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A ideologia Modernista: A semana de 22 e sua consagração.

FISCHER, Luís Augusto (Introdução


e capítulo “1922” p. 11-90)

Apontamento de Leitura:

- O livro pretende identificar como o modernismo paulista virou o parâmetro de validação de


tudo o que se produziu em cultura no Brasil em boa parte do século XX. Tal processo de
canonização envolveu a criação da USP, ambiente onde se produziu a crítica e a História
modernistas.

- A figura de Mário de Andrade é central na construção do modernismo paulista, e o destino


das interpretações sobre a semana de 22 ocuparam Mário desde cedo, em uma espécie de
guerra de conquista ao conceder aos paulistas a primazia na constituição do modernismo no
Brasil. Exemplo disso são suas divergências com Graça Aranha, incluso na expressão “Essa
gente do Rio”, num sentido claro de demarcação. É possível ver as disputas do campo cultural
que respondem a uma demanda de modernização numa diversidade de projetos de nação.
Gilberto Freyre em 1924 acusa cariocas e paulistas de darem as costas ao Brasil em
modernices importadas da Europa. Em relação a Mário o intelectual pernambucano reconhece
sua preocupação em perscrutar o “brasil profundo”, embora ainda assim repreenda suas
incorporações do Modernismo Europeu.

- O Modernismo de Mário é um catolicismo, como define o autor. A formação católica que


Mário teve marcou seu pensamento de juventude, de modo que o sentido de missão
doutrinária esteve presente em sua visão do movimento modernista. “Carlos, devote-se ao
Brasil junto comigo” diz Mário em carta a Drummond, reforçando o sentido de missão
religiosa, onde o intelectual paulista assume quase posição de Mártir.

- Mário aproxima a figura de Deus com a linguagem da Música. Ambos os domínios requerem
uma compreensão que vai além da lógica, paralógica, extraintelectual. O modo de apreender
Deus e a música seria puramente sentimental e fisiológica, estados de sensibilidade afetiva que
não teriam significado intelectual. Mário se detém, então, em uma Quadra popular, poesia do
povo que segundo ele conteria semelhante estrutura Paralógica. A quadra conteria elementos
que seriam apreciados pelo Povo através da Rima, do Corpo, das imagens que suscita.

- Dessa aproximação feita por Mário surgem pares como Intelectual x povo, Corpo x
inteligência. Haveria uma compreensão intelectual, puramente racional, e outra que
envolveria corpo e inteligência, uma compreensão integral fruto da totalização do ser. Mário
diz crer em Deus de modo integral, tal qual a compreensão paralógica do Homem do povo.
- Música, catolicismo e o Modernismo aparecem no pensamento de Mário como instâncias
totalizadoras. O movimento modernista encarna a totalidade do nacional, e o próprio Mário
afirma ter deixado de ser estadualizado para ser Brasileiro. Mário busca construir a narrativa
do Modernismo como paradigma último de interpretação da literatura brasileira e, aceita sua
visão dos fatos, críticos e historiadores posteriores colocariam a primazia do modernismo
paulista na historiografia da literatura brasileira.

- O capítulo do livro então foca sobre três intelectuais que situam-se em uma linhagem
modernista: Graça Aranha, Paulo Prado e Gilberto Freyre.

- Graça Aranha estava entre os fundadores da Academia brasileira de letras, o que demonstra
suas ótimas relações dentro do campo literário da então capital federal. Em 1924 volta-se
contra a ABL acusando-a de imobilista e passadista, ao passo que demonstra apoio ao
movimento modernista. Mário, porém, demonstra certas reservas com Graça Aranha e outros
intelectuais do Rio de Janeiro. Seu livro A estética da vida, dedica-se em boa parte uma
metafísica vazia e pedante, de tom espiritualista. A modernidade do escrito, segundo Fischer,
encontra-se na visão anti-dogmática com que o livro aborda temas caros ao catolicismo. Em
capítulo denominado “A imaginação brasileira” Graça Aranha trata da questão da Raça,
expressando uma visão racista e estigmatizada do negro e do índio. Conecta Raça e Cultura tal
qual seus contemporâneos e, assim como para Mário de Andrade, a unidade da raça seria uma
precondição para dar sentido pleno a Cultura.

- Paulo Prado. Vindo de família rica, financiou a semana de arte moderna de 1922. Seu livro
Retrato do Brasil estabelece uma cronologia da história do Brasil através de capítulos
nomeados Luxúria, cobiça, tristeza e Romantismo. Católico e Reacionário, Paulo Prado
condena a renascença e o paganismo, responsáveis estes pela sensualidade desenfreada que
se forjou na colônia.

- O livro mobiliza categorias tais como Povo, País, Terra, temas caros ao modernismo; Também
encontram-se ecos das teorias evolucionistas através de noções como Endogamia e Seleção. O
livro transita entre o contexto geográfico de SP e pretensões generalistas de representar o
Brasil como um todo. Ao referir-se ao século do ouro no Brasil (XVIII) como uma era de
Martírio que empobreceu o Brasil, nota-se um deslocamento semântico entre SP e Brasil, visto
que a província paulista quem perdeu domínio e influência a partir da ascensão de Minas
Gerais.

- Atribui ao homem português do século XV, posteriormente corrompido pela renascença e


pela Reforma, bem como pela colonização, o tipo perfeito do aventureiro, audacioso,
sonhador, livre. Curiosamente, qualidades que o modernismo paulista se atribuía. A tese de
que apenas no planalto de SP, isolado, é que houve a mescla adequada do Português vigoroso
e empreendedor, anterior a 1580, com o Índio, afirma a excepcionalidade paulista em relação
ao resto do Brasil. Profundamente racista, atribui ao africano o envenenamento na formação
da nacionalidade, elementos de corrupção marcados pelo relaxamento nos costumes.

- Citando Carlos Berriel em livro sobre a obra de Paulo Prado, define-se o livro de Prado como
a defesa do mito do bandeirante enquanto construtor do país e as elites cafeicultoras como
polo dinâmico e desenvolvido em meio a um país atrasado. Com o modernismo as elites
paulistas tornam homólogas sua trajetória e a trajetória do país, e o seu projeto de classe
torna-se um projeto de nação.

- Gilberto Freyre. A singularidade de Freyre reside no fato de ter outra formação em relação
aos outros modernistas aqui citados. Estudou ciências sociais nos estados unidos; trata-se de
um ponto de vista perdedor, uma vez que nunca teve a relevância das outras perspectivas na
política cultural elaborada nos grandes centros (SP e RJ). Na universidade de Columbia foi
aluno de Franz Boas, com quem aprendeu a distinguir Raça, ambiente histórico e Cultura. Daí
estava a base para analisar a cultura brasileira e o papel da mestiçagem na construção da
nação.

- Em 1926 ajuda a promover o I congresso regionalista no Recife, tentativa de sintetizar o


desejo de modernização com a preservação do passado e das tradições. Muito diferente,
portanto, do vanguardismo paulista entusiasta da vida urbana frenética sem maiores
preocupações com a preservação do passado. Em 1933 é editada Casa grande e senzala,
ensaio ousado que buscava ver na mestiçagem uma vantagem e não um problema, o elemento
que criava a singularidade brasileira. Nos trópicos, onde o deterministas viam a
impossibilidade da civilização, Freyre compreendia a mestiçagem como forma de aclimatação
e construção social. As críticas a sua obra vêem a ideia de acomodação das tensões sociais via
mestiçagem como mascaramento do racismo e da luta de classes. A inovação, contudo, se faz
presente na incorporação de fontes diversas (diários, poemas, livros de receitas, modinhas,
etc) que ganham novos sentidos de leituras a partir da década de 1980 e da história das
mentalidades.

- Congresso regionalista: o evento configurou-se como um jantar de celebração ao passado


rural, com comidas tradicionais e recitativos na hora do café, no ímpeto de inventariar traços
do passado a serem preservados. O folclore desempenha papel relevante nesse modernismo
divergente.
- Citação do recifense Amaury medeiros, participante do movimento Regionalista em
Pernambuco: “colecionar e cultivar a poesia simples do sertajeno, a música ingênua das suas
violas, reviver as suas histórias varonis, é fazer também o bom, o melhor e mais sadio
nacionalismo”. O nacionalismo é compreendido em sua compatibilidade com a preservação da
tradição. Temos a tese do culto da tradição como compatível com o progresso. O novo e o
vanguardista não possuem um valor em si, somente quando são ajustados com o antigo e o
tradicional.

- Manifesto Regionalista: O regionalismo seria a reunião de vagas e dispersas tendências


espalhadas, de caráter descentralizado; está para a cultura como o federalismo está para a
política. (anticentralismo). Regionalismo paralelo ao modernismo, porém menos divulgado e
apreciado na imprensa metropolitana (SP E RJ). Freyre Contrapõe o Regionalismo
pernambucano aos modernismos paulista e Carioca, inserindo uma distinção entre Rio e São
Paulo e colocando Pernambuco como divergente dessas tendências. Se coloca contra os
definidos por ele como “neófitos”, supostos progressistas e adiantados que incorporam
acriticamente qualquer novidade estrangeiro, bem como a uma certa noção de elegância e
modernidade que impera nos centros e não leva em conta as tradições populares.

- Sua visão acolhe o popular ao lado do senhorial, embora este último ganhe destaque no par
Casa grande – Senzala. A casa grande seria nesse esquema a mais legítima organização social
presente na formação brasileira.

- Regionalismo Gaúcho. Polêmica entre Moyses Vellinho e Rubens de Barcellos em torno da


obra de Alcides Maya, naquele momento o mais admirado dos escritores gaúchos. Vellinho via
na representação decadente do Gaúcho e no uso de uma linguagem rebuscada, preciosista e
claramente antimoderna os traços de uma obra passadista, envelhecida e inaceitável naquele
momento; ataque em espírito modernista, portanto. Barcellos, por sua vez, via em Maya a
representação do povo simples atropelado pela modernização, sem que isso fosse
necessariamente uma generalização sobre todos os habitantes do Rio Grande do sul.

- Em 1926 é publicada a segunda edição do livro Vultos do meu caminho de João Pinto da Silva.
Em ensaio intitulado “A poesia nova e o Rio Grande” o escritor expõe sua visão do
modernismo através de uma visão organicista que lembra em muito a de Gilberto Freyre,
distante do entusiasmo com as mudanças e rupturas próprias do modernismo paulista, e
afinado com a ideia de um ritmo de modernização que levasse em conta os fatores internos do
país. João Pinto afirma que ao invés de lerdo e fatalista, como muitos descrevem, o Brasileiro
seria precipitado, não esperaria o tempo certo para agir. Precipitados teriam sido a
Independência, a abolição, a Indústria, a renovação artística, fruto de um esquecimento das
peculiaridades de nossa formação e absorção desmedida de novidades vindas de fora.

- Augusto Meyer. Em certa medida seu pensamento se aproxima do Regionalismo de Gilberto


Freyre. Postula uma linhagem de Brasilidade que vai desde o romantismo de Gonçalves Dias,
José de alencar, passando por Euclides da cunha, Monteiro Lobato, Olavo Bilac, e cuja
tendência o Rio grande absorveu na eleição de motivos regionais. Define o RS ideal como uma
feira de contrastes vivos, a locomotiva convivendo com o rancho, os tratores e as carretas, o
rodeio e a usina, em uma ideia próxima de Freyre num passado que convive com o Novo.
Contudo, a justaposição de elementos díspares como forma de criar efeitos de atrito lembra
em certa medida a Vanguarda paulistana e, posteriormente, o argumento Tropicalista.

- A defesa da Obra de Simões Lopes Neto, definido como o mais original dos Regionalista com
imagens dignas de um moderno. Simões teria realizado a dimensão nacionalista do
modernismo. Assim como para Freyre, o Regionalismo não seria antagônico ao modernismo,
mas um caminho para se atingir o moderno. Opõe o cerebralismo dos modernos paulistas à
espontaneidade de um Riacho que os escritores regionalistas colocam em suas obras. A
discussão modernista em Porto Alegre ressaltava as qualidade um organicismo, um ritmo
manso, a maturação das relações entre Arte e Sociedade evitando rupturas.

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