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Começar a entender o subúrbio carioca é pensar na passagem da Monarquia para a

República. Ainda no século XIX, com os ideais positivistas e o mundo discutindo sobre
civilização e barbárie, o então recém nascido Brasil republicano precisava “arrumar a casa”, e
isso significou, então, colocá-lo aos moldes do progresso. Esse era representado pela
importação de um imaginário europeu.
A centralidade de um discurso que procurou apagar vestígios de um passado
escravocrata não por entender a escravidão como um grande momento ruim de nossa História,
e sim pois ela não combinava com a nova roupagem brasileira, que era sobretudo de
progresso, materializou-se não somente no discurso, mas também nos feitos. A cidade, um
local que assumiria, então, uma centralidade e ditaria os rumos da civilidade, não estava de
acordo com esse status.
O centro urbano carioca sofreu, no tempo em questão, processos intensos de
mudanças. Palco de projetos urbanísticos, foi sendo reformado a partir dos moldes
eurocêntricos da estética burguesa com teatros, cinemas e grandes construções. A Bella
Époque, no Rio de Janeiro, foi acompanhada pelo surgimento de uma cultura urbana muito
pautada na estética. Assemelhar-se a Paris foi, então, o sinal de beleza dessa nova era.
Acontece que, no campo das ideias, essas transformações encontraram um grande
problema: a realidade. A região que hoje conhecemos como Centro da Cidade era habitada por
diversos grupos, que iam desde a classe média alta aos mais pobres. Essa heterogeneidade não
combinava com o projeto de país refletido nas mudanças da então Capital. Precisava-se,
portanto, apagar, eliminar e remanejar essa população.
Nesse processo de reconfiguração urbana, as regiões mais afastadas do Centro foram
protagonistas. Bondes elétricos, construções grandiosas e aterramento de avenidas e morros
despejaram diversas famílias de suas residências, delimitando o espaço da cidade a qual elas
poderiam circular. Totalmente ao contrário do que se pregavam nos ideais de igualdade,
liberdade e civilização que fundaram nossa República, não havia espaço para todos. Os
subúrbios, então, entram em cena.
Diferentemente do que é visto em países como os Estados Unidos da América, o qual
os subúrbios representam um espaço para as classes médias e altas viverem afastadas do caos
e desordem das cidades, no Rio de Janeiro, o início de povoamento dessas áreas conta com a
vinda daqueles que foram negados pela urbanização. Não por coincidência, Lilia Schwartz
(2017, p.?) nos mostra que o aumento da população suburbana se deu justamente dessa época
de início de modernização, entre os anos de 1890 e 1906.
De começo, as áreas mais ocupadas eram aquelas próximas ao Centro, mas, com o
desenrolar do processo modernizador, as mais afastadas também sofreram com o aumento
populacional. Lima Barreto, literato suburbano carioca que viveu essas transformações, fez de
sua literatura uma verdadeira fonte para estudarmos essa questão. Ao falar sobre o subúrbio
do então Distrito Federal, descreve um lugar de pluralidades o qual conviviam membros de
classes médias e baixas, pobres, egressos da escravidão que tentavam erguer-se na sociedade
brasileira, operários, entre outros.
Os grupos que formaram o tecido social do subúrbio tomaram as régias de sua cultura,
mas nunca isolada, sempre conectada. Essa conexão era indiscutivelmente com o Centro, já
que havia uma movimentação econômica, social e cultural entre esses dois polos. Como um
grande marco material desse momento, a ferrovia, inaugurada em 1858, ganha destaque. Ligar
o subúrbio a Central pela malha ferroviária era percorrer diversos bairros do Rio de Janeiro,
que mostravam suas hierarquias internas.

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