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A juventude académica impôs-se como classe social no século XIX, nos tempos dos

nacionalismos exacerbados e da ressaca da Revolução Industrial. Esta classe social, que se


dedica ao estudo, mas também à boémia, perfazendo tertúlias e debates, afirmar-se-á em
Portugal, nos últimos decénios do Estado Novo, forjando linhas de contestação face à inércia e
intransigência do regime fascista, liderado por Marcello Caetano.

O maio de 68, símbolo máximo da luta estudantil, e os anos sessenta (sixties) foram marcados
por fragmentações socioculturais, atos de rebeldia e desejos utópicos de renovação social. A
universidade, enquanto instituição de ensino, foi o meio privilegiado dessa luta reivindicativa e
crítica da fragilidade do Estado Social e do ensino superior, reservado maioritariamente às
elites e ao capitalismo severo, expansionista e imperialista, motor de desigualdade e injustiça
social. Sendo assim, a universidade foi um espaço que fez emergir ideias marxistas e solidárias,
e uma juventude inconformada que pretende construir uma Universidade Nova e, como a
“Universidade é o espelho de um País” (Jorge Sena), os jovens procuravam lançar as bases de
uma sociedade nova, assente na justiça social e no progresso por meio do conhecimento e
romper com os modelos clássicos e tradicionalistas.

Nos anos 60, a Coimbra estudantil era mais pequena e havia sido alvo de um esventramento
para a construção de novas faculdades, na década de 70. A Praça da República, a Cabra e as
Repúblicas eram os símbolos da cidade e espaços privilegiados da boémia estudantil. A
Universidade de Coimbra era uma instituição universitária identificada com o saber e um
espaço geográfico «romantizado», composto de estudo, fado e namoros.
Os estudantes pertenciam ao sexo masculino e provinham das classes médias e altas que
futuramente integrarão a elite social e política portuguesa.
A partir da década de 50, observa-se um afastamento de certas formas de integração
estudantil. em 1956, inicia-se a luta contra o "decreto 40.900", projeto-lei, que procurava
restringir a autonomia das associações de estudantes.
Na década de 50 surgem também associações culturais que contribuíram para a erosão do
Estado Novo. Em 1954 é fundado o CELUC (Coral dos Estudantes de Letras da Universidade de
Coimbra), que rompe com a exclusividade do canto coral masculino protagonizado pelo
Orfeon. Em 1956 são fundados mais dois grupos académicos: no seio do CELUC nasce o CMUC
(Coro Misto da Universidade de Coimbra) e, no mesmo ano, o CITAC (Círculo de Iniciação
Teatral da Academia de Coimbra) e em 1958 aparece ainda o CAPC (Círculo de Artes Plásticas
de Coimbra)
Os jornais são também um meio que veicula as ideias dos estudantes, especialmente a Via
Latina, onde as esquerdas radicais procuravam ligar ao associativismo académico o
intervencionismo político. O momento mais marcante das manifestações jornalísticas ocorre
quando Artur Marinha de Campos publica a efémera "Carta a uma Jovem Portuguesa", onde se
expõe a situação atual feminina de inferioridade e de repressão mental.
A progressiva substituição do corporativismo pelo sindicalismo, traz formas de agir mais
eficientes e dotou a Associação Académica de instrumentos de obstrução à ordem moral,
como o decreto de suspensão da praxe, luto académico e cessação da Queima das Fitas.
O fado foi também um elemento de intervenção, cujas letras refletem preocupações sociais e
políticas. A título de exemplo, José Afonso, em 1963, grava "Os Vampiros e Menino do Bairro
Negro".
A luta estudantil transfigura-se na “crise de 1962”, com vários levantamentos estudantis em
resposta à proibição do governo em celebrar o Dia do Estudante. O conflito em Coimbra e em
Lisboa levará à prisão de numerosos estudantes.
No final dos anos sessenta, a conjuntura internacional marcada pela crítica aos padrões morais
e patriarcais e à inação dos governos face ao novo paradigma sociocultural, acelera em
Portugal os casos de desobediência e ataque ao regime do Estado Novo.
Uma das razões que acelerou este processo de dilaceração à máquina do regime foram as
graves inundações ocorridas no Sul do país a 25 e 26 de novembro de 1967 e a indiferença do
governo, que ia contra a doutrina socialista de proteção social através de um Estado
cooperativo.
Por outro lado, à semelhança dos EUA e a oposição da juventude à guerra do Vietname, em
Portugal a oposição em Coimbra fazia-se à guerra colonial e à violência exercida contra os
movimentos independentistas africanos.
Desta forma, de novembro de 1968 a julho de 1969 assistiu-se a uma fase ascendente da luta,
com a DG/AAC à frente do movimento cultural e de massas que procura formar uma
Sociedade Nova.
O clímax dá-se a 17 de Abril de 1969, quando Alberto Martins, então presidente da Direcção-
Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC), levantou-se para pedir a palavra em
nome dos estudantes na cerimónia de inauguração do Departamento de Matemática. Na
mesa, Américo Tomás dá a palavra, , ao ministro das Obras Públicas, e encerra depois a sessão
de maneira abrupta. À saída, a comitiva é vaiada pela multidão de estudantes que decide fazer
a sua própria inauguração após a retirada das autoridades.

Nessa mesma noite, Alberto Martins é preso. No dia seguinte, após a sua libertação, realiza-se
uma Assembleia Magna na qual se exige a participação dos estudantes no Senado
Universitário. A 22 de Abril, alguns dos principais dirigentes são informados da sua suspensão
da Universidade, evidenciando o caráter repressivo do Estado Novo. Logo nesse dia, uma
Assembleia Magna decreta luto académico, incentivando os estudantes a transformar as aulas
em debates sobre a atual situação. No dia 30 de abril, o ministro da Educação Nacional, José
Hermano Saraiva, vai à televisão apontar o dedo à “onda de anarquia que tornou impossível o
funcionamento das aulas”.

A 6 de Maio a Universidade de Coimbra é encerrada por decisão ministerial, sendo mantido o


calendário de exames.

Em finais de julho, a percentagem de exames boicotados era de 86,8%. Como facilmente se


conclui, a grande maioria adere à greve aos exames. Aqueles que rompiam – muitos por
pressão familiar – viam o seu nome inscrito em listas públicas de “traidores” e eram alvo das
mais variadas formas de ostracismo. Entretanto, a polícia vai efetuando dezenas de prisões
que se prolongariam pelos meses de Verão.

Já no início do ano letivo seguinte, quarenta e nove destacados ativistas estudantis são
incorporados nas fileiras do exército. No momento da despedida, gritam-se palavras de ordem
contra a guerra colonial.

Em suma, a Universidade de Coimbra e os seus estudantes sempre estiveram conscientes da


situação deplorável do país e do atraso cultural face às outras potências europeias. Esta classe
social burguesa procura acima de tudo renovar o ensino universitário em Portugal,
universalizando-o e libertá-lo da censura e do cerceamento por parte do Estado Novo. Estes
movimentos, maioritariamente pertencentes à esquerda radical, ambicionavam a construção
de uma democracia popular e o fim dos conflitos coloniais portugueses. A sua oposição ao
fascismo não deve ser esquecida e a sua coragem deve ser tida como exemplo para os
estudantes de Coimbra.

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