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A Esquerda e a Democracia: hoje e em 2018


por SOSBRASILSOBERANO · 11 de setembro de 2017

Pedro Muñoz, professor do


Departamento de História da PUC-
Rio

Pedro Muñoz*

Em março de 2015, observamos que a classe média e uma parte da população pobre replicava o
vocabulário da direita e da elite branca, na defesa do impeachment de Dilma, consumado no golpe
parlamentar de 31 de agosto de 2016. Em recente entrevista à Carta Capital, Vladimir Safatle
lembrou que a direita brasileira sempre foi capaz de levar o povo para a rua e que junho de 2013
foi uma oportunidade perdida pela esquerda.

Safatle acrescenta que o vocabulário da direita sempre teve facilidade de atingir a classe média e
uma parcela das classes populares. Hoje vemos os ex-eleitores do PT, inclusive os beneficiários
das políticas sociais, clamarem por Jair Bolsonaro. A linguagem do populismo de direita parece
penetrar com facilidade na opinião de tais classes. Além disso, empurra-se para a direita um
eleitorado que não necessariamente é de direita (como os evangélicos).

Por outro lado, deve-se considerar que a descrença na esquerda faz parte de um fenômeno
internacional que recentemente atingiu a América Latina. Culpam-se as escolhas do PT e de
Dilma, como também a Lava-Jato para explicar a derrocada. Há, porém, uma guerra travada nos
ciberespaços e pela mídia oligopolista. É uma guerra da informação, da comunicação e da
linguagem.Parece haver também um esgarçamento das linguagens tradicionais da esquerda e de
sua capacidade de mobilização do povo. Há que se fazer uma profunda reflexão sobre todos esses
fenômenos, mas, sobretudo, acerca da questão da linguagem e do discurso, para que se amplie a
nossa capacidade comunicativa. Talvez o exemplo mais expressivo seja o PSOL e a derrota de
Freixo nas últimas eleições municipais. Freixo teve grande parte dos votos concentrados na Zona
Sul do Rio de Janeiro. Na Zona Oeste e nos bairros pobres, ele teve uma expressiva derrota.

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Freixo parece se comunicar bem como os universitários, por exemplo, mas sua linguagem parece
incompreensível para o povão.

Ciro Gomes tem razão quando diz que parte do eleitorado de Bolsonaro (de direita radical) migrou
do PSDB. Ele afirma ainda que esse fenômeno pode ser favorável à esquerda. É necessário, no
entanto, que haja um candidato de esquerda com chances reais, principalmente se confirmada a
hipótese da ausência de Lula. Porém, o crescimento de Bolsonaro pode descortinar uma tragédia
ainda maior do que a crise geral que estamos vivenciando no Brasil. A eleição de Trump nos EUA
é um bom exemplo. No início era motivos de piadas, como agora vem sendo a candidatura da
AFD, na Alemanha. Há que se levar a sério o risco que representam a AFD e Bolsonaro, antes que
um novo fenômeno Trump se torne irreversível.

A candidatura de Lula, ou sua ausência, aponta para um problema que atinge a esquerda: a baixa
renovação dos quadros e o personalismo. Paralelamente, há que se questionar também as escolhas
do PT. Em primeiro lugar, por ter se associado com a ala de Cunha e Temer do PMDB, ao invés
de fortalecer uma aliança de esquerda, visando a renovação dos quadros. Em segundo lugar, por
depositar na eleição majoritária presidencial a chance de salvação do partido. Se Fernando Haddad
não for lançado na mesma chapa que Ciro Gomes, aumentam as chances do PSDB ou de um
segundo turno entre Bolsonaro e Marina Silva. Basta ver os resultados do cenário 4 da última
pesquisa Datafolha. Nela, Marina aparece com 25% dos votos, Bolsonaro com 14%, Ciro com
12% e Dória com 11%. Acrescenta-se ainda que Dória venceu Haddad na última eleição
municipal de São Paulo.

Se houver eleição em 2018 (Vladimir Safatle acredita que não vai haver), ela será uma guerra.
Precisamos estar vigilantes e preparados para responder ao consórcio golpista, pois quem está no
poder fará de tudo para permanecer lá. Sabemos que a política é a guerra continuada por outros
meios. Espera-se que essa guerra seja travada na política. Só a política e a democracia podem
solucionar a crise institucional.

Porém, o cenário atual nos apresenta novos fenômenos alarmantes. Nos últimos meses, assistimos
a uma escalada ain

Foto: Elza Fiúza/ABR


(2014)

da maior da crise. Não há harmonia entre os poderes. Nem o STF escapa do fogo cruzado. Nesta
semana, o ministro Marco Aurélio nos mostrou o tamanho da erosão da suprema corte, quando
disse que Gilmar Mendes passou de todos os limites. A PGR está sendo fortemente questionada,
assim como os três Poderes. A magistratura, com seus super-salários, expõe a continuidade dos
privilégios no interior do Estado e a contradições da austeridade de Henrique Meirelles. Por fim,
não nos esqueçamos de que a crise institucional brasileira é resultado também de interesses
estrangeiros ou da chamada Guerra Híbrida, segundo afirmou Francisco Carlos Teixeira.

Se houver vitória da esquerda em 2018, a batalha principal deve ser pela revolução democrática
defendida por Boaventura de Souza Santos. O enfrentamento do capital global neoliberal

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desdemocratizante deve ser feito através de um projeto nacional de desenvolvimento (como


propõe Bresser-Pereira no Manifesto Projeto Brasil Nação), levando em conta o fortalecimento do
Mercosul e dos BRICS, bem como as relações Sul-Sul, incluindo a África.Na campanha de 2018,
há que se explicar tudo isso ao povo. Mostrar que não há outra saída para que o Brasil mantenha a
sua soberania e tenha um crescimento econômico com equidade. A crise geral do Brasil de 2013-
2018 é uma janela de oportunidade para mudanças profundas e cabe à esquerda realizà-las.
Enquanto isso, há que se resistir ao golpe para garantir, inclusive, que haja democracia e 2018.

* Doutor em História das Ciências (FIOCRUZ/Freie Universität Berlin) e professor do


Departamento de História da PUC-Rio

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