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OS PARTIDOS POLíTICOS - OS SISTEMAS

ELEITORAIS

ÜSCAR DIAS CoRRÊA

1. Observação inicial 2. Surgimento dos partidos


3. No Brasil 4. Caracterização no regime demo-
crático 5. Partido? 6. Organização partidária e
regime eleitoral 7. No Brasil 8. Sistemas eleitorais
9. Evolução no Brasil 10. Na Emenda Constitu-
cional de 1969 11. Considerações finais.

1. Observação inicial
r
Não é fácil sistematizar, em breve apanhado, a larga e con-
trovertida matéria que o tema proposto envolve, abrangen-
do os partidos políticos e sua situação atual, em nosso país,
dentro das linhas da Emenda Constitucional n. O 1, de 1969.
Impossível seria fazê-lo, se estendêssemos nossas inda-
gações até o debate teórico e doutrinário que em tôrno dêle
se trava. Aí, confessemos, a sistematização venceria o nosso
esfôrço mais intenso e concentrado, tais os aspectos, matizes
e peculiaridades que cada organização nacional apresenta.
Tomem-se os tratados mais afamados, os sistematizadores
mais lúcidos e isto se comprovará.
Façamos, pois, apenas, algumas observações prelimi-
nares para chegar à análise do texto constitucional vigente
no Brasil.
2. Surgimento dos partidos
O próprio surgimento dos partidos politicos suscita contro-
vérsia: se Erskine May vai buscá-lo no reinado de Isabel da
Inglaterra, em 1558-1603, Rudlin e Munro a encontram,
lembram Afonso Arinos de Mello Franco (História e teoria
do partido político no direito constitucional brasileiro. p. 9)

R. C1. pol., Rio de Janeiro, 5(3): 5-35, jul./set. 19'11


e Homero Pinho (Ver Partidos políticos. In: Repertório Enci-
clopédico do Direito Brasileiro) e outros, no ano de 1680:
"quando da discussão parlamentar do Exclusion Bill surgiu
uma corrente em divergência ao pensamento governamen-
tal, passando daí por diante a caracterizar-se a aceitação da
doutrina democrática da oposição política segundo a qual os
adeptos não eram mais considerados inimigos do Estado, mas
oposicionistas ao govêrno e cujos direitos se impunha res-
peitar." (Homero Pinho, op. cit.)
A partir, portanto, de 1680, ou, mais precisamente, de
1679, quando whigs e tories se opuseram, começou a ter
feição de disputa política organizada, o permanente e ime-
morial contraste de governantes e oponentes - fora do go-
vêrno - que existe desde que a primeira sociedade política
se constituiu. Embora Maurice Duverger (Les partis politi-
ques. p. 1) afirme que partidos políticos, no sentido moder-
no da palavra, datam de 1850: "encontravam-se tendências
de opiniões, clubes populares, associações de pensamento,
grupos parlamentares, mas absolutamente partidos propria-
mente ditos".
E não faltam os que, como ítalo A. Luder, citem como
antecedentes "o partido democrático e aristocrático na anti-
ga Grécia; o dos plebeus e dos patrícios em Roma; o dos
guelfos e gibelinos nas cidades italianas da Idade Média";
acrescentando, porém - diz Lucio Mendieta Y Nunes (Os
partidos políticos, estudo extraído da Revista Mexicana de
Sociologia, 8(2), trad. do Professor Ney Coe de Oliveira) -
que "em seu cabal desenvolvimento e com caracteres espe-
cíficos, os partidos só se podem dar em clima ideológico em
que cresce o Estado moderno".

3. No Brasil
Entre nós, no Brasil, iríamos encontrar o aparecimento, dos
partidos em feição determinada, em 1838, no fim da Regên-
cia, quando conservadores e liberais se estruturaram.
Daí por diante, assumindo denominações diversas, si-
tuação e oposição vestiram roupagens várias e ganharam
nomes diferentes, ainda que nem sempre defendendo con-
junto harmônico, homogêneo e sistemático de princípios, aos
quais se considerassem jungidos, ou que devessem executar
ao galgar o poder.
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Pelo contrário, assinalou-o Holanda Cavalcanti (in Afon-
so Arinos, op. cit., p. 42), ao dizer que nada mais parecido,
com um "saquarema" (conservador) do que um "luzia" (li-
beral) no poder, como, em nossa realidade recente o repe-
tiria, ao afirmar, não sem maldade, que nada mais parecido
com um pessedista do que um udenista no poder ...
4. Caracterização no regime democrático
Escapa às preocupações dêste breve e sumário croquis a de-
finição de partido político, ou a análise de sua natureza jurí-
dico-política. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei
n. o 4740, de 15-7-1965) caracterizou-os como "pessoas jurí-
dicas de direito público interno", que se "destinam a asse-
gurar, no interêsse do regime democrático, a autenticidade
do sistema representativo" (art. 2.°), adquirindo personali-
dade jurídica com seu registro no Tribunal Superior Eleitoral
(art. 3.0) e exercendo sua atuação dentro de programa apro-
vado (art. 4.°).
Dessa caracterização pode-se ver a importância que as-
sumem. Vale repetir:
"destinam-se a assegurar, no interêsse do regime democrá-
tico, a autenticidade do sistema representativo".
Tanto mais autênticos, pois, mais representativos da
vontade dos eleitores que os integram, mais autêntico o re-
gime e mais verdadeira a democracia a que servem.
Compreende-se, por isso, o interêsse superior funda-
mental que deve presidir à sua criação e à regulamentação
jurídica de suas atividades: dêles depende a existência do
regime democrático, na própria afirmação legal.
E, em verdade, assim é: não é possível falar-se em de-
mocracia - modernamente - representativa, onde os par-
tidos não representem a vontade do país; o que só pode
ocorrer onde o povo que se inscreve e atua nos partidos seja
parcela verdadeiramente representativa de todo o povo.
Se os partidos não congregam a maioria, e maioria con-
siderável do povo, ou porque a êles não filiar-se quis ou não
pôde filiar-se, porque para isso não tinha as condições legais
(entre nós, por exemplo, por analfabetismo), não há como
falar em regime democrático autêntico: não há autêntica
representação do povo, finalidade a que se destinam.
Os Partidos Políticos 7
5. Partido?
Mas, partido, partidos? Quantos: um, dois, vãrlos, mui-
tos?
O problema tem sido objeto do estudo dos teóricos, da
apreciação dos homens públicos, e, como assinala Duverger
(Les partis politiques. p. 236), "caiu no domínio público".
Themístocles Cavalcanti, em seu estudo sôbre Os parti-
dos políticos (in: Cinco estudos. p. 21 e seg.), distingue "três
sistemas partidários, conhecidos da época presente: primeiro,
o partido único, segundo, o sistema bipartidário e terceiro, o
sistema multipartidário".
O primeiro, diz, "não obedece às exigências democráti-
cas. A concentração do poder político se realiza integralmen-
te pelo monopólio político do partido, que também tem o
monopólio ideológico".
"O regime dos dois partidos", assinala em outra passa-
gem, Ué preferido pelos países anglo-saxônios menos por uma
imposição legal, que ali geralmente não existe, do que pelo
costume, pela tradição, pela formação mental, pela educação
dêsses povos."
UA terceira solução", acentua, Ué multipartidária, sistema
preferido dos países latinos, onde o espírito domina a própria
realidade política, e, a capacidade para estabelecer as nuan-
ces dos diferentes sistemas, levou a esta complicação parti-
dária, que encontramos notadamente na França e no Brasil.
O sistema multipartidário permite o funcionamento de par-
tidos com um mínimo de exigências, alimentada essa situação
por um sistema eleitoral de base proporcional que permite
uma representação política com um número restrito de vo-
tos" (p. 26).
Maurice Duverger (Sociologie politique. p. 358 e seg.)
ao analisar a estrutura dos partidos, diz que é preciso consi-
derá-la sob diferentes pontos de vista: ideologia, infra-estru-
tura social, estrutura, organização, participação, estratégia.
Cuidando de sua organização interna distingue: os partidos
de quadros, os partidos de massa e os tipos intermediários,
ou partidos indiretos. E analisando, a seguir, os sistemas de
partidos adota a classificação de sistemas pluralistas de parti-
dos e sistemas de partido único.
Não nos detemos na exposição do pensamento do ilustre
professor francês porque dela se verifica apenas como a
matéria é insuscetível de prender-se a esquemas rígidos, tais
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as distinções e subdistinções que comporta: e isso se eviden-
cia logo no início de seu livro sôbre partidos políticos quando
êle expõe aquela contradição fundamental: "é impossível
descrever seriamente os mecanismos comparados dos parti-
dos políticos, mas é indispensável fazê-Io" ("Les partis poli-
tiques. p. 7).
A dificuldade de sistematização explode mesmo nos sis-
temas aparentemente simples: nos Estados Unidos, por
exemplo, parecendo existir regime multipartidârio, pois xis-
tem vários partidos, na sua expressão nacional êsses restrin-
gem-se aos dois tradicionais - democrata e republicano.
Mesmo entre os dualistas, há tipos a considerar, ainda
que se considere o bipartidismo como especificamente anglo-
saxão. E ainda assim o dualismo inglês e o dualismo norte-
americano se opõem quanto à estrutura dos partidos: na
Inglaterra, uma grande concentração (menor entre os con-
servadores do que entre os trabalhistas). Nos Estados Uni-
dos, grande independência entre os comitês.
Duverger considera um caráter natural do bipartidismo
- o dualismo das tendências.
Já o multipartidismo é de difícil tipologia, assumindo
as formas mais variadas, desde três partidos até outras for-
mas inumeráveis: o tripartidismo francês de 1945; o tripar-
tidismo belga tradicional; o quadripartidismo escandinavo
etc.
6. Organização partidária e regime eleitoral
Influi nessa organização e nesse sistema - o regime eleito-
ral. É a realidade que Duverger repete, mais de uma vez (p.
234-5) :
"parmi les facteurs généraux, le régime électoral est le plus
important ... "
"Sur le nombre, la dimension, les alliances, la représenta-
tion, son action est prépondérante. Inversement, le systême
des partis joue un rôle capital sur le régime électoral:
le dualisme favorise l'adoption d'un scrutin majoritaire à
un tour, l'existance de partis à structure de Bund en écarte,
la tendance naturelle aux alliances s'oppose à la représenta-
tion proportionnelle, etc. En définitive, systême de partis et
systême électoral sont deux réalités indissolublement lieés,
partois même difficiles à séparer par l'analyse; exactitu-
de plus ou moins grande de la représentation polltique, par
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exemple, dépend du systême électoral et du systême de
partis, considérés comme éléments d'un même complexe, ra-
rement isolables l'un de l'autre. On peut schématiser l'in-
fluence générale du mode de scrutin dans les trois formules
suivantes; 1.0 la répresentation proportionneIle tend à
un systême de partis multiples, rigides, indépendants et stables
(sauf le cas de mouvements passionnels); 2.° le scrutin ma-
joritaire à deux tours tend à systême de partis multiples,
souples, dépendants et relativement stables (dans tous les
cas); 3.° le scrutin majoritaire à tour unique tend à un
systême dualiste, avec alternance de grands partis indépen-
dants. Mais ces propositions três générales définissent seul e-
ment les tendances de bases; eIles sont loin d'englober toutes
les influences du régime électoral sur les systêmes de partis".
(234-5).
Desta forma, os regimes eleitorais passam a representar
base de autenticidade da representação: os processos, meios
e métodos utilizados para colhêr, aferir e expressar a von-
tade dos representados - os cidadãos.
Os sistemas eleitorais fixam os processos pelos quais se
expressa a vontade do povo, que, colhida nos pleitos, vai
servir para demonstrar a orientação que, na democracia,
deve ser imprimida ao Govêrno.
Da excelência, pois, dêsse sistema - a excelência medi-
da pela aptidão a colhêr e expressar aquela vontade - vai
depender o regime democrático.
Estabelece-se, desta forma, vínculo indestrutível entre
regime democrático, partidos políticos e sistemas eleitorais:
só é possível democracia, sem mais palavra, onde há partidos
políticos que, pela existência de sistema eleitoral racional,
permitem a autenticidade do conhecimento da vontade do
eleitorado, que por sua vez é parcela considerável do povo.
7. No Brasil
Dito isso, elementarmente dito, compreende-se, em análise
objetiva, porque as coisas sempre andaram tão mal no Brasil:
porque nossa democracia nunca passou de planta tenra, e,
ainda assim, freqüentemente podada, ou arrancada pela
raiz, renascendo por milagre de fertilidade do solo moral do
país em que, graças a Deus, é nativa; porque nossos parti-
dos foram sempre tão fracos, inexpressivos e de duração tão
curta, e porque nossos sistemas eleitorais nunca atingiram
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a racionalidade que permitiria a autenticidade da represen-
tação.
Parte-se, desde logo, da premissa do analfabetismo na-
cional, cujos índices invalidam qualquer tentativa de au-
têntica expressão da vontade nacional.
Atinge-se, em seguida, o difícil obstáculo a transpor do
sistema eleitoral a ser adotado, e, naturalmente, chega-se à
debilidade dos partidos políticos.
A parte o problema do analfabetismo, que escapa à nossa
abordagem nesse estudo, e em que não há controvérsia pos-
sível, a natureza do sistema eleitoral apresenta-se como
questão maior.
O grande problema é estruturar um sistema eleitoral
que assegure o pronunciamento livre e autêntico dos elei-
tores. Vale dizer: que impeça a fraude; que não permita
a corrupção; que coíba o abuso de poder; que, enfim,
assegure que a expressão das urnas é a vontade real do eleito-
rado, e, como tal, o povo.
Não é de agora a luta por essa aspiração. A ela, esta-
distas e doutores dedicaram-se sempre, elaborando sistemas,
comprovando-os, testando, na ânsia de atingir aquêle desi-
deratum.

8. Sistemas eleitorais
Afonso Arinos (Curso de direito constitucional brasüeiro. v.
l, p. 137.) assinala que "todos êles, por diferentes que sejam,
se distribuem em dois grandes grupos: o que procura· defen-
der o govêrno das maiorias e o que procura resguardar a re-
presentação das minorias. Pode-se dizer, acentua, que o pri-
meiro grupo tem mais em vista a formação e eficiência dos
governos, enquanto o segundo visa fortalecer a liberdade e a
justiça na distribuição do poder político".
Compreende-se assim a impossibilidade de atingir o
ideal de assegurar as duas metas, igualmente nobres e
justas.
Chega-se, então, de um lado, ao sistema majoritário,
procurando atender àquela vocação para o predomínio de-
mocrático das maiorias, assumindo a solução várias formas,
de acôrdo com o cargo em disputa e as conveniências.
Mas, de outro lado, a vocação não menos democrática
para a defesa dos direitos das minorias, levaria ao sistema
Os Partidos Políticos 11
da representação proporcional, desde 1859, proposto por
Thomas Hare e que teve ampla repercussão.
Se o princípio majoritário se impõe nas eleições em que
há um único pôsto a preencher, a vocação para a proporcio-
nalidade agiganta-se quando se trata do preenchimento si-
multâneo de vários cargos disputados por elementos de mais
de um partido.
Georges Burdeau (Traité de Science Politique, 4 (163):
p. 282.) assinala que
"il est admis que la représentation proportionnelle est seule
apte à satisfaire à la fois la justice électorale en donnant
à chaque tendance la représentation à la quelle lui donne
droit son importance, et l'exactitude de la reproduction par
le Parlement des aspirations de l'opinion".
E afirma ainda:
"Avec la R. P. en effet chaque parti de quelque ampleur
a des chances d'obtenir des siêges sans être pour autant
contraint à sacrifer la pureté de sa doctrine par l'adhésion
à quelconque coalition."
Se bem que o princípio não seja de exatidão absoluta
- e Burdeau o frisa, em nota - verdade é, que isto se en-
tendeu entre nós.
O inegável - e desejamos salientar, por ora - é a in-
fluência do sistema eleitoral sôbre os partidos, sôbre o pró-
prio regime eleitoral.

9. Evolução no Brasil
Entre nós, êsses problemas têm andado mesclados de tal
forma, que é impossível cindi-Ios e se faz mesmo difícil sis-
tematizá-lo.
Nossa primeira República - a de 1891 - "com seu es-
pírito exageradamente federalista e presidencialista", diz
Paulino Jacques (Curso de direito constitucional. p. 116),
"embaraçou a organização dos partidos nacionais".
Vivemos, durante meio século da República, no regime
dos partidos estaduais vinculados a tendências regionais
quando não apenas locais.
Lembra Paulino Jacques, que dois partidos nacionais se
constituiram após 1930, "com ideologia, programa e plano
de ação perfeitamente definidos: o Partido Comunista do
Brasil e o Partido Integralista Brasileiro".
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9.1 Na Constituição de 1891
A Constituição de 1891 não fizera qualquer referência aos
partidos. Por isso mesmo "também excepcionais foram os
ensaios de se pôr em prâtica o sistema dos partidos nacio-
nais, ao tempo da primeira Constituição Republicana"
(Afonso Arinos. op. cito p. 64).
O Partido Republicano Federal, de Glicério, o Republicano
Conservador (1910), de Pinheiro Machado e o Republi-
cano Liberal (1913), de Rui Barbosa, não vingaram.
Na Constituição de 1891 apenas se fazia referência, no
art. 28, na composição da Câmara dos Deputados, ao sufrâ-
gio direto.
"garantida a representação da minoria".
O que vem repetido na Revisão Constitucional de 1926
e jâ em têrmos mais expressivos:
"a um regime eleitoral que permita a representação das mi-
norias" (art. 6.0, lI, letra h)
No art. 70 estabeleciam-se as condições para o alista-
mento.
Em compensação, os partidos estaduais tornaram-se "os
famosos P.R." (Afonso Arinos. op. cito p. 66), presos a inte-
rêsses regionais, "peças essenciais da mâquina da política
dos governadores ou dos Estados".

9.2 O Código Eleitoral de 1932


O Código Eleitoral de 1932 (Decreto n. O 21076, de 24 de fe-
vereiro de 1932) "reconhecia a existência jurídica dos par-
tidos e regulava o seu funcionamento. Considerava duas es-
pécies de partidos: os permanentes, que adquiriram persona-
lidade jurídica nos têrmos do art. 18 do Código Civil, e os
provisórios, que não adquiriam aquela personalidade e se
formavam transitOriamente à véspera dos pleitos, apenas
para disputâ-Ios".
Também eram equiparadas a partidos "as associações
de classe legitimamente constituídas" (Afonso Arinos. op.
cit., p. 73). Por outro lado, facultava, no art. 88, parâgrafo
único, o registro do candidato avulso.
Instituiu o voto proporcional e secreto, e criou a Justiça
Eleitoral, mas, diz Paulo Sarazate (A Constituição ao alcance
de todos. p. 153), "não completou sua missão saneadora com
a exigência de âmbito nacional para as organizações parti-
dârias a serem instituídas no Brasil".
Os Partidos Políticos 13
9.3 A Constituição de 1934
A Constituição de 1934 reflete, diz Afonso Arinos (op. cito
p. 72) "o início da transição":
"manteve os partidos estaduais, mas confirmou o sistema
proporcional e a Justiça Eleitoral, duas conquistas memorã-
veis, preparatórias da organização partidária do futuro. Por
outro lado adotou o hibridismo da representação profissional
dentro das Assembléias eleitas por sufrãgio universal, traço
tipicamente fascista, que importava a criação de uma gran-
de bancada partidária, a qual funcionava dentro das Assem-
bléias, como uma espécie de instrumento permanente dos
governos contra a livre ação dos partidos".
Logo no art. 5.°, XIX, fixa a competência privativa da
União para legislar sôbre
"f) matéria eleitoral da União, dos Estados e dos Municí-
pios, inclusive alistamento, processo das eleições, apuração,
recursos, proclamação dos eleitos e expedição dos diplomas".
No art. 23 surge a referência ao "sistema proporcional",
embora também com a criação da representação das organi-
zações profissionais.
A Justiça Eleitoral teve organização estabelecida no art.
82 e competência fixada no art. 83. Mas a existência dos
partidos está ainda condicionada às conveniências do poder
dos estados e só timidamente se organizam.
O Código Eleitoral de 1935 daria ensejo à organização
dos partidos nacionais (Paulino Jacques, op. cito p. 166-7).

9.4 Na Constituição de 1946


A Carta outorgada de 1937, entretanto, vma frustrar essa
possibilidade. A começar da eleição dos representantes do
povo na Câmara dos Deputados, mediante sufrágio indireto
(art. 46).
Extingui-se a Justiça Eleitoral que, evidentemente, não
teria o que fazer.
A própria inaplicação da Carta, a não-constituição do
parlamento, impediu que surgisse vida política naquele pe-
ríodo: havia apenas, de um lado, o govêrno, e, de outro, os
descontentes, impossibilitados de arregimentar-se. Não se
permitiria, como não se permitiu, a formação dos partidos.
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9. 5 Na Lei Eleitoral de 1945
Em 28-5-1945, como resultado do rompimento dos diques da
ditadura, seria editado o Decreto-lei n. o 7586, nova lei elei-
toral (Agamenon Magalhães). Vale ressaltar, sob os aspectos
que nos interessam, o progresso fundamental que represen-
tou em relação aos diplomas anteriores:
a) renovou a existência da Justiça Eleitoral (art. 6.0 e
seg.);
b) reinstituiu o sufrágio universal e o voto obrigatório, di-
reto e secre.to (art. 38);
c) o princípio da representação profissional para a Câmara
dos Deputados e as assembléias legislativas (art. 38, § 1.0) e
o princípio majoritário para as eleições de Presidente da Re-
pública, Governador de Estado, membro do Conselho Fede-
ral e Câmaras Legislativas (§ 2.°);
d) só permitiu concorrer às eleições o candidato registrado
por partido ou aliança de partidos (art. 39);
e) atribuiu as sobras eleitorais ao partido majoritário (art.
48).
o Título II da Parte Quinta era dedicado aos partidos
políticos, s6 sendo admitidos a registro os de âmbito nacio-
nal (art. 110, § 1.0) e devendo, para isso, contar com, pelo
menos, 10 mil eleitores em cinco ou mais circunscrições elei-
torais (art. 109), além dos estatutos, programa etc.
Negar-se-ia registro ao partido "cujo programa contrarie
os princípios democráticos, ou os direitos fundamentais do
homem, definidos na Constituição" (art. 114).
Como resultado disso, surgiram então, entre nós, os pri-
meiros partidos nacionais: a União Democrática Nacional, o
Partido Social Democrático, o Partido Trabalhista Brasileiro,
o Partido Libertador, etc.
Como conseqüência, porém, daquela liberdade de registro
apenas 10 mil eleitores, multiplicar-se-iam os partidos, entre
nós, já que era fácil a qualquer político preencher os requi-
sitos exigidos para a constituição de um partido.

9.6 Na Constituição de 1946


A Constituição de 1946 asseguraria a existência dos partidos
nacionais. O art. 40, parágrafo único, já assegurava aos par-
Os Partido8 PolUico8 15
tidos nacionais representação proporcional nas Comissões da
Câmara de que participassem. O art. 56 reassegurava a re-
presentação proporcional; o mesmo o art. 134.
A lei n. o 1164, de 24-7-1950, Código Eleitoral, viria con-
solidar aquêles princípios, fixando-os detidamente.
A representação proporcional para a Câmara dos Depu-
tados, as assembléias legislativas e câmaras municipais foi
revista, no que se refere à distribuição das sobras dos lugares,
por processo mais adequado ao sistema (art. 59).
E o Título II da Parte Quinta estabeleceu, de modo mi-
nucioso, as condições para a criação e vida dos partidos p0-
líticos, erigidos em pessoas jurídicas de direito público interno
(art. 132); por outro lado, aumentou-se a exigência do quo-
rum mínimo de eleitores para registro, de 10 mil para 50 mil
(art. 132 § 1.0) e assegurou-se a pluralidade partidária (art.
132, § 3.0).
Além disso, outras normas do maior interêsse foram es-
tabelecidas: quanto aos deveres partidários (arts. 141-142),
à contabilidade e finanças dos partidos (arts. 143 a 146), a
suspensão de funcionamento e cancelamento de registro
(art. 147 a 150), propaganda partidária, etc.
A Lei n.o 2582, de 30-8-1955 instituiria a cédula única
de votação para as eleições de Presidente e Vice-Presidente
da República, impressa e distribuída pela Justiça Eleitoral,
cédula que a Lei n. O 2982, de 30-11-1956, art. 9.0, estenderia
a tôdas as eleições majoritárias: Governador e Vice-Governa-
dor, Senador e Suplente, Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz.
A luta, porém, continuaria, para o fortalecimento dos
partidos e aprimoramento do sistema eleitoral. O Congresso
foi palco de grandes e sugestivos debates sôbre a matéria,
sendo apresentados inúmeros projetos que procuravam dar
mais autenticidade à representação eleitoral, pela eliminação
de alguns vícios que ainda a inquinavam e abusos que a pre-
judicavam: o poder econômico, a fraude dos currais e quartéis
eleitorais e da troca de cédulas, algumas garantias insuficien-
tes para eliminar o abuso de autoridade, fraudes de apuração;
de outro lado, constituição inautêntica de diretórios partidá-
rios, falta de organização das finanças dos partidos, debili-
dade partidária pela pulverização, mais do que multiplicidade,
dos partidos etc.
Nós mesmos, mais de uma vez, tentamos, no exercício do
mandato, corrigir êsses vícios e coibir êsses abusos, apresen-
tando projetos de reforma da legislação eleitoral, em geral.
16 R.C.P. 3/71
9.7 Na Lei n.0 4740 de 1965
A promulgação da Lei n.o 4737 (Código Eleitoral) e da Lei
n.O 4740 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos, ambas de 15
de julhO de 1965, representaram, sem dúvida, passo muito
importante naquele caminho.
Precedidos pela elaboração de um anteprojeto do Tribu-
nal Superior Eleitoral, foi êsse trabalho submetido ao longo
estudo de uma comissão de que tivemos a honra de partici-
par, secundando o então Ministro da Justiça, Senador
Milton Campos, o Ministro Colombo de Souza e o então Depu-
tado Clodomir Millet, sob a direta supervisão do Presidente
Castelo Branco.
Algumas inovações propostas pelo Tribunal Superior
Eleitoral foram aceitas, bem como introduzidas inúmeras mo-
düicações, oriundas de projetos em curso no Congresso Na-
cional, e ainda outras propostas pelos membros da Comissão
e pelo próprio Presidente Castelo Branco.
A Exposição de Motivos 409-B, com que o Ministro Milton
Campos encaminhou o trabalho final, em 20-4-1965, ao Pre-
sidente da República, dá concisa conta dos resultados daque-
le árduo esfôrço.
Se os projetos não atenderam, obviamente, a tôdas as
exigências a que, em nosso entender, deveriam atender, re-
presentaram grande passo e louvável tentativa de aperfeiçoa-
mento. Tentativa, dissemos, porque em alguns aspectos es-
senciais não foram aceitos.
Entre êsses pontos, salientamos um, que nos parece fun-
damental, e em que prevaleceu, no projeto, para honra nossa,
sugestão que apresentamos: é o que se refere à organização
dos partidos, pela base, procurando-se a renovação dos qua-
dros dirigentes e a participação efetiva dos eleitores em sua
constituição.
Dizia, a respeito, a Exposição de Motivos:
"Para isso, a inovação quanto à formação dos diretórios mu-
nicipais é ponto que deve ser pôsto em relêvo. Trata-se de
verdadeira eleição pelos eleitores do município em geral. Se
isto, inicialmente, fôr penoso, é de se crer, que com o tempo,
torne-se rotina salutar. E só assim os partidos, cuja posição
na vida política do País vão ganhar maior importância, se
organizarão em têrmos verdadeiramente democráticos, com
as bases emancipadas das cúpulas e sofrendo estas, os influ-
Os Partidos Políticos 17
xos daquelas, ao contrário do que geralmente vem acontecen-
do. Essa providência e outras mais que foram adotadas, ten-
derão a desoligarquizar os partidos e a abri-los à renovação
constante, como é do interêsse do govêmo popular."
Saliente-se, além disso, a assistência e a fiscalização das
decisões dos partidos pela Justiça Eleitoral, o estabelecimento
do fundo partidário; e o agravamento dos requisitos para
registro, pondo limite à pulverização partidária, a que assis-
tíamos contristados.
Infelizmente, aquela modificação fundamental na orga-
nização partidária pelas bases municipais foi rejeitada pelo
Congresso, prevalecendo o processo anterior. Mas outros prin-
cípios salutares foram, felizmente, aceitos.
Teria sido esta a grande obra da Revolução de 1964, que
teria legado ao país uma reforma substancial da legislação
partidária, se alguns atos posteriores - como a volta à cédula
individual de votação, em algumas eleições, a interferência
do poder central e dos poderes estaduais nas eleições, e, por
fim, a dissolução dos partidos pelo Ato Institucional n.o 2 -
não a houvessem invalidado por completo.
Com efeito - e nisso sustentamos, mais do que em qual-
quer outro ponto, opinião exclusivamente pessoal, mas arrai-
gada e convicta - a dissolução dos partidos nacionais foi o
grande êrro político da Revolução de 1964.
A promulgação da Lei n. O 4470 determinara expressa-
mente a função permanente dos partidos (art. 75). Como
conseqüência, preparavam-se êles para o cumprimento dessa
missão, a mais importante que se lhes impunha na vida pú-
blica brasileira. De ciência própria sei - Secretário-Geral que
era da UDN - havíamos elaborado os planos que consubs-
tanciariam e concretizariam essa atividade permanente, já
aprovados em reunião do Diretório Nacional do Partido.
Outras agremiações preparavam-se com o mesmo inte-
rêsse.
A criação do Fundo Partidário assegurava-lhe condições
de sobrevivência independente e o cumprimento de sua tare-
fas essenciais; o estabelecimento de normas para o contrôle
das finanças e da contabilidade partidária dificultaria, pelo
menos, a ação desbragada do poder do dinheiro; o agravamen-
to dos requisitos para a criação ou sobrevivência dos partidos,
garantia, ainda que a longo prazo, a diminuição do número
dos existentes. E poder-se-ia e dever-se-ia agravá-las ainda

18 R.C.P. 3,1'71
mais, bem mais, para forçar a redução a número bem menor,
quatro, por exemplo, o que redundaria em fortalelecimento
considerâvel dos remanescentes.
Outras medidas surgiriam naturalmente.

9.8 A extinção dos partidos e a crise partidária


Quando tal movimento renovador se processava, a extinção
dos partidos pôs por terra tôda a organização que se firmava,
balburdiando, confundindo, misturando os contrârios, combi-
nando os antípodas e dando, como resultado, nascimento for-
çado, decretado, a duas organizações, não partidos, uma ne-
cessàriamente do govêrno e a êle submissa - a ARENA, e
outra, necessàriamente de oposição e contestação - o MDB.
O que tem sido a vida dessas duas organizações é da atua-
lidade. Que não são partidos, integrados, de consciência e
vontade, todos o sabem, a começar pelos que os dirigem e que
lhes deram o nome: ALIANÇA Renovadora Nacional e MO-
VIMENTO Democrâtico Brasileiro.
E a prova de que os partidos extintos se firmavam na
consciência nacional estâ em que, ainda hoje, as referências
aos elementos que integram os atuais, se fazem acompanha-
das de um ex-UDN, ex-PSD, ex-PTB etc. E nas lutas internas
que enfrentam - e que só se vencem pela impossibilidade de
constituir outros - surgem a ARENA-l e a ARENA-2 e, às
vêzes, a ARENA-3, que não são nada mais, nada menos, do
que o ex-PSD, a ex-UDN, e o ex-PTB, ou o ex-PRo ...
A propósito jâ escrevemos o suficiente em nossa breve
crítica A Constituição de 1967 - contribuição critica.
Aliâs, muito se falou e escreveu sôbre a falência e a crise
dos partidos políticos brasileiros.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho assinala que
"essa falência se traduz por sua incapacidade em desempenhar
as funções que lhe atribui a doutrina democrâtica moderna"
(Os partidos nas Constituições democráticas. p. ISO).
E arrola algumas causas: "falta de conteúdo, ou seja,
programa mtido, expressão de uma Weltanschaming"; falta
de homogeneidade; indisciplina partidária.
Todos êsses dados atendem à anâlise da realidade. Não
se deve porém esquecer, que nossa organização partidâria, ou
nossa tentativa de organização partidâria, não poderia ainda
ser julgada, nos poucos anos em que se exercitou, e que não
a poderiam retirar da infância em que se en'contrava.
03 Partidos Politicos 19
Necessário seria aguardar seu fortalecimento, o que só
poderia dar-se com o próprio exercício da atividade. Criados
em 1945, ou depois, os 20 anos de experiência foram inegàvel-
mente proveitosos. Nem a maioridade haviam atingido, quan-
do o A. I. 2 lhes cortou a vida. Não há porque malsiná-Ios.
Antes, prestaram grandes serviços ao país e sua experiência,
de futuro, servirá aos que lhes sucederem.

10. Na Emenda Constitucional de 1969


Mas façamos breve análise do texto constitucional de 1969,
no que se refere aos partidos políticos e ao sistema eleitoral.
Cuida a Emenda Constitucional n. O 1, de 1969, dos partidos
políticos no capítulo nI do Título n, art. 152, no qual fixa
os princípios fundamentais para a organização, funcionamen-
to ou a extinção dos partidos políticos.
A matéria vem em capítulo à parte, pela primeira vez,
na Constituição de 1967, baseando-se no que fôra estabelecido
pela Lei 4 740.
O projeto da Constituição de 1967, art. 148, sintetizou as
normas, e foi aprovado com um único adendo (fora a emenda
de redação ao inciso VII, do Deputado Rondon Pacheco): o
do inciso In:
"atuação permanente, dentro de programa aprovado pelo
Tribunal Superior Eleitoral, e sem vinculação, de qualquer
natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos es-
trangeiros" .
objeto de nossa Emenda 1/102, resumindo matéria tratada
na Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
As exigências para a existência dos partidos foi agravada
no inciso VII, em relação às que constam do art. 7.° da Lei
n.o 4740. Enquanto esta exigia, pelo menos, 3% do eleitorado,
que tenha votado na última eleição geral para a Câmara,
distribuídos em 11 estados, pelo menos, com o mínimo de 2 %
em cada um; e, no art. 47, n. o 2, determinava o cancelamento
de registro do partido que não elegesse, no mínimo, 12 depu-
tados, distribuídos por sete estados, pelo menos, o n.O 7 do
art. 149 da Constituição de 1967 fixou aquêles mínimos em:
a) 10% do eleitorado;
b) em dois terços dos estados;
c) mínimo de 7 % por estado;
d) 10% de deputados, em, pelo menos um têrço dos estados;
e) 10% de senadores.
20 R.C.P. 3/71
A Emenda n. o 1 alterou apenas o inciso vn e acrescentou
o parágrafo único, como veremos adiante. No mais repetiu o
art. 149 da Constituição de 1967 (em que se transformara o
art. 148 do projeto).

10.1 O art. 152, n.o 1 e a pluralidade partidária


De início, o art. 149 diz que a organização, o funcionamento
e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei fe-
deral - a competência geral da União para legislar sôbre
direito eleitoral está no art. 8.0, XVII, letra b. E deverão ser
observados os princípios que enumera.
"I. Regime representativo e democrático, baseado na plura-
lidade de partidos e na garantia dos direitos fundamentais
do homem."
A afirmação envolve uma declaração de princípios - pro-
fissão de fé democrática, que se fundaria em dois pressupos-
tos: a pluralidade partidária e a garantia dos direitos funda-
mentais do homem.
A propósito do primeiro - pluralidade partidária - ti-
vemos oportunidade de dizer, quando da Constituição de 1967
(A Constituição de 1967 - contribuição critica. p. 126) que
"a conseqüência natural, em face do agravamento das exi-
gências, seria a extinção de alguns partidos menores, poden-
do-se, naturalmente, atingir uma pluralidade partidária sem
os inconvenientes da pulverização partidária, que até então
imperava. O regime anterior à legislação de 15-7-1965, levara
à criação de partidos pessoais, subordinados à vontade de um
chefe, que os dominava e os mantinha sob seu exclusivo con-
trôle. O aparecimento das exigências do art. 7.0 e do art. 47
da Lei n. o 4 740, que poderiam e deveriam ser agravadas ainda
mais, conduziria a um pluripartidarismo de grandes agremia-
ções, pelo processo natural da extinção, da fusão, da absorção
das menores pelas maiores. Ao fim de poucos anos chegaría-
mos a quatro ou cinco partidos, o que nos parece perfeita-
mente razoável".
Por mais que a legislação em vigor autorize a fundação
de novos partidos (e, nessa parte, a Constituição de 1967 e,
depois, a Emenda Constitucional n. o 1 alteraram o texto da
Lei n. o 4740), verdade é, que não conseguimos sair ainda do
bipartidismo compulsório criado em conseqüência do A.I. 2.
Algumas tentativas anunciadas, para a fundação do tercei-
Os Partidos Políticos 21
ro partido, ainda não obtiveram condições, em face das restri-
ções que, mais de fato do que legais, opõem-se à concretização
da idéia.
O problema do pluripartidarismo está, pois, pôsto. Se con-
seguimos, até agora, escapar do partido único, não resta dú-
vida de que o nosso bipartidismo padece de alguns males na-
turais ao período de transição que vivemos.
Conhecem-se as vicissitudes sofridas pelo MDB para con-
seguir o preenchimento das condições de registro e as que
ainda sofre nas lutas estaduais, em face do ostensivo apoio
do Govêrno Federal à agremiação governista.
Temos um bipartidismo consentido, e na medida em que
o consente o govêrno, ainda assim entendido êsse consenti-
mento como autorização para a crítica que não importe em
contestação aos desígnios governamentais, e, menos ainda,
em contestação ao que se convencionou chamar "a vontade
revolucionária", expressa pelo Govêrno.
Ora, se é verdade que o regime democrático deve armar-se
e proteger-se contra os que o queiram submeter, por outro
lado exige que os adversários do Govêrno gozem das garan-
tias que lhes assegurem, plenamente e sem risco, a pregação
de idéias contrárias e o irrestrito direito de crítica.
Verdade também é, que a essa altura, entre nós, quando
os conceitos andam ainda confundidos, a distinção entre sub-
versão e crítica não se fêz nitidamente, o que dificulta, de
um lado, e exercício normal e indispensável da crítica pela
oposição e, de outro, a compreensão exata de seus limites
pelo Govêrno.
Sob êsse aspecto, o exercício da oposlçao vincula-se à
própria concepção geral das garantias aos direitos fundamen-
tais do cidadão. Tendo-se conseguido em 1967, e foi conquista
indiscutível do Congresso, sua inclusão expressa no texto
constitucional, sem a transferência, que se pretendeu no an-
teprojeto do Govêmo (art. 150), de sua delimitação, para a
lei ordinária, nem por isso têm as condições gerais do país
assegurado sua plena e indiscutível vigência.
Haja vista a suspensão, ainda vigorante, do recurso ao
habeas-corpus .
Diante disso, não é possível prever até quando o biparti-
dismo compulsório prevalecerá entre nós.
22 R.C.P. 3/71
10 . 2 A realidade partidária
A propósito, aliãs, analisando as causas da falta de conteúdo
programático e doutrinário dos partidos no Brasil, Prado
Kelly, em seus admiráveis Estudos de ciência política assinala
as seguintes:
"La a exigência constitucional de que o programa dos par-
tidos se harmonize com as linhas do regime, especialmente
com o respeito aos direitos fundamentais do homem;
2. a a sujeição dos sindicatos ao Estado;
3. a a contradição entre o país real e o país legal, ou seja,
entre o país qual é, e o país como deverá ser, cumprida a
Constituição e as leis". (p. 235)
É que nossos partidos, por imposição constitucional e
legal, vivem muito mais das aparências do que da realidade
interna, íntima, que os domina. Obrigados a adaptar-se a
essas imposições legais, têm duas vidas distintas: uma, do
aparente atendimento aos princípios legais e estatutários;
outra, a da pregação e obediência da ideologia que, em ver-
dade, congrega os partidários.
Outro estudioso do problema, Paulo Roberto Motta, em
sua tese sôbre Party movements in Brazil - a study of elite
and milftary strategies, sintetiza as conclusões das obras que
consultou da seguinte maneira (p. 3-4):
"1. Brazilian political parties lack ideological basis and alI
the party movements have been developed around the per-
sonality of one mano
2. Brazilian political parties are not rationally íntegrated
and they are formed on a regional basic. Some of them suc-
ceed in local leaders.
3. Brazilian political parties are controlled by oligarchical
group. The party oligarchy in constituted by local leaders
with national prestige, who not only promote the alliance of
localleaders but also try to impose their will on party norms
and programs.
4. Brazilian political parties since 1945 have tented to ac-
quire the features of class parties."
Os Partidos Políticos 23
Ainda que se possa discordar - e discordamos, de alguma
das conclusões - que, como conclusões gerais, apenas fixam
os aspectos gerais do problema e comportam ressalvas - a
análise vale, no conjunto.

10.3 A representação proporcional na Emenda Constitucio-


nal de 1969
Vale, ainda, relembrar debate que surgiu, entre nós, a pro-
pósito do sistema a ser adotado para a escolha da represen-
tação partidária: enquanto a Constituição de 1946 (art. 56)
fazia expressa referência ao sistema da representação propor-
cional, herdado da Constituição de 1934 (art. 23) e do Código
Eleitoral de 1932, as Constituições de 1967 e 1969 não
a incluíram.
A não-inclusão da referência expressa ao sistema da re-
presentação proporcional tem explicação: quando da dis-
cussão dos projetos de reforma da legislação eleitoral foi o
tema objeto de longas discussões, sustentando alguns que,
por exemplo, a eleição distrital, muito sugerida, era incompa-
tí vel com o sistema proporcional.
Dêsse debate temos viva memória. Quando, por exemplo,
da discussão de nosso Projeto n. o 1 036/1963, introduzindo mo-
dificações no sistema eleitoral brasileiro, foi essa a objeção
que lhe fêz na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara,
o saudoso e ilustre Deputado Monsenhor Arruda Câmara, fri-
sando que o projeto, adotando o sistema da eleição por dis-
tritos, feria o sistema da representação proporcional; e ainda
que a maioria daquela douta Comissão não tenha entendido
assim.
Desta forma, a não-referência ao princípio, expressamen-
te, eliminaria o obstáculo possível à alteração do nosso sistema
de representação.

10.4 O debate sôbre o sistema distrital


A propósito, aliás, parece-nos que o sistema alemão adaptado,
que propusemos, ê o mais conveniente à nossa realidade po-
lítica. De um lado, permite êle a representação das elites (ou
oligarquias, dirão os contrârios) locais, com a escolha dos re-
presentantes distritais; de outro, permite e facilita a criação
dos líderes regionais e estaduais, que se transformarão nos
líderes nacionais.
24 R.C.P. 3/71
Além disso, elimina, ou pelo menos, reduz a proporções
insignificantes dois dos mais sérios defeitos da atual organi-
zação: a disputa entre companheiros do mesmo partido, tor-
nados adversários na busca do voto do correligionário; e o
uso abusivo do poder do dinheiro e do poder público nos
pleitos.
Quanto ao primeiro, conheço-o de experiência própria.
Se não tenho senão motivos de satisfação pelos êxitos das dis-
putas eleitorais em que me envolvi - cinco, duas para a
Assembléia Legislativa de Minas e três para a Câmara dos
Deputados - largamente aquinhoado que fui sempre nas ur-
nas - não esqueci o espetáculo dramático que representa
para os candidatos do mesmo partido a disputa dos votos
eleitorais.
O eleitorado é o mesmo - cobiçado por todos os indica-
dos na legenda partidária. Se a luta contra os adversários não
preocupa, que os campos são mais ou menos delimitados, a
luta entre os integrantes da mesma chapa é surda, desagra-
dável, incômoda, mesmo quando não atinge os limites (muito
próximos) da deslealdade.
Os processos empregados costumam ser sub-reptícios,
manhosos, fingidos, e vão desde a alegação de que o candidato
que se quer alijar está fàcilmente eleito e não precisa mais
de votos, até a alegação contrária de que está derrotado e
votar nêle é perder voto. . ..
Ambas igualmente usadas, sem muito escrúpulo, e ambas
perigosas.
A votação, no sistema proposto, teria o condão de elimi-
nar essa disputa, já que cada candidato teria o seu distrito
e poderia mesmo, cavalheirescamente, participar da campa-
nha dos companheiros de partido em outros distritos.
Por outro lado, os nomes indicados como candidatos ge-
rais, em pequeno número, e, em geral, de ampla aceitação e
prestígio, fariam campanha menos agressiva pela própria con-
dição em que se colocam.
Quanto ao segundo, também o sofri na carne: o uso do
dinheiro e do poder público nas eleições.
O dinheiro dos candidatos e dos cabos eleitorais dos can-
didatos procura comprar indistintamente os chefes partidá-
rios locais de qualquer legenda. Não respeita fronteiras nem
conveniências, e assume tôdas as formas, mais ou menos os-
tensivas: vai desde a doação a instituições de caridade, ou ao
Os Partidos Políticos 25
poder municipal para a realização de obras públicas de inte-
rêsse mais ou menos geral, até a compra individual do voto,
mediante a entrega do dinheiro vivo do eleitor. Entre êsses
dois limites, assume tôdas as formas que a imaginação possa
supor: a compra dos chefes eleitorais, a compra de cabos elei-
torais, a doação de bens de uso, utilidades, o fornecimento da
alimentação nos quartéis e currais, o empréstimo de bens de
uso (jeeps, alto-falantes etc.), tôdas as formas imagináveis,
em que é fertilíssima a mente humana, principalmente dos
candidatos.
De outro lado, o dinheiro do poder público, ou a fôrça do
poder público: utilizado aquêle na realização de benefícios
gerais ou particulares (estradas, pontes, campos de fute-
bol etc.), começados, feitos, ou apenas prometidos à véspera
dos pleitos; utilizada a fôrça do poder público na conquista
suasória dos votos em troca de nomeações de tôda ordem;
ou na ameaça velada de perseguições e represálias; ou mesmo
na intervenção direta da autoridade, ou fôrça policial, no
pleito ou na arregimentação eleitoral.
Tudo isso se faz por mil e uma maneiras, conforme a ca-
pacidade do autor e da clientela eleitoral, dosado com inteli-
gência e malícia, ou aberto em ignorância e violência.
Pois bem. No distrito, onde os candidatos serão conheci-
dos do eleitor, mantenham com êle relações às vêzes pessoais,
essa atuação do dinheiro e da fôrça pode ter menor êxito. Se
a área é, em verdade, restrita, e permite a maior concentração
de ataque dos corruptores, por outro lado facilita, pelas con-
dições locais, a defesa contra a corrupção.
O grande mal do distrito - a eleição possível de elemen-
tos muito vinculados às conveniências restritas do meio dis-
trital, será mitigada com a eleição dos representantes gerais.
Por outra parte, possibilitará o conhecimento direto das con-
veniências locais de modo mais exato. E se tôdas as conveniên-
cias locais se conhecem, há caminho aberto para conhecimen-
to das conveniências gerais.
O problema é complexo, mas merece análise mais detida
pelos reflexos na representação, a que, infelizmente, não nos
podemos dedicar agora.

10.5 A pluralidade partidária e a representação proporcional


A pluralidade partidária, também prevista no artigo, virá a
seu tempo, quando as condições democráticas se normaliza-
26 R.C.P. 3/71
rem e a livre vinculação puder dar-se. Dependerá, por certo,
do surgimento de novas lideranças políticas, que ou não se
afirmaram ainda, ou não encontraram meio propício para
surgir.
É possível que surjam, então, como organizações perma-
nentes - e que deveriam obrigatOriamente denominar-se par-
tido - duas ou três do centro, possivelmente, com uma de
direita e uma de esquerda, o que é perfeitamente normal.
A pluralidade partidária surge naturalmente, e, segundo
os autores, é conseqüência normal e inelutável da representa-
ção proporcional (ver, por exemplo, Barbosa Lima Sobrinho.
Sistemas eleitorais e partidos políticos; Themístocles Caval-
canti, Cinco estudos; etc.).
O Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua tese
sôbre Os partidos políticos nas constituições democráticas, sa-
lientando êsse fato chega a afirmar que:
"por êsse motivo, a representação proporcional, depois de
1950, perde terreno cada vez mais, tentando o legislador, atra-
vés de prudentes medidas, reduzir o número de partidos ou
conseguir, pelo menos, a cristalização de maioria estável"
(p. 88).
A pluralidade tem vantagens, mas não lhe faltam defei-
tos. Prado Kel1y resume-o com segurança:
"O pluripartidismo padece, ao contrário, do excesso de quali-
dades de que proveio. Foi a obra involuntária de teóricos e
professôres, que procuraram dar à representação um sentido
quase perfeito, como síntese da opinião pública fragmentada
- o estado de partidos.
"O seu principal inconveniente, a nosso ver, não é a prolüe-
ração de grupos, alargando e estratüicando as divergências
nacionais."
" . .. o que nos inquieta em relação à pletora de partidos é a
tendência do vencedor para aniquilar, pela fôrça ou pela se-
dução, os adversários; porque êsse leva ao partido único, isto
é, à ditadura" (Estudos de ciência política. v. 1, p. 218).
Entre nós, a representação proporcional levou à pulveri-
zação partidária, facilitando a existência de partidos exclusi-
vamente dependentes da vontade pessoal do seu chefe. A ex-
tinção dos partidos teve o efeito contrário, de criar o biparti-
dismo forçado, de cima para baixo, temporário e falso.
Os Parttdos Políticos 27
Paulo Roberto Motta (op. cit., p. 81) diz:
"An examination of the provisions of Act n. o 4 (sic) reveals
that three new factors were introduced into party politics:
first, the institutionalization of bi-partisanship as a govem-
mental imposition; second, the pro-tempore nature of the
parties determined by law; and third, the transference to the
Congress of all the functions of articulating and aggregating
interests in order to form the new political parties."
O certo é que tudo se tem feito para dar vitalidade às
duas organizações existentes, que, não obstante, continuam
não existindo senão em função da determinação legal e da
ação governamental nesse sentido.

10.6 O inciso II do art. 152


O inciso I! do art. 152 continua:
"I!. personalidade jurídica, mediante registro dos Estatu-
tos."
A personalidade jurídica dos partidos políticos, como as-
sinalamos, é, há muito, reconhecida entre nós.
O registro dar-se-á no Tribunal Superior Eleitoral (art.
3.0 da Lei n. o 4740) e dos seus estatutos, obviamente, consta-
rão as normas de direção e organização administrativa e po-
lítica, respeitados os princípios da legislação vigente, estabe-
lecidos nos arts. 8.0 e sego da Lei n. O 4740.

10.7 O inciso III do art. 152


O inciso lI! do art. 153 impõe:
"IH". atuação permanente, dentro do programa aprovado
pelo Tribunal Superior Eleitoral, e sem vinculação, de qual-
quer natureza, com a ação de governos, entidades ou partidos
estrangeiros. "
O inciso nasceu de emenda nossa, n. o 1/102, resumindo
matéria tratada na Lei n. o 4740 e reunindo num só artigo
duas proposições acolhidas na Comissão que debateu o ante-
projeto do Govêrno, de que redundou a Lei n. o 4740: a) a
atuação permanente; b) a não-vinculação dos partidos nacio-
nais à ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros.
28 R.C.P. 3/'11
Quanto à atuação permanente, representou a determina-
ção uma das mais importantes conquistas do nosso regime
partidário. Com efeito, o que caracterizava, até então, os nos-
sos partidos era a atuação apenas às vésperas dos pleitos,
quando os candidatos se empenhavam na disputa dos votos
e surgia o partido como reflexo dessa disputa. Passadas as
eleições, morriam os partidos, cujo nome servia apenas para
valorizar os que se aproveitavam dos cargos da direção, salvo
raras exceções.
O dispositivo, incluído na Lei n.o 4740, art. 75, fixava
algumas medidas visando a assegurar essa função permanen-
te, procurando tornar efetiva a organização dos partidos no
País.
Quanto à não-vinculação com a ação de partidos, gover-
nos ou entidades estrangeiras, decorreu - lembre-se, a bem
da verdade - de sugestão do próprio Presidente Castelo Bran-
co, acolhida e redigida pela Comissão. Não poucas vêzes assis-
tiu-se, no País, à tentativa de reprodução de atitude, tomada
de posições, semelhantes à de partidos existentes em outros
países, numa ostensiva demonstração de vinculação, ou desejo
de vinculação nacional ou alienígena. Procurou-se explorar
até a simples identidade de denominações de uns e outros.
Que dizer-se dos males oriundos da efetiva vinculação que
se verificasse? Daí a procedência da proibição constitucional,
já constante do art. 4.0 da Lei n. o 4740.

10.8 O inciso IV do art. 152


o n. ° 4 determina a fiscalização financeira, que, aliás, vem
especüicada na Lei n. o 4740, arts. 54 e sego ("Das Finanças
e Contabilidade dos Partidos") e 60 a 74 ("Do Fundo Parti-
dário") .
São dispositivos que deverão ser revistos, mas que, de
modo geral, prevêm o regime financeiro a ser obedecido pelos
partidos. Frise-se que esta é matéria de suma importância
na organização partidária. Um dos grandes problemas que os
partidos enfrentam é o de assegurar a sobrevivência, ante as
dificuldades com que lutam: de um lado, as despesas obriga-
tórias - sede, pessoal, material permanente, custeio, em geral,
sem se falar nas publicações, propaganda etc.; de outro, a
escassez de receitas, que só percebem nos períodos de disputa
acirrada, pois as contribuições permanentes quase sempre
Os Partidos Políticos 29
minguam, quando não desaparecem, após os pleitos, mesmo
vitoriosos, e, mais ainda, na derrota.
Inexistindo, pode dizer-se, até a Lei n.o 4740 a atuação
permanente, os partidos viviam, nos períodos pré-eleitorais,
da contribuição dos serviços e em dinheiro dos partidários;
passada a campanha, ficavam às môscas, aparecendo apenas
alguns elementos mais interessados, ou desejosos de inculcar-
se à direção, enquanto os outros os abandonavam por com-
pleto. Nem havia recursos com que assegurar-lhe a atuação.
O mais que se conseguiu, e já há pouco tempo, foi a obriga-
toriedade, que em alguns se fêz, da contribuição dos que as-
sumiam mandatos remunerados, eleitos pelo partido, e que,
desta forma, asseguravam recursos para, pelo menos, pagar
o aluguel da sede e pessoal indispensabilíssimo.
A criação do Fundo Partidário, na Lei n. o 4740, atendeu,
assim, a necessidade inadiável. Desde logo, tentou-se incluir
no orçamento, nos têrmos do art. 61 da Lei n.o 4740, os re-
cursos para constituí-lo, mas, ao que parece, nada ainda se
efetivou.
A efetivação do Fundo Partidário permitiria combate
mais real à corrupção eleitoral, como é fácil demonstrar. Uma
das causas do atual avassalamento das campanhas eleitorais
pelo dinheiro é a incapacidade dos partidos de realizarem, êles
mesmos, a sua propaganda e dos seus candidatos. No momen-
to em que isto se verificasse, seria possível às autoridades elei-
torais controlar os gastos dos candidatos, fixando as despesas
que poderiam realizar em natureza e montante.
Por ora, prevalecem-se os candidatos da miséria financei-
ra dos partidos e fazem êles, como lhes convém, a campanha,
mais ou menos onerosa segundo os recursos de que dispõem
e a voracidade dos chefes políticos com os quais lidam.

10.9 O inciso V do art. 152


O n. o 5 cuida do problema também da maior gravidade - a
disciplina partidária.
A propósito, dissemos naqueles nossos breves comentários
(A Constituição de 1967 - contribuição crítica. p. 128-9):
"Uma das falhas da organização partidária anterior era a
possibilidade de mudanças de partido, o que criava situação
anômala: eleito por uma legenda, à qual se acolhia para a
disputa eleitoral, o eleito, quando conveniências de qualquer

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natureza se apresentavam, mudava de legenda, com reflexos
na organização partidária: de ordem moral, pelo que repre-
sentava como descumprimento de compromissos assumidos
com o eleitorado; de ordem política, pelo que significava como
fuga aos deveres partidários, tomados antes do pleito. A dança
das legendas era um dos males que exigiam correção, na or-
ganização partidária anterior ao Ato Institucional n. o 3. As
tentativas, inúmeras, para obviar a êsse inconveniente, foram
baldadas. Mais de uma vez se tentou consegui-lo (nós mesmos
o propusemos, em projeto de reforma da lei eleitoral), mas
as tentativas esbarravam no que, a muitos, parecia obstáculo
de ordem constitucional: não prevendo a Constituição a hi-
pótese da perda do mandato pela mudança de legenda; não
havendo nenhum dispositivo superior que obrigasse à disci-
plina partidária; tôdas as tentativas caíam ante a alegação,
muito formalista, em nosso entender, de inconstitucionali-
dade.
Agora, com a inclusão do princípio da disciplina partidária,
expressa na Constituição, será possível cominar penas aos de-
sobedientes, o que não fôra possível na Lei n. o 4740."
Mais ainda: o parágrafo único do art. 152 da Constitui-
ção inclui medida violenta, que se expressa:
"Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na
Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e
nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se
opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos
de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi
eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Elei-
toral, mediante representação do partido, assegurado o di-
reito de ampla defesa."
O dispositivo não constava nem da Constituição de 1967
nem das anteriores.
Com isso, expressamente se determinou a perda do man-
dato aos que desobedecerem à disciplina partidária, e em têr-
mos amplissimos. De certo modo, até, além do que seria con-
veniente.
O parágrafo único fala que:
"por atitudes ou pelo voto" - o que não deixa de ser - quan-
to às atitudes, algo impreciso e sujeito a interpretações di-
versas;
Os Partidos Políticos 31
e "em diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de
direção partidária" - o que envolve, evidentemente, a fixação
de o que é diretriz legitimamente estabelecida. Dir-se-á que
são aquelas tomadas em obediência ao programa do partido.
Mas ainda assim as circunstâncias políticas, as conveniências
de situação, as paixões exacerbadas tornam a caracterização
düícil.
O outro caso - êste é incontroverso: "deixar o partido
sob cuja legenda foi eleito". Unânimemente, pode dizer-se, ad-
mite-se que o representante que, eleito por um partido, o
abandona, deve perder o mandato. É que o mandato, num
regime partidário, pertence ao partido. Sem se falar na trai-
ção ao eleitorado, caracterizada pelo fato de um representante
mudar de legenda sem que pudesse legitimamente, ouvir o
eleitorado que o elegeu em um partido sôbre a mudança para
outro.
Infelizmente, isto ocorreu, com relativa freqüência, nos
regimes anteriores, sem que fôsse possível ao partido desfal-
cado tomar qualquer providência além das sanções morais,
mas, infelizmente ainda, inócuas.
Pelo texto agora incluído, a perda do mandato será de-
cretada pela Justiça Eleitoral, precedendo a isso a represen-
tação do partido interessado, e assegurado amplo direito de
defesa ao acusado.
Essa defesa, como é óbvio, pode fundar-se em que a deli-
beração partidária foi ilegítima, por exemplo, por ausência de
quorum exigido, por não representar a exata interpretação da
norma estatutária ou programática etc., reservando-se a úl-
tima palavra à autoridade judicial eleitoral.

10.10 O inciso VI do art. 152


O inciso VI refere-se ao "âmbito nacional" dos partidos, "sem
prejuíw das funções deliberativas dos diretórios locais". Nossa
organização política obriga à ressalva das deliberações dos
órgãos locais. Em várias órbitas desenvolve-se a atividade
partidária: nos distritos, na escolha dos juízes de paz; nos
municípios, nas escolhas dos vereadores, prefeito e vice-pre-
feito; nos estados, nas dos deputados e senadores, governado-
res e vice-governadores; no âmbito nacional, na do presidente
e vice-presidente da República.
Em tôdas essas órbitas tomam-se deliberações, evidente-
mente subordinadas tôdas à orientação geral traçada pelos
32 R.C.P. 3/71
órgãos nacionais do partido, nos quais, em tese, se represen-
tam tôdas as tendências dos demais escalões.
É claro, porém, que, dentro de cada estado, sobretudo,
prevalecem certos interêsses regionais a que os partidos aten-
dem. E em cada círculo de competência são vâlidas as deli-
berações dos órgãos locais.

10.11 O inciso VII do art. 152


o item VII fixaas condições mínimas para a organização dos
partidos nacionais:
"5% do eleitorado que haja votado na última eleição geral
para a Câmara dos Deputados;
distribuídos, pelo menos, em sete Estados;
com o mínimo de 7 % em cada um dêles."
Essas condições eram mais rigorosas na Constituição de
1967:
"10% do eleitorado;
distribuídos em 2/3 dos Estados, vale dizer 14 Estados;
com o mínimo de sete por cento em cada um;
e mais de 10% dos deputados em pelo menos 1/3 dos Esta-
dos (7) e
10% dos senadores (7)."
E mais rigorosas na Emenda Constitucional de 1969 do
que na Lei n.o 4740, onde apenas se exigiam:
"3% do eleitorado; distribuídos em (11) onze Estados, com o
mínimo de 2% em cada um."
No projeto do Govêrno que se transformou na Lei
n. o 4 740 aquela distribuição far-se-ia por 15 estados no mí-
nimo.
Sempre fomos favoráveis a exigências mais drâsticas,
processo natural de obrigar a existência de partidos nacio-
nais de maior importância, impedindo o grande mal de nossa
organização partidâria - a pulverização partidâria.
É que pela Lei n.o 1164, de 24-7-50 (art. 132, 1.0) basta-
vam 50 mil eleitores, distribuídos por cinco ou mais circuns-
crições eleitorais, com o mínimo de mil eleitores em cada uma,
para a constituição de um partido. Ora, qualquer político, de
razoâvel expressão eleitoral local, poderia abalançar-se à cria-

Os Partidos Políticos 33
ção de um partido. E foi o que aconteceu, com o aparecimento
de partidos que apenas serviam aos interêsses de seus donos,
não assumindo nunca o âmbito nacional que se exigia.
A atual redação do texto obviou - provàvelmente, sem
o desejar - a um grave problema que surgiria com o texto
da Constituição de 1967. É que êste exigia para a organização
de um partido, 10% de Deputados em pelo menos um
têrço dos estados, e 10% de Senadores.
Ora, fixado o conceito de disciplina partidária, nos têr-
mos do atual parágrafo único do art. 152, seria vedada a cria-
ção de novos partidos: o partido não poderia eleger deputados
e senadores antes de constituir-se, é claro; e os de outro par-
tido não poderiam servir à sua organização, porque perderiam
o mandato ...
Agora, com a redação do n. O 7 é possível a criação, que,
por certo, a médio prazo, pelo menos, se dará, segundo nos
parece.

10.12 O inciso VIII do art. 152

O item VIII estabelece a proibição de coligações partidá-


rias. Essa proibição advém da experiência de coligações de
agremiações, sem qualquer identidade ideológica, ou vínéulo
programático, que se uniam, às vésperas dos prélios políticos,
objetivando a conquista dos cargos públicos. Conseguidosês-
tes, e partilhados, de acôrdo com as conveniências nem sem-
pre elevadas dos aliados, desfaziam-se as coligações, frustran-
do-se a vontade do eleitorado e o interêsse geral.
Em nossa emenda 1102 pleiteávamos, ainda, que os par-
tidos usassem obrigatOriamente essa denominação - partido.
Parece-nos inconveniente a utilização de outras denomina-
ções, que lhes desfiguram a natureza e lhes retiram a idéia
de permanência, que devem ter.
As denominações, por exemplo, das atuais organizações
políticas nacionais dão a idéia de transitoriedade: ALIANÇA
Renovadora Nacional e MOVIMENTO Democrático Brasileiro.
Em verdade o são, pela própria natureza, pelo processo
de criação, em que não colaboraram as fôrças populares, cons-
tituídas que foram por determinação do poder público.
34 R.C.P. 3/71
11 . Considerações finais
Essas foram algumas breves observações que nos ocorreram,
objetivamente, a propósito do tema, e tendo em vista a evolu-
concreta dos textos legais em nosso País.
É desnecessário salientar a importância do debate. Basta-
ria apenas para, afinal, ressaltá-lo, lembrar as palavras de
Segundo V. Lmares Quintana no seu Los partidos políticos
instrumentos de Gobierno":
"Los partidos políticos, dentro de la moderna concepción que
a su respecto prevalece hoy, constituyen no solamente ele-
mentos esenciales de las instituciones democraticas, sino, ade-
más, verdaderos instrumentos de gobierno, aI erigir-se, cada
dia más, en los medios por los cuales son formuladas las po-
líticas públicas y los programas legislativos" (p. 75).
:l!:sse o pensamento generalizado, que Burdeau expressa,
semelhantemente:
"La structure, le rôle et les fins des partis politiques ont
acquis, dans la vie politique, une importance telle qu'à bien
des égards c'est d'eux seuls que dépend, aujourd'hui la quali-
fication du régime polítique " (Traité, 1, 353).
Aos poucos, iremos aprendendo esta verdade e dia virá
em que a transformaremos em realidade democrática.

Administração Pública ou Administração de Emprê-


sas, Ciência Política ou Contabilidade, Economia ou
Psicologia, Direito ou Didática são assuntos que não
têm segredos para a Fundação Getúlio Vargas.
Seus livros e periódicos abrangem todos êsses campos
e são encontrados nos seguintes locais:
Praia de Botafogo, 188
Av. Graça Aranha, 26 -.lojas C e H
Reembôlso Postal: CP 21.120 - ZC-05
Rio de Janeiro - GB

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