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Publicado pela primeira vez em 1899, “Dom Casmurro” é uma das grandes obras de Machado

de Assis e confirma o olhar certeiro e crítico que o autor estendia sobre toda a sociedade
brasileira. Também a temática do ciúme, abordada com brilhantismo nesse livro, provoca
polêmicas em torno do caráter de uma das principais personagens femininas da literatura
brasileira: Capitu.

Muitas leituras possíveis


Há uma discussão em torno da obra que alimenta os espíritos mais inflamados: Capitu traiu ou
não seu marido Bento Santiago, o Bentinho?

O romance, entretanto, presta-se a muitas leituras, e é interessante ver como a recepção ao


livro se modificou com o passar do tempo. Quando foi lançado, era visto como o relato
inquestionável de uma situação de adultério, do ponto de vista do marido traído. Depois dos
anos 1960, quando questões relativas aos direitos da mulher assumiram importância maior em
todo o mundo, surgiram interpretações que indicavam outra possibilidade: a de que a
narrativa pudesse ser expressão de um ciúme doentio, que cega o narrador e o faz conceber
uma situação imaginária de traição.

Machado de Assis, autor sutil e de penetração aguda em questões sociais, arma o problema e
testa seu leitor. É impressionante como isso vale ainda hoje, mais de um século depois do
lançamento do livro. O romance é a história de um homem de posses que ama uma moça
pobre e esperta e se casa com ela. Em sua velhice, ele escreve um romance de memórias para
compreender melhor a vida.

Capitu, até a metade do livro, é quem dá as cartas na relação. É inteligente, tem iniciativa,
procura articular maneiras de livrá-lo do seminário etc. Trata-se de uma garota humilde, mas
avançada e independente, muito diferente da mulher vista como modelo pela sociedade
patriarcal do século XIX. Nesse sentido, Capitu representa no livro duas categorias sociais
marginalizadas no Brasil oitocentista: os pobres e as mulheres. A personagem acabará por
“perturbar” a família abastada, ao casar-se com o homem rico.

Percebe-se, por isso, o peso do possível adultério em suas costas. Não se trata apenas de uma
questão conjugal entre iguais, mas de uma condenação de classe. Bentinho utiliza o arbítrio da
palavra para culpar sua esposa. Mas é ele quem narra os acontecimentos e, por isso, pode
manipular os fatos da maneira que melhor lhe convém. Não se sabe até que ponto os fatos
relatados correspondem ao que ocorreu, ou são uma interpretação feita pelo personagem,
que, além de tudo, escreve que não tem boa memória.

Nesse sentido, a questão central do livro não é o adultério, e sim como Machado introduz na
literatura brasileira o problema das classes e, ainda, de forma inovadora, a questão da mulher.
Dom Casmurro coloca no centro de sua temática a menina que não se deixa comandar e, em
virtude disso, perturba a ordem vigente naquele ambiente social estreito e conservador.

Paródia
Uma das formas mais clássicas que assume o humor e a ironia de Machado de Assis é a
paródia. Uma paródia seria uma imitação cômica de um outro texto literário (pode ser
também de uma música, filme, estilo, filosofia, etc.) já consagrado pela tradição. Em “Dom
Casmurro”, temos três grandes paródias:
1) “Ilíada” de Homero: no capítulo 125, “Uma comparação”, Bentinho é obrigado a fazer um
discurso em honra do suposto amante de sua mulher. Em Ilíada, o rei de Tróia, Príamo, teve
que beijar a mão de Aquiles, assassino de seu filho Heitor.

2) “Otelo”, Shakespeare: a vida de Bentinho é sempre narrada com o mesmo tom trágico de
uma ópera. Sua maior aproximação é com a peça Otelo, devido ao tema do ciúme e traição
presente nas duas obras.

3) O mito de Abraão e Isaac: no Velho Testamento, Deus pede que Abraão sacrifique seu filho
Isaac em seu nome. Porém, na hora em que Abraão ia imolar seu próprio filho, o Anjo do
Senhor aparece impedindo e um carneiro é oferecido em lugar de Isaac. Em “Dom Casmurro”,
a mãe de Bentinho promete seu filho a Deus (ele seria padre) antes mesmo de o conceber.
Porém, Bentinho se apaixona por Capitu e eles lutam para ficarem juntos. O amor de Capitu
consegue anular a promessa feita pela mãe dele e assim os dois podem se casar.

Narrador
O narrador é Bento Santiago, transformado já no velho Dom Casmurro. O foco narrativo é,
portanto, em primeira pessoa e toda a narrativa é uma lembrança do personagem sobre sua
vida, desde os tempos de criança, quando ainda era chamado de Bentinho. Porém, trata-se de
um narrador problemático: primeiro porque o narrador é um homem emotivamente arrasado
e instável; segundo porque ele narra fatos que não conhece bem, podendo ser tudo fruto de
sua imaginação.

Tempo
O tempo da narrativa é psicológico, e não cronológico. Esse recurso é chamado
impressionismo, porque o narrador se detém nas experiências que marcaram sua
subjetividade. Seria usada pelo escritor francês Marcel Proust em sua obra Em Busca do
Tempo Perdido. A falibilidade da memória surge como fator de complexidade, uma vez que
uma lembrança só pode ser acessada de um momento presente.

Os acontecimentos, então, passam pelo filtro da subjetividade presente. É por isso que a
descrição que o narrador faz de Capitu, como uma pessoa volúvel e sensual, deve ser posta em
dúvida pelo leitor. O sentimento de ciúme exacerbado de Bento pode ter desvirtuado a figura
da personagem.

Comentário da professora
A profa. Aparecida Augusta Barbosa, do Cursinho do XI, lembra que “Dom Casmurro” é uma
obra publicada na segunda metade do século XIX, período de desenvolvimento do
cientificismo, que procura resultados exatos para explicar o mundo. Assim, há uma proposta
artística de desnudar o real e desvendar os contrastes do íntimo, tentando explicá-los com os
métodos científicos. Além disso, dentro de um contexto histórico trata-se de um período
repleto de mudanças sócio-políticas e intelectuais, tais como a abolição da escravatura (1888),
a Proclamação da República (1889), a entrada de imigrantes no país, e a modernização do
Brasil com a dinamização da vida social e cultural, principalmente no Rio de Janeiro, sede do
governo na época. Assim, afirma a prof. Augusta, era um momento propício para as artes
absorverem as novas ideias vindas da Europa, tais como o liberalismo, o socialismo e as teorias
cientificistas.

Dentro desse contexto histórico-cultural é que precisa-se pensar a obra de Machado de Assis.
“Dom Casmurro” é uma obra narrada em primeira pessoa por um homem já velho e solitário,
que está tentando “atar das duas pontas da vida” (infância e velhice). O tom do romance, que
é construído em flashback, é de uma pessoa desiludida e amargurada, e sua visão dos fatos
narradas é totalmente subjetiva e unilateral. Por conta disso, o livro adquire diversas leituras
possíveis e permanece-se com a dúvida sobre o adultério de Capitu, afirma a profa. Augusta.

Além disso, a linguagem utilizada por Machado de Assis é marcadamente acadêmica e bem
cuidada, sendo clássica e regida pelas normas de correção gramatical estabelecidas.
Entretanto, há o registro em alguns pontos de aspectos típicos da língua utilizada pela
personagem e registros mais informais e informais da língua portuguesa. Assim, a linguagem
usada pelas personagens e o nível social dos protagonistas pode ser uma questão abordada
pelos vestibulares, finaliza a profa. Augusta.

O QUE É SUBJETIVIDADE:
Subjetividade é caracterizado como algo que varia de acordo com o julgamento de cada
pessoa, consistindo num tema que cada indivíduo pode interpretar da sua maneira, que é
subjetivo.
Desta forma, a subjetividade humana pode dizer respeito ao sentimento de cada pessoa,
como a sua opinião sobre determinado assunto.
A subjetividade é algo que muda de acordo com cada pessoa, como o gosto pessoal, por
exemplo, cada um possui o seu, portanto é algo subjetivo.
O tema subjetividade varia de acordo com os sentimentos e hábitos de cada um, é uma
reação e opinião individual, não é passivo de discussão, uma vez que cada um atribui um
determinado valor para uma coisa específica.
A subjetividade é formada através das crenças e valores do indivíduo, com suas experiências
e histórias de vida. O tema da subjetividade é bastante debatido e estudado em psicologia,
como ela se forma, de onde vêm, etc.

TEMPO PSICOLÓGICO:
O tempo psicológico é o tempo individual. Ao contrário do cronológico, não é igual para
todos, cada pessoa (personagem ou narrador) sente a passagem do tempo de uma forma
diferente. Isso significa que existe uma influência de emoções, situações, sentimentos, que
determinam essa passagem do tempo. É um tempo interno.
Sabe quando você espera na fila da padaria e de repente 10 minutos parecem uma
eternidade? E quando você quer dormir mais um pouquinho e 10 minutos passam como se
fosse 1? O tempo real é o mesmo, mas as sensações daquele momento fazem você sentir
que demorou mais ou que passou mais rápido. Esse é o tempo psicológico.
Ele é marcado na narrativa através de memórias e lembranças de um personagem,
aparecendo como uma digressão ou um flashback. Normalmente, encontramos esse tempo
em histórias com narrador onisciente (que tudo vê) ou narrador personagem (que participa
da história).
O tempo psicológico é visto como um fluxo de consciência: uma imaginação, sonho ou um
devaneio por parte do personagem. Como no exemplo a seguir, em que o defunto-autor
relembra a sua morte:

“Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na
minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era
solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos!” (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas).

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