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O documento iconográfico e literário como matéria prima para a produção

do conhecimento em história cultural1.

O uso da literatura e de iconografias como documento histórico, em suas

diferentes formas e expressões, permite ao historiador acessar dimensões do passado

que nem sempre são alcançadas por meio das fontes oficiais. Os textos literários

possibilitam, do presente, aprofundar as leituras de uma realidade passada quem nem

sempre é (re)conhecida, captando e significando sensibilidades, costumes e hábitos não

facilmente visíveis, o que proporciona uma aproximação com realidades afetivamente

vividas e com modos de ver e sentir que escapam a outras formas de discurso.

No Brasil, as políticas de dominação paternalistas foram efetivas e constantes

durante o século XIX. A imagem da inviolabilidade senhorial é exposta com maestria

por Machado de Assis. Como aponta Chalhoub ao expor as obras de Machado, não

existe lugar social fora das formas instituídas de hierarquia, autoridade e dependência. É

importante notar que o paternalismo é apenas um mundo idealizado pelos senhores, a

sociedade imaginária que eles sonhavam realizar no cotidiano. O fato é que a alteridade,

a diferença, vazava a rotina mesmo do diálogo inevitável entre sujeitos socialmente

desiguais. Como aponta Chalhoub, Machado foi um intérprete incansável do discurso

político possível aos dominados em tais situações que traziam sempre o risco do deslize

que provocariam atos de agressão e humilhação dos detentores das prerrogativas

senhoriais. Tal enredo não colocava os subordinados em situações de passividade, mas

os incitava a afirmar a diferença no centro dos rituais de dominação senhorial.

Em Helena, Machado de Assis demonstra o antagonismo entre senhores e

dependentes - É importante ressaltar que neste momento da obra estamos na década de

1850, período que configurou-se na memória política como apogeu do Segundo

Reinado. O Personagem Estácio está satisfeito consigo mesmo, exercendo naturalmente


1
Carla Teixeira – Mestranda em História – Unesp/Assis.
Disciplina: História e Cultura.
os direitos e deveres que lhe davam a idade e a classe em que nascera. A personagem

aparece, nesse caso, como o representante de uma dominação incontestada, orgânica,

virtuosa, abençoada pela religião e polida pela ciência.

Iaiá Garcia, demonstra momentos decisivos da crise do paternalismo,

possibilitando traçar um amplo painel das mudanças históricas do período. Dom

Casmurro vem posteriormente, como uma alegoria da experiência da derrota de todo

um projeto de dominação de classe. No momento em que os detentores das

prerrogativas senhoriais começam a desconfiar da autenticidade dos movimentos dos

subordinados, passando a atribuir-lhe capacidade de representação e teatralização, ficam

prestes, como aponta Chalhoub, a adotar a visão de que esses são sempre

universalmente falsos e enganadores e mentirosos.

Como a literatura denuncia fatos do cotidiano social de uma determinada época

e lugar, a arte teatral também abre espaço para debate. Comparados ironicamente a

templos, os teatros são ao mesmo tempo o ponto máximo da elegância frívola e o lugar

em que a exaltação literária e musical pode chegar ao mais alto grau. Como aponta

Starobinsky, Rousseau idealizou uma festa que será uma assembleia de um povo que

encontra na exaltação de uma liberdade partilhada. A reciprocidade das consciências,

provocadas pelo sentimento de horizontalidade, torna-se a substância da festa. A

abolição iconoclasta do cenário vivido proclama que a presença do povo basta, com sua

intensidade, parar criar o acontecimento global da festa. Em nome da transparência dos

corações, uma exigência austera abandona, expulsa as imagens, instala um culto de

presença ura. A Presença real torna-se necessária. O Iconoclasmo ataca os simulacros. É

ainda um espetáculo, é ainda uma imagem, só que embaraçosa, já que pretende

substituir a vida às imagens.


Enquanto se deseja ver apagarem-se todas as formas exteriores, novas formas

surgem. É com a transparência dos corações que sonhava Rousseau, buscando na

antiguidade exemplos. Não trata-se apenas de imitar a antiguidade, mas de olhá-las em

sua verdadeira distância, para reconhecer a diferença irredutível que nos separa delas e

que nos faz homens modernos.

Em toda parte da Europa os príncipes oferecem festas a seus súditos. Como

descreveu Voltaire: “Não há meio de resistir ao carrossel que acabo de ver: era ao

mesmo tempo o carrossel de Luís XIV e a festa das lanternas da China. (...) Não se pode

ter uma idéia correta da beleza, da singularidade deste espetáculo”. A impressão de

grandiosidade era passada como uma maneira de ostentação do poder. Função clara das

festas e rituais. Porém, as festas que os povos ofereciam aos príncipes eram de natureza

inquietante. De acordo com Starobinsky, tudo leva a crer que a amotinação

revolucionária é vivida em forma de espetáculo. Diversos documentos levam a supor o

rumor de palavras grandiloquentes. Durante a comemoração da Tomada da Bastilha,

quando se queimou um imenso troféu de emblemas monárquicos e feudais, o clarão do

fogo alegórico põe em ação a forte retórica dos signos com que haviam sonhado os

filósofos.

Bibliografia

STAROBINSKY, J. A festa iconoclasta. In: A Invenção da Liberdade. São Paulo, Editora


Unesp, 1994.

STAROBINSKY, j. Espetáculos. In: A Invenção da Liberdade. São Paulo, Editora Unesp,


1994.

CHALHOUB, S. ; PEREIRA, L. A. M. A História Contada. Capítulos de História Social no


Brasil. São Paulo, Nova Fronteira, 1998.

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