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Ser um mero papagaio da propaganda antissemita não é

destino que se inveje


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e-destino-que-se-inveje.shtml

João Pereira Coutinho 9 de outubro de 2023

Terroristas do Hamas entram em Israel para massacrar e sequestrar mulheres, crianças e


velhos. Há quem festeje. Há quem não festeje, mas "compreenda" a barbárie como um ato
de resistência contra a política israelense.

Tranquilo, leitor sensato. Não vou comentar nada disso. Com a idade, deixei de gastar o
meu latim com psicopatas ou antissemitas.

Só abro uma exceção para pessoas que suspeito mal informadas ou mal influenciadas.

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Nesses casos, há uma pergunta que sempre faço a elas: "por que motivo você esbraceja
tanto contra Israel, mas não adota a mesma postura com outros países que cometem
atrocidades bem piores?"

Pense na China perseguindo os uigures. Pense em Mianmar fazendo o mesmo aos


rohingyas. Ou na Índia brutalizando os muçulmanos da região de Caxemira.

Agora mesmo, há uma limpeza étnica a decorrer em Nagorno-Karabakh, com mais de 100
mil armênios fugindo às investidas do Azerbeijão.

Um antissemita não dá bola para nenhum desses conflitos. Não há lá judeus para acusar.

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Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 10 de outubro de 2023 -
Folhapress

Mas quem recusa o rótulo de antissemita, tem de responder por sua gritante incoerência:
por que Israel e não os outros?

Sempre faço essa pergunta, repito. Mas vejo agora que não sou caso único: o jornalista
Jake Wallis Simons, no seu recém-publicado "Israelophobia: The Newest Version of the
Oldest Hatred and What To Do About It", repete a pergunta com insistência. Só para mostrar
como a "israelofobia" que corre solta é, na verdade, uma forma de antissemitismo.

Ponto prévio: para Simons, criticar Israel é legítimo; não existe nenhum estado que esteja
acima da crítica.

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Assino em baixo. Os assentamentos na Cisjordânia, o irredentismo dos fanáticos que
desejam um "Grande Israel" entre o Mediterrâneo e o rio Jordão ou as pulsões populistas e
iliberais de Binyamin Netanyahu com sua grotesca reforma judicial, tudo isso merece
repúdio.

O que não é legítimo é só criticar Israel com uma obsessão particular, ignorando o mundo
ao redor. Isso é suspeito, camarada. Isso é antissemitismo, quer você esteja consciente ou
não.

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Israel x Hamas: veja imagens de protestos pelo mundo

FRANÇA - Torre Eiffel é iluminada com a estrela de Davi e as cores da bandeira de Israel,
em homenagem às vítimas dos recentes ataques do Ha Julien de Rosa/AFP

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Mas Simons tem outras perguntas para você. Como essa: "Diga um país que,
historicamente falando, tenha uma ficha moral mais limpa que Israel."

Uma vez mais, Simons não afirma que a ficha moral de Israel é limpa. Não é. Longe disso.

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Ele apenas convida o leitor a responder por que motivo Israel é o único país que, na
linguagem da "israelofobia", não tem "direito a existir" por seus erros ou crimes.

Se Israel não tem, quem tem? Os Estados Unidos? A China? O Irã? Os países árabes da
região?

Aliás, falando nisso, você consegue citar um país do Oriente Médio que tenha uma ficha
mais suja que Israel? Um só?

Ou, inversamente, você é capaz de citar algo de admirável em Israel?

Se você não sabe responder a essas perguntas, cuidado com as companhias, alerta
Simons. Elas sabem responder sem hesitar, colocando Israel no grande altar da
monstruosidade. Isso é antissemitismo e ser um mero papagaio da propaganda antissemita
não é destino que se inveje.

O livro de Jake Wallis Simons saiu no momento certo. Só para despertar em cabeças
saudáveis a hipótese da manipulação ou do desconhecimento. Também aqui se aplica o
preceito judaico de que salvar uma vida é salvar a humanidade inteira.

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Veja imagens do fim de semana de conflito entre Israel e Hamas

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Menino caminha por rua cheia de escombros na Faixa de Gaza, na manhã de domingo (8)
Mahmud Hams - 8.out.23/AFP

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Mas o livro é também útil para relembrar a natureza do Hamas, que as boas almas
percepcionam com as velhas lentes do conflito israelense-palestino. Basta escutar ou ler o
que elas dizem com a guerra em curso.

Nessa visão das coisas, o Hamas quer o mesmo de sempre: um estado palestino
independente ao lado de Israel, o fim dos assentamentos, o retorno dos refugiados das
guerras de 1948 e 1967 e a divisão de Jerusalém entre os dois povos.

Se esse fosse o programa das festas, até eu concordaria com eles. Fatalmente, é preciso
ler a carta fundamental do grupo onde os objetivos são outros e, até hoje, imutáveis: a
destruição do estado de Israel. Ponto final, parágrafo.

Para usar o mesmo teste de coerência, você até pode concordar com esse objetivo. Mas,
concordando, você terá de defender a destruição de todos os estados onde reina ou reinou
a injustiça, o abuso e até o crime. Começando pelo seu, claro.

5/5

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