- Demonização de figuras femininas poderosas Nesta transição do século XII a XIII, nas primeiras crónicas que surgem assiste-se a um processo de estereotípica demonizadora de figuras de mulheres de autoridade, possuidoras de uma esfera de poder próprio, numa sociedade androcêntrica. A misoginia enquadrava-se nessas mulheres poderosas e de destaque, era nelas que incidam os comentários e críticas destes autores. Limita por um lado a visibilidade destas personagens femininas e por outro lado tendia a apagar ou tornar equívocos os aspetos que as ligavam ao direito ao poder ou ao seu exercício efetivo. No século XIII questionava-se toda a sua ação. Os exemplos de Urraca I, rainha de Leão e da Galiza e Teresa, condessa de Portugal, filhas de Afonso VI, meias-irmãs. A produção historiográfica sobre estas duas figuras iniciou-se no século XII pela pena de homens sob factos presenciados («História Compostelana», «Primeira Crónica Anónima de Sahágun»). Apresentam como personagens de pleno direito, relatando longamente os seus feitos ou falas, sobretudo de Urraca. Os textos são opostos na caracterização moral que fazem das duas mulheres, estavam em áreas distintas e concorrentes. No caso da D. Urraca o monge de Saháung fala “de alta nobreza e de sangue real e de grande formusura, era de grande prudência e de graciosa fala e eloquência” já o clérigo compostelano, comunga dos vícios, paixões e fraquezas próprias da natureza feminina. Os dois apresentam D. Urraca como sendo mulher, participa da falha essencial do seu sexo, uma fraqueza constitucional de corpo e de ânimo (misoginia clerical e essencialista: animo mulheril e sem vigor para governar o reino, que, se não torna ilegítimo o uso do poder, torna-se ineficaz e até nefasto; permeabilidade a influencias negativos e maus conselhos, outra manifestação da fraqueza feminista. Ainda assim, nesta primeira fase, não se faz alusão a motivações luxuriosas, relacionadas com o corpo e ambos as figuram manejando armas estendidas como naturalmente próprias e mulheres, o dom da palavra e a eloquência das lágrimas. Ou seja, ainda a representação historiográfica do poder nas mãos de uma mulher que o detinha por direito legítimo e o exercia em seu próprio nome. Porém, estava em curso a assimilação, entre a nobreza, do modelo de supremacia masculina fundada num estrito princípio de patrilinearidade, importado de além- Pirenéus; em breve, a hegemonia da nova estrutura familiar e o triunfo da androcracia. A historiografia dos séculos XIII e XIV foi hostil a Urraca e a Teresa por serem testemunhos incómodos de uma época onde as instituições política se familiares não tinham ainda sabido confinar as mulheres ao lugar conveniente. Dessas cronicas do século XIII que vão contribuir para a demonização das figuras femininas encontramos ideias comuns: Urraca e Teresa são referidas como mulheres malvadas, ambiciosas e luxuriosas, esposas de fidelidade duvidosa e mães desnaturadas. Rompem o modelo de mulher domesticada, confinada à família, ao marido e aos filhos. Não conhecem limites aos seus desejos e à sua ação. São desleais aos homens e aos filhos, disputam os poderes aos homens em vez de obedecerem (confinar-se ao seu papel de esposas), não fazer sombra ao poder dos homens. Reduzido espaço textual (raramente participam em episódios narrativos, ações conotadas com os vícios e paixões do seu nexo), em desacordo com o facto de terem sido personagens históricas de primeiro plano, que deixaram rasto documental secundário e primário notável (protagonismo político equivalente ao de qualquer homem com os mesmos cargos): notícias sobre datas e circunstâncias das suas vidas; a presença de Urraca em escritos oficiais, sobretudo nos 17 anos do seu reinado, permite traçar com exatidão o percurso factual… - A “domesticação” da mulher Nas fontes medievais portuguesas, até aos inícios do século XIII, a mulher estava remetida a um papel discreto. A partir de então, visibilidade acrescida em: - documentação de arquivo (régia, monástica ou papal): decorrente do conflito armado após a morte de D. Sancho I, por D. Afonso II ter contestado os domínios senhoriais que o pai deixou às irmãs, Infantas Teresa, Sancha e Mafalda. Terminou em 1223, com acordo a favor das infantas (embora reversão para a Coroa após a sua morte). - renovação produção literária: primeiras composições trovadorescas em Portugal, produzidas por dois compositores da fação das infantas (o bastardo régio D. Gil Sanches e Rui Gomes de Briteiros), já com características da cantiga de amor: a submissão à dona, tratada por “senhor”, e a falta de correspondência ou mesmo ira por parte da mulher; «Vida de Santa Senhorinha», hagiografia que apresenta a reclusão monástica como novo modelo de vida para a mulher nobre (impacto das fundações femininas aparecidas em meados do século XIII); A valorização do senhorio impunha o sacrifício de alguns membros da família nobre, entre os quais a mulher, com a valorização da varonia e a política de alianças reduzida ao mínimo necessário à continuidade da linhagem. Os textos literários apresentam respostas: Senhorinha desvenda o enquadramento institucional e religioso proposto às jovens não destinadas ao casamento (origem e difusão do monaquismo feminino). O contributo das três infantas na reorientação ou fundação dos mosteiros de Lorvão, Arouca e Celas. Comentário do clérigo português Durando Pais ao tratado A Economia, atribuído a Aristóteles, 2ª metade do século XIII: - a ligação do homem às «coisas de fora» e da mulher ao meio doméstico; - à mulher, pela sua natureza calma e conservadora, compete «governar e conservar tudo o que está em casa»; - quanto aos assuntos exteriores, deverá obedecer em tudo ao marido, quer pela sua menor inteligência e discernimento, quer porque a sua dedicação a essas tarefas poderia perturbar os trabalhos a que por natureza estaria destinada (a criação dos filhos e o governo da casa). - As mulheres segundo D. Duarte Querelle des femmes: - debate intelectual que surgiu em França no inicio do século XV, iniciado por Christine de Pisan com uma critica aos aspetos misóginos da continuação de Jean de Meun ao poema Roman de la Rose; - ultrapassou o caráter literário e tornou-se uma discussão sobre as capacidades intelectuais e morais das mulheres em relação as dos homens; O debate só terá chegado a Portugal no século XVIII, mas já foram encontrados ecos no Cancioneiro Geral (1516)… Segundo D. Duarte, existem quatro maneiras de amar: bequerença, desejo de fazer-bem, “amores” e amizade. As duas primeiras dirigem-se a quase toda a gente. Os “amores”, provocados por um «movymento do coraçom», merecem desconfiança, pois podem crescer a ponto de cegar os que os sentem, levando-os a unir-se à pessoa errada e a cometer o mal em vez de cuidarem do seu bem e do da pessoa amada. Mas não atribui a culpa às mulheres, como era costume nos autores eclesiásticos, que faziam delas as tentadoras. Dirige-se a ambos os géneros. A amizade, comandada pela razão, era para o rei a forma mais perfeita de amar. Os “bem casados” devem amar as quatro formas, mas a amizade deve ser o objetivo final. Conselhos do rei aos homens casados para alcançar a amizade: - «devem trabalhar por serem de suas molheres, bem amados e temydos«, sendo o temor, o receio de desgostar o cônjuge, não o da violência física ou psicológica; - embora não deixe de referir que se há mulheres que obedecem aos maridos com palavras brandas, «taaes hy há que convem aas vezes mais mostrança de força»; Não obstante apresenta sempre o marido como chefe do casal, o que deve ser obedecido, propõe alguma reciprocidade na relação conjugal: o homem deve trabalhar para ganhar e conservar o amor da esposa, corrigindo os defeitos e aumentando as virtudes, honrando-a, prezando-as e buscando o entendimento. Aula 4 As mulheres na sociedade senhorial dos séculos X – XIII: Casamento e transmissão de património Qual é o lugar da mulher no casamento? Considerar que o casamento era uma estratégia, no lado de natureza privada, que resultava de um pacto solene entre duas famílias. Numa primeira fase, ainda antes do casamento como sacramento, o necessário era o consentimento dos pais. Diferenças sociais: - - - Estreita relação entre aliança matrimonial e património: com o casamento, a mulher sai da tutela dos pais e passa para a do marido. Era um bem para os pais, que procuravam o melhor casamento para os seus bens e a sua condição, e um bem para o marido, que esperava do casamento vantagens político-económicas, em última análise a ascensão social. A dádiva da mulher em casamento era complementada com um dote (bens móveis e imóveis) ao marido, que passava a ser sua propriedade e podia ser por ele alienado. Por ser vantajosa para o marido, a mulher era um objeto precisoso, obtido à custa de compensações: situava-se frequentemente num nível de fortuna e poder superior, representando a transferência de um valor de uma família para outra, uma perda para a família de origem e uma vantagem para a “casa” do marido (nobreza, honra e alguns bens). Daí o marido deve entregar, em troca, dons ou arras. Na conclusão do casamento: intercâmbio de bens esponsalícios, troca de presentes teoricamente voluntários entre as duas famílias, mas na verdade obrigatórios, simbólicos e recíprocos. O marido dá para compensar o valor das propriedades que a esposa recebe da família e pelo serviço que ela lhe presta. Em Portugal (Ocidente em geral), séculos X e XI, nos estratos mais elevados: o costume de o noivo entregar à noiva um presente de núpcias, em reconhecimento da sua virgindade. No século XIII, na aristocracia de corte, o casamento tomava a forma jurídica de compra, sendo as arras o preço que o marido pagava pelo corpo da mulher (gerador de seus descendentes e o garante da descendência. O serviço a prestar… Arras, entregues pelo marido à esposa: fiança para o dote, garantia de uma eventual quebra do vínculo matrimonial e segurança para a viuvez, Penhor para a estabilidade no matrimonio, segurança face aos riscos reais de divórcio ou viuvez (finais do século XI, XII, sobretudo a sul do Douro, grande instabilidade e insegurança). Proliferação de cartas de arras desde os finais do século XI e sobretudo na segunda metade do século XII: possível prova de uma dignificação ou valorização da mulher e do casamento, tornando sagrado. Para essa valorização da mulher em contexto matrimonial terá contribuído a diminuição do número de mulheres disponíveis para o casamento, devido à proliferação dos mosteiros femininos no final do século XII: - colocar as mulheres no mosteiro: outra estratégia patrimonial, usada pela nobreza de segundo grau, que permite a não divisão, a não diminuição do património, além de que era menos pesado dotá-las para o mosteiro do que para o casamento; - por outro lado, os cargos de abadessa ou prioresa, cobiçados por estirpes nobres e reais, traziam poder, que muitas vezes extravasou os muros das casas; O casamento é um ato ritual e jurídico, concluindo sobre a vontade dos não diretamente interessados: em causa estão os interesses materiais de duas famílias, a continuidade de uma linhagem, a reprodução da sociedade. As relações feudo-vassálicas servem de modelo ao casamento: - a conceção do amor como a fidelidade do vassalo; - reverencia da esposa para com o marido, qual vassalo para com seu senhor, que por sua vez é condescendente com aquele; - relação de desigualdade, na qual a mulher é submissa ao marido; - as arras equivalem ao feudo; Transmissão de património A mulher individualiza-se, ganha nome e rosto ao dispor sobre o património: acompanhada ou sozinha, é-lhe reconhecida a capacidade jurídica para transacionar imóveis: - a mulher casada não podia alienar propriedades sem o consentimento do marido, mas inversamente também se exigia a aprovação da mulher (tratando-se de bens que lhe diziam respeito, muitas vezes assumia a liderança dos atos) Mulheres e Vida Privada Principais papéis atribuídos à mulher, independentemente do seu estatuto ou fortuna: - em casa: procriar, velar pela sua família e bens, educar os filhos; - a grande maioria das mulheres, para além destas, exerce ainda outras atividades, dentro ou fora de casa, para a subsistência do agregado familiar; A permanente ocupação é aconselhada pelos moralistas, como forma de resistir as tentações a que estava sujeita (o ócio como momento de perdição). Maternidade e educação dos filhos Procriar: Particularmente importante entre as nobres (assegurar a linhagem), sendo necessário começar cedo (13, 14 anos) para garantir um período de fertilidade longo, contrariando a elevada taxa de mortalidade infantil. Mais baixos índices de fecundidade entre as fidalgas: infertilidade e abortos naturais devidos à endogamia frequente, que diminuiu a partir do Concílio de Latrão (1215, restringiu-se os casamentos entre familiares até ao 4º grau de parentesco), mas não desapareceu. Educar: Aspeto presente nos tratados de educação medievais, mas, sendo escritos por clérigos enfatizam a importância do papel da mãe na educação religiosa dos filhos (cristã elementar). Nos finais da Idade Média, recomendação para a mãe ensinar os filhos a ler, mas muito restrito aos altos escalões das elites urbanas e cortesãs. Educação materna limitada às crianças pequenas, depois tutela masculina (marido, aio, mestre, homem escolhido entre os parentes ou amigos do esposo falecido, no caso das viúvas). No meio cortesão considera-se ser «a criação em poder de mulheres muy danosa, porque propicia a tornar o adolescente fraco e feminado, sendo esse um perigo que se pera qualquer homem pryvado he aleijam sobre todos, quanto mais pera Rey». Nos meios rurais e urbanos, talvez maior protagonismo materno na educação dos filhos. Trabalho e gestão do património: Tarefas domésticas e familiares da mulher, transversal a todos os meios: preparar a alimentação diária, limpar a casa e educar os filhos. A mulher símbolo da estabilidade da família, que alimenta, veste e educa. Trabalhos rurais da mulher segundo as iluminuras dos manuscritos medievais. Criação dos animais domésticos: alimentar o porco e as aves de capoeira, guardar os carneiros Aula 5 As mulheres, a Igreja e a religiosidade na Idade Média - Os conventos como espaços de poder feminino e palco de afirmação de linhagens: caso das abadessas cistercienses Abadias femininas cistercienses em Portugal: século XIII. As primeiras por iniciativa das infantas Teresa, Sancha e Mafalda (fundadoras ou reformadoras dos mosteiros de Lorvão, Celas e Arouca): - acolheram-se nos mosteiros, ainda que sem professor, muito próximas das religiosas; - exemplo para muitas mulheres da aristocracia, prestigiaram as casas, preferidas pela mais alta nobreza do reino nos século XIII e XIV; Abadessa: eleição e funções - autoridade máxima dentro do mosteiro; - cargo tanto mais valorizado quanto maior fosse o prestígio da casa; - eleita pela comunidade (convento reunido em cabido), atendendo «aos mecanismos da sua vida e ao saber e doutrina»; - depois de eleita, devia ser apresentada, confirmada e consagrada pelas autoridades eclesiásticas competentes; - regra geral, a abadessa mantinha-se à frente do mosteiro durante toda a vida; - dupla obrigação de zelar pela elevação espiritual da abadia ou “direção das almas” e garantir uma gestão eficaz do património monástico; - exercício da autoridade nem sempre bem recebido, situações de desobediência; Requisitos para exercer o cargo de abadessa: - merecimentos da sua vida e seu saber e doutrina; - pelo menos 30 anos de idade (importância atribuída à experiência); - condição preferencial ter desempenhado cargos intermédios de direção (prioresa ou subprioresa); - elevado número relativo de abadessas recrutadas entre professas depois de enviuvar, eventualmente em ligação com maior conhecimento e experiência do mundo, necessários para o governo espiritual e temporal do mosteiro; Cargo disputado e difícil acesso pelas vantagens do seu exercício para a pessoa, a sua clientela e a sua linhagem (prestígio religioso e social, vantagem económica, ligadas à gestão do património monástico). Algumas comunidades bastante seletivas na admissão de novas religiosas, limitando-se a nobres, que pretendiam o cargo. Situações de hereditariedade ou sucessão, sobretudo tia/sobrinha, perpetuando o cargo na mesma família. No mosteiro como fora dele: rede de solidariedade e de estruturação social entre mulheres monjas da mesma família e respetiva teia de relações (da sua vassalagem, suas clientes ou beneficiadas), rede coesa de religiosas, de várias gerações, no mesmo mosteiro. Utilização de estratégias de transmissão de património para reforçar a capacidade económica e colocar uma futura candidata ao cargo em posição de destaque: as monjas podiam dispor e usufruir dos seus bens em vida, mediante consentimento da abadessa; à sua morte, os rendimentos das suas propriedades revertiam para o mosteiro. No entanto, ao contrário… Interferência das linhagens na vida comunitária: discórdia, contestação e pressões em torno das eleições para abadessa. As eleições das preladas para as grandes abadias estavam sujeitas à intervenção de grupos de pressão exteriores, fossem laicos ou eclesiásticos. Podiam constituir-se clãs hostis, dividindo a comunidade. Daí partiu-se para o conflito e a contestação do resultado da eleição, o que trazia grandes perdas no domínio da gestão temporal, por falta de governo na abadia. O elevado custo das queixas e petições associadas à eleição da abadessa, ou à sua contestação, sobretudo quando chegavam à Santa Sé, era suprido ou pelos grupos de pressão interessados, ou pelos rendimentos de que as monjas dispunham livremente em vida. *família Briteiros (forte protagonismo nacional) teve monjas à frente do mosteiro de Lorvão, em três gerações sucessivas e alcançou a lideranças dos 3 primeiros e mais reputados mosteiros cistercienses: Lorvão, Arouca e Celas. Abadessas: caracterização geral - cultas e conscientes da importância de preservar os documentos; - audazes, pela responsabilidade de governar uma comunidade e o seu património, enfrentando abusos e prepotência dos poderosos; - seguras de si, conscientes de quem eram, do peso das suas linhagens, da força dos que as apoiavam dentro e fora do mosteiro, do que representavam enquanto detentoras do cargo e do poder subjacente. Controlo masculino sobre as religiosas: Apesar de ter sido fundada por uma mulher e dispor de uma regra própria, a Ordem de Santa Clara foi desde o início colocada sob a proteção e vigilância da sua congénere masculina… Institucionalização ou conventualização forçada das comunidades informais femininas que surgiram em vilas e cidades peninsulares no século XIV, sob o mote da pobreza evangélica (apesar de incluírem mulheres nobres). Duas interpretações: - a conventualização como única saída, imposta de fora pelas autoridades eclesiásticas e civis; - a conventualização partiu das próprias mulheres religiosas, que transformaram os seus beatérios em mosteiros. Inicialmente bem acolhida, porém, no final do século XV, crescente pressão da hierarquia eclesiástica e urbana. A partir daí, as fundações das elites urbanas submeteram as mulheres à clausura e à autoridade dos ramos masculinos das Ordens, fazendo delas também instrumentos ao serviço das linhagens de origem; - Modelos de religiosidade de rainhas Rainhas que fundaram ou refundaram casas religiosas e passaram a parte final das suas vidas nelas, ou num palácio próximo, participando nos ofícios litúrgicos e exercendo grande influência na vida da comunidade, tendo muitas ganho a santidade. É o modelo mais bem estudado, pelos seus resultados e abundância de fontes produzidas. Modelo muito mais discreto, que só recentemente suscitou o interesse dos historiadores: rainhas que, sem dedicar a parte final das suas vidas a Deus, não deixaram de ser piedosas e servir de espelho de virtudes cristãs para os seus súbditos. A imagem que os cronistas nos dão sobre o último modelo. Jovens castas, esposas fiéis aos maridos, mães modelo. Nos quartos e capelas privadas: jejuns e abstinência, uso de escapulários ou cilícios, orações, meditação, leituras piedosas, assistência a ofícios religiosos. Em público, participação nas grandes festas do calendário litúrgico, prática de romarias e peregrinações, distribuição de esmolas, proteção a eremitas e beatas, fundação ou reforma de mosteiros com regras mais exigentes. Ganhavam o apoio da Igreja e o amor do povo, o que reforçava o seu poder. Terceiro modelo de religiosidade: preocupações terrenas e amor espiritual e carnal; piedosa – capela privada, distribuição de esmolas e apoio a mulheres, proteção a casas religiosas. Exemplo de Isabel de Coimbra, esposa de Afonso V. Aula 6 Rainhas medievais de Portugal: poder e património As rainhas medievais de Portugal foram todas consortes ou viúvas e não soberanas por direito próprio, pois houve sempre herdeiros do sexo masculino para o trono (exceção de D. Beatriz, filha de D. Fernando). Mas não estavam impedidas de reinar. Afastadas do governo de facto (não de direito), não deixaram de ter poder, que alcançavam através da sua relação comos dois corpos do rei, o físico e o político (Pauline Stafford), embora essa mesma relação lhe impusesse limites. Decorrente da relação com o corpo físico do rei: - a intimidade podia gerar grande cumplicidade e influencia, usada em proveito próprio e no de familiares, membros do seu séquito ou terceiros. Porém, o uso dos «encantos femininos» para manipular o rei e prejudicar o interesse nacional forjou a imagem de rainha má. Ex: Leonor Teles; - o convívio intimo com o rei podia resultar, pelo contrário, em desamor. Ex: D. Isabel de Aragão (as inúmeras barregãs e filhos ilegítimos de D. Dinis, que lhes confiou os mais altos cargos na Corte); - a função de intercessora era reconhecidamente inerente à qualidade de rainha, mas com limites ao tipo de pedidos; - proximidade da generalidade das rainhas-mães com os reis seus filhos (mais fácil quando o monarca ainda não era casado ou já era viúvo), ainda que também haja casos de suspeita, ódio e perseguição (D. Teresa e D. Afonso Henriques); - caso mais raro de relação íntima com o corpo físico do rei: o de rainha-irmã. Ex: Leonor de Lencastre, esposa de D. João II, que, após a morte prematura do filho, dirigiu toda a sua atuação política e diplomática para impedir o marido de legitimar um bastardo e fazer a sucessão recair sobre o seu próprio irmão, D. Manuel; Decorrente da relação com o corpo político do rei: - conferia a todas as rainhas uma especial dignidade, honra que as elevava acima de todos os súbditos, pois participavam da soberania do espaço; - evidente no caso das realezas sagradas (francesa e inglesa), mas seria na monarquia portuguesa? Existiria em Portugal algo de equivalente ao queenship ou reginalidade (conjunto de funções, prerrogativas e rendimentos ligados ao estatuto ou dignidade de rainha)? - necessidade de aprofundar a pesquisa (reconstruir as chancelarias das rainhas) para perceber se existiu um ofício régio feminino ou se o estatuto, o poder político e a riqueza das rainhas de Portugal dependiam apenas da vontade dos reis e da capacidade delas de influir nessa vontade; Domínio de atuação das rainhas em que é possível uma primeira abordagem à questão: património, rendas e direitos correlativos. Durante a negociação do contrato de casamento com o rei ou herdeiro do trono, determinavam-se os bens de que as rainhas iriam dispor em vida, situação idêntica às das restantes mulheres (dotes e arras). Desde a emergência do reino até ao final do século XV: 13 rainhas consorte, a maioria proveniente de outros reinos da Península Ibérica, e os seus casamentos foram em geral resultando de guerra e negociações de paz entre Portugal e um vizinho adversário ou aliado. Dotes: Isabel de Aragão terá sido a primeira a trazer, para casar com D. Dinis, segundo o costume romano, que não se aplicaria até então; Arras: uso antigo muito popular na Península, trazido para a tradição legal régia pelo código visigótico, criado para assegurar a sobrevivência da mulher viúva; Em Portugal, as rainhas podiam beneficiar deles assim que casassem (espécie de compra do corpo da noiva, forma de validação do contrato matrimonial). Correspondia a uma porção das posses do noivo no momento do casamento, podendo diferir de rainha para rainha; não era hereditário, mas pessoal e intransmissível. Não impedia a rainha de receber outras propriedades ou rendas por doação do marido, nem de aumentar o seu património por compra ou herança. Primeiros cinco reinados: informação sobre as doações dos reis às rainhas (para além das arras) muito escassa. No século XIV, para além das vilas de Torres Vedras e Alenquer, as propriedades doadas variavam de rainha para rainha e estavam dispersas pelas zonas norte e central do país. A partir do tempo de D. Filipa de Lencastre (início do século XV), o património das consortes estabilizou-se, passando a haver um conjunto fixo de vilas, terras e lugares constituindo as «Terras da Rainha», com oficiais próprios: núcleo patrimonial de base, ao qual poderiam vir a juntar-se outro bens e direitos, concedidos por livre-arbítrio de cada rei. Este núcleo, gerador de rendimentos e direitos jurisdicionais e fiscais, seria um dos primeiros fundamentos do poder e da riqueza das rainhas. O comando militar supremo coube sempre ao rei, mesmo nas terras sob domínio da rainha, mas quanto à nomeação dos respetivos oficiais, como os alcaides dos castelos (de cuja fidelidade ao rei dependia a manutenção da ordem interna e da integridade territorial do reino): embora a regra geral fosse ser feita ou pelo menos confirmada pelo rei, aqueles podiam ser mais fiéis às senhoras do que ao rei, em caso de conflito entre os dois. Poderes também ao nível do exercício da justiça intermedia através de ouvidores por elas nomeados (mais nomeação dos mordomos, que cobravam as penas de sangue e as dizimas das sentenças, dos oficiais da escrita e dos oficiais cobradores dos tributos régios que transitaram para as suas mãos) A documentação relacionada com as vilas das rainhas mostra-as como senhoras ricas e poderosas, exercendo os típicos poderes senhoriais de comandar, julgar, punir e tributar. Recebiam um vasto conjunto de propriedades, direitos e rendas. Sabemos que: os usaram como fontes de rendimento; tal lhes permitia manter-se, ser generosas para os pobres e patrocinar a Igreja e as artes; intervieram nos assuntos locais. Mas os homens que nomeavam nem sempre pertenciam à sua casa 8mais vassalos e servidores do rei, dos príncipes ou de outros senhores locais). Mesmo quando tinham o direito de nomear magistrados e eclesiástico influentes (alcaides, deões das colegiadas), nem sempre beneficiavam os nobres da sua corte ou os clérigos da sua capela, mas frequentemente os homens do rei. Teriam recursos e poderes superiores aos dos restantes senhores? Faltam estudos sistemáticos, comparativos, mas a resposta parece negativa: - a casa e os domínios das rainhas não parecem ter constituído um poder paralelo, uma fonte potencial de conflito e oposição ao rei, como por vezes aconteceu com outros domínios senhoriais; - antes uma expressão da corte régia e da propriedades da Coroa, com as quais o rei podia contar em caso de necessidade; As rainhas consortes em Portugal não tinham poderes ou recursos suplementares, por serem esposas dos reis, que as distinguissem dos restantes senhores. Quando algumas tentaram interferir nos assuntos políticos do reino em direção oposta à dos maridos, não tiveram o apoio necessário (homens e fundos), nem mesmo em todas as suas propriedades; a sua base era insuficiente face a monarcas reinantes ou grupos de controlo do rei menor de idade. Não gozaram de autoridade pessoal nem de qualquer espécie de carisma próprio, todo o seu poder derivava das concessões especificas feitas pelo rei. Daí que fossem facilmente neutralizadas, não havendo qualquer experiência de poder feminino de sucesso no Portugal medieval. Rainhas regentes de Portugal Numerosos exemplos de exercício da autoridade régia por mulheres nos outros reinos peninsulares. Em Portugal apenas dois, Leonor Teles e Leonor de Aragão, ambos interrompidos. Em Portugal, não havia qualquer lei que estipulasse como proceder em caso de sucessão ao trono de um menor de idade, D. Fernando e D. Duarte usaram os seus testamentos para impor modelos de regência, entregue em ambos os casos à rainha-mãe: - Leonor Teles seria tutora da sua única filha, D. Beatriz, e regente do reino até que aquela consumasse o matrimonio ou atingisse os 12 anos de idade; depois, Leonor Teles asseguraria a regência até que um filho ou filha de Beatriz e D. João I chegasse aos 14 anos; - D. Duarte confiou em testamento a Leonor de Aragão a tutela dos filhos e a regência do reino in solido: legitima o exercício da autoridade régia pela rainha viúva em exclusividade, o que lhe foi rapidamente retirado e ela reivindicou até morrer; O argumento da ameaça à independência nacional: Fernão Lopes faz do sentimento nacional um dos fundamentos principais da relação da regente e da sua filha, mas duvida-se da existência de tal sentimento em alguns dos estratos sociais da época. A relação adúltera da rainha com João Fernandes Andeiro: a acusação de infidelidade foi uma arma usada para desqualificar os reis que se deixavam dominar e atraiçoar pelas suas esposas e para retirar legitimidade aos seus filhos. O argumento de inaptidão das mulheres para governar: Para Rui de Pina (e muitos outros autores medievais), o facto de ser mulher desqualificava Leonor de Aragão como regente perante os seus cunhados, varões com provas dadas no governo: pela sua natureza, a mulher é ligeira, inconstante, volúvel, débil; a falta de firmeza das suas decisões gera inimizades e conflitos. Acresciam as limitações da gravidez, inconciliáveis com a regência: Leonor de Aragão, grávida quando o marido faleceu, teve de reduzir a sua atividade devido a dores e mau estar decorrentes do seu estatuto.. Para além da regência, Leonor de Aragão perdeu também a tutoria dos filhos varões, porque a criação do rei em mãos de mulheres era vista como prejudicial: ficaria débil e efeminado. Ficaria a cargo do Infante D. Pedro. De qualquer forma, o rei tinha já 7 anos e o pai dotara-o de um aio para lhe ensinar tais coisas, pelo que importam mais outras razoes apresentadas pelos procuradores para o afastar da mãe: ela criá-lo-ia no ódio e aos que a tinham privado do poder. Argumento da origem popular do poder: Cortes de Torres Novas (1438): não obstante o testamento de D. Duarte, os procuradores do concelho de Lisboa afirmam o direito do povo a eleger um regedor em caso de menoridade do herdeiro. Opta-se por uma solução de partilha da regência entre a rainha e o infante D. Pedro. Novas cortes em Lisboa em 1439: o jurista artífice da teoria da eleição popular volta ao argumento do género, alegando «claras razões, aprovadas por direito divino e humano e autorizadas por claros exemplos, que uma mulher não deve deter regimentos». A rainha opôs-se inicialmente, mas acabou por ceder e o rei entregou cerimonialmente o poder ao tio. Esta «amenidade» ou «benignidade e indolência» fizeram dela uma regente incompetente aos olhos dos seus contemporâneos: reforço do estereotipo de género. Conclusões: - Na monarquia portuguesa, o costume permitia às filhas suceder aos pais na ausência de um herdeiro masculino e às rainhas-mães exercer a regência em nome dos filhos menores. Tal não significa que não existisse um preconceito contra o exercício do poder pelas mulheres, que podia ser ou não expressado abertamente. - Tal como no restante panorama ibérico, em Portugal: a importância dos tios paternos dos reis menores na oposição à regência das rainhas-mães e na usurpação do trono dos sobrinhos. - Singularidade portuguesa: o protagonismo burgues e popular nos movimentos que impuseram a mudança nas regências: - Nos dois casos, o povo alvorou-se contra as regentes, forçou os homens bons do concelho a confirmar a eleição, depois ratificada em cortes, nas quais se destacou a ação de juristas laicos, fazendo triunfar o princípio de que o poder se transmitia ao soberano através do povo. - Ao rodear-se sobretudo de nobres e clérigos, alguns deles estrangeiros, as regentes afastaram os burgueses e o povo, que os seus rivais souberam atrair e mobilizar. Aula 7 As rainhas medievais e o patronato artístico e arquitetónico: o caso de D. Isabel de Aragão Caso estudado por Ana Maria Rodrigues: os tesouros e as fundações de quatro rainhas ibéricas do século XIV. Analisa o seu patronato, face ao dos maridos. - Isabel de Aragão, rainha de Portugal - Beatriz de Castela, rainha de Portugal - Leonor de Portugal, rainha de Aragão - Elisenda de Montcada, casado com Jaime II e Rainha de Aragão Todas receberam, ao casar, dotes dos pais e arras dos maridos: propriedades, direitos e rendas que fizeram delas mulheres muito ricas e com poderes senhoriais. Imediatamente apos casarem, podiam dispor das arras, a base do seu rendimento. A isto juntavam-se doações recebidas ao longo da vida, dos maridos e dos filhos. Permitia: independência financeira, manter e recompensar uma vasta corte de damas de honor e oficiais, patrocinar ordens religiosas e instituições caritativas, elevado nível de consumo de bens de luxo. Para além do dote, traziam consigo um enxoval composto por roupas e acessórios luxuosos, objetos religiosos, prataria e joias. É possível que três das peças doadas por Isabel de Aragão (Rainha Santa) ao Mosteiro de Santa Clara ainda existentes hoje em dia (duas cruzes processionais e o relicário da Santa Cruz, século XIV), de provável origem estrangeira, tenham sido recebidas pela ranha ainda jovem noiva, oferecidas pelos pais (parte do enxoval). Mas também pode tê-las encomendado para oferecer às freiras de Santa Cruz (atividade como patrona na viuvez). Frequentemente, as rainhas doavam ou legavam peças em prata, reliquias e joais a outros membros da família, de sangue ou por afinidade. Muitos destes objetos preciosos foram herdados ou recebidos como prendas de familiares e amigos, mas alguns foram provavelmente comprados a mercadores ou encomendados a artífices. Há provas de que algumas rainhas tinham artífices a trabalhar diretamente para elas: em carta escrita ao irmão Jaime II, refere Isabel um “moro argentero” (ourives muçulmano) que fugira da sua corte e que ela estava ansiosa por recuperar. Frequentemente, desmanchavam-se peças de prata, joalharia e vestuário para criar obras: No seu primeiro testamento (1314), Isabel legou ao Mosteiro de Odivelas uma cruz a ser feita com o ouro existente no seu tesouro e de nove boas pedras que seriam retiradas das suas roupas, se a cruz não estivesse pronta antes da sua morte; Beatriz pediu que o seu tumulo fosse coberto com a veste mortuária que encomendara, feita com o tecido que a filha Leonor lhe enviara, adornada com castelos e leões, símbolos heráldicos da sua família de origem; Comissionaram peças de arte como túmulos e altares e financiaram a construção ou o aumento de pontes, palácios, hospitais e conventos: Leonor de Portugal que morreu com a Peste Negra um ano apenas por ter chegado ao seu novo reino, ordenou a construção de um novo altar e a colocação de novas imagens de S. Vicente e S. Lourenço na capela real da cidade de Huesca, onde se rezaria pela sua alma. Isabel de Aragão envolveu-se pessoalmente nas obras de construção que encomendou no final da vida: - No início da vida de casada procedeu como as suas predecessoras: no primeiro testamento (1314) ordenou que o seu corpo fosse enterrado no Mosteiro de Alcobaça, ao lado do marido; - Mas no segundo (1327), dois anos depois da morte de D. Dinis, mudou o seu destino final para o Mosteiro de Santa Clara, que, entretanto, construía em Coimbra; - Entre as duas datas, os esposos afastaram-se e cada um desenvolveu um projeto de construção próprio, ele o do mosteiro feminino de Odivelas, a par de outras obras, como o Claustro do Silencio do Mosteiro de Alcobaça ou o convento de S. Francisco de Portalegre. Porém, não há prova de que se tivesse envolvido pessoalmente no planeamento ou supervisão destas obras; - Parece ter sido diferente com a rainha Isabel, que não criou novos mosteiros, mas foi responsável pela consolidação e expansão de duas casas religiosos: Santa Clara de Coimbra e Almoster; Convento de Almoster Fundado em 1289 perto de Santarém por uma das damas de honor da rainha, Beringueira Aires, obedecendo a uma disposição testamentaria da mãe. A rainha passou a proteger as freiras em 1304 e obteve do rei privilégios para o convento: estabelecimento de um couto e a possibilidade de as rerias herdarem bens imoveis e os legarem ao convento. Apos a morte da fundadora, Isabel assumiu o patronato, para concluir a construção, financiando o claustro, a enfermaria e outros edifícios. Convento de Santa Clara Fundado em 1286 por Mor Dias, uma nobre de Coimbra, mas, devido a um conflito com os cónegos de Santa Cruz, que reclamavam autoridade sobre o mosteiro, as freiras acabaram por ser expulsas e o mosteiro extinto em 1311. Três anos depois, Isabel beneficiou no seu testamento o mosteiro e tomou posse dos edifícios abandonados, comprou os campos envolventes, refundou-o e dotou-o com novas propriedades. Resolveu o conflito com os cónegos de Santa Cruz, que reconheceram o novo mosteiro, no mesmo local do anterior. Apos enviuvar, em 1325, a rainha tomou o hábito das clarissas (embora sem pronuncia votos) e começou uma nova vida. Nessa fase da vida de Isabel: - peregrinação a Santiago de Compostela, ofereceu ao apostolo algumas das mais ricas peças do seu tesouro e guarda-roupa e recebeu em troca, do arcebispo, o bordão de peregrino ainda hoje existente. - continuou a desfazer-se das suas riquezas, paramento para igrejas de todo o reino feitos com as suas sedas e brochados; ouro e prata transformados em cálices, cruzes, incensários … Após a conclusão da igreja e do tumulo, supervisionou a construção do dormitório, do refeitório, da enfermaria, do claustro, da cozinha e outras dependências. Passou os 11 anos da sua viuvez maioritariamente o palácio perto de Santa Clara. Quando morreu em 1336 era reputada como santa e o seu culto começou de imediato, embora só tenha sido beatificada em 1516 e canonizada em 1625. Semelhança do seu percurso da rainha Elisenda, cunhada de Isabel, possivelmente por influência desta: - casou-se com o irmão de Isabel em 1322, quando esta já estava a construir o mosteiro e o palácio adjacente, devendo tê-lo visto como um modelo; - nos seus 36 anos de viuvez, fundou um mosteiro de clarissas perto de Barcelona, nomeou fiscais da obra homens da sua confiança, mandou fazer um palácio o lado, tomou hábito mas não professou; Conclusões: O patronato das rainhas ibéricas do século XIV diferiu do dos reis. Tinham vastos recursos que lhes permitiam consumir bens de luxo e construir mosteiros e palácios, mas não podiam igualar a riqueza dos maridos, muito maiores consumidores e patronos: decisão sobre a construção de um panteão para a dinastia/privilégios e isenções das suas próprias leis às instituições religiosas/mosteiros entre os maiores do reino versus fundação e proteção de casas muito mais pequenas. Ainda assim, ter-se-ão envolvido mais diretamente nos projetos do que os homens. Alterações no modelo de patronato das rainhas de acordo com o ciclo de vida: - enquanto jovens casadas, menos dinheiro e apoio às fundações dos maridos; - quanto mais tempo vivessem, melhor podiam materializar os seus próprios desejos e criar novos padrões de espiritualidade e patronato, influenciando as gerações femininas seguintes nas suas famílias e na sociedade envolvente; - enquanto viúvas, especialmente se fossem rainhas-mães sem responsabilidade reinante (muito diferente se fossem regentes na menoridade dos filho), atingiam um patamar de riqueza, autoridade e prestigio que lhes permitia fazer quase tudo o que queriam (situação reservada à elite das mulheres do seu tempo); Aula 8 Conceções sobre as mulheres e o casamento na Época Moderna O Espelho de casados (1540) do Dr. João de Barros: conceções sobre as mulheres, o casamento e a relação conjugal na obra e na época - primeira obra publicada em língua portuguesa sobre o tema do casamento, funções de marido e mulher e seu relacionamento; - primeiro texto português contra os detratores das mulheres, salientando que defeitos e qualidade dependem das personalidades e não do sexo; - 1540: casamento fruto de evolução de séculos, criticado por protestantes e católicos, ainda antes de Trento; Conceções práticas da época: - estereótipos de “a mulher” já analisados; - a obra insere-se num contexto de querela das mulheres e de querela do casamento, tal como o livro Dos ..
Posição da Igreja face ao casamento:
S. Paulo vê no casamento apenas uma vantagem: recurso para que os que não conseguem viver na castidade – mais vale casar-se do que abrasar-se; Sto. Agostinho (inícios do século V) procurou compatibilizar a vida dos casados com a salvação, pela doutrina dos três bens do casamento: proles, fides, sacramentum. O remédio para a concupiscência incluía-se na fides, com o “débito conjugal” a impedir a continência dos esposos. Mas aconselhava a cessação de atividade sexual logo que tivessem assegurado a procriação; Só foi considerado sacramento nos finais do século XII, resultando de uma longa evolução que prosseguiria ainda, até Trento (1545-63), onde se fixa a doutrina e a prática: presença de testemunhas e de um sacerdote; Quando o Dr. João de Barros escreve, o casamento católico não fora ainda definido e regulamentado: ritos diversos e um único requisito para o validar, o consentimento dos contraentes; Debates sobre a questão da suprema vontade dos noivos versus autorização dos pais e a questão da valia das mulheres (reabilitação do valor moral do casamento); Objetivos da obra: Espelho = guia, roteiro (significado imediato percetível pelo publico). Espelho de casados em qual o mal se disputa copiosamente quão excelentes, proveito e necessário seja o casamento e se metem muitas sentenças, exemplos, avisos e doutrinas e duvidas necessárias para os casados e, finalmente, os requisitos que há de ter o casamento para ser em perfeição e a serviço de Deus Ou seja, trata-se de uma apologia do casamento como estado perfeito para a vida terrena e para a salvação eterna e de um regimento para ajudar os casados a bem viver… Embora não o declare, também escreveu para que as mulheres o lessem. Ao perspetivar o casamento como algo de muito positivo, rejeita a visão sombria sobre as mulheres: apologia das mulheres enquanto seres humanos, com a mesma dignidade e franquezas que reconhecia aos homens. Para além de recorrer a citações bíblicas, de autores da Antiguidade, da Patrística, de teólogos medievais e humanistas e de juristas e casos concretos da sua profissão, socorre-se da experiência de vida de homem que foi casado e pai e de homem que conviveu e ouviu opiniões de mulheres. O livro organiza-se em 4 partes: 1º reprova as razoes contra o casamento, mas quer expô-las porque são de uso vulgar e pretende refutá-las uma a uma; 2º expõe doze razoes a favor do casamento; 3º refuta também as razoes contra as mulheres 4º Ideias fundamentais da obra: - rejeição da misogamia e da misoginia e a sua visão do casamento - louvor da vida matrimonial e capacidade de se colocar no lugar do outro (mulheres, idosos, viúvos e viúvas que recasaram), acolhendo comportamentos distintos - Ecos das polémicas à volta do casamento quanto aos seus fundamentos legitimadores, ao carater indissolúvel, à livre vontade dos noivos, aos ritos de constituição do casal, à dispensa de graus de parentesco e às segundas núpcias; Contra a ideia de que o casamento não se justificava se já não fosse possível a gestação, pois tinha um valor intrínseco. Defende o casamento de pessoas idosas. A favor do casamento entre homem e amante. A decisão de casar e a escolha do cônjuge não podem ser impostas pelos pais, mas a família deve ser ouvida. Defesa da adequação de personalidades: devem escolher-se pessoas que se conheçam bem e equivalentes em idade, estatuto e riqueza. Pagamento do débito conjugal (regras rígidas iguais para marido e para mulher) e defesa do direito de concretização do desejo sexual feminino pelas mulheres casadas.