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Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional


(Arena), 1965-19791.

Lucia Grinberg
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (PPGH-UNIRIO)

Nos anos 1990, a historiografia sobre a ditadura se dedicava especialmente aos


estudos sobre militares e esquerdas, com destaque para as dissidências comunistas que
formaram organizações de luta armada, a participação política realizada através de
canais institucionais como os partidos políticos permanecia pouco estudada. Não só as
atividades dos políticos, mas também de uma faixa mais larga da sociedade que
compreende tanto muitos que compartilharam da visão do golpe como uma defesa da
legalidade (e apoiaram, posteriormente, a Arena), como aqueles que fizeram oposição
ao movimento de 1964 desde o início (e, depois, se tornaram eleitores do Movimento
Democrático Brasileiro, o MDB).
A literatura sobre partidos e eleições na ditadura era obra principalmente de
cientistas políticos, a maior parte produzida no contexto de ascensão do MDB, a partir
de 1974, e nos anos 1980, no processo de redemocratização. De modo geral, os estudos
sobre sistemas partidários no Brasil republicano enfatiza uma série de mazelas: a não-
institucionalização dos partidos, a ausência de identificação partidária, a fragmentação
eleitoral, a instabilidade partidária, com destaque para a descontinuidade das siglas.
A Arena era um caso-limite, as análises identificavam sempre a sua
“artificialidade”, era um “pseudo-partido”, um “partido oficial”, um partido criado por
decreto, um “saco de gatos”. Nos anos 1970, na avaliação de Philippe Schmitter, o
sistema partidário anterior a 1964 foi destruído e substituído por “entidades artificiais
sem raízes na identificação popular” (Schmitter, 1973). Por seu turno, Bolívar
Lamounier e Raquel Meneguello, já nos anos 1980, afirmam que a “Arena era tão
recente, artificial e sobretudo, impotente quanto o MDB” (Lamounier e Meneguello,
1986, 67). A ideia forte é a artificialidade, seja pela limitada influência no governo ou
pela diversidade de origens partidárias de seus membros. Quer dizer, as proposições
formuladas sobre a Arena eram sempre marcadas pela ausência. A questão sobre o que
era a Arena e como atuou, permanecia sem ser respondida.

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Este texto é uma adaptação da apresentação de Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a
Aliança Renovadora Nacional (Arena), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ, 2009. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2015. (e-book)
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Por outro lado, as representações sobre a Arena que circulavam nos jornais e na
própria universidade, nos anos 1990, se destacavam pela desqualificação através do
deboche, sendo o partido considerado principalmente pelo adesismo e pela
subordinação aos militares. Era o “partido do sim, senhor”, “o maior partido do
Ocidente”, a “UDN que caiu na zona”. As imagens recorrentes eram ecos das batalhas
travadas ainda na ditadura entre a Arena e o MDB, produzidas principalmente pela
oposição.
No processo de pesquisa, entendi que essas imagens remetiam a questões de
fundo relativas à história da Arena. Quando tais representações sobre esse partido foram
retomadas pela imprensa nos anos 1990, restava apenas a anedota e perdera-se
completamente a compreensão do seu processo histórico de produção. Longe de reiterar
essa imagem do ridículo, entendo que somente compreendendo a construção social
dessas imagens há possibilidade de se conhecer esse partido e de reconhecê-lo como
parte integrante do sistema político e da sociedade brasileira.
Como vimos, há duas ideias-chaves associadas ao partido, 1. A Arena como “um
saco de gatos”, um partido formado por políticos de vários partidos extintos; 2. A Arena
como “o partido do sim, senhor”, um partido subordinado aos militares.
Na tese, procurei enfrentar as duas questões. No desenvolvimento da pesquisa,
trabalhei principalmente a partir das propostas de Michel Offerlé para pensar como
estudar partidos políticos (Offerlé, 1987; 2005). Offerlé verificou justamente a
existência de um vocabulário recorrente nas análises universitárias e jornalísticas: a
utilização de metáforas, o normativismo, a reificação dos coletivos e a reutilização da
produção dos cientistas políticos. Diante desse horizonte o autor propõe um trabalho
sociológico cujo objetivo é desconstruir essas questões.
Ao buscar a crítica desse vocabulário e alterar o foco de análise, ao compreender
os partidos como grupos constituídos por indivíduos socializados em organizações
políticas anteriores, abre-se uma nova perspectiva de estudo. Se a sigla Arena era
recente e podia não ter identificação popular, as lideranças que formavam o partido
eram a nata dos políticos conservadores da época. Portanto, se a Arena foi inventada
pela ditadura, seus membros não o foram, tendo, em sua maioria, longa prática na
política partidária, tanto antes quanto durante os anos de 1945 a 1964. Muitos deles
exerceram mandatos sucessivos para diversos cargos eletivos (governadores, senadores,
deputados federais e estaduais) razão pela qual não se pode deixar de reconhecer sua
visibilidade e representatividade junto à população.
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Naquela época, algumas leituras foram decisivas. Na historiografia sobre a


ditadura, as questões propostas por Daniel Aarão Reis Filho (Reis Filho, 2000),
principalmente: a crítica à “arquitetura simplificada” das explicações sobre a ditadura,
ou seja, a reprodução pela historiografia de um viés elaborado no processo de
redemocratização em que se destaca a oposição da sociedade à ditadura, sem maiores
problematizações. Na literatura sobre partidos políticos, a tese de Antônio Lavareda,
Democracia nas urnas (Lavareda, 1991), questionando a interpretação de que o regime
democrático ruiu devido à crise do sistema partidário vigente de 1945 a 1964, colocava
novos problemas para o estudo da extinção dos partidos. Para Lavareda, o sistema
político-partidário encontrava-se em um processo de consolidação, com uma alta taxa
de identificação partidária entre os eleitores, como observou nas pesquisas do IBOPE.

A intervenção da ditadura no sistema partidário


Em 1964, após a deposição do presidente João Goulart, muitos políticos e
sindicalistas foram cassados (cerca de 40 políticos tiveram mandatos cassados nos
primeiros dias e 100 pessoas tiveram seus direitos políticos suspensos). No entanto, os
partidos continuaram em atividade. Apenas em outubro de 1965, após as eleições para
governadores e a vitória de candidatos do PSD na Guanabara e em Minas Gerais, o
governo Castelo Branco determinou a extinção de todos os partidos políticos através do
ato institucional n.2 (AI-2). Nas memórias e na historiografia sobre o período, o ato
institucional n. 5 (AI-5) tornou-se um marco tão importante na periodização da ditadura
que algumas medidas gravíssimas, como a extinção dos partidos, ficaram em segundo
plano.
Na tese, procurei analisar a repercussão da extinção dos partidos naquela
conjuntura e os esforços de reorganização dos políticos em partidos. A interpretação do
AI-2 como a interrupção de um processo de consolidação do sistema partidário do pós-
1945 abre uma nova direção para a compreensão das dificuldades dos partidos criados
na ditadura, bem como para avaliar as tensões entre a Arena e o governo. Maria Helena
Moreira Alves ressalta que o fim dos partidos, em 1965, desarticulou a oposição (Alves,
1984), mas não apenas a oposição, pois o AI-2 também desarticulou a organização dos
próprios políticos como interlocutores do movimento de 1964. Ao extinguir os partidos,
o AI-2 criou novos conflitos, pois fortaleceu o poder Executivo, e gerou um
desequilíbrio entre os grupos que apoiavam o movimento.
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A extinção dos partidos, as sucessivas cassações, em diferentes conjunturas, o


fim das eleições diretas para a presidência e para os governos estaduais eram
intervenções graves. Considerei então o período como um tempo de crise, cuja principal
característica foi a perda do monopólio da representação pelos políticos profissionais e a
atuação ostensiva dos militares no campo político (Bourdieu, 1989). Trata-se de uma
configuração histórica na qual esse campo sofreu grandes limitações por parte de
agentes normalmente exteriores a ele. A proposta do trabalho era investigar como parte
dos políticos profissionais, em um dado momento da disputa interna, concordou em
incentivar a intervenção no campo político colocando em risco o seu monopólio em
bases nunca antes experimentadas. Ou seja, colocando em risco a legitimidade da
carreira política em sentido muito amplo e profundo.

A documentação
O corpus documental central da pesquisa foi formado pela documentação
depositada no Arquivo do Diretório Nacional da Arena, um arquivo institucional doado
ao CPDOC/FGV pelo último presidente do partido, José Sarney, em 1980. Logo após a
aprovação da reforma partidária, em 1979.
O segundo conjunto documental foi constituído por debates parlamentares,
publicados nos anais da Câmara e do Senado. A desvalorização do Legislativo nos
tempos da ditadura é tanta que se conhece muito pouco o que foi dito ali naqueles anos.
A análise das sessões parlamentares mostra os políticos em atividade, podendo-se
observar os temas discutidos e votados, as homenagens e denúncias, as efemérides
sempre presentes, as tomadas de posição dos governistas frente ao Executivo, a ausência
em votações-chave, e a interação com os representantes do MDB. Há tanto discursos
redigidos previamente quanto apartes de outros parlamentares, configurando debates
através dos quais podemos observar as relações entre as lideranças.
O terceiro conjunto documental foi constituído por reportagens, editoriais e
charges publicados na imprensa. A pesquisa nos jornais possibilitou principalmente a
análise da repercussão das intervenções nas instituições políticas, assim como um
estudo das representações elaboradas sobre a Arena e o MDB nas charges de diferentes
artistas que quase diariamente eram publicadas em espaço nobre, ao lado dos editoriais.
Finalmente, consultei memórias, biografias, e depoimentos orais, recolhidos por
outros pesquisadores, publicados ou acessíveis em centros de documentação. Tais
narrativas foram incorporadas aos demais conjuntos documentais de maneira
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complementar, levando-se em consideração as especificidades de depoimentos a


posteriori.
A análise de diferentes conjuntos documentais mostrou que em diferentes
conjunturas, os mais variados atores políticos atribuíram determinados significados à
Arena, que pode ser conhecida, portanto, a partir de diversas faces: a memória social
construída nos anos 1980-1990 sobre o partido, a literatura acadêmica produzida sobre o
assunto, o projeto do Executivo na ocasião da sua fundação, os projetos defendidos por
parlamentares e simpatizantes durante a sua existência, assim como a sua caracterização
pela imprensa da época, seja em artigos ou em imagens.

O Arquivo do Diretório Nacional da Arena


Entre os conjuntos documentais analisados, com certeza, o menos conhecido e
mais importante para a pesquisa foi o acervo do Diretório Nacional da Arena. Ao iniciar
a leitura da documentação existente, ao verificar o material doado ao CPDOC, tive
algumas surpresas.
Por um lado, me surpreendi com o grande contraste entre os tempos de atividade
na Arena e o silêncio de seus herdeiros sobre tal organização nas últimas décadas desde
a sua extinção. O arquivo guarda registros das iniciativas e dos investimentos
empreendidos pelos membros da Arena para a construção do partido, colocando em
destaque sua dimensão de projeto político. Desse modo, encontra-se a Arena como mais
um partido que busca a colaboração de intelectuais, que se empenha em forjar um
símbolo, que organiza cursos para suas novas lideranças e que procura criar
departamentos aproximando-se de públicos alvo (como o departamento feminino e o
trabalhista, bem como a Arena jovem).
A documentação não revela nenhuma grande novidade. Não há nenhum furo, no
sentido jornalístico. Mas a leitura dos documentos possibilita o estudo do tema a partir
de uma perspectiva original. Os papéis arquivados no Diretório Nacional foram
produzidos na ocasião da fundação da Arena e ao longo de suas atividades, expressam,
portanto, uma sensibilidade distinta da memória construída a posteriori. O historiador
Henry Rousso refere-se a um processo de recontextualização, “que implica que sejam
examinadas séries mais ou menos completas para se compreender a lógica, no tempo e
no espaço, do ator ou da instituição que produziu este ou aquele documento” (Rousso,
1996).
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No caso, a documentação da Arena permite-nos conhecer a perspectiva dos


políticos e simpatizantes que formaram o partido, na qual se destaca a referência
constante ao pertencimento aos partidos extintos em 1965 e o esforço organizacional
para manter funcionando diretórios municipais, regionais e o nacional. Como todo
partido político, a Arena era formada por um conjunto de pessoas que estabeleceram
relações diferenciadas com a organização: políticos profissionais, militantes e
simpatizantes. A documentação depositada permite a observação de indícios variados
da participação das pessoas no partido, em muitos municípios, no interior e nas
metrópoles brasileiras.
O acervo está organizado em séries que mostram parte da rotina de um partido:
correspondência, eleições, organização partidária e assuntos constitucionais.
A série Eleições é formada pelas subséries: processos eleitorais, legislação
eleitoral, campanhas eleitorais. Entre os processos eleitorais, encontram-se recursos ao
Diretório Nacional relativos a disputas por candidaturas e composição dos diretórios
municipais, tratam de intervenção nos diretórios, fidelidade partidária e campanhas
eleitorais. A subsérie campanhas eleitorais é formada por documentos diversos:
relatórios sobre pesquisas e resultados eleitorais, assim como um manual de campanha
elaborado pelo Diretório Nacional para os candidatos.
A série Organização Partidária é formada pelas subséries: atas (relativas às
reuniões dos diversos diretórios da Arena, incluindo as atas de votação, apuração e das
convenções partidárias), Arena Jovem, constituição partidária (documentos referentes à
constituição das comissões diretoras regionais e seus respectivos gabinetes executivos,
documentos relativos à fundação do partido: documento constitutivo, estatutos, carta de
princípios, regimento interno do gabinete nacional, normas gerais para a formação das
comissões diretoras municipais; documentos relativos ao programa da Arena em várias
conjunturas), convenções partidárias (discursos e documentos variados relativos às
convenções partidárias), diretórios (relação dos membros dos diretórios nacional,
regionais e municipais e das comissões executivas; transcrições de reuniões do Diretório
Nacional para tratar dos recursos provindos dos diretórios regionais e municipais),
reunião das bancadas da Arena na Câmara dos Deputados e no Senado (transcrições de
reuniões sobre assuntos diversos).
Afinal, um dos maiores fundos do arquivo do Diretório Nacional é a série
Correspondência. Ela é formada pelas subséries: correspondência geral, pedidos e
convites. A correspondência entre membros da Arena compreende cartas, telegramas e
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circulares trocadas principalmente entre os presidentes do Diretório Nacional, dirigentes


regionais e municipais, deputados federais e estaduais, e vereadores. Além de
correspondência entre dirigentes partidários e filiados ou simpatizantes da Arena,
associações e sindicatos.

As questões-chave
Voltando às duas questões-chave: Arena como “saco de gatos” e “partido do sim,
senhor”. No desenvolvimento da tese, defendo que a Arena, de fato, organizou-se como
uma composição entre os partidos extintos, principalmente entre União Democrática
Nacional (UDN) e Partido Social Democrático (PSD). Tanto no Diretório Nacional,
quanto entre os candidatos da Arena à Câmara dos Deputados e ao Senado,
predominava o perfil de um partido formado por políticos profissionais socializados
entre os anos 1930 e 1960, tendo em comum uma experiência de décadas na vida
política nacional. Cada uma das lideranças políticas escolhidas para ocupar esses cargos
de honra, como o Diretório Nacional, ou cada nome com força política suficiente para
conquistar a indicação de candidato ao Senado, pode ser considerado um índice de uma
rede de relações políticas em cada estado. Longe de ser uma caricatura, como é comum
se afirmar, os dirigentes da Arena procuraram compor a nova organização a partir de
forças políticas enraizadas em cada estado e município.
Através das cartas de correligionários enviadas ao Diretório Nacional, também
podemos encontrar referências sobre os responsáveis por movimentar o partido nos
estados e municípios. Como estavam se reportando ao presidente do Diretório Nacional,
que não poderia conhecia a todos, os políticos e simpatizantes da Arena procuravam se
identificar. Na maioria das cartas, nos primeiros parágrafos, o remetente se identifica
através da narrativa de sua biografia política. Procuram mostrar que não são iniciantes
no campo político, ao contrário, se identificam como representantes legítimos dos
partidos em atividade durante os anos de 1945 a 1965. Procuram lembrar um passado
comum, em busca de reconhecimento pelas lideranças nacionais.
Cada militante através de relatos biográficos narrava a sua história de lutas, a sua
contribuição para a fundação do diretório e para as vitórias da Arena em seu município.
Nas cartas, eles relatam o trabalho de organização de cada diretório do partido uma
etapa considerada fundamental para a consolidação de uma ampla rede organizacional,
o que garantiu ao partido possuir candidatos e votos em todos os municípios. A rede de
diretórios municipais da Arena foi formada por quase todos os diretórios da UDN, do
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Partido de Representação Popular (PRP), do Partido Republicano (PR), e pela maioria


dos diretórios do PSD, possibilitando uma ampla vantagem da Arena sobre o MDB na
corrida organizacional.
Sobre as relações entre governo e a Arena, as interpretações sobre a Arena
postulavam que “os militares fracassaram em sua tentativa de criar uma organização
política capaz de servir como base de sustentação do regime” (Kinzo, 1988). Na
pesquisa essa reflexão desdobrou-se em vários sentidos. Em primeiro lugar, nem todos
os militares e políticos que apoiaram o movimento de 1964 desejavam o mesmo modelo
de partido. Em segundo lugar, nem todos os governos militares procuraram fortalecer o
seu partido.
No Congresso Nacional, no confronto verbal entre lideranças dos dois partidos,
há referências sucessivas ao “partido do sim, senhor” e a algumas variações sobre o
mesmo tema: “os homens da Arena dizem apenas sim”, “o partido do ‘eu homologo’”,
entre outras. A questão era recorrente, inclusive nos pronunciamentos dos parlamentares
da Arena, que procuravam responder às críticas discutindo nos mesmos termos.
Arena era designada pelos parlamentares do MDB como o “partido do governo”,
não no sentido de partido governista, mas no sentido de partido controlado pelo
governo. Uma caracterização que chegou a ser objeto de muitos debates, tanto no
Congresso Nacional, quanto em convenções nacionais da própria Arena. Havia
membros da Arena que reconheciam não serem um “partido no governo”, admitindo
que não possuíam poder de decisão no Executivo, o que era uma questão a ser resolvida.

Por motivos inteiramente diversos do MDB e de outras áreas de oposição, os


militares também produziram discursos desqualificando a Arena. O partido foi
considerado falho e fraco, como se pode ler em pronunciamentos dos presidentes Arthur
da Costa e Silva e Ernesto Geisel. Em certas conjunturas, os militares atacaram
violentamente a Arena, como em 1968, quando o partido não colaborou da maneira
esperada por ocasião da votação da licença para processar o deputado Márcio Moreira
Alves.
O resultado da votação e a edição do AI-5 colocaram na ordem do dia a questão
das relações entre a Arena e o Executivo. Cada vez mais, mesmo entre os governistas, o
exercício da atividade do político profissional tornava-se limitado e subordinado ao
Executivo. Após 1968, o governo procurou controlar as bancadas parlamentares da
Arena através da legislação, sem o custo de fechar o Congresso. Entre as medidas para
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obrigar a Arena a votar sempre de acordo com o Executivo, a mais eficaz foi a lei da
fidelidade partidária. A partir daquele momento os parlamentares da Arena eram
obrigados a votar conforme as diretrizes da liderança do partido na Câmara dos
Deputados ou no Senado, nomes indicados pelo presidente da República.

Na leitura dos Anais da Câmara dos Deputados e dos Anais do Senado, pode-se
observar que a designação de “partido do sim, senhor” começou a ser usada nos debates
após 1974, quando a competição eleitoral tornou-se bastante acirrada e o MDB passou a
ameaçar, eleitoralmente, o regime militar. A partir de 1974, com o sucesso do MDB nas
urnas, o debate sobre a participação dos políticos no regime se tornou fundamental para
a elaboração da identidade da Arena. Por um lado, frente ao eleitorado, uma vez que o
MDB passou a atacar a Arena justamente acusando-a de ser o “partido do sim, senhor”.
Por outro lado, na busca de participação em um governo cujo Executivo desprestigiava-
o e aos parlamentares de maneira geral. Se era necessária a reabilitação dos políticos,
muitos arenistas consideravam que era fundamental para o partido modificar as relações
de subordinação da Arena ao governo.

No livro, de certa maneira, apresento uma história da Arena, uma certa visão
sobre a ditadura e uma agenda de pesquisa. No processo de elaboração da tese observei
o processo de configuração do próprio regime, a particularidade de uma ditadura que
manteve em atividade as instituições de representação política. No debate atual, há
grande controvérsia sobre a designação “civil-militar”. O debate tem se fixado na
reafirmação do protagonismo dos militares no golpe e no próprio regime, o que é
notório. O mais interessante do debate, a meu ver, é provocar investigações sobre o
lugar dos civis no regime, sempre lembro que conhecemos muito pouco sobre o papel
dos governadores e dos prefeitos na ditadura

Referências
Alves, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Petrópolis:
Vozes, 1984. p. 95.
Bourdieu, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
Kinzo, Maria Dalva Gil. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB(1966-
1979). São Paulo: Vértice, 1988.
Lamounier, Bolívar; Meneguello, Raquel. Partidos políticos e consolidação
democrática. O caso brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1986.
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Lavareda, Antônio. A democracia nas urnas. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991.
Offerlé, Michel. Les partis politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1987.
___. A nacionalização da cidadania cívica. In: CANEDO, Letícia Bicalho (org.). O
sufrágio universal e a invenção democrática. São Paulo: Estação Liberdade,
2005.
Reis, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar,
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Rousso, Henry. O arquivo ou o indício de uma falta. Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
vol. 9, n° 17, 1996, p. 85 – 91.
Schmitter, Philippe. The portugalization of Brazil? In: STEPAN, Alfred. (ed.).
Authoritarian Brazil. New Haven: Yale University Press, 1973.

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