the South," 1944.

3
Professor da Universidade de Illinois, autor do Chicago Lakefont Study e diretor do Chicago Community Renewal Program.

4
Diretor de Planejamento de Los Angeles e autor do Plano Conceitual “Los Angeles Centers”.

5
O projeto da Linha Norte-Sul foi realizado pelo consórcio HMD (HOCHTIEF, MONTREAL, DECONSULT, 1969) sob encomenda da
Companhia do Metropolitano de São Paulo.
6
Conforme depoimentos de Roberto Mac Fadden (9/03/2007) e Renato Viegas (8/12/2007) ao autor.
7
Conforme depoimento de Renato Viegas Op. Cit.
8
Para a análise deste projeto foram utilizados o memorial e desenhos do arquivo do escritório Croce, Aflalo e Gasperini, levantados
por Patrícia Simonetti. As dissertações de HECK (2004) e LUCCHESE (2004) também forneceram importantes aporte.
9
O Terminal de Ônibus do Jabaquara (1972) foi projetado por Jerônimo Bonilha, Israel Sancovisk e Paulo Bastos. O Terminal
Intermunicipal do Jabaquara (1974) foi projetado por Júlio Neves e Luigi Villavecchia.
10
A afirmação se restringe aos principais dirigentes políticos, não devendo se estender aos quadros técnicos. Um exemplo são os
projetos elaborados especialmente para as áreas mais carentes que procuravam utilizar técnicas mais econômicas de infra-
estrutura. Conforme entrevista do professor Nestor Goulart Reis Filho, realizada no LAP (FAU USP) em 2/07/2007, participaram
juntamente com o autor o arquiteto Alexandre Seixas, orientando de doutorado, e os orientandos de iniciação cientifica Renata
Gradin, Cibele Mion e Thalita de Oliveira
11
Entrevista Reis Filho, Op. Cit.

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