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O ensino deturpado e imbecilizado é uma praga que viceja em todo o mundo. Aqui, as
redações que tiraram nota máxima ao dissertar sobre “Caminhos para combater a
intolerância religiosa no Brasil”, o tema do último Enem, são uma prova dolorosa dos
absurdos morais, factuais e interpretativos que se ouvem nas salas de aula.
Os estudantes nota mil escrevem excepcionalmente bem – às vezes, é até difícil acreditar
na sua pouca idade. É possível que, como muitos outros jovens espertos, alguns já
tenham percebido que tipo de pensamento é valorizado pelos avaliadores.
ESTADO ANÊMICO
Evidentemente, já existem leis que enquadram este tipo de crime. Mas, insuflados por
professores de má formação, quando não má fé, os estudantes querem mais e mais. Claro
que só contra os “evangélicos” e a “Igreja católica” , que ainda vêem como uma instituição
todo-poderosa e maligna, ignorando que entrou em recessão desde o século XIX até
chegar ao estado desdentado e anêmico de hoje.
É impossível imaginar, mesmo na mais distópica das realidades, que tolices remotamente
parecidas saíssem da cabeça de grandes pensadores de esquerda como o historiador
marxista Caio Prado Jr. ou o gigantesco Celso Furtado, que pode ser descrito como
economista keynesiano (de lorde Keynes, não de “quem é o cara sobre quem vou falar
hoje” na aula de anti-economia antes de sair para a cervejinha).
Aliás, a cervejinha também reflete a separação dos mundos vigente nos meios
acadêmicos. Alunos de esquerda tomam cerveja e falam mal da Lava-Jato.
Completamente isolados do pensamento dominante, alunos de direita tomam cerveja e
planejam votar em Jair Bolsonaro.
Não existem vasos comunicantes que incentivem todos a ler Marx e Hayek e fazer um
bom (e interminável) debate. As discussões vão para o Hades das redes sociais, onde
tantos se igualam na ignorância e no primitivismo dos argumentos. Talentos, intelectos e
conhecimento acumulado são jogados fora.
REBELDES ESCLEROSADOS
O maior privilégio da juventude é poder fazer um monte de besteiras. Mas ensinar uma
versão única e falsamente rebelde chega a ser criminoso. É possível argumentar que
muitos professores são honestos e dedicados, reproduzindo acriticamente o que eles
próprios aprenderam.
Como nos casos de abusos, em que crianças que sofrem ou testemunham violências
depois as reproduzem na vida adulta, o argumento não elimina a responsabilidade moral
dos envolvidos.
Duas exposições em Londres atualmente mostram isso. Uma, reúne obras prodigiosas de
Michelangelo e Sebastiano del Piombo na National Gallery. O efeito didático da
comparação entre ambos é simplificado, como em qualquer grande exposição hoje, mas
valioso.
A troca de correspondência entre eles parece uma versão um pouco mais longa do
WhatsApp. Ambos, embora del Piombo um pouco mais, se dedicam a esculhambar a
concorrência. No caso, o fenomenal Rafael.
CRISTÃO PROGRESSISTA
Cartas, pinturas, desenhos e esculturas formam um conjunto espetacular. Infelizmente,
maculado pelas besteiras escritas por textos explicativos nos quais Michelangelo é
descrito nada menos do que três vezes como um “cristão progressista”.
Fica mais idiota ainda quando o chapéu vermelho num retrato de Vita Sackville-West é
mostrado como “indício” de sua homossexualidade. Vita e sua amante mais famosa, a
escritora Virginia Wolf, eram da upper class, viviam num ambiente de ampla liberdade,
incluindo os respectivos maridos.
Virginia produziu uma obra maravilhosa e Vita, um jardim dos sonhos. Enquadrá-las no
rótulo homossexual é uma ofensa a elas e a todos os artistas brilhantes, inquietos,
rebeldes (de verdade), infelizes, miseráveis, desgraçados, ferinos, cortantes, ágeis e, por
acaso, também gays.