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As formas rituais e simbólicas para o entendimento da cultura popular e da

cultura das elites1.

O uso de símbolos, imagens visuais e textos são comuns nas representações.


Todo regime político estabelece em sua base um imaginário social constituído por
utopias e ideologias, mas também por mitos, símbolos e alegorias, elementos poderosos
na conformação do poder político, especialmente quando adquirem aceitação popular. A
compreensão do porquê em momentos de mudança certos símbolos vingam e outros não
advém por meio da atenção à emissão e também à recepção, divulgação e consumo
desses mesmos símbolos, que não é em si aleatória, nem mero objeto de manipulação.
Dom Pedro II, no Brasil, compactou com uma cultura que europeizou-se com
sua presença e tornou-se mestiça, negra e indígena no convívio, por certo desigual, de
tantas culturas. Na dinâmica interna entre estas vingaram a reelaboração e a criação de
novas imagens e rituais. Em meio à população negra e mestiça, os brancos passavam
inteiramente despercebidos. Príncipes oriundos da costa africana, reis alegóricos das
congadas, caravanas e batuques permitiu uma convivência entre reis que possibilitou o
surgimento de compreensões diferentes da realizada e mesmo de certa recepção positiva
da monarquia.
No Brasil, religião e realeza estão ligadas de forma peculiar. Os imperadores
eram ungidos e sagrados numa tentativa de dar sacralidade a uma tradição cuja
inspiração era antiga, mas a realização datada. Os monarcas ganham santidade enquanto
os santos adorados ganham realeza; quando mantos imperiais convivem com mantos
divinos, o imaginário da majestade acaba permeando fortemente o catolicismo
brasileiro. Ao voltar o diálogo entre categorias culturais distintas, percebemos a
presença de elementos comuns em sua forma que permitem entender o estabelecimento
de um repertório local e particular de imagens da monarquia.
De acordo com Schwarcz, o regime brasileiro, desde o momento de sua
fundação, dialogou com as culturas locais, criando novos significados para tradições
longínquas, o que permitiu um contraste interessante com relação às outras regiões da
América que rejeitavam a monarquia nos moldes europeus. Entre continuidades e
rupturas dinásticas, persistências rituais e atualizações, misturaram-se valores seculares
e profanos: não se abriu mão da origem europeia, mas esta se combinou com um
ambiente singular.
1
Carla Teixeira – Aluna do Mestrado em História – UNESP - FCL/Assis.
A escolha do hino nacional no período pós-república, que continuou a ser o
mesmo do período imperial, e até mesmo a bandeira nacional, continuavam a ostentar
os vínculos de tradição monárquica. A versão onde se mantém as cores e os brasões das
famílias reais europeias na bandeira brasileira nos coloca diante de um caso de
redefinição, típico do nosso processo cultural: elementos tradicionais do armorial
europeu, com seu significado preciso de homenagem aos soberanos da jovem nação
passavam a representar nossa realidade física, destituídos de seu significado anterior.
Na França, As imagens visuais ilustravam os textos ou o contrário, mas importa
que eles se influenciavam e reforçavam mutuamente. Medalhas e monumentos eram
reproduzidos em gravuras. Abundavam as representações de representações do rei e de
seus feitos. A importância dos meios passíveis de reprodução mecânica merece
destaque. As reproduções ampliavam a visibilidade do rei, os impressos contribuíam
consideravelmente para a difusão tanto de aspectos de Luiz XIV, como de informações
a seu respeito. As letras de músicas dos balés e das óperas frequentemente
incorporavam referências elogiosas aos feitos do rei, sobretudo nos prólogos. Eventos
que mostravam a figura viva do rei, como sua unção e casamento, eram a tal ponto
ritualizados que podem ser vistos como minipeças teatrais.
De acordo com Peter Burke, quanto à função da imagem, ela era exercida com a
finalidade de celebrar Luiz, glorifica-lo, persuadir espectadores, ouvintes e leitores de
sua grandeza. A maioria das pinturas do rei se enquadra no gênero a que os
historiadores da arte chamam de “retrato solene”, construídas segundo a “retórica da
imagem” desenvolvida durante o Renascimento para a pintura de pessoas importantes.
Tanto em poesia como em prosa, a imagem do rei era mergulhada em retórica
triunfalista. A hipérbole é uma figura retórica constantemente empregada nessa
literatura de exaltação. Outra figura de retórica recorrente é a metáfora, como na
clássica comparação do rei com o sol. Frequentemente o rei era representado ao lado d
figuras alegóricas e personificações como Netuno ou Vitória. Representações do
passado era outro tipo de alegoria, devendo com frequência ser entendidas como
referências indiretas ao presente. A imagem do rei era constantemente associada a de
heróis do passado.
Os costumes, discutido como tema por Thompson em sua obra, se manifestaram
na cultura dos trabalhadores do século XVIII, que estavam sujeitos à pressões para
retomar sua cultura segunda normas vindas de cima, uma vez que a alfabetização
suplantava a transmissão oral e o esclarecimento escorria dos retratos superiores aos
inferiores. De acordo com o autor, ao analisar os traços característicos da cultura plebeia
nas sociedades rurais identificava-se que ela trazia em si atribuições da cultura
“tradicional”. Na herança trazida pela plebe era possível identificar relevantes
definições marcadas pelo costume.
Para Thompson, o exame do comportamento das classes trabalhadores no século
XVIII ultrapassava a preocupação centrada na questão econômica. A atenção ao
simbolismo do protesto e a decodificação da rough music são pontos importantes para
que não se subestime o processo criativo de formação de cultura a partir de baixo. Por
mais peculiar que fosse, a “venda da esposa” desempenhou o papel de um divórcio
como ritual mais acessível que qualquer outro expediente que a cultura de elite pudesse
oferecer. Os rituais da rough music, por mais cruéis que pareciam ser não eram mais
vingativos e característicos que os rituais de uma comissão especial de julgamento.
Apesar da interação entre símbolos, tradições e superstições da cultura plebeia com a de
elite, é fato que ambas não se confundiam.
Thompson afirma a existência de uma cultura popular, tradicional e
relativamente independente, pois nem sempre estava ligada à Igreja Católica ou às
autoridades. Cultura é um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma
transição entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado. O confronto anunciado
demonstra traços postos da formação de classe e da consciência de classe. Em certo
sentido, a cultura plebeia é do povo, tida como uma defesa contra as instruções do clero
e da gentry. Consolida tais costumes que servem aos interesses do povo: as tavernas são
suas, as feiras são suas, a rough music está entre seus meios de auto-regulação.
A cultura popular e de elite pode ser entendida como um processo plural e em
constante (re)criação, uma vez que se dava como forma de resistência à ideologia
dominante ou o contrário, como fruto desta mesma dominação entendida como o
resultado de uma relação de tensão entre os interesses das elites e os interesses
populares; esta última redefinida como um espaço de disputa no qual se reproduzem
simbolicamente as relações de forças sociais e de poder vigente na sociedade.
Bibliografia
BURKE, P. A fabricação do Rei. A construçã o da imagem pú blica de Luiz
XIV. Trad. Maria Luiza X. de Borges. Rio de Janeiro, Zahar, 1994; p. 27-49.
SCHWARCZ, L. M As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos
tró picos. 2ª. ed. Sã o Paulo, Companhia das Letras, 1998. p. 11-43.
THOMPSON, E. P. Rough Music. In: Costumes em Comum. Estudos sobre a
Cultura Popular Tradicional. Trad. Rosaura Eichemberg. Sã o Paulo, Companhia das
Letras, 1998. p. 353-397.

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