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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
Departamento de História - Curso de Licenciatura Plena em História
DISCIPLINA: Teoria e Metodologia da História I
PROF. Dr. Meize Regina de Lucena Lucas

SEMINÁRIO HISTÓRIA E LITERATURA: ANÁLISE DO CONTO A


HISTÓRIA DE WILLIE, O VAGABUNDO

FORTALEZA - CE

2023
Daniel Lopes de Morais Filho
Dominic de Souza Sobral
Miguel Lucas Sousa da Silva
Camile Vitória Santos Negreiros
João Pedro Melo de Araújo Santos
Selene Montenegro D’Angelo

Resumo: O artigo busca explorar o conto "A História de Willie, o Vagabundo", de


Walter Scott, ressaltando a importância da expressão artística para compreender as
relações e contradições sociais. A escrita do texto é embasada a partir dos pensamentos
de Reinhart Koselleck e Michel de Certeau, ressaltando o aspecto social da História, o
qual vem à luz com Marx e Engels, ao explicitar o caráter de classe, dando ênfase a
quem detém o poder da narrativa e a relação de poder que determina a construção da
pesquisa histórica. Em suma, o texto analisa a importância da relação íntima entre
literatura e história e como um pode ajudar o outro na construção científica acerca da
ideia do tempo e do materialismo histórico, além de enxergar a arte como um meio de
formação popular.
Palavras-chave: História. Literatura Fantástica. Materialismo. Tempo. Teoria.

INTRODUÇÃO

O seguinte artigo tem por objetivo analisar um dos vinte e seis contos
presentes no livro Contos Fantásticos do Século XIX, obra organizada por Ítalo
Calvino, e dividida em O Fantástico Visionário e O Fantástico Cotidiano. Para uma
abordagem teórica, dialogaremos com Michel de Certeau (1982), Reinhart Koselleck
(1979), Karl Marx (1932) e Friedrich Engels (1932), considerando o contexto histórico
do conto, em que a expressão artística desempenha um papel crucial para a
compreensão da condição humana.

O conto A história de Willie, o vagabundo, foi escrito por Walter Scott, um


romancista, historiador, poeta e dramaturgo escocês, considerado o criador do
verdadeiro romance histórico, e foi publicado em 1824, mas refere-se à sociedade feudal
escocesa do século XVII, sendo narrado pelo neto do protagonista, que o descreve
sempre como muito íntegro e honesto. O personagem principal, o vassalo chamado
Steenie Steenson, é descrito apenas como ex-ator e bom tocador de gaita, mas ao visitar
a casa de seu senhor para pagar uma dívida de aluguel, acaba se envolvendo em uma
grande confusão.

O senhor feudal Sir Robert Redgauntlet, antes muito temido, e até mesmo
acusado de ter pacto com o diabo, encontrava-se muito doente, vindo a falecer no
momento em que iria entregar o recibo do pagamento de Steenie. No meio do alvoroço,
o recibo se perde e o vassalo descobre que terá que ir buscá-lo com o fantasma de
Redgauntlet, que está no inferno. Este inferno feudal assemelha-se em vários aspectos
com o mundo dos vivos, e o protagonista, em sua aventura, tem de controlar seus
desejos carnais, pois não pode se render aos prazeres oferecidos a ele no submundo.

Nesse sentido, o conto de Scott faz parte da fase O Fantástico Visionário e


abre espaço para discutir alguns temas que também são abordados pelos autores
anteriormente citados e chama atenção pelos aspectos religiosos nele contidos, bem
como pela descrição de valores sociais de uma determinada época e lugar, perspectiva
sobre a morte e sobre “depois da morte”, assim como, pela riqueza de crenças e
elementos folclóricos, presentes na narrativa.

Não é estranha a utilização de contos fantásticos para a compreensão da


condição humana, pois conforme escreveu Ernest Cassirer (1979, p. 50), o homem não
vive mais num universo somente físico, mas num universo que é também simbólico e a
linguagem, o mito, a arte e a religião fazem parte de sua composição. São vários os fios
que tecem a rede simbólica do emaranhado que representa a experiência humana e, por
isso, é possível pensá-la a partir do contexto histórico, dos valores sociais que
perpassam os contos, um espaço onde o considerado sobrenatural das lendas,
principalmente religiosas, se funde com a arte do romance histórico, que pode nos dizer
muito sobre a época analisada..

ESCRITA DO TEXTO

O primeiro ponto de análise dentro da narrativa está no narrador, neto de


Steenie Steenson, personagem principal da história. A relação da escrita da
historiografia vista por Michel de Certeau e Reinhart Koselleck, no fixamento da
história enquanto narrativa, e o possível anacronismo, já que enxergamos a história a
partir do nosso tempo, logo há a influência do escrito por contar algo que não viveu, por
parte do escrito do conto Walter Scott. A relação de separação do eu e do outro, como
estabelecida na modernidade, tendo o outro como diferente, relação de separação do eu
e do outro, como estabelecida na modernidade tendo o outro como diferente se relaciona
com a historiografia e a ligação do presente e do passado, tendo o passado como o
“outro”, distinto.
A relação de veracidade diferencia o conto de ficção fantástica com o científico,
a necessidade de fontes e de comprovação da escrita histórica diferentemente do conto
fantástico que por ser ambíguo em sua natureza não há a necessidade de provação. Mas
que, mesmo assim, são de uso para a retratação de tópicos e temáticas a serem debatidas
acerca da realidade da época retratada.

A MORTE E OUTROS ASPECTOS SOCIAIS

Outro quesito de discussão é a relação da morte e das fontes com a história,


podendo ser colocada em observação a partir do ponto principal do conto que é a morte
do senhor feudal Sir Robert Redgauntlet, que culmina no desaparecimento das provas
do que Steenie Steenson relatava, criando o clímax da narrativa quando este
supostamente foi ao inferno para provar sua honestidade. Aqui vemos como a história
do morto pode ser manipulada (ou mortos, na verdade, visto que o lorde Redgauntlet
estava acompanhado de outras figuras importantes já falecidas), a disputa colocada na
história por quem pode contar a história e quem decide qual aspecto do fato é o mais
correto. Vemos esse panorama das relações de poder não só moral como econômico,
por exemplo, quando sir John promete benefícios a Steenie para não falar do
acontecimento de Redgauntlet no inferno, para preservar a imagem deste e dos outros
lordes enquanto bons e honestos, ou até mesmo no acontecimento fantástico envolvendo
a morte do mordomo Dougal, que perece apenas para continuar a servir seu senhor no
pós-vida, não só sem questionamentos mas com felicidade, pois sente que é seu dever.

Todos os acontecimentos, dos mais simples aos mais inacreditáveis, e até


mesmo os acontecimentos anteriores ao momento da narrativa (como o fato do senhor
Redgauntlet ser conhecido pelas graças que recebia da Coroa e por sua violência e
divertimento ao exterminar e expulsar os whigs e os covenanters, povos da montanha,
da sua região) são banhados por essas relações, assim como é falado por Karl Marx e
Friedrich Engels no processo de construção de suas ideias sócio-econômicas. A relação
de veracidade da história com a realidade diferencia o conto fantástico do científico e da
historiografia, pois ao contrário da nossa escrita da história, Walter Scott e suas
personagens não depende de fontes que comprovam o que o narrador fala, seja na
contação do neto de Stephen, podendo ser observada a falta de dúvida do neto quanto ao
que é contado pelo avô mesmo sem comprovações; a exceção é apenas no momento da
prestação de contas deste com sir John, que não acredita na veracidade do relato do
vassalo sem um documento escrito ou uma testemunha, disposto a acabar com a
imagem do homem que o serve e o expulsar de seu território, porque para a realidade do
autor isso seria o acontecimento padrão, mas ainda assim aquilo não aconteceu de fato
com a personagem (pois tudo continua sendo inventado) e a ambiguidade característica
do estilo literário em questão não é ameaçada, assim como não se ameaça a estrutura
econômica em nenhuma das realidades, seja na nossa atualmente como espectadores,
seja na realidade fictícia dos personagens, seja na época em que Walter Scott vive e
escreve sua obra. A luta de classes e a manipulação dos relatos é constante em todos
estes espaços.

CONCLUSÃO

Pode-se perceber a relação entre a literatura e o processo de construção


histórica. Conforme Marx e Engels (1988), não poderia ser diferente, afinal, autores e
seus textos estão presos à sua realidade material e de lá tiram todas as suas conclusões e
todo seu conhecimento. Desse modo, o processo de compreensão do contexto dos
autores se torna mais simples, pois suas obras retratam a sociedade que estavam
inseridos.

Por fim, pode-se examinar a intíma relação da arte e da História. “A


arte e a história são os mais poderosos instrumentos de que dispomos para investigar a
natureza humana” (Cassirer, 1977, p.322). Alguns exemplos são a construção e a
mudança da ideia de tempo, analisada por Koselleck, ou o poder social da escrita
histórica, estudada por Certeau, e até mesmo o Materialismo Histórico de Marx e
Engels. Todas essas ideias podem ser encontradas no conto de Walter Scott,
evidenciando que o entendimento do contexto — tão importante para a ciência histórica
— é transparecido em relatos que fogem ao uso de documentos oficiais, que se mantém
nas mãos de quem escreveu a história do Morto em seu corpo mudo. De acordo com
Certeau (1982), é esse Morto, o “outro”, renegado e ausentado pela História, quem deve
ser conhecido e estudado. Esse entendimento também permite ao historiador
compreender as diversas camadas sociais que compõem a sociedade do recorte de sua
Operação Historiográfica. Assim, fica claro a importância da análise da literatura para a
História, principalmente visando essa delicada operação analítica que o historiador é
encarregado pelo seu ofício.

BIBLIOGRAFIA:

● KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos


tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
● MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. 1 ed. São Paulo:
Boitempo, 2005.
● MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia Alemã. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
● CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1982.
● CASSIRER, Ernest. Antropologia Filosófica: Ensaio sobre o homem. São
Paulo: Editora Mestre Jou, 1977.

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