Você está na página 1de 7

Arte e Simbolismo na Corte de D.

João V
W W W . U C . P T

Título: Retrato de D. João V

Criador: Georgio Domenico Duprà

Data de Criação: 1719

Localização: Museu Nacional de


Arte Antiga

Dimensões físicas: 101 x 94,5 cm

Tipo: Óleo sobre tela

Página | 1
Pedro Marques Gonçalves

HISTÓRIA MODERNA DE PORTUGAL


Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

O reinado de D. João V iniciou-se em 1707, numa Europa marcada pela figura de Luís
XIV, que serviria de modelo ao Absolutismo joanino. O seu reinado começou de forma
conturbada, com várias dificuldades económicas justificadas pelo atraso do país e por
conflitos com a Espanha, França e Holanda.
No entanto, a descoberta do ouro do Brasil permitiu a D. João V governar de forma
folgada e usar a opulência e magnificência para afirmar Portugal externamente como
um grande reino. O rei usou, deste modo, o fausto e a maximização dos rituais para a
submissão dos súbditos ao seu potetas absoluta, ao mesmo tempo que patrocinava
várias empreitadas artísticas.
A sua governação foi modelada, por um lado, pelo exemplo máximo de Versalhes e pela
reflexão teórica de Bossuet, que concedia ao poder real um caráter absoluto, paternal,
divino e sagrado. Contudo, o Magnânimo não foi alvo de um culto tão intenso como
Luís XIV e procurou, antes de tudo, criar um pacto indivisível entre a Nação e a Casa de
Bragança.
No seu Numero vocal, exemplar católico e político, proposto no maior entre os santos,
o glorioso João Baptista: para imitação do maior entre os príncipes, o sereníssimo D:
João V, nosso senhor publicado em 1702, Sebastião Pacheco Varela1 afasta o
pensamento florentino, renascentista e humanista e concentra o seu texto nas virtudes a
ter em conta pelo rei, especialmente o caráter paternalista do poder real e a centralidade
da justiça no exercício do poder. Deve existir, pois, uma harmonia entre os poderes e as
esferas jurisdicionais preexistentes, ao mesmo tempo que se estabelece um “justo
governo”. Até ao 3º quartel do século XVIII, a justiça foi o elo fundamental da
estruturação do sistema político do reino. Por conseguinte, o papel do rei era fazer
justiça, obedecendo à lei pública do reino, mas respeitando o direito consuetudinário,
isto é, as tradições, privilégios, liberdades, graças e doações.
O poder simbólico do rei, personificado na sua imagem poderosa, magnificente e
divinizada, foi o instrumento mais eficaz na inculcação ideológica do Absolutismo.
Sendo assim, o ritual cortesão e as múltiplas manifestações artísticas serviam, em última
instância, para esconder as imperfeições ideológicas do Absolutismo português e a sua
débil sustentação teórica.
A instrumentalização política da estética do barroco proporcionará um enquadramento
grandioso aos cenários por onde se move a figura régia. O monarca usa a perceção
estética do barroco e a sua inata teatralidade, para ritualizar simbolicamente a sua

1
Presbítero secular, cavaleiro professo da Ordem de Cristo. Nasceu em Aveiro em 1671, onde também
faleceu a 8 de março de 1706. Era filho de Manuel Varela, capitão de cavalos e mestre de campo, e de D.
Bárbara Pereira.
Adquiriu rapidamente vastíssimos conhecimentos, sendo muito perito nas línguas latina, espanhola,
francesa e italiana, muito hábil em música, várias artes liberais, e com suficiente conhecimento das
ciências escolásticas, que aprendeu sem mestre. Foi também tutor e mestre de D. João V, cravando as
bases do ideário absolutista do monarca.
Página | 2
Pedro Marques Gonçalves
Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

imagem e poderes, ao mesmo tempo que deslumbrava, maravilhava e seduzia o


ator/espetador, criando a ilusão participativa no cerimonial monárquico ou litúrgico. A
teatralização do quotidiano remete para a conceção da vida, onde cada ator representa
um determinado papel, prévia e rigorosamente definido por si e pelos outros. O
espetáculo político encarregar-se-á de fornecer uma estrutura anímica dotada de um
imenso espírito de propaganda capaz de mobilizar vontades, de controlar socialmente a
nobreza e de expandir a sua autoridade monárquica. Assim, pode concluir-se que no
decurso das cerimónias “os cortesãos tornavam-se atores de uma representação quase
teatral, na qual cada um dos gestos ditados pela tradição, se joga num papel escrito por
eles, mesmo que de um modo geral ignorem o seu significado real ou a sua origem”2.
Eram frequentes as metáforas alusivas ao Sol, nomeadamente pelo padre Sebastião
Pacheco Varela, “o deleite dos nossos olhos é a vista do sol, a alegria do povo é a
presença do Rei. O Sol difunde o seu calor com a luz, o Rei comunica o amor com o
aspeto. [...] o sol vivifica com seu benévolo aspeto, o Rei dá vida com seu benigno
semblante”3. Á semelhança do Sol, a figura real era símbolo de vitalidade e bem-estar,
mas também de força, perfeição e imortalidade.
Não obstante, a catolicidade da monarquia absoluta foi um passo essencial na
construção da figura real, pois D. João V constrói a “imagem sobre arquétipos
eclesiásticos4” usando a Igreja e os seus preceitos morais de controlo ético-social como
“instrumento” ao serviço do poder. Aliás, o catolicismo e o Absolutismo são conceitos
correlativos e eternamente ligados, podendo a ética cristã condicionar o exercício do
poder. No caso joanino, as ligações à Santa Sé foram intensas, levando inclusive a sua
embaixada a Roma em 1716 ao papa Clemente XI, alumbrando-o com um espetáculo
apoteótico, onde se exibiram ricos coches decorados ao estilo barroco, a fim de obter
regalias semelhantes às de outros grandes reinos católicos. Esta dedicação profunda à
causa cristã levou D. João V a ser reconhecido com o título de Majestade Fidelíssima
em 1748 retomando a boa relação diplomática com o centro do mundo católico.
A etiqueta social ao instituir um conjunto de regras e formas de tratamento que visavam
isolar a figura régia da vivência comum e ordinária dos súbditos, criando uma imagem
idílica, perfeita e ordenada do mundo cortesão, ao mesmo tempo que consolidava um
microcosmo de uma sociedade que se pretende imutável, firme e hierarquizada,
excluindo o imprevisto e a espontaneidade, pretendia dominar socialmente a
aristocracia, ao mesmo tempo que organizava, legitimava e distribuía o poder político.
As elites cortesãs, nas suas relações interpessoais e no seu quotidiano cortês, tiveram, de
facto, um papel de referência na construção do Estado Moderno.
Em suma, a prática cerimonial e simbólica refletida num quotidiano cortesão
progressivamente ritualizado almejava disciplinar o estado nobiliárquico, tomando

2
Fréderique Leferme-Falguières, Les courtisans – une societé de spectacle sous l’Ancien Régime, Press
Universitaires de France, Paris, 2007, pp. XII-XIV [tradução adaptada]
3
Sebastião Pacheco Varela, Numero vocal, exemplar, catholico, e politico, proposto no mayor entre os
santos o glorioso S. Joam Baptista: para imitaçam do mayor entre os Principes o Serenissimo Dom Joam
V. Lisboa, Officina Manoel Lopes Ferreira, 1701, p. 407,
4
António M. Filipe Rocha Pimentel, O Real Edifício de Mafra: Arquitetura e Poder, Coimbra, Dissertação
de Mestrado em História Cultural e Política da Época Contemporânea apresentada à FLUC, 1990, p.53
Página | 3
Pedro Marques Gonçalves
Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

outrossim, enérgicas medidas face ao poder eclesiástico ou a outro qualquer poder que
ponha em causa a preeminência das prerrogativas régias. 5
Após o advento da dinastia de Bragança, a corte adquire uma nova vitalidade política,
como espaço de influências, num jogo de poderes fluidos e informais, que é posto em
prática por parte de uma elite cortesã sedenta por cargos palatinos elevados- mordomo-
mor, camareiro-mor, estribeiro-mor- que permitiam uma maior proximidade com o rei.
Assim, as esferas de interesses giram em torno do rei e no alcançar das suas graças, com
o intuito de obter «mercês» e outros privilégios. A corte joanina desenvolveu uma
autêntica política de mercês6, que impunha a obrigatoriedade da prova de gratidão ou a
obrigação régia de dar, em troca dos serviços prestados, limitando a prática política do
rei, pressionada constantemente pelas contingências do prestígio político de concessão.
Por outro lado, o favor régio exigia prudência e cautela com vista a obter o maior
número possível de aliados na causa real, impedindo que o monopólio do poder se
transfira para outras fações rivais. Simbolicamente, a generosidade do rei era
representada aquando a receção dos vassalos que deviam falar de joelhos ao rei, que
está sentado no trono, debaixo do dossel e apoiado a uma mesa sobre a qual se coloca
uma sesta cheia de pequenos cartuxos de moedas de ouro que Sua Majestade distribui
caritativamente por aqueles súbditos.
O poder cortesão era articulado com o modelo doméstico de organização da Casa:
concede lugares e distribui funções no seio da Corte, de acordo com critérios de gestão
familiar em que a intimidade, a amizade, a fidelidade, a tradição de serviço à Casa Real,
apresentam valor político e simbólico acrescido. Esta conceção dos laços políticos como
elos afetivos, que estreita de forma íntima o público e o privado e que submete os atos
dos cortesãos a critérios pessoais, casuísticos e arbitrários de avaliação do favor/
retribuição conduz ao favorecimento político daqueles que pertencem ao círculo íntimo
do rei. Daí que a presença na corte e a criação de laços afetivos com o monarca era o
garante da atribuição de «mercês» e privilégios.
O reinado de D. João V marcou definitivamente a substituição das cortes pela corte e os
secretários de Estado viram as suas competências diminuírem, pois, o rei tudo queria
saber e tudo decidir7. A corte, as artes e as letras foram instrumentos de dominação e de
grandeza associados ao poder real. Na sociedade de corte, todos os movimentos eram
repletos de simbolismo, em que todos se deviam subordinar a uma coregrafia pré-
estabelecida, destinada a alimentar o prazer dos sentidos e a partilhar a glória e o
prestígio do soberano.
A vida do rei e todos os seus atos tinham um simbolismo, mobilizador de toda a corte.
O levantar, as refeições as receções, os passeios, a ida à caça, à missa e o deitar do rei
eram metáforas que o promoviam como figura divina. Entre a nobreza observavam-se
regras de precedência que conferiam maior ou menor aproximação ao monarca e, por

5
Maria Paula Marçal Lourenço - Estado e Poderes. A. H. Oliveira Marques e J. Serrão - Nova História de
Portugal. Lisboa: Editorial Presença, vol. VII, p. 17-72
6
La Economia de la Gracia, in La Gracia del Derecho: economia de la cultura en la Edad Moderna,
Madrid, 1993, pp.151-176
7
Maria Beatriz Nizza da Silva, (2009), D. João V, Temas e Debates, Lisboa, p.85
Página | 4
Pedro Marques Gonçalves
Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

isso, definiam uma hierarquia de estatutos e preservavam as dignidades. Como a vida


privada não existia, o quarto do rei era o coração do palácio: era o centro de poder.

Outro mecanismo usado por D. João V com o intuito de espelhar o seu poder e
magnificência foi o patrocínio das letras e das artes, colocando-as ao serviço da
propaganda régia. Como símbolos desta atividade mecenática destaca-se a criação da
Academia Real de História Portuguesa, no ano de 1720, que tinha como objetivo a
investigação e produção de obras da História de Portugal, quer do ponto de vista
político quer eclesiástico. Colocar a missão da escrita da História Eclesiástica de
Portugal no âmbito da Academia Real compreende-se nos sentidos de construção do
Estado Moderno8, que tem como elemento definidor do poder, o saber. Do ainda hoje
visível esplendor arquitetónico, destaca-se a valiosa livraria do Paço, instalada no
Palácio Real da Ribeira em 1712, enriquecida com livros, mapas e estampas que
encomendava a diplomatas 9, os mais prestigiados da Europa, assim como a aquisição
de obras de arte que encomendava a embaixadores. Passando pelo aparato de corte, o
investimento na ciência do tempo fez-se por diversas vias: astrónomos e naturalistas
vêm a Portugal para experiências e observações e são concedidas bolsas a portugueses
para estudar no estrangeiro
Em suma, pode dizer-se que Academia Real de História Portuguesa definiu as regras da
investigação e da narrativa histórica, incentivando a sociabilidade de letrados. Distinta
das demais associações literárias do tempo, pela sua preeminência e primor, analisa-se o
vínculo do monarca à instituição através do local em que decorreram as sessões – o
Paço dos Duques de Bragança, em Lisboa –, evidenciando o projeto historiográfico, na
linha de expressão da escrita da história setecentista, assim como o cerimonial da
instituição em práticas simbólicas de definição e de relacionamento confraternal. 10
O interesse do rei pelos novos conhecimentos científicos e técnicos ficou comprovado
com a importação de mestres matemáticos como o padre Francisco Musarra, Domingos
Cappaci e João Baptista Carbone. A presença de D. João V e Dª Maria Ana de Áustria
na experiência do padre Bartolomeu de Gusmão – a Passarola, isto é, um instrumento
com a finalidade de voar, demonstra a curiosidade e interesse do monarca em

8
António Manuel Hespanha, O debate acerca do «Estado Moderno», A Historiografia Portuguesa, Hoje.
Coordenação de José Tengarrinha (São Paulo: HUCITEC,1999) 133-145.
9
Vide, como exemplo, Almeida Coutinho, Imagens cartográficas de Portugal e Marie-Thérèse
Mandroux-França, Catalogues de la collection d´estampes de Jean V, roi du Portugal par Pierre-Jean
Mariette (Lisboa, Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, Bibliothèque Nationale de France, Fundação da
Casa de Bragança, 2003).
10
Maria de Fátima Reis, O Paço dos Duques de Bragança em Lisboa, Sede da Academia Real da História
Portuguesa: Mecenato e Poder Régio, Revista Libros de la Corte Outono-Inverno nº17, Madrid, 2018,
p.243

Página | 5
Pedro Marques Gonçalves
Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

modernizar Portugal. Se nos séculos anteriores, o país foi uma potência económica
próspera, agora o “minguado território” procurava manter a Paz e a boa diplomacia na
Europa, ao mesmo tempo que ingressava na Modernidade. 11
No domínio das obras públicas, procedeu à reforma do Paço da Ribeira, residência real,
e deu início à construção do Aqueduto das Águas-Livres com o objetivo de solucionar o
problema do abastecimento de água a Lisboa. Por todo o reino edificaram-se igrejas,
meticulosamente decoradas com talha dourada, como é o caso da Igreja de São João
Baptista, executada entre 1742 e 1747, uma das nove capelas laterais da Igreja de São
Roque de Lisboa. Por outro lado, a Lisboa chegavam diversos arquitetos italianos, entre
os quais se destacam João Frederico Ludovice (1673-1752) arquiteto-ourives da corte
portuguesa, impulsionador do barroco e um dos arquitetos de Mafra e Nicolau Nasoni
(1691-1773), que desenvolveu a sua atividade, a partir de 1725, no Porto, onde o
barroco da época joanina teve grande divulgação.
Em 1734, criou-se a Real Fábrica das Sedas e Estofos Preciosos. Esta iniciativa surge na
sequência de outras no sentido de introduzir em Portugal as artes e as tecnologias
modernas de cariz manufatureiro. Numa primeira fase a fábrica permanece sob a
administração privada, até 1750, ano da morte do rei. A subida ao trono de D. José I e a
coincidente insolvência da Fábrica das Sedas cria condições para a sua venda, passando
a ser pertença do Estado, por Decreto de 14 de maio de 1750. Era preciso, pois, aplicar
medidas mercantilistas, de forma a substituir a importação de produtos industriais
estrangeiros por artigos de fabrico nacional.
Neste domínio, evidencia-se ainda a construção da Casa da Livraria, postumamente
renomeada Biblioteca Joanina, construída de modo a auxiliar a Universidade em
Coimbra, ao mesmo tempo que exaltava o monarca e a riqueza do império. A biblioteca
repousaria num local adjacente à capela, no vértice sul do terreiro da universidade - com
o intuito explícito de a «remir da injúria que padecia entre Estrangeiros e Nacionais»
que a iam visitar, por causa da exiguidade da biblioteca que então nela existia. A nova
construção serviria, em primeira mão, para albergar «uma grande livraria» jurídica
então à venda (e em cuja compra se terá gastado o equivalente a cera de 20 por cento do
rendimento anual da instituição). este acervo inicial irá sendo enriquecido a partir de
uma dotação que passou, a partir de 1717, de 40 mil réis para cem mil réis cada ano;
além disso, para a biblioteca vem, entre 1729 e 1734, «uma grande quantidade de
livros», também de «Medicina moderna», enviados por D. Luís da Cunha, «por ordem
do rei». Uma remessa anterior constava de «instrumentos matemáticos, que o P.
Carbone encomendou para a Universidade de Coimbra, e outros para o serviço de Sua
Majestade, que remeteu o Dr. Sequeira» 12A biblioteca é, deste modo, além de uma
esplendorosa combinação de materiais exóticos, um verdadeiro cofre forte de livros,
dotada de exemplares das mais raras coleções bibliográficas dos séculos XVI, XVII e
XVIII que representam o que de melhor se produzia na Europa culta do seu tempo.13

11
Eduardo Brazão - D. João V. Subsídios para a História do seu reinado, Porto, 1945
12
Luís Ferrand de Almeida, A Propósito do 'Testamento Político' de D. Luís da Cunha, Revista Portuguesa
de História, 3: 9-11 apurado de Fernando Taveira da Fonseca, A Reforma Pombalina, do Colégio dos
Nobres Á Universidade de Coimbra: Projetos e Realidades in Ciência, Tecnologia e Medicina na
Construção de Portugal, Vol.2, Tinta da China, 2021, p.148
13
Biblioteca Joanina, http://visituc.uc.pt/biblioteca/, consultado em 24/05/2022
Página | 6
Pedro Marques Gonçalves
Arte e Simbolismo na Corte de D. João V

Mas o símbolo do seu reinado foi indubitavelmente a construção do palácio-convento


de Mafra, um dos mais importantes edifícios barrocos em Portugal, numa clara
demonstração da grandeza joanina. Mafra, no dizer de Sousa Viterbo, é o “edifício de
maior grandeza que existe no nosso país e que é digno de rivalizar com o “Escurial”.
14
Para a este palácio encomendou o rei D. João V esculturas e pinturas a mestres
italianos e portugueses, paramentos italianos e tapeçarias francesas e na Flandres dois
carrilhões com 92 sinos – o maior carrilhão do seu tempo. Para além dos seis órgãos
históricos na basílica, foi também erguida uma importante biblioteca com cerca de
30.000 volumes, sendo a maior livraria numa só sala em toda a Europa.15 Confirma-se,
pois, a proeminência da arte e do saber na corte joanina, à semelhança do que acontecia
noutros pontos da Europa.

Podemos concluir que D. João V, à semelhança de Luís XIV, usará os modelos estéticos
do barroco e as normas cortesãs para afirmar a sua autoridade real e restringir ao
máximo as influências dos outros corpos jurisdicionais. Numa altura de pura renovação
filosófica e intelectual, onde teóricos como Rousseau, Voltaire e Descartes propunham
um novo ordenamento social e político e onde cientistas como Newton ou Francis
Bacon questionavam a imutabilidade dos dogmas cristãos e do saber livresco, a
governação joanina ficou também contaminada pelos novos valores disseminados por
toda a Europa. Aliás, a arte e o saber foram instrumentos usados desmesuradamente por
D. João V de forma a evidenciar a grandeza do Império e a prosperidade do Reino, com
a ajuda das remessas de ouro do Brasil.
“Estávamos na época do fausto versalhence16”; é desta forma que Alfredo Pimenta
descreve o luxo, a exuberância e magnificência da governação joanina.
Mas para além da artificialidade da corte, e alguma historiografia injusta do século XIX,
a verdade é que D. João V abriu definitivamente as portas de Portugal ao Modernismo,
reformando o aparelho de Estado e procurando restabelecer a glória do país no exterior,
mediante intensivas viagens diplomáticas.

14
Construído no final do século XVI sobre uma planta em forma de grelha, instrumento do martírio de
São Lourenço, o Mosteiro de Escurial ergue-se num local de excecional beleza em Castela. A sua
arquitetura austera, em rutura com os estilos anteriores, teve uma influência considerável na
arquitetura espanhola durante mais de meio século. Foi o retiro de um rei místico e tornou-se, nos
últimos anos do reinado de Filipe II, o centro do maior poder político da época.
15
Palácio Nacional de Mafra, Direção-Geral do Património Cultural,
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/m/palacio-
nacional-de-mafra/, consultado em 24/05/2022
16
Alfredo Pimenta- Elementos da História de Portugal, 1ª ed., pág. 393
Página | 7
Pedro Marques Gonçalves

Você também pode gostar