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DOM CASMURRO E

O FIM DO IMPÉRIO

Alessandro de Almeida*

RESUMO
o artigo propõe-se a compreender a interação entre a
História e a Literatura. Privilegia Machado de Assis e a
obra Dom Casmurro,buscando identificar aspectos rela-
cionados à decadência da sociedade escravocrata impe-
rial. Com a utilização desta obra, procuraremos demons-
trar que a Literatura pode caminhar junto à História e
oferecer possibilidades para entendermos que a análise
de um período vai muito além das datas e dos grandes
heróis.

" Graduando do 2° Ano de História. 5° período de Letras/Espanhol e inte-


grante do grupo de pesquisa "História em Cena" da Universidade Estadual
de Montes ClarosIUNIMONTES.

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VÍNCULO - Revista de Letras da Unimontes
Montes Claros, v.2, p. 7-185, fev. 02

Introdução

A obra e o autor em questão despertaram nossa atenção


por muitos fatores, dentre estes destacaremos: o fato de Ma-
chado de Assis ter sido um autor coevo à obra Dom Casmurro,
considerado como representação' da sociedade; a importância
da religiosidade tanto na obra como no período; a desmitificação
da utilização da literatura por historiadores e demais conside-
rações que nos propomos a discutir no decorrer da análise. Em
Dom Casmurro,o autor cria suas personagens fictícias e as colo-
ca na realidade contingente evidenciando que, além de afasta-
do dos delírios e das paixões; busca analisar os enigmas psico-
lógicos dos seres humanos escondidos na banalidade dos diaS"
Procurando descobrir as intenções de Machado de Assis na obra,
John Gledson enfatiza que:
Seu engenho e inteligência superior não são postos em
dúvida; mas espero mostrar que o que lhe confere a agudeza, a
lâmina pontiaguda, é a sua visão da sociedade na qual se criou,
na qual teve muito sucesso profissional, mas que - traz em um
nível que se encontra expressão em suas maiores obras - talvez
detestasse. (GLEDSON,1991: 17).
Essa sociedade possivelmente detestada e ironizada por
Machado de Assis entrou em crise a partir de 1870, quando
uma série de sintomas se articularam e determinaram a crise e
finalmente a ruína do Segundo Reinado. Podemos destacar o
fim da escravidão, as tensões entre Estado, Exército, Igreja e o
início do movimento republicano,ccuja base social nas cidades
era constituída principalmente de profissionais liberais e jorna-
listas. (FAUSTO,1998). Machado de Assis, apesar de ser um jor-
nalista e comungar com as idéias republicanas, era também fim-
cionário público do Império. Talvez encontremos aí justificativa
238
=~"'.
ALMEIDA, A. Dom Casmurro e o Fim do Império

tanto para sua angústia, citada anteriormente, como para a


maneira camuflada com que descreve as tramas e os persona-
gens do romance Dom Casmurro.
Neste sentido, discorreremos acerca de alguns persona-
gens como Bentinho, Capitu, José Dias e o leproso Manduca.
Nosso maior enfoque estará direcionado a Bentinho como um
narrador que conta sua história de definhamento inevitável,
assim como aconteceu com a sociedade escravocrata e todo o
Segundo Reinado. Porém, faz-se necessário também nos ateI'
aos demais personagens, que nos ajudaram a entender a trama
e compreender certos aspectos da própria estrutura social da
época.
Percebemos também na obra, características típicas de
Machado de Assis e do realismo em que o autor, ao analisar as
questões psicológicas e particulares de possíveis indivíduos do
período, vislumbra, talvez como um visionário já adiantara,
aspectos que a Nova História se propõe a analisar. Essa vertente
.historiográfica valoriza os excluídos da história, as mentalida-
des, o imaginário, e outras questões que a princípio podem
parecer particulares, mas nos dão uma grande compreensão dos
pensamentos e sentimentos que demonstram de forma mais
abrangente a realidade de um período. Seguindo esta vertente
podemos entender "Dom Casmurro exemplifjca muito mais do
que se pensa; o princípio realista de que só podemos alcançar
as verdades gerais se estivermos dispostos a nos empenhar por
inteiro no particular."(GLEDSON,1991:07) Princípiotambém
compartilhado por inúmeros historiadores desta nova vertente
da História.
No tangente à questão da literatura como documento his-
tórico e dos cuidados que devemos ter com a questão das rela-
ções entre ficção e História, sabemos que as precauções são
necessárias, porém não podemos transformá-Ias em medo. Neste
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VÍNCULO - Revista'de Letras da Unimontes
Montes Claros, v.2, p. 7-185, fev. 02

artigo, procuraremos entender e analisara literatura como "res-


temunho histórico", considerando que "o bê-á-15ádo oficio de
historiador social é o mesmo, na análise da fonte literária, par-
lamentar, jurídica, iconográfica, médica, ou seja lá o que mais. -
(PEREIRA e CHALHOUB, 1998 : 08).

Para'Odesenrolé!r da nossa proposta de analisarmos a obra


DomCasmurrocomoilustraçãodo'fim.dasociedadeescravocrata
e do Segu'hdo Reinado, pretendemos discutir, mesmo que su-
cintamente, acerca de História e Literatura, e até que ponto
estas disciplinas interagem, levando-nos a questionamentos
sobre como encontramos verdade ou ficção em ambas.

História e Literatura - o real e o ficcionaI


1:01

Em seu artigo Fronteiras da ficção: dIálogos da história


com a literatura (199~), Sandra Pesavento discute a questão da
busca da verdade e da fiçção nas duas áreas em qllestão. Para
dar respaldo a suas posteriores colocações, inicia dizendo que
o próprio Heródoto, considerado como "pai da história", "con-
ta o que os outros não viam a partir fie sua experiência ou da-
quilo que_ouvia de terceiros." (PESAVENJO,1994, p.68), sendo
ele o narrador que seleciona e confere vak)r ao que ouviu dizer-
A autora mostra-nos a idéia de "história controlada" em que o
historiador, por mais que busque a verdade, tem que fazer uso
de. artifícios ticcionais que podem ser provenientes, por exem-
plo, da sua individualidade, entre outros fatores.
Alémdo exposto, Pesavento recorre a Capistrano de Abreu
e José de Alenca~.Ao expor sobre Capistrano, ela ~mostra um
historiador criticado em sua época por fazer uma história que
se ligava menos a nomes e muito mais a sensibilidades e senti-
mentos. Por outrq lado, com José de~Alencar,a autora d,emostra
que nas óbras Iracemae o Guarani,encontramos uma ficção que
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ALMEIDA, A. Dom Casmurro e o Fim do Impérjo

está repleta de conteúdo histórico, além de podermos entender


suas criaturas fictícias como expressão de sentimentos e senti-
dos que revelam aspectos da História e de um determinado
período. Finalizando, Sandra Pesavento sugere que "a propos-
ta é pois, de por em diálogo discursos de natureza diversa, mas
que guardam entre si aproximações ..." (PESAVENTO, 1994, p.
84) além de recuperar "a forma pela qual os discursos histórico
e literário constróem a idéia de realidade." (PESAVENTO, 1994,
p.84).
A afirmação da autora corrobora nossa proposta de apro-
ximação entre a História "real" da transição entre os períodos
imperial e republicano e o contexto "ficcional" no qual atuam i
I
os personagens machadianos que destacamos neste artigo. Fin-
do o Império e a união entre "o trono e o altar" emerge uma
nova organização social que apesar de definir a si mesma como
católica, convivia com outras práticas religiosas. Roque Spencer
Maciel de Barros (1977), discorrendo sobre a vida religiosa no
Brasil Monárquico, esclarece que as influências das crenças pa-
'tigãs no Brasil eram extremamente relevantes e chega a afirmar
que apesar de parecer, a maioria da população não era realmen-
te católica; e esse fato, por muitos anos, possibilitou o modus
vivendi entre o Império e a Igreja. E foi exatamente neste mo-
mento que percebemos que Machado, consciente ou não, de-
monstrou na obra em estudo uma característica típica da épo-
ca. Esta população declarava-se, para fins censitários, portanto
legais, católica. Mas no dia-a-dia, viveneiando a realidade, era
adepta das mais diversas formas de religiosidade.

A promessa e o catolicismo divergente no pais real e 110legal

A trama no livro Dom Casmurrotem como base uma pro-


messa que marca a vida de Bento Santiago, que além de prota-
gonista é também um narrado r que, em parceria com Machado
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sobre a população;"o outro aspecto - mais enfocado neste - e G


questão da religiosidade "real" onde muitos diziam-se caróli-
cos mais porcobrigação e tradição do que por vocação ou VOnIa-
de própria. Somando esta a primeira, cria-se uma instabilidade
religiosa e consequentemente social que no mínimo prejudica
muito o poder imperial.
~ Seguindo este último pensamento, em- que os
desprivilegiados da sóciedãde podem ser talvez os maiores res-
ponsáveis pelo declínio do reinado de Pedro 11,discutiremos
um pouco a maneira com que personagens "vilõ~s"'ComoCapite
e José Dias podem demonstrar que, assim'Como nãp foram bem
vistos por Bentinho, também não o seriam se a administração
imperial e os políticos paternalistas tivessem pensado nestes
como tentaremos a seguir.

Capitu e José Dias, minando o paternalismo

o século XIX foi m~arcádo por uma política, chamada


paternalista 1 que, assim tomo outras políticas 'de domínio.
tinha como característica algumas estratégias, e sua particulari-
dade estava vinculada à utcilizaçãodestas_para a dominação de
escravos e pessoas livres dependentes dó acordo que estabele-
ciam com os interesses senhoriáis. Procuraremos então, situar
Machado de Assis como, um intérprete do discurso polítiço pos-
sível aos dominados, enfocando as personagens Capitu e José
Dias. Mesmo considerando que o é\utor isto o faz, por "detrás"
da narrativa de Bentinho. Sidney Chalhoub (1998t em seu arti-
go Diálogos políticos em Machado de Assis, enfatiza Machado
de Assis "como um representante das classes dominadas," che-

I Política que servia como "justificativa oficial, não só para o controle


Oligárquic9,maspara a própria exrstênciada escravidão."(GLEDSON,
1991:11). !
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ALMEIDA, A. Dom Casmurro e o Fim do Império

gando a afirmar que:


Meu argumento é que Machado de Assis, em vários de seus
escritos, testemunhou e analisou sistematicamente o pon-
to de vista do dominado - ou do dependente, ou do subal-
terno, ou sei lá do que mais - em tais situações, que eram
rotineiras e agudamente perigosas ao mesmo tempo.
(CHALHOUB, 1998: 99).
o autor, baseado nessa argumentação, passeia por todas
as obras narrativas de Machado, destacando alguns persona-
gens, e relacionando-os tanto com o período como com seus
posicionamentos políticos. Ele destaca também que o que Ma-
chado de Assis fizera no decorrer de suas narrativas tratava "de
uma arte arriscada, que ratificava a ideologia paternalista na
aparência mesmo quando roía-lhe os alicerces." (p.99). Gostarí-
amos de destacar essencialmente os personagens Capitu e José
Dias que minavam ou roíam os alicerces da ideologia dominan-
te. Nossa escolha deve-se ao fato de considerarmos que são os
personagens que mais se utilizam de estratégias, astúcia, e da
't.dissimulação "para enfrentar antagonistas poderosos e sempre
prontos a trucidar subordinados insubordinados." (ASSIS,
1994: 119). Com José Dias temos a história de um agregado
que se passara por médico, e através de suas artimanhas ou sua
política conquista Dona Glória e se instala na casa dos Santia-
go: "as cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da
índole." (ASSIS,1994:19). Além disso, no capítulo XVIIIUmpla-
110,ele é o primeiro a ser lembrado porÇapitu para evitar que
Bentinho ingressasse no seminário, pois ela, talvez como com-
panheira de política do agregado, tivesse consciência da capa-
cidade de persuasão que este possuía principalmente sobre Dona
Glória. Percebe-se o exposto no diálogo entre Bentinho e Capitu:
- Pois,sim, mas seria aparecer francamente, e o melhor é
outra coisa.José Dias...
- Que temJosé Dias?
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VÍNCULO - Revista de Letras da Unimontes
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- Pode ser um bom empenho.


- Mas se foi ele mesmo que falou...
- Não importa, continuou Capitu; dirá outra coisa. Ele
gosta muito devocê. Não lhe fale acanhado. Tudo é que
você não tenha medo, mostre que a de vir a ser o dono da
casa, mostre que quer e que pode. Dê-lhe bem a entender
que não étavor. Faça-lhetambém elogios; ele gosta muito
de ser elogiado. DonaGlóriapresta-lhe a~enção;mas o prin-
cipal não é isso; é que ele tendo de servir a você, falará COrIl
muito mais calor que outra pessoa. (ASSIS,1994:40)

Com esse diálogo ou discurso político, podemos entender


Capitu como uma personagem perspicaz e capaz de articular
planos e idéias, de modo a atender seus interesses.
Manipuladora, compreende José Dias como o principal aliado
para que Bentinho não ingresse no seminário. Percebe-se carac-
terísticas semelhantes entre a personalidade de Capitu e José
Dias, daí a sugestão de compartilharem da mesma política. Aten-
do-nos especificamente em Capitu, destacaremos a passagem
do capítulo LXXXII O canapépara o LXXXIII O retrato. Bentinho
e Capitu viam-se em um momento de "amor", quando um ami-
go comum a ambas as famílias (Gurgel),surpreende-os. Bentinhp
perde totalmente a compostura enquanto Capitu age como se
nada tivesse acontecido. Este fato leva o próprio Bentinho a
perguntar-se "como era possível que Capitu se governasse tão
facilmentee eu não?" (ASSIS,1994: 116-17).
Com esse poder demonstrado por Capitu e admitido pelo
próprio Bentinho, percebemos que a política dos dependentes
fortificava-se a c~da página lida. E restava a Bentinho ou à polí-
tica dominante, ao perceber esta ascensão, considerar estas for-
o ças como adúlteras ou traidoras; mas talvez a ideologia domi-
nante daquel~ 1"11°mento já estivesse dominada. Não podemos
afirmar que seu poder estava acabado, mas ao menos minado,
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ALMEIDA, A. Dom Casmurro e o Fjm do Império

cremos que foi. Esse enfraquecimento da política paternalista


entendemos ser um dos pontos culminantes para que ruísse
todo o Segundo Reinado. E o que nos propomos a partir de
então é discutir um pouco Bentinho como representação deste
declínio do reinado que em muito assemelha-se com sua histó-
ria de vida.

Bentinho: mais uma alegoria machadiana

john Gledson em Machado de Assis: impostura e realismo


(1991), esclarece que o personagem Dom Casmurro é a peça
chave para o entendimento do romance. Diz o autor: "É claro
que Bento é uma criação de Machado tanto quanto qualquer
outra personagem, mas não se pode compreender o romance
sem primeiro compreender Bento, como muitos críticos pare-
cem querer fazer." (GLEDSON,p.16) Com o mesmo intuito de
compreensão de Bentinho é que procuraremos expor uma in-
terpretação do que ele possa representar.
'10
Tomando por base o artigo de jefferson Cano, Machadode
Assis, historiador(1998},e no sentido de alegoria no dicionário
Larousse, procuraremos evidenciar que Bento Santiago, além e
através do sentido religioso evidente em seu próprio nome e
no decorrer do romance, pode nos servir como uma alegoria da
sociedade de fins do século XIX:"DOI1LCas111urro é uma alegoria
da experiência da derrota de todo um projeto de dominação de
classe." (CHALHOUB,1998: 115).
Segundo jefferson Cano, Machado de Assis viveu em uma
época onde Literatura e História possuíam objetivos semelhan-
tes, ligados principalmente à moral e à política, propiciando
até uma certa rivalidade entre historiadores e literatos. Esten-
dendo seu pensamento, faz referências a alguns clássicos como
Os Lusíadas e A Ilíada, além de afirmar que, no caso de Voltaire,
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tanto seus poemas como a obra Sieclede LouisXIV, eram lidas


pelos prínciRes com enorme gosto. Partindo do sentido destas
obras, e do fato de Machado de Assis ter como pa~te de sua
formação intelectual evidentemente livros e algumas revistas
de história da época como a IHGB2.consideramos relevante
destacar que:
... ao escrever as Memórias jJóstumas, Machado poderia ter
de fato construido uma alegoria que não simplesmente apre-
sentava uma história do Brasil (Brás), ou de uma represen-
tação do Brasil a partir d~oolhar particular das classes pro-
prietárias, mas ainda dialogava com toda uma produção
historiográfiçajá estabelecida,~ com a qual Maçhado de-
via estar familiarizado. (CANO, 1998 :.38).

No mesmo viés de Brás como representação do Brasil,.Bento"!


Santiago pode ser considerado uma alegoria da sociedade
escravocrata e do próprio Segundo Reinado que, tal como ele,
encontrava-se em um processo de dissolução inevitável. Perso-
nagem principal do livro D. Casmurroele narra sua história~ de
forma conformada, incap,az de agir e de tomar atitudes que
pudessem mudar sU3'triste trajetória. Do mesmo modoop~rce-
bemos uma sociedade escravista ec:o fim de um Império que,
assim como Bentinho, estava permeado de uma religiosidade
que legitimara a sua vida de aparências, e não se yia em cqndi-
ções de reagir para que houvesse uma possível mudança que
revertesse um fim dado como certo. Para reforçar nossa prQpos-
ta de interpretaçãoenten~demos que "o drama, do
autoconhecimento implica uma .,captação contínua da própria
imagem buscada nos olhos dos outros. Então, conhecer-se fica-
rá dependente do reconhecimento praticado pelos outros."
-
2 Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, associação de histo-
riadores do período.

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dava mais sentido, e até satisfação, à sua vida sofrida. Bentinho,


com o passar do tempo, não se comunicou 111aiscom Manduca
e desistiu da saudável discussão, no sentido mais amplo de
saúde, principalmente para o leproso. O que chamamos a aten-
ção é que mais uma vez Bento Santiago (alegoria do fim do
segundo Reinado) se entrega, e como lhe é peculiar, não de-
monstra nenhuma fibra ou um sentido de vida transparente.
Características que Manduca sem dúvida possuía, pois apesar
de ter uma grave doença, encarou a discussão com grande afin-
co, o que possibilitou a ele dar sentido e alegria a sua vida.
Situação que nos sugere a indagar quem era o verdadeiro
lazarento: Manduca? Bentinho? a sociedade escravista? o Se-
gundo Reinado? ou a política paternalista? Para não sermos tão
cruéis com Bentinho, como pode parecer, passemos a alguma!:
considerações referentes à questão exposta perto do final da
discussão:
Aúltima (carta de Manduca),como a primeira, como todas,
afirmavaa mesma predição eterna:
"Os russos não hão de entrar em Constantinopla!"
Não entraram, efetivamente, nem então, nem depois, nem
até agora. Mas a predição será eterna? Não chegarão a
entrar algum dia? Problema dificil. O próprio Manduca,
para entrar na sepultura, gastou três anos de dissolução,
tão certo é que a natureza,comoa história, não sefaz
brincando.(grifonosso).(ASSIS, 1994: 124)

Acreditamos que a dissolução imputada por Bentinho, de


forma pejorativa a Manduca, expressa o "desmanchar-se aos
poucos", inexoravelmente, não da vida do leproso, mas da vida
do próprio Bentinho. Mas ele não nos decepciona de todo, por-
quanto com a ajuda de Machado nos mostra que "a história
não se faz brincando" e as questões acerca dela podem variar, e
não acontecem de uma maneira pronta e acabada e principal-
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ALMEIDA, A. Dom Casmurro e o Fim do Império

mente de um dia para o outro; questões contrárias à História


positivista da época e muito enfocadas hoje em dia pela Nova
História. Talvez Bento Santiago não seja de todo ruim.

RESUMO

EI artículo propone comprender Ia interación entre Ia


Historia y Ia Literatura. Privilegia a Machado de Assis y
Ia obra Dom Casmurro,buscando identificar los aspec-
tos relacionados a Ia decadencia de Ia sociedad
esclavocrata imperial. (on Ia utilización de esta obra,
procuraremos demonstrar que Ia Literatura puede
caminar junto a Ia Historia y ofrecer posibilidades para
entender que el análisis de un período va mucho aliá de
Ias fechas y los grandes héroes.

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