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A transmissão de conhecimento é um dos mecanismos mais fundamentais da

sobrevivência humana. Infelizmente, a transmissão de ignorância também tem um poder


fabuloso.

O ensino deturpado e imbecilizado é uma praga que viceja em todo o mundo. Aqui, as
redações que tiraram nota máxima ao dissertar sobre “Caminhos para combater a
intolerância religiosa no Brasil”, o tema do último  Enem,  são uma prova dolorosa dos
absurdos morais, factuais e interpretativos que se ouvem nas salas de aula.

Os estudantes nota mil escrevem excepcionalmente bem – às vezes, é até difícil acreditar
na sua pouca idade. É possível que, como muitos outros jovens espertos, alguns já
tenham percebido que tipo de pensamento é valorizado pelos avaliadores.

Mas as demonstrações de intolerância que dão, involuntariamente, são de cortar o


coração. Ao tratar, justamente, do tema da intolerância religiosa, todos espezinham os
evangélicos e exaltam a “religião afro-brasileira”.

Um se espanta com o absurdo de existir uma “bancada evangélica” no Congresso, como


se fosse a prova definitiva do mal instalado no país. Todos, absolutamente, pedem a
intervenção do Estado como solução final para que “desenvolva leis de tipificação como
crime hediondo aos atos violentos e atentados ao culto religioso”.

ESTADO ANÊMICO
Evidentemente, já existem leis que enquadram este tipo de crime. Mas, insuflados por
professores de má formação, quando não má fé, os estudantes querem mais e mais. Claro
que só contra os “evangélicos” e a “Igreja católica” , que ainda vêem como uma  instituição
todo-poderosa e maligna, ignorando que  entrou em recessão desde o século XIX até
chegar ao estado desdentado e anêmico de hoje.

Aliás, se os professores que ensinam tantas bobagens cruzarem com representantes da


Santa Madre provavelmente concordarão em tudo. A “opção preferencial pelos pobres”,
não obstante as boas intenções, é ancorada em argumentos teológicos mais
empobrecidos do que aqueles a quem pretendia ajudar.

O sub-sub-sub-marxismo vigente em muitas escolas é espelhado em doutrinas


dolorosamente tolas da Igreja. Bispos brasileiros enaltecem corruptos comprovados. O
papa Francisco, com tantas atitudes louváveis, acha que as guerras são provocadas pelos
fabricantes de armamentos.

Se deixassem de existir, humanos, tribos, nações, religiões conviveriam harmoniosamente.


Uma prova de que educação na Argentina, até para jesuítas como ele, sofre os mesmos
efeitos perversos da “esquerdização” generalizada do ensino e do pensamento.

CERVEJA SEM KEYNES


A palavra vai entre aspas para frisar que nenhum dos grandes pensadores de esquerda do
Brasil diria asneiras como as que hoje são ensinadas e depois reproduzidas por alunos
enganados por seus professores.
Outra amostra tirada de uma redação nota mil: “A tese marxista disserta acerca da
inescrupulosa atuação do Estado, que assiste apenas a classe dominante. Dessa forma,
alienados pelo capitalismo selvagem e pelos subvertidos valores líquidos da atualidade, os
governantes negligenciam a necessidade fecunda de mudança dessa distópica realidade
envolta na intolerância religiosa no país”.

É impossível imaginar, mesmo na mais distópica das realidades, que tolices remotamente
parecidas saíssem da cabeça de grandes pensadores de esquerda como o historiador
marxista Caio Prado Jr. ou o gigantesco Celso Furtado, que pode ser descrito como
economista keynesiano (de lorde Keynes, não de “quem é o cara sobre quem vou falar
hoje” na aula de anti-economia antes de sair para a cervejinha).

Aliás, a cervejinha também reflete a separação dos mundos vigente nos meios
acadêmicos. Alunos de esquerda tomam cerveja e falam mal da Lava-Jato.
Completamente isolados do pensamento dominante, alunos de direita tomam cerveja e
planejam votar em Jair Bolsonaro.

Não existem vasos comunicantes que incentivem todos a ler Marx e Hayek e fazer um
bom (e interminável) debate. As discussões vão para o Hades das redes sociais, onde
tantos se igualam na ignorância e no primitivismo dos argumentos. Talentos, intelectos e
conhecimento acumulado são jogados fora.

REBELDES ESCLEROSADOS
O maior privilégio da juventude é poder fazer um monte de besteiras. Mas ensinar uma
versão única e falsamente rebelde chega a ser criminoso. É  possível argumentar que
muitos professores são honestos e dedicados, reproduzindo acriticamente o que eles
próprios aprenderam.

Como nos casos de abusos, em que crianças que sofrem ou testemunham violências
depois as reproduzem na vida adulta, o argumento não elimina a responsabilidade moral
dos envolvidos.

As raízes da versão “rebelde” da história, instigante e criativa à sua época, são


conhecidas. Hoje, sofre de esclerose terminal e faz emboscadas aos incautos em todas as
pares.

Duas exposições em Londres atualmente mostram isso. Uma, reúne obras prodigiosas de
Michelangelo e Sebastiano del Piombo na National Gallery. O efeito didático da
comparação entre ambos é simplificado, como em qualquer grande exposição hoje, mas
valioso.

A troca de correspondência entre eles parece uma versão um pouco mais longa do
WhatsApp. Ambos, embora del Piombo um pouco mais, se dedicam a esculhambar a
concorrência. No caso, o fenomenal Rafael.

CRISTÃO PROGRESSISTA
Cartas, pinturas, desenhos e esculturas formam um conjunto espetacular. Infelizmente,
maculado pelas besteiras escritas por textos explicativos nos quais Michelangelo é
descrito nada menos do que três vezes como um “cristão progressista”.

A imbecilidade, incoerente, anti-histórica  e ofensiva, demonstra como a palavra


“progressista” se tornou sinônimo do tipo de regressismo intelectual que acomete uma
outra exposição, ainda por ser inaugurada sob o título de Queer Britain.

A ideia é comemorar os cinquenta anos de descriminalizacão da homossexualidade


mostrando obras em que artistas dão “pistas” secretas em quadros mostrando gays. Em si,
já é uma estupidez separar as obras fenomenais produzidas por homossexuais desde
Safo, ou mesmo antes dela, do restante da arte.

Fica mais idiota ainda quando o chapéu vermelho num retrato de Vita Sackville-West é
mostrado como “indício” de sua homossexualidade. Vita e sua amante mais famosa, a
escritora Virginia Wolf, eram da upper class, viviam num ambiente de ampla liberdade,
incluindo os respectivos maridos.

Virginia produziu uma obra maravilhosa e Vita, um jardim dos sonhos. Enquadrá-las no
rótulo homossexual é uma ofensa a elas e a todos os artistas brilhantes, inquietos,
rebeldes (de verdade), infelizes, miseráveis, desgraçados, ferinos, cortantes, ágeis e, por
acaso, também gays.

Fica a sugestão de tema para uma futura prova do Enem.

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