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Introdução
São Paulo, bairro da Luz, ocupação Mauá, 2012. Durante uma conver-
sa com Nelson, morador da Mauá e liderança de um dos movimentos de
moradia que a compõem, ele respondia a minhas perguntas ansiosas sobre
o que, para ele, era política, depois de ouvi-lo dizer em assembleia, no mes-
mo dia:
2 Importante mencionar uma contenda acerca dos usos e definições dos termos
“branquidade” e “branquitude”. Opto pelo uso de “branquidade do Estado”, inspirando-
-me no modo como Vron Ware (2004) trabalha com o conceito, para referir-me aos
vínculos entre os diferentes tipos de racismo presentes em algumas práticas e concepções
estatais, especialmente em duas dimensões relativas à ocupação da cidade: a política ur-
bana (ou urbanística) e a repressão policial a ela vinculada, especificamente na cidade de
São Paulo.
No final dos anos 1930 e início dos anos 1940, na gestão Prestes Maia
(1938-1945), foi feita uma primeira proposta que engendrava uma concep-
ção de cidade para tentar organizar a metrópole desvairada: uma cidade
modernista, monumental, cujo planejamento urbano visava evitar confrontos
e colisões (Libâneo, 1989: 36; Harvey, 1993: 69). Inspirado nos bulevares
parisienses do barão Haussmann, o Plano de Avenidas de Prestes Maia re-
forçava, dentre outras coisas, a ideia de centralidade de uma região da cida-
de, à qual deveria ser possível, contudo, chegar rapidamente — pelas grandes
avenidas perimetrais principais ou pelas vias radiais secundárias.
O rápido acesso valorizou o Centro. Local de empresas e empregos,
serviços, atividades comerciais, infraestrutura urbana, instituições político-
-administrativas e religiosas e patrimônio arquitetônico e cultural, o Centro
é também local de encontro, sociabilidade, mediação de conflitos, manifes-
tações políticas, protestos. Já historicamente marcado por uma “conflituali-
dade” (Frúgoli Jr., 2000), o Centro intensifica-se como região para a elite,
intensificando, também, o processo de segregação e expulsão dos moradores
de baixa renda — não brancos — e do comércio popular para zonas mais
afastadas. Mas, também historicamente, essas mesmas elites não ocupam o
Centro; fazem dele locus para a prática da especulação imobiliária, conso-
nante com um Estado de laissez-faire, que não intervém sobre o mercado da
terra urbana (Villaça, 1998; Maricato, 1996). O Centro, então, esvazia-se
de habitação, porquanto as elites mudam-se para áreas mais afastadas; não
obstante, permanece cheio de imóveis ociosos, vazios, na prática da especula-
ção imobiliária (Kowarick, 2009). Essa é uma dinâmica que parece se repe-
tir na história de São Paulo e de outras cidades: conforme os estratos sociais
mais altos ocupam uma determinada região fora do Centro, os estabeleci-
mentos de serviços os seguem e as classes populares ocupam o Centro de
maneira pouco organizada aos olhos das elites: fundamentalmente, ocupa-
ções de prédios ociosos, moradias improvisadas e trabalhos informais. Esse
Centro torna-se, então, aos olhos das elites, “decadente”.
5 O Plano Diretor de São Paulo existe desde 1985; em 2002, contudo, foi reformu-
lado (mudando o nome para Plano Diretor Estratégico) e passou a contemplar alguns
instrumentos de política urbana para moradores de baixa renda, como as ZEIS e os
Planos Regionais das Subprefeituras, de acordo com a Lei 13.430, de 2002, e o decreto
44.667, de 2004.
6 Atualmente, o Projeto Nova Luz está engavetado — essa foi uma das primeiras
ações que a administração Fernando Haddad tomou no que diz respeito às políticas de
habitação na cidade. Para uma discussão acerca das compreensões da legalidade envol-
vendo o Projeto Nova Luz, ver Pacheco (2012).
A ocupação Mauá
2012, período em que o trabalho de campo da pesquisa que originou este artigo estava
em andamento.
8Filadelfo (2008) realizou uma etnografia em que reconstitui o processo de ocupa-
ção da Mauá. Ver também o dossiê com registros fotográficos de Monteiro (2012).
9Marta Suplicy foi prefeita da cidade de São Paulo entre 2001 e 2004. O adesivo
em questão era referente à sua candidatura ao Senado, em 2010.
10 Semelhante à reflexão de Borges (2003: 30).
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O projeto Herdeiros da Mauá, idealizado por Carlos Roberto Teodoro, o Beto,
educador social, faz uso da capoeira como ferramenta pedagógica para as crianças que
vivem na ocupação.
12 Com base em depoimento de Heitor Frúgoli Jr. (que manteve contatos periódicos
pos (SP), de cerca de 1,3 milhão de m², com uma imensa dívida de IPTU, que foi ocupa-
do em 2004. Em 2008, o acampamento contava, segundo suas lideranças, com cerca de
10 mil pessoas. Em 2012, sofreu uma violenta reintegração de posse. Inácio Dias de
Andrade (2010) realizou uma etnografia do Pinheirinho, antes da reintegração.
18A FLM é uma das entidades articuladoras dos movimentos de moradia que atuam
na cidade de São Paulo, congregando distintos movimentos. Outra grande entidade arti-
culadora na capital é a União dos Movimentos de Moradia (UMM).
Considerações finais
Meu intuito, aqui, foi demonstrar como as pessoas transitam por entre
diferentes províncias de sentido (Tambiah, 2013). Ocupar imóveis ociosos e
participar em espaços institucionais (o Conselho Gestor das ZEIS, a reunião
com o Batalhão) é um exemplo disso. Construir antagonistas — o proprie-
tário do prédio, o Poder Judiciário — e construir-se enquanto coletividade
— a Mauá — também são modos de transitar por entre essas províncias de
sentido, nas quais lógicas como a da causalidade (Sahlins, 2001) ou a da
participação (Tambiah, 2013) estão mais ou menos presentes. Ocupação de
prédios ociosos e participação institucional, à parte serem práticas contradi-
tórias ou não, são coexistentes. Isso não significa uma esquizofrenia nas re-
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