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Lucia Grinberg
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (PPGH-UNIRIO)
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Este texto é uma adaptação da apresentação de Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a
Aliança Renovadora Nacional (Arena), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X/FAPERJ, 2009. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2015. (e-book)
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Por outro lado, as representações sobre a Arena que circulavam nos jornais e na
própria universidade, nos anos 1990, se destacavam pela desqualificação através do
deboche, sendo o partido considerado principalmente pelo adesismo e pela
subordinação aos militares. Era o “partido do sim, senhor”, “o maior partido do
Ocidente”, a “UDN que caiu na zona”. As imagens recorrentes eram ecos das batalhas
travadas ainda na ditadura entre a Arena e o MDB, produzidas principalmente pela
oposição.
No processo de pesquisa, entendi que essas imagens remetiam a questões de
fundo relativas à história da Arena. Quando tais representações sobre esse partido foram
retomadas pela imprensa nos anos 1990, restava apenas a anedota e perdera-se
completamente a compreensão do seu processo histórico de produção. Longe de reiterar
essa imagem do ridículo, entendo que somente compreendendo a construção social
dessas imagens há possibilidade de se conhecer esse partido e de reconhecê-lo como
parte integrante do sistema político e da sociedade brasileira.
Como vimos, há duas ideias-chaves associadas ao partido, 1. A Arena como “um
saco de gatos”, um partido formado por políticos de vários partidos extintos; 2. A Arena
como “o partido do sim, senhor”, um partido subordinado aos militares.
Na tese, procurei enfrentar as duas questões. No desenvolvimento da pesquisa,
trabalhei principalmente a partir das propostas de Michel Offerlé para pensar como
estudar partidos políticos (Offerlé, 1987; 2005). Offerlé verificou justamente a
existência de um vocabulário recorrente nas análises universitárias e jornalísticas: a
utilização de metáforas, o normativismo, a reificação dos coletivos e a reutilização da
produção dos cientistas políticos. Diante desse horizonte o autor propõe um trabalho
sociológico cujo objetivo é desconstruir essas questões.
Ao buscar a crítica desse vocabulário e alterar o foco de análise, ao compreender
os partidos como grupos constituídos por indivíduos socializados em organizações
políticas anteriores, abre-se uma nova perspectiva de estudo. Se a sigla Arena era
recente e podia não ter identificação popular, as lideranças que formavam o partido
eram a nata dos políticos conservadores da época. Portanto, se a Arena foi inventada
pela ditadura, seus membros não o foram, tendo, em sua maioria, longa prática na
política partidária, tanto antes quanto durante os anos de 1945 a 1964. Muitos deles
exerceram mandatos sucessivos para diversos cargos eletivos (governadores, senadores,
deputados federais e estaduais) razão pela qual não se pode deixar de reconhecer sua
visibilidade e representatividade junto à população.
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A documentação
O corpus documental central da pesquisa foi formado pela documentação
depositada no Arquivo do Diretório Nacional da Arena, um arquivo institucional doado
ao CPDOC/FGV pelo último presidente do partido, José Sarney, em 1980. Logo após a
aprovação da reforma partidária, em 1979.
O segundo conjunto documental foi constituído por debates parlamentares,
publicados nos anais da Câmara e do Senado. A desvalorização do Legislativo nos
tempos da ditadura é tanta que se conhece muito pouco o que foi dito ali naqueles anos.
A análise das sessões parlamentares mostra os políticos em atividade, podendo-se
observar os temas discutidos e votados, as homenagens e denúncias, as efemérides
sempre presentes, as tomadas de posição dos governistas frente ao Executivo, a ausência
em votações-chave, e a interação com os representantes do MDB. Há tanto discursos
redigidos previamente quanto apartes de outros parlamentares, configurando debates
através dos quais podemos observar as relações entre as lideranças.
O terceiro conjunto documental foi constituído por reportagens, editoriais e
charges publicados na imprensa. A pesquisa nos jornais possibilitou principalmente a
análise da repercussão das intervenções nas instituições políticas, assim como um
estudo das representações elaboradas sobre a Arena e o MDB nas charges de diferentes
artistas que quase diariamente eram publicadas em espaço nobre, ao lado dos editoriais.
Finalmente, consultei memórias, biografias, e depoimentos orais, recolhidos por
outros pesquisadores, publicados ou acessíveis em centros de documentação. Tais
narrativas foram incorporadas aos demais conjuntos documentais de maneira
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As questões-chave
Voltando às duas questões-chave: Arena como “saco de gatos” e “partido do sim,
senhor”. No desenvolvimento da tese, defendo que a Arena, de fato, organizou-se como
uma composição entre os partidos extintos, principalmente entre União Democrática
Nacional (UDN) e Partido Social Democrático (PSD). Tanto no Diretório Nacional,
quanto entre os candidatos da Arena à Câmara dos Deputados e ao Senado,
predominava o perfil de um partido formado por políticos profissionais socializados
entre os anos 1930 e 1960, tendo em comum uma experiência de décadas na vida
política nacional. Cada uma das lideranças políticas escolhidas para ocupar esses cargos
de honra, como o Diretório Nacional, ou cada nome com força política suficiente para
conquistar a indicação de candidato ao Senado, pode ser considerado um índice de uma
rede de relações políticas em cada estado. Longe de ser uma caricatura, como é comum
se afirmar, os dirigentes da Arena procuraram compor a nova organização a partir de
forças políticas enraizadas em cada estado e município.
Através das cartas de correligionários enviadas ao Diretório Nacional, também
podemos encontrar referências sobre os responsáveis por movimentar o partido nos
estados e municípios. Como estavam se reportando ao presidente do Diretório Nacional,
que não poderia conhecia a todos, os políticos e simpatizantes da Arena procuravam se
identificar. Na maioria das cartas, nos primeiros parágrafos, o remetente se identifica
através da narrativa de sua biografia política. Procuram mostrar que não são iniciantes
no campo político, ao contrário, se identificam como representantes legítimos dos
partidos em atividade durante os anos de 1945 a 1965. Procuram lembrar um passado
comum, em busca de reconhecimento pelas lideranças nacionais.
Cada militante através de relatos biográficos narrava a sua história de lutas, a sua
contribuição para a fundação do diretório e para as vitórias da Arena em seu município.
Nas cartas, eles relatam o trabalho de organização de cada diretório do partido uma
etapa considerada fundamental para a consolidação de uma ampla rede organizacional,
o que garantiu ao partido possuir candidatos e votos em todos os municípios. A rede de
diretórios municipais da Arena foi formada por quase todos os diretórios da UDN, do
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obrigar a Arena a votar sempre de acordo com o Executivo, a mais eficaz foi a lei da
fidelidade partidária. A partir daquele momento os parlamentares da Arena eram
obrigados a votar conforme as diretrizes da liderança do partido na Câmara dos
Deputados ou no Senado, nomes indicados pelo presidente da República.
Na leitura dos Anais da Câmara dos Deputados e dos Anais do Senado, pode-se
observar que a designação de “partido do sim, senhor” começou a ser usada nos debates
após 1974, quando a competição eleitoral tornou-se bastante acirrada e o MDB passou a
ameaçar, eleitoralmente, o regime militar. A partir de 1974, com o sucesso do MDB nas
urnas, o debate sobre a participação dos políticos no regime se tornou fundamental para
a elaboração da identidade da Arena. Por um lado, frente ao eleitorado, uma vez que o
MDB passou a atacar a Arena justamente acusando-a de ser o “partido do sim, senhor”.
Por outro lado, na busca de participação em um governo cujo Executivo desprestigiava-
o e aos parlamentares de maneira geral. Se era necessária a reabilitação dos políticos,
muitos arenistas consideravam que era fundamental para o partido modificar as relações
de subordinação da Arena ao governo.
No livro, de certa maneira, apresento uma história da Arena, uma certa visão
sobre a ditadura e uma agenda de pesquisa. No processo de elaboração da tese observei
o processo de configuração do próprio regime, a particularidade de uma ditadura que
manteve em atividade as instituições de representação política. No debate atual, há
grande controvérsia sobre a designação “civil-militar”. O debate tem se fixado na
reafirmação do protagonismo dos militares no golpe e no próprio regime, o que é
notório. O mais interessante do debate, a meu ver, é provocar investigações sobre o
lugar dos civis no regime, sempre lembro que conhecemos muito pouco sobre o papel
dos governadores e dos prefeitos na ditadura
Referências
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