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Somekh, Nádia; Campos, Candido (orgs.). ​A cidade que não pode parar.

Planos urbanísticos de São


Paulo no século XX​. São Paulo: Editora Mackenzie; Mackpesquisa, 2008.

3. O Plano de Avenidas (1930)


[Candido Campos; Nádia Somekh]

[…] o Plano de Avenidas de Prestes Maia pode ter sua origem traçada às ambiciosas propostas
viárias que surgiram na Diretoria de Obras Municipais a partir de 1920, particularmente ao
Perímetro de Irradiação concebido por João Florence de Ulhôa Cintra (1887-1944) engenheiro
civil formado pela Escola Politécnica em 1911, técnico da divisão da diretoria responsável pela
“planta da cidade”. p. 36

Em 1927 o prefeito Pires do Rio nomeou Ulhôa Cintra para presidir a Comissão de
Melhoramentos do Rio Tietê. Com os recursos da comissão, que gozava de autonomia em relação
à Diretoria de Obras, foi encomendado a Prestes Maia o desenvolvimento desses esforços por
meio da elaboração do ansiado "plano geral" para a cidade – a exemplo de encomendas
contemporâneas como as do Plano Agache no Rio de Janeiro. Maia dedicou-se à tarefa nos anos
seguintes e o resultado foi publicado em maio de 1930. p. 37

[…] o Plano de Avenidas pode ser considerado um documento oficial, encomendado e


patrocinado por um órgão da Prefeitura de São Paulo. Luxuosamente editados, exemplares do
Plano de Avenidas foram distribuídos aos vereadores da Câmara paulistana, com o intuito,
presumivelmente, de influenciar o poder legislativo a favor de suas propostas. Encerrava-se aí,
contudo, a carreira oficial do documento. A revolução de outubro de 1930 dissolveu a Câmara e
depôs Pires do Rio. Ulhôa Cintra e a Comissão do Tietê, patrocinadores do trabalho, perderam
autonomia e recursos. p. 38

O componente decisivo do Plano de Avenidas era a proposta do Perímetro de Irradiação, idéia de


Ulhôa Cintra desenvolvida por Maia: um anel viário em torno do centro histórico, expandindo a
área central e organizando a circulação por um esquema radial-perimetral. p. 38

Apenas a escolha do próprio Prestes Maia como prefeito da capital pelo interventor Adhemar de
Barros, seis meses após o golpe do Estado Novo, abriu caminho à implementação do perímetro e,
consequentemente, à afirmação do modelo radial-perimetral que inspirava o Plano de Avenidas.
Tal circunstância, somada ao fato de que o plano abrangia muitas das intervenções viárias já
previstas pelo setor de obras municipal – como as avenidas Anhangabaú e Itororó, atuais 9 de
Julho e 23 de Maio, juntando-se no tronco do "sistema Y", atual Avenida Prestes Maia; o eixo
Consolação-Rebouças; a Radial Leste; e assim por diante – articulando-as em um esquema
integrado e coerente, fez com que a obra de Maia se tornasse uma referência básica na
transformação urbanística de São Paulo. p. 38

Sua abrangência temporal [do Plano de Avenidas] não está claramente definida: intervenções
imediatas convivem com horizontes longínquos e grandiosos. p. 38

Podemos identificar como pressupostos centrais do plano o princípio do crescimento (horizontal


e vertical, destacando a expansão do centro), o papel crucial da circulação (dando- se preferência
ao transporte rodoviário e automóvel) e a idéia de uma estrutura urbana, voltada ao crescimento
e apoiada no arcabouço viário (expressando-se pelo modelo radial- perimetral aplicado a São
Paulo). Tal modelo não era arbitrariamente imposto, mas derivado de uma análise da
conformação urbana herdada pela cidade. O desenho radial não seria apenas o "​systema ideal de
ruas​" mas também "​justamente o que possue São Paulo​". São princípios implícitos que se
articulam de forma recorrente no plano, organizando a miríade de propostas, experiências e
demais componentes elencados. Assim, o conjunto de intervenções então em pauta na cidade,
mais um vasto repertório internacional de exemplos urbanísticos, pode ser encaixado de forma
coerente nessa ótica viária e nessa estrutura urbana. p. 39

É indiscutível que o processo de crescimento vertical e horizontal de São Paulo passou a se


amparar na estrutura viária radial-perimetral prevista no Plano de Avenidas, cujo caráter
centrípeto e indefinidamente ampliável lhe transmitiu impulso adicional. Para Maia o
crescimento é um aspecto essencial da realidade paulistana, a ser organizado e articulado, e não
um problema a ser contido; a própria estrutura radial salienta a possibilidade de expansão
permanente. Os eixos viários radiais a serem abertos deveriam estimular a verticalização fora da
área central. pp. 39-40

Maia não chega, todavia, a ser um apóstolo incondicional da expansão paulistana. O crescimento
poderia representar um obstáculo a mais na medida em que a iniciativa imobiliária se
antecipasse à intervenção urbanística: "​A cada passo os valores immobiliarios se elevam e os
andares surgem e se amontoam (...) procrastinar um emprehendimento é quasi sempre
condemnal-o​." p. 40

Devemos localizar tamanha timidez no contexto liberal do Brasil dos anos 1920, onde o direito
de propriedade reinava inconteste. Temeroso, Maia prefere defender o caráter "​constructivo e
organizativo e não meramente prohibitivo​" do zoneamento. Em vez de assumi-lo como
instrumento independente e abrangente, propõe integrá-lo a seu esquema viário
radial-perimetral, estabelecendo áreas de verticalização terciária junto ao Perímetro de
Irradiação e trechos iniciais das radiais; verticalização residencial no prolongamento destas e
nas perimetrais; comércio local nas vias coletoras e bairros de residência nos vãos da malha
radial-perimetral, assumindo o caráter de unidades de vizinhança. Estas formam o item seguinte
na análise dos instrumentos de extensão urbana pelo Plano de Avenidas. As unidades de
vizinhança são descritas nos termos clássicos colocados por Clarence Perry no âmbito do
Regional Plan of New York​, e Prestes Maia vê com bastante simpatia essa solução, na medida em
que se pode ser encaixada no seu esquema estrutural.​ p. 43

Um dos últimos itens trata da descentralização, tema candente na época, uma vez que a
congestão das áreas centrais surgia como um dos maiores vilões da cidade moderna. Mas o
assunto acaba se tornando pretexto para Prestes Maia reafirmar a importância de seu anel viário
em torno do centro, o Perímetro de Irradiação, como expediente preferível dentre os recursos
descentralizadores citados.
Mais uma vez, a abordagem idiossincrática do autor lhe permite torcer os argumentos a
seu favor. ​No lugar de discutir a descentralização em termos efetivos, como forma de criar sub-
centros e aliviar as forças centrípetas das cidades monopolares, Maia encaminha raciocínio e
citações no sentido de legitimar a idéia do perímetro – a qual não significava uma verdadeira
descentralização, na medida em que reafirmava a centralidade básica do anel central dentro do
esquema radial-perimetral proposto para São Paulo. p. 43

Nomeado pelo interventor Armando de Salles Oliveira, durante o intervalo constitucional do


governo Vargas, o prefeito Fabio Prado (1934-1938) embora tenha adotado como consultor para
assuntos urbanísticos o grande rival de Maia, Anhaia Mello, adiantou algumas obras previstas no
plano, enfatizando a melhoria dos acessos viários no vetor Sudoeste, onde se situam os
bairros-jardim da City (novo Viaduto do Chá, avenidas Rebouças e Nove de Julho). Prado
também priorizou obras de caráter educacional (os parques infantis) e cultural (a Biblioteca
Municipal) criando para tanto o Departamento de Cultura, chefiado por Mario de Andrade.
Completou seu elenco de modernos equipamentos públicos urbanos, visando a integração social,
com o Estádio do Pacaembu. Todas essas obras seriam completadas na gestão seguinte, de
Prestes Maia. p. 44

Em sua primeira gestão como prefeito, nomeado pelo Estado Novo (1938-1945) Prestes Maia
priorizou as grande obras viárias constantes de seu plano e particularmente sua "pedra angular",
o Perímetro de Irradiação - composto pelas avenidas Senador Queiroz, Ipiranga, São Luís, os
viadutos Nove de Julho, Jacareí, Dona Paulina, a Praça Clóvis Bevilacqua (atualmente integrada à
Praça da Sé), o alargamento do início da Avenida Rangel Pestana e a Avenida Mercúrio. Um
impressionante rol de obras transformou a cidade em grande canteiro, atingindo também
algumas vias radiais previstas (túneis da Avenida Nove de Julho, avenidas Liberdade, Cásper
Líbero, Rio Branco, ruas Barão de Limeira, Major Diogo e assim por diante), o início do "sistema
Y" (Avenida Prestes Maia, pistas do Vale do Anhangabaú., Ponte das Bandeiras) e da segunda
perimetral (Avenida Duque de Caxias, Rua Amaral Gurgel) além de outras realizações. p. 44

Restava, para completar o arcabouço viário e de transportes proposto no Plano de Avenidas,


algumas radiais principais e secundárias (como a Radial Leste), a finalização do "sistema Y" (com
a Avenida Itororó, atual 23 de Maio) e do segundo circuito perimetral (que seria redesenhado na
década de 1950, a instâncias do próprio Prestes Maia, e daria origem à atual ligação elevada
Leste-Oeste; o trecho Norte-Leste nunca seria completado) e a criação do terceiro circuito
perimetral (marginais do Tietê e do Pinheiros, Avenida dos Bandeirantes, Avenida Tatuapé), a
transferências das linhas ferroviárias para a margem direita do Tietê (jamais realizada) e o
sistema de transportes apoiado em ônibus, que se afirmou definitivamente após 1945. A
estrutura radial-perimetral desenhada no plano e implantada em São Paulo continuaria a ser
consagrada por obras posteriores (como o fechamento do terceiro circuito perimetral ou
mini-anel viário, nos anos 1990), reafirmando-se teimosamente, conforme haviam previsto
Ulhôa Cintra e Prestes Maia em 1924. pp. 44-45

A afirmação das propostas constantes do Plano de Avenidas também fez com que fosse
definitivamente superado o modelo urbanístico anterior, emblematizado pelo Plano Bouvard e
pelas idéias de Victor Freire – que imaginavam uma cidade cujo centro terciário e vertical seria
limitado à colina histórica e ao Morro do Chá, e onde a expansão urbana se faria de forma
horizontal, de preferência na forma de bairros pitorescos ou subúrbios-jardim. ​Abria-se caminho
para um novo patamar no processo de verticalização, com maior adensamento e a ocupação
vertical de anéis sucessivos em torno do centro, prefigurando o atual mar de prédios do "centro
expandido"; e para a expansão ilimitada dos loteamentos populares acessados por ônibus – nos
quais estabeleceu-se, com a superação do modelo rentista de provisão habitacional a partir da
institucionalização da casa própria autoconstruída como forma predominante de habitação
(amparada na venda de terrenos a prestações, na Lei do Inquilinato, no comércio de materiais de
construção e nos loteamentos clandestinos) o padrão periférico de assentamento popular. p. 45

No entanto, sem a vontade férrea e os amplos poderes delegados a Maia pelo Estado Novo, a
concretização do plano sofreu, após 1945, adaptações circunstanciais que lhe fizeram perder
parte da integridade presente no esquema de 1930. A situação da cidade no pós-guerra,
conquanto mantivesse o mesmo ímpeto expansionista, sugeria mais pragmatismo e menos
ousadia, na medida em que os meandros da política populista substituíam o voluntarismo
autoritário. Essas circunstâncias repercutem no principal documento urbanístico que sucedeu ao
Plano de Avenidas, o relatório Moses de 1950. pp. 45-46

4. Do Plano da Light à Comissão de Estudos de Transporte Coletivo: o transporte urbano sai dos
trilhos
[Silvana Zioni]

O plano para um "pré-metrô" apresentado em 1926 pela Light & Power, concessionária desde
1900 do transporte público municipal por bondes, é tido como o primeira grande oportunidade
perdida para que São Paulo tivesse um eficiente sistema de transporte urbano. ​Mas como essa
proposta enfrentou os opositores ao monopólio da Light e apontava em sentido contrário
daquele defendido por Ulhôa Cintra e Prestes Maia, acabou sendo relegada em favor da
orientação rodoviarista do Plano de Avenidas. p. 47

[…] participação da Light no cenário energético nacional e o peso que os transportes


representaram nas atividades da empresa: em 1910 a Light produzia 30% de toda energia
disponível no Brasil, e em 1950, 52% do total nacional. A renda proveniente dos transportes, que
em 1910 era duas vezes maior do que obtida do fornecimento de energia e iluminação, em 1924
se iguala à obtida com a produção da energia elétrica, decrescendo até o fim da concessão,
quando as linhas de bondes foram transferidas para prefeitura, com a criação da CMTC –
Companhia Municipal de Transporte Coletivos, em 1947.​ p. 49

As condições econômicas, que davam vantagem ao consumo de petróleo e o incentivo a industria


automobilística, ajudaram a transformar o cenário dos transportes urbanos em São Paulo, com a
crescente substituição dos sistemas sobre trilhos pelos mais versáteis ônibus sobre pneus. p. 50
[Cf. Jackson: comentário sobre o fato de que todo mundo, nos anos 50, acreditava que o futuro
eram os automóveis]

Vítima de uma morte anunciada trinta anos antes, o desaparecimento do sistema de bondes, a
partir de 1957, foi festejado como sinal de progresso e eficiência, afinal supunha-se que cederia
lugar ao sistema metroviário. Apesar das promessas sua rede, que atingia mais de 300 km, até
hoje não foi substituída pelo metrô, que se estende por menos de 50 km. p. 52

O prefeito Prestes Maia, eleito em 1961, aceitou denúncias dos sindicatos de trabalhadores e
instalou uma Comissão de Sindicância relativa ao período de administração entre 1956 e 1960.
Mas a política de transporte coletivo estava definitivamente relegada a segundo plano, pois
Prestes Maia reconheceu a impossibilidade de retomar o monopólio da CMTC, por não dispor de
verbas sequer para "obras essenciais" (ou seja, viárias, destinadas a acomodar o tráfego
automóvel). Na verdade, não só a expansão acelerada (e desregulada) da cidade servia como
justificativa para tal desregulamentação dos ônibus, que garantiria a oferta de transporte
público em ritmo e escala compatíveis, mas o transporte urbano se tornava um negócio nas mãos
de mais uma clique de empreeendores privados, cuja rentabilidade era exacerbada pelo próprio
incremento do padrão periférico de ocupação - assim como os loteamentos clandestinos, a
especulação com terrenos vagos e o comércio de materiais de construção. p. 54

Podemos dizer que a crise da CMTC se inseria no crescente paradoxo entre as dimensões
atingidas pela expansão urbana e a capacidade de investimento do poder público. Sem
instrumentos para controlar o crescimento, e desprovida tanto de um poder de arrecadação
adequado como de verbas estaduais ou federais que pudessem suplementar esse deficit, a
Prefeitura se viu, ao longo do período entre 1945 e 1964, restrita a medidas parciais ou
paliativas, e vulnerável às investidas de interesses localizados. ​Trata-se também de um período
marcado pela mudança nos paradigmas de planejamento: a passagem dos esquemas totalizantes
e ambiciosos do Plano de Avenidas ao realismo pragmático do Relatório Moses de 1950, e a
emergência da visão social e do planejamento integrado a partir da pesquisa SAGMACS entre
1956 e 1958.​ p. 54

5. Relatório Moses (1950)


[Candido Malta Campos; Nadia Somekh]

Com a queda do Estado Novo em 1945, a interventoria de São Paulo foi assumida por José Carlos
de Macedo Soares, que substituiu Prestes Maia por Abrahão Ribeiro. Segundo o novo esquema
constitucional, o prefeito da capital continuava sendo nomeado pelo mandatário estadual. Nas
eleições de 1946 para o Governo do Estado, venceu Adhemar de Barros, mas este não
reconduziu Maia à Prefeitura. A política ademarista consistia em revezar prefeitos na capital:
foram cinco em três anos. p. 55

Com o objetivo de colher subsídios para coordenar a intervenção urbanística municipal, o


prefeito Lineu Prestes, nomeado por Adhemar em fevereiro de 1950, encomendou um estudo à
IBEC – International Basic Economy Corporation, entidade presidida por Nelson Rockfeller e
sediada em Nova York, que prestava consultoria técnica a países em desenvolvimento, já
havendo elaborado trabalho semelhante para Caracas. p. 56

A direção do estudo foi confiada a Robert Moses, ​engenheiro e advogado nova-iorquino que
estava à frente das principais iniciativas e equipamentos urbanos realizados em Nova York nas
décadas de 30 a 60, como o sistema de parkways e vias expressas de Long Island, pontes e túneis
de acesso a Manhattan, parques, playgrounds e sistemas de recreação, além de participar de
comissões de planejamento e dirigir poderosos organismos semi-públicos responsáveis pela
provisão e gestão de infra-estrutura urbana. p. 56
Desde o final da década de 40, São Paulo já havia superado os 2 milhões de habitantes e
continuava a apresentar altos índices de desenvolvimento, principalmente industrial. Essa
explosão urbana havia provocara o surgimento de duas correntes urbanísticas. ​De um lado, a
corrente progressista, liderada pelo engenheiro Francisco Prestes Maia, autor do Plano de
Avenidas, e que havia sido prefeito da Capital durante todo o período do Estado Novo (1938-
1945), quando iniciou a implantação de seu ambicioso plano. Prestes Maia defendia o livre
crescimento e expansão da metrópole. De outro lado, a corrente que defendia um modelo
urbanístico de controle e limitação do crescimento urbano, se opondo principalmente à
instalação de novas indústrias, geradoras de novos empregos que provocaria um crescimento
incontrolável da cidade. Esta linha era liderada pelo engenheiro-arquiteto Luís Inácio de Anhaia
Mello, um pioneiro do ensino do urbanismo onde atuava desde 1918, como professor da Escola
Politécnica, e que também já havia sido prefeito da cidade, em dois curtos períodos em 1931. pp.
56-57

A contratação do IBEC poderia abordar estas diferentes posições e conciliar o crescimento da


cidade com a adequação de sua incipiente infra-estrutura, principalmente na área dos
transportes.​ p. 57
[?????]

Finalizado e editado em versão bilíngüe em novembro de 1950, sob o título de Programa de


melhoramentos públicos para a cidade de São Paulo, o relatório Moses é composto por uma
apresentação, listando os objetivos constantes do contrato; uma síntese das conclusões, assinada
pelo próprio Robert Moses; e um corpo de texto assinado pelos consultores, desenvolvendo os
mesmos temas e propostas resumidos na parte introdutória. ​Ao contrário do Plano de Avenidas,
já se esboça uma organização setorial: zoneamento, sistema viário, saneamento, áreas verdes são
tratados em itens específicos. Não há, contudo, um diagnóstico quantitativo detalhado no
relatório, que se baseia nas informações e levantamentos sumários então disponíveis na
Prefeitura.​ p. 57

O conteúdo do relatório é eminentemente pragmático, mas bastante genérico. Não há planta de


zoneamento ou de equipamentos, nem desenhos detalhados das propostas (apenas vistas de
seções típicas para vias locais, principais e expressas). Trata-se de um conjunto de
recomendações que, embora não mereça o título de plano urbanístico, poderia, por sua
objetividade e exequibilidade, contribuir para orientar a intervenção municipal. No entanto, o
trabalho do IBEC ressente-se da falta de uma proposta clara em termos de estrutura urbana. p.
58

No desenho das proposições viárias, o modelo radial-perimetral de Prestes Maia perde sua
integridade. O segundo circuito perimetral previsto no Plano de Avenidas desaparece, enquanto
as marginais Tietê e Pinheiros deixam de ser articuladas por uma ligação Sul-Leste, que formaria
a terceira circundante no plano de 1930. Além disso, desiste-se da transferências das estradas de
ferro, considerada inviável. Embora o princípio central do relatório seja a necessidade de vias
expressas, estas são pensadas algo casuisticamente, tendo em vista a articulação das novas
rodovias em construção na época (Anchieta, ligando a capital a Santos; Anhanguera, no rumo do
interior do Estado; e São Paulo - Rio, atual Via Dutra) e a facilidade de execução (aproveitamento
de fundos de vale, das várzeas dos rios, da faixa da Central do Brasil). p. 58
Quase todos os trajetos já constavam do Plano de Avenidas e, por conseguinte, das intervenções
em pauta na Prefeitura: marginais Tietê e Pinheiros (apenas em uma margem), Radial Leste,
prolongamento da Avenida Nove de Julho. Salientava-se a adoção generalizada do conceito de
via expressa sem cruzamentos em nível, a articulação com as novas rodovias e o aeroporto.
Dessa maneira, o desenho adotado no relatório assume um caráter mais aberto, preocupado com
as ligações regionais, nacionais e internacionais da capital, no lugar do modelo coerente e de
certa forma mais auto-suficiente do Plano de Avenidas.​ pp. 58-59

Na visão do relatório Moses, São Paulo era uma cidade repleta de dificuldades e insuficiências,
marcada por graves carências urbanas. A ótica do planejador torna-se realista, evitando encobrir
o panorama problemático com propostas grandiloquentes. Mesmo assim, o crescimento urbano
não era visto como um problema em si. Para dar conta dos crescentes déficits em termos de
infra-estrutura viária, saneamento, áreas verdes e transportes, bastaria contar com
investimentos adequados: o movimento expansionista, uma vez organizado e canalizado na
direção correta, era algo positivo, exigindo apenas recursos técnicos e financeiros compatíveis. p.
59

No que se refere ao financiamento das obras, o trabalho da IBEC demonstra realismo coerente
com sua visão pragmática. Reconhecendo os limites orçamentários da Prefeitura, propõe
partilhar o custo da rede de vias expressas com os governos estadual e federal. A renovação da
frota de ônibus seria financiada pelo aumento das tarifas; as obras de saneamento, pelas taxas de
água e esgoto; a criação de parques e playgrounds, pelas verbas destinadas à educação. p. 60

Ao contrário da tradição européia, particularmente alemã (desenvolvida por administrações


municipais de esquerda) que associava o zoneamento a planos efetivos, a políticas fundiárias, à
municipalização do solo urbano e a iniciativas habitacionais, priorizando os efeitos sociais e
redistributivos da regulação urbanística, o modelo para Anhaia Mello e outros proponentes do
zoneamento paulistano foi o norte-americano. Desenvolvido por comissões em que tinham peso
decisivo os interesses empresariais e os setores dominantes locais, nos Estados Unidos o ​zoning​,
além de ser instrumento de controle das densidades e usos, racionalizando o espaço para apoiar
as atividades econômicas, era usado para consagrar a segregação espacial entre segmentos
sociais e proteger os valores imobiliários. p. 62

Órgão "​eminentemente técnico e legalista​", o Departamento de Urbanismo não conseguiu se


impor no quadro político dos anos 50, marcado pelo populismo e pela alta rotatividade entre os
mandatários da capital paulista (16 prefeitos entre 1945 e 1961). Seus esforços permaneciam
isolados e tanto o Plano Diretor como o zoneamento abrangente não saíram do papel. p. 63

Mais polêmica foi a lei aprovada em 1957 a partir da proposta de Anhaia Mello desenvolvida em
conjunto com a Comissão Orientadora do Plano da Cidade em 1954 – à revelia do Departamento
de Urbanismo e do próprio prefeito Adhemar de Barros. Buscando frear o crescimento vertical
exacerbado, estabelecia coeficientes máximos de aproveitamento padronizados para todo o
município (ou seja, sem adotar zonas diferenciadas) equivalentes a quatro vezes a área do lote
para edifícios residenciais e seis vezes para usos comerciais e de serviços. Para incentivar a
solução do problema do estacionamento em uma cidade crescentemente motorizada, garagens
eram eliminadas do cálculo de área construída para efeitos do controle de coeficientes. p. 64

Nesse ínterim São Paulo continuava sem um plano diretor em moldes modernos, a despeito dos
esboços desenvolvidos no Departamento de Urbanismo e dos apelos de um grupo cada vez mais
destacado de arquitetos modernistas. Vários esforços foram feitos para suprir tal lacuna, com o
Plano Regional de Anhaia Mello (1954); a montagem, por Mello, de um ​centro de estudos em
planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(1958)​; e a compilação dos resultados obtidos no Departamento de Urbanismo como parte do
relatório final da gestão do prefeito Adhemar de Barros (1957- 1961). Nenhum desses esforços,
todavia, foi assumido como política pública ou transformado em Plano Diretor oficial. Essa
situação era vista como um grande obstáculo no que se referia à adoção de um patamar mais
desenvolvido em termos de regulação urbanística no município: supunha-se que o zoneamento
só poderia ser implantado uma vez definido o plano diretor, mas essa definição (como agora)
dependia de um consenso que nunca chegava a ser alcançado. p. 65

6. SAGMACS: Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana (1956-1958)


[Denise Antonucci]

Em linha radicalmente oposta à do urbanismo emblematizado pelo Plano de Avenidas e pelo


relatório Moses, a partir dos anos 1950 uma das mais importantes referências para o
planejamento entre acadêmicos e profissionais paulistanos passou a ser o trabalho do padre
dominicano francês Louis-Joseph Lebret (1897-1966), teólogo e um dos fundadores na França
do movimento Economia e Humanismo, com seu Centro de Estudos de Economia e Humanismo e
a revista com o mesmo título. p. 66

Este movimento foi proposto no segundo pós-guerra como alternativa ao dilema ideológico da
Guerra Fria entre comunismo e capitalismo, como uma "terceira via" humanista e cristã centrada
no atendimento às necessidades do homem, conciliando desenvolvimento econômico e
bem-estar social. Crucial desse ponto de vista era o planejamento urbano, para o qual foi
desenvolvida uma metodologia baseada na análise da estruturação territorial e no diagnóstico
das carências urbanas. Em 1947 Lebret veio a São Paulo expor essas idéias na Escola de
Sociologia e Política, fundando na cidade um núcleo do movimento; com seus discípulos
brasileiros fundou a SAGMACS - Sociedade para a Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos
Complexos Sociais, visando aplicar seu método na prática; no governo estadual de Lucas
Nogueira Garcez (1951-1953) promoveu um estudo sobre possibilidades e necessidades do
Estado de São Paulo; em 1954 foi chamado ao Recife e elaborou dois estudos sobre
desenvolvimento e zoneamento. p. 66

Com a saída de Jânio Quadros da Prefeitura para disputar o Governo do Estado nas eleições de
1955, foi convocada uma nova eleição municipal para um mandato complementar de dois anos,
vencida pelo ademarista Juvenal Lino de Matos. Ameaçado por denúncias e processos, este
assumiu uma cadeira no Senado em abril de 1956. Seu vice era Wladimir de Toledo Piza, do
Partido Democrata Cristão, que ao tomar posse reuniu-se com o Padre Lebret para fixar os
objetivos de um estudo para São Paulo, dando início a pesquisa sobre necessidades e
possibilidades da aglomeração paulistana. p. 66

Contratou-se a SAGMACS, que desenvolveu, em vez de um plano propriamente dito, uma


pesquisa visando entender São Paulo, cuja elaboração constituiu um marco na formação dos
urbanistas paulistanos. Tratava-se de um estudo voltado ao planejamento e desenvolvimento
priorizando programas de melhoria das condições de vida urbana para toda a população, por
meio do conhecimento da cidade real, suas carências e potencialidades. p. 67

O estudo foi concluído em 1958, já na gestão populista de Adhemar de Barros. Isso implicou o
engavetamento da maior parte dos resultados, que nunca foram publicados na íntegra. Não
chegou a constituir-se em base para um Plano Diretor, mas teria grande ressonância nas
concepções subsequentes de planejamento urbano. p. 67

Preocupava-se com a miséria e as desigualdades sociais alarmantes no Terceiro Mundo. Sua


doutrina ditava uma disciplina de pensamento e ação, visando a obtenção de condições de vida
mais humanas para a população, a um ritmo mais rápido e a menor custo, tendo em conta o
desenvolvimento solidário. Sua metodologia visava orientar os investimentos públicos,
racionalizar sua aplicação e melhorar as condições de vida da população por meio da observação
e verificação de necessidades e recursos potenciais. Ligado à Igreja, o movimento mostrava
preocupação quanto à procura de uma via alternativa ao capitalismo, ao comunismo e ao
nacionalismo. p. 68

Uma visão ampla das dimensões do fenômeno urbano permitiria o desenvolvimento harmônico
e equilibrado. Prenunciavam-se os princípios do planejamento integrado: o espaço deveria ser
visto em sua totalidade a partir de várias disciplinas; o planejamento deveria envolver
intervenções políticas, sociais, econômicas, administrativas, urbanísticas, sempre priorizando o
desenvolvimento social. A ordenação do território deveria ser conduzida a partir de uma visão
científica e prática, devendo ser precedida de investigações sobre vocações e potencialidades do
núcleo urbano e da região, sendo papel do Estado dar condições básicas para que o indivíduo
conquistasse melhor nível de vida. p. 68

Assim, constatava-se a necessidade de diagnósticos que apontassem anomalias no processo de


urbanização e desordem urbana, a serem corrigidas por meio de regulamentações e legislações,
tais como tributação, zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo. Não havia
preocupação em reproduzir as correntes teóricas do urbanismo já existentes: o paradigma do
movimento era o princípio da ação sobre a realidade. p. 68

Propunha também a participação da população na ordenação do território. Esta deveria estar


informada sobre os fins da ordenação, soluções e conseqüências. Por sua vez, a população
expressaria suas aspirações e sugestões, individualmente ou por meio de órgãos
representativos. p. 69

A primeira parte do estudo, denominada "Perspectivas Históricas, Demográficas e Econômicas"


apresenta projeções demográficas visando estabelecer limites de crescimento. De forma
pioneira, a questão do crescimento é problematizada enquanto relação entre projeções realistas
e necessidades em termos de equipamentos e infra-estrutura. Seu plano de ordenação aponta
como população ideal 7.500.000 habitantes para 1975 e aproximadamente 10.000.000
habitantes para o ano 2000. ​A aglomeração de São Paulo é considerada como auto-propulsora,
estável e propícia a uma grande expansão, portanto seria necessário preparar a cidade para o
crescimento. Essa projeção revelou-se acertada; no entanto faltou produzir as condições
adequadas para tal crescimento populacional. p. 70

São Paulo é vista como principal pólo industrial do país; porém, o estudo indica o início de uma
descentralização industrial para municípios próximos, além do aumento de importância de sua
função financeira e de seu caráter metropolitano. Tratava-se de uma aglomeração urbana
embrionária, dispersa, desequipada na periferia e congestionada no centro. p. 70

Nesse sentido a centralização excessiva é vista como problema pelo estudo da SAGMACS, a ser
enfrentado - a partir de uma análise da hierarquização e da inter-relação entre as diferentes
escalas de unidades intra-urbanas - pelo fortalecimento dos sub-centros regionais e de bairros.
Essa associação entre a forma pela qual se dá a estruturação do território e os problemas a
serem enfrentados em termos de equipamentos, infra-estrutura e desenvolvimento social
transparece nos princípios e na metodologia de Lebret. p. 70

Em sua quinta e última parte, "Conclusões e Sugestões", o estudo prioriza intervenções


descentralizadoras, reforçando o papel dos centros regionais e sub-centros identificados na
pesquisa. Aponta a necessidade do fortalecimento desses centros secundários, com infra-
estrutura própria e absorção da mão-de-obra local, transformando bairros-dormitório em
unidades mais completas e semi-autônomas. Propõe a transferência do centro administrativo
governamental para a região de transição, fora da área central, e a criação de um centro regional
na zona leste (Sapopemba/São Mateus). pp. 72-73

Salienta ainda a necessidade de um esforço de planejamento regional, abarcando desde a


aglomeração central (São Paulo, ABC e Guarulhos) e a atual Grande São Paulo, até um raio de
influência mais amplo. Seriam necessárias melhorias na rede de comunicações e, principalmente,
o aperfeiçoamento da administração democrática. p. 73

Retomando a proposta defendida por Anhaia Mello desde os anos 1920, o estudo prevê uma
Comissão do Plano Diretor para garantir a representatividade do plano a ser elaborado. p. 74

Esse conjunto de proposições visava a redução do custo social da urbanização e a humanização


do futuro da cidade de São Paulo. Sua fundamentação estava na ordenação racional do espaço e
no desenvolvimento, visando superar uma prática urbanística limitada a questões de engenharia
municipal e obras viárias, como a que prevalecia em São Paulo até aquele momento. Nesse
sentido os autores do estudo distanciavam-se propositalmente dos urbanistas reconhecidos até
então na cidade, como Prestes Maia. p. 74

Os resultados do estudo foram usados por Carlos Lodi e seus colegas do Departamento de
Urbanismo para subsidiar uma proposta para o Plano Diretor, que seria parcialmente
incorporada ao documento final da gestão Adhemar de Barros, mas jamais levada à Câmara. p.
75

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