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A DERRADEIRA ANÁLISE DA OBRA DE OLAVO DE

CARVALHO, PARA NUNCA TER DE LÊ-LO


ÉPOCA leu (sim!) oito livros do ideólogo de direita e outros 14 de pensadores que o
influenciaram. Aqui, o primeiro de três ensaios que desconstroem o Guru de Richmond
João Pedro Sabino Guimarães
28/03/2019 - 07:33 / Atualizado em 28/03/2019 - 11:46

Em vez de virtudes cristãs, o autodenominado filósofo católico ostenta


em seus livros a soberba, o rancor, a violência e a vontade de poder.
Foto: Vivi Zanatta / Folhapress
Ele é o guru da nova direita brasileira. Durante anos foi o
principal crítico da intelectualidade de esquerda e do projeto de
poder do PT. Sempre implacável nos embates, comprou brigas
com boa parte do establishment cultural do país. Seus
admiradores o classificam como “nosso maior filósofo e
educador”. Seus detratores o relegam à categoria de “astrólogo”.

Eis Olavo de Carvalho, o autonomeado “filósofo”, que foi militante


do PCB nos Anos de Chumbo e duas décadas mais tarde
transmutou-se no mais temível inimigo do “marxismo cultural”.
Ele mesmo explica as razões dessa chrysopoeia filosofal:

“Os senhores não têm a menor ideia de como é bom,


para um sujeito que ajudou a construir uma mentira na
juventude, poder desmontá-la na maturidade, tijolo a
tijolo, com a meticulosidade sádica do demolidor.”

Por um quarto de século, o autor de O imbecil coletivo (1996) e O


mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (2013) tem-
se empenhado em dar novos contornos à práxis nietzschiana da
filosofia a marretadas. Sempre enérgico na denúncia do
comunismo, dedicou-se a expor a articulação continental dos
partidos e agremiações de esquerda, que caracterizou como o Foro
de São Paulo:

“Um dos instrumentos mais engenhosos utilizados para


isso foi a duplicação das vias de ação partidária, uma
nacional e ostensiva, denominada oficialmente PT ou
‘governo’, a outra internacional e discretíssima chamada
‘Foro de São Paulo’, o mais importante e poderoso órgão
político latino-americano.”

Cedo também condenou o sistema político da Nova República,


apontando a suposta repartição do poder entre a esquerda
moderada e a esquerda radical:

“O PT e o PSDB foram essencialmente criações de um


mesmo grupo de intelectuais esquerdistas empenhados
em aplicar no Brasil o que Lênin chamava de ‘estratégia
das tesouras’: a partilha do espaço político entre dois
partidos de esquerda, um moderado, outro radical, de
modo a eliminar toda resistência conservadora ao
avanço da hegemonia esquerdista.”

Outras obsessões de Olavo de Carvalho têm sido o “globalismo”,


que ele acredita ser o projeto de governo mundial, conduzido por
elites transnacionais de inspiração maçônica; e as “técnicas de
manipulação das massas”, desenvolvidas pela psicologia moderna
e por filósofos de esquerda como Antonio Gramsci e os
integrantes da Escola de Frankfurt:

“Os acontecimentos mais básicos dos últimos 50 anos


são: primeiro, a ascensão de elites globalistas, desligadas
de qualquer interesse nacional identificável e
empenhadas na construção não somente de um Estado
mundial, mas de uma pseudocivilização planetária
unificada, inteiramente artificial, concebida não como
expressão da sociedade, mas como instrumento de
controle da sociedade pelo Estado; segundo, os
progressos fabulosos das ciências humanas, que
depositam nas mãos dessas elites meios de dominação
social jamais sonhados pelos tiranos de outras épocas.”

Conhecido por seus amores inventados e paixões cruéis


desenfreadas, Olavo recusa o rótulo de “exagerado”. Assim ele
justifica seu proverbial destempero vocabular:

“É verdade que Olavo de Carvalho usa às vezes palavras


duras, deprimentes, humilhantes. Mas jamais elevou a
voz em público para condenar qualquer conduta
privada, por abominável que lhe parecesse.”

A realidade se mostra um tanto distinta. A saraivada de insultos e


impropérios saídos de sua metralhadora giratória já atingiu
nomes como Gilberto Gil, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Dias
Gomes, Janete Clair, José Américo Pessanha, Gerd Bornheim,
Leandro Konder, José Arthur Giannotti, Wilson Martins e
Reinaldo Azevedo, entre outros. Isso sem contar os inúmeros
golpes abaixo da cintura que desfere diariamente contra os
próceres do esquerdismo moreno. Vejamos o que disse do sempre
lúcido e ponderado Fernando Gabeira:

“É uma vergonha nacional que um sujeito obviamente


desqualificado, tolo, descoordenado de cabeça, seja
aceito como intelectual por conta de antigos feitos de
armas que um analfabeto poderia realizar com iguais
méritos, e que, aliás, por mais autênticos que tenham
sido, mal o habilitariam ao título de sargento honorário
do exército de libertação da Zâmbia. O prestígio de
Gabeira como ‘pensador’ é exemplo típico do nosso
provincianismo cultural, onde popularidade é sinônimo
de elevação intelectual.”

Mas Olavo não se restringe ao pessoal. Ele, com frequência,


desfere ataques ainda mais ferozes contra seus inimigos coletivos:

“Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista,


africanista ou feminista que não corresponda ponto por
ponto a essa descrição, que corresponde por sua vez ao
quadro clássico da histeria. (...) A presença de um
grande número de histéricos nos altos postos de uma
sociedade é garantia de deterioração de todas as relações
humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da
desonestidade e do crime.”

Seu instinto de criar polêmicas ao estilo do “velho da montanha”


se mostra especialmente virulento no combate às ambições
políticas ou culturais de algumas minorias:

“Alguém tem de dizer aos negros a verdade: a verdade é


que todos os ritos iorubás não valem uma página de Jalal
ad-Din Rumi e a história inteira do samba não vale três
compassos de Bach.”

“Não se encontrará nas fileiras gays um único santo,


místico ou homem espiritual de elevada estatura. Iguais
aos outros no mal, os gays têm escassa folha de serviços
na prática do bem.”

Tão compassivo ativismo filosófico custou a Olavo de Carvalho


não poucos desafetos. Talvez por isso ele tenha decidido mudar-
se, em 2003, para os Estados Unidos. Estabelecido em Richmond,
na Virgínia, surfou com destreza a onda da internet, tornando-se
um pioneiro youtuber. A despeito de seu imenso sucesso de
público, ou talvez por causa dele, passou a lamentar o estado da
cultura brasileira:

“Desde que me distanciei do Brasil, tenho visto a


inteligência dos meus compatriotas cair para níveis que
às vezes ameaçam raiar o sub-humano.”

Aos poucos, Olavo construiu uma verdadeira legião de seguidores


on-line. Em seu Seminário de Filosofia, formou toda uma nova
geração de políticos, ativistas e burocratas de direita. Termos
como “engenharia social”, “ideologia de gênero” e “marxismo
cultural” entraram para o léxico político brasileiro. E sua refinada
mensagem ecoou pelo país:
“Há quatro décadas a tropa de choque acantonada nas
escolas programa esses meninos para ler e raciocinar
como cães que salivam ou rosnam ante meros signos.
(...) Um deles ouve, por exemplo, a palavra ‘virtude’.
Pouco importa o contexto. Instantaneamente produz-se
em sua rede neuronal a cadeia associativa: virtude-
moral-catolicismo-conservadorismo-repressão-
ditadura-racismo-genocídio. E o bicho já sai gritando: É
a direita! (...) De maneira oposta e complementar, se
ouve a palavra ‘social’, começa a salivar de gozo,
arrastado pelo atrativo mágico das imagens: social-
socialismo-justiça-igualdade-liberdade-sexo-e-cocaína-
de-graça-oba!”

Após quase três décadas de incessantes combates, Olavo de


Carvalho chegou enfim ao topo do mundo. Ungido sacerdote,
profeta e conselheiro-mor do novo governo, sente-se autorizado a
indicar ministros de Estado, passar pitos em deputados federais,
desafiar juízes do Supremo, confrontar generais de quatro estrelas
e espinafrar publicamente o vice-presidente da República:
Post de Olavo de Carvalho no Facebook crítico ao vice-presidente da
República, Hamilton Mourão. Foto: Reprodução

Logo após a vitória eleitoral, Olavo recomendou ao presidente


eleito “quebrar as pernas de seus inimigos, impiedosamente”.
Desferiu também críticas aos servidores públicos de inclinação
weberiana, vistos como simpatizantes do “marxismo cultural” e
membros do “deep state”. Transcendendo o mero papel de
intelectual engajado, almeja converter-se em ideólogo do novo
governo:

“Se esbarrasse na rua com algum dos nossos políticos


ditos ‘de direita’, eu lhe perguntaria o seguinte: ‘Você
quer destruir a esquerda, destruí-la politicamente,
socialmente, culturalmente, de modo que nunca mais se
levante e que ser esquerdista se torne uma vergonha que
ninguém ouse confessar em público?’.”

Olavo imagina-se, acima de tudo, uma espécie de salvador


espiritual da nação:

“Se me perguntarem quais são os problemas essenciais


do Brasil, responderei sem a menor dificuldade: (...) A
destruição completa da alta cultura, num estado
catastrófico de favelização intelectual onde a função de
respiradouro para a grande circulação de ideias do
mundo, que caberia à classe acadêmica como um todo, é
exercida praticamente por um único indivíduo, um
último sobrevivente.”

Ele mesmo, obviamente. Mas o conceito que o mago de Richmond


nos apresenta de “alta cultura” tem suas sutilezas. Como herdeiro
da augusta tradição do pensamento metafísico, Olavo não perde
uma oportunidade de demonstrar ao mundo a elegância de sua
dialética:
“Combater o consumo de drogas por meio da liberação é
tão inteligente quanto defender-se da tentação do
adultério comendo a mulher do vizinho três vezes por
semana, no intuito de tornar-se imune aos encantos das
demais esposas dos arredores. Pode-se também
suprimir o homossexualismo dando o traseiro por aí até
que ele se torne insensível.”

O trecho acima não é um caso isolado. É antes um traço essencial,


um cacoete ontológico, um jeito de ser nascido da própria
natureza do autor de A nova era e a revolução cultural (1994):

“Aí é que entra a missão providencial dos intelectuais.


Sua função é precisamente pôr um fim a essa suruba
ideológica. (...) São lições de Antônio Só-a-Cabecinha
Gramsci.”

A incompatibilidade desse modo de ser com o ideal cristão é


patente. Mas o “filósofo” de O jardim das aflições (1995) não
compreende os ensinamentos daquele que agonizou no
Getsêmani:

“Quando reagem aos ataques cada vez mais virulentos


que a religião sofre da parte de gayzistas, abortistas,
feministas enragées, neocomunistas, iluministas
deslumbrados etc., certos católicos e protestantes
invertem a ordem das prioridades: colocam menos
empenho em vencer o adversário do que em evitar, por
todos os meios, ‘combatê-los à maneira do Olavo de
Carvalho’. O que querem dizer com isso é que Olavo de
Carvalho é violento, cruel e impiedoso, humilhando o
inimigo até fazê-lo fugir com o rabo entre as pernas, ao
passo que elas, as almas cristianíssimas, piedosíssimas,
boníssimas, preferem ‘odiar o pecado, jamais o
pecador’.”

Exatamente. Ser cristão requer esse tipo de discernimento. Mas,


para explicar ao leitor a recusa de Olavo de Carvalho em
compreender seu próprio insight, será preciso recuar no tempo e
demonstrar de onde veio e em que consiste o pensamento desse
vitriólico filósofo das multidões.

I – Olavo e a Escola Perenialista

Olavo de Carvalho é um produto da contracultura. No final dos


anos 60, sem ter sequer o primeiro grau completo, começou a
ganhar a vida como jornalista. Após breve envolvimento com o
Partido Comunista Brasileiro (PCB), optou pelo “desbunde”,
entregando-se de corpo e alma ao esoterismo.

“O esoterismo é a ciência universal por excelência, é o


conhecimento e a realização da unidade.”

No final dos anos 70 e início dos anos 80, Olavo foi colaborador
da revista Planeta, principal órgão de divulgação do espiritismo,
da astrologia, alquimia, do hermetismo, tarô, da ufologia e de
outros baratos. Esse mergulho na quinta dimensão levou-o à
escola “tradicionalista”, ou “perenialista”, inaugurada por René
Guénon (1886-1951), um ocultista francês com ambições
filosóficas, que mais tarde se converteu ao islã.

Com base nos ensinamentos de Guénon e seus seguidores, Olavo


publicou uma série de artigos sobre o perenialismo na revista
Planeta, além de seis livros sobre astrologia e esoterismo: A
imagem do homem na astrologia (1980), Questões de simbolismo
astrológico (1983), Astros e símbolos (1985), Astrologia e religião
(1986), Fronteiras da tradição (1986) e O caráter como forma pura
da personalidade: elementos para uma astrocaracterologia (1992).
Sobre essa fase, ele explica:

“Os livros que escrevi sobre Astrologia foram redigidos


para um grupo de pessoas que estavam metidas até a
goela no esoterismo islâmico. Para entender-se o que
está escrito, é preciso saber para quem foi escrito.”

Nos anos 80, por influência do perenialista Frithjof Schuon (1907-


1998), Olavo passou a viver em uma comunidade mística islâmica
(tariqa), em São Paulo. Nesse período, praticou o poliamor,
tiranizou a família e aprofundou-se no estudo da gnose sufi. Os
episódios foram relatados por sua filha mais velha, Heloísa de
Carvalho, em entrevista à revista Carta Capital e em carta aberta
ao pai, publicada nas redes sociais. Embora um autor não deva ser
criticado por seus erros passados, o incidente nos remete à
passagem de A nova era e a revolução cultural em que Olavo
especula:

“O que Gramsci fez com a própria filha, por que não o


faria com os filhos dos outros?”

Para entendermos a viagem de Olavo de Carvalho às profundezas


do “islamismo cultural”, é preciso conhecer um pouco mais do
perenialismo. René Guénon, fundador dessa vertente do
esoterismo, mudou-se, jovem ainda, para Paris, onde se tornou
discípulo do famoso Papus, criador da linhagem martinista do
ocultismo. Insatisfeito com a demora em ser iniciado nos
“mistérios superiores”, tomou rumo próprio. Aos 24 anos, foi
enfim iniciado, durante rito funesto, no qual invocou o espírito de
Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários, morto na
fogueira, em 1314. O episódio é comentado pelo estudioso do
perenialismo Mark Sedgwick, em seu bem documentado livro
Against the modern world: traditionalism and the secret
intellectual history of the 20th century:

“As instruções de Jacques de Molay, comunicadas a


Guénon durante sessão em 1908, foram de restabelecer
a Ordem do Templo. Guénon prosseguiu com a criação
da Ordem Renovada do Templo, com a ajuda de cinco
outros martinistas.”

A partir de então, Guénon deu início a intensa atividade


intelectual. Em seus artigos e livros, empenhou-se em criticar
maçons, kardecistas e teosofistas, denunciando-os como adeptos
de vertentes contrainiciáticas do esoterismo, corrompidas pelo
evolucionismo darwinista e por ideias socialistas. Nesse embate,
desenvolveu uma lendária paranoia, passando a ver conspirações
por toda parte:

“A Inglaterra é chamada a ditar suas leis para o mundo


inteiro (...). Esta será a realização dos ‘Estados Unidos
do Mundo’, mas sob a égide da ‘nação dirigente’ e para
seu exclusivo benefício; assim o internacionalismo dos
chefes do teosofismo se revela no imperialismo britânico
levado ao seu grau mais extremo.”

Nem sequer os protestantes escapavam às críticas de René


Guénon:

“A propósito das relações entre o teosofismo e o


protestantismo, uma questão se coloca: se estimamos
que o teosofismo é anticristão em princípio (...) teremos
então de concluir que o protestantismo, tão logo suas
tendências sejam levadas ao extremo, há de chegar
logicamente ao anticristianismo? Por paradoxal que tal
conclusão pareça à primeira vista (sobretudo quando
nos lembramos que muitas seitas protestantes gostam de
se dizer ‘cristãs’ sem epíteto, ou ainda ‘evangélicas’),
existem fatos que são ao menos suscetíveis de dar
verossimilhança a semelhante conclusão.”
Em sua busca espiritual, Guénon elaborou uma nova síntese
ocultista, supostamente “metafísica” e influenciada por elementos
vindos de doutrinas orientais e da gnose clássica. Imbuído de
fortíssimo idealismo romântico e de igual dose de revisionismo
histórico, passou a fundir todos os caminhos espirituais em uma
única e secreta “filosofia perene”, que tudo engloba e nada explica.

“Por Gnose aqui se deve entender o Conhecimento


tradicional que constitui o fundo comum de todas as
iniciações, cujas doutrinas e símbolos foram
transmitidos, desde a mais remota antiguidade até
nossos dias, através de todas as Confraternidades
secretas, cuja longa corrente jamais foi interrompida.”

O pensamento de René Guénon chegou à maturidade com A crise


do mundo moderno (1927). Nesse volume, ele mescla sua crença
em uma “sabedoria perene” com o pessimismo histórico e o
ideário antidemocrático de Oswald Spengler, autor da obra em
dois tomos O declínio do Ocidente (1918 e 1923), que serviu de
inspiração para o nazifascismo. Ao debruçar-se sobre o mal-estar
da cultura moderna, Guénon centra sua crítica na perda de
contato do Ocidente com a base espiritual tradicional:

“O moderno Ocidente é dito cristão, mas isso não é


verdade: a visão moderna é anticristã, porque é
essencialmente antirreligiosa; e é antirreligiosa porque,
de modo ainda mais geral, é antitradicional.”
Valendo-se de conceitos da mística hinduísta, Guénon propõe
uma visão cíclica da história. Nesse arcabouço, a cultura ocidental,
dominante no planeta, estaria às portas de um colapso
civilizacional:

“De acordo com todas as indicações fornecidas por


doutrinas tradicionais, entramos de fato na última fase
do Kali-Yuga, o mais escuro período da atual ‘idade das
trevas’, o estado de dissolução do qual é impossível
emergir senão mediante um cataclisma, pois não é
apenas de um mero reajustamento que necessitamos
neste estágio, mas de uma completa renovação. (...) Não
chegamos acaso à terrível era anunciada nos Livros
Sagrados da Índia, em que ‘as castas irão misturar-se, e
em que mesmo a família deixará de existir’? Basta olhar
em torno para convencer-se de que este é o estado do
mundo de hoje, e para notar em todos os lados a
profunda degeneração.”

O trecho citado revela o caráter essencialmente antidemocrático


do perenialismo. No entender de Guénon e seus seguidores, as
sociedades são divididas em “castas”. Nas culturas tradicionais,
haveria um sólido pacto de solidariedade entre a casta sacerdotal e
a casta guerreira — e desse pacto derivariam a vitalidade e a
estabilidade dessas sociedades. As sociedades modernas, contudo,
estariam sujeitas à “lei de regressão das castas”. Quem nos explica
o conceito é o mitógrafo italiano Julius Evola (1898-1974), sem
dúvida o mais relevante parceiro de René Guénon na formulação
do perenialismo. Eis um trecho de Revolta contra o mundo
moderno (1934), obra na qual Julius Evola aprofunda os aspectos
políticos do pensamento de Guénon:

“Uma progressiva mudança de poder e de tipo de


civilização produziu-se de uma casta para a outra, desde
os tempos pré-históricos (dos líderes sagrados para a
aristocracia guerreira, para os comerciantes, e
finalmente para os servos); estas castas correspondiam,
em civilizações tradicionais, à diferenciação qualitativa
das principais possibilidades humanas. Em face desse
movimento geral, tudo o que diz respeito aos vários
conflitos entre os povos, a vida das nações e outros
acidentes históricos desempenha um papel apenas
secundário e contingente.”

Comparemos os textos acima com aquilo que Olavo de Carvalho


nos ensina em seu principal livro, O jardim das aflições, uma obra
perenialista de cabo a rabo:

“Acima das religiões, acima das consciências individuais,


é ao Estado — casta dirigente ou aristocrática — que
cabe, sob as bênçãos da intelectualidade — casta
sacerdotal — dirigir o processo de modernização, e
portanto, determinar o sentido da vida coletiva, os
valores e critérios morais, o certo e o errado, o
verdadeiro e o falso.” “Essa ideologia (...) não podendo
eliminar as castas governantes, ocultou-as, aumentando
assim o seu poderio. E, quando elas ressurgem sob
nomes como ‘burocracia estatal’ e intelligentsia,
ninguém as reconhece, pois todos creem que castas só
existem na Índia ou no passado medieval.”

Segundo os teóricos do perenialismo, as grandes culturas


tradicionais começam a decair no momento em que as castas
inferiores de mercadores e servos assumem o poder político,
ocasionando o progressivo declínio dos valores sociais. Diz René
Guénon:

“O mais decisivo argumento contra a democracia pode


ser resumido em poucas palavras: o superior não pode
proceder do inferior, porque o maior não pode proceder
no menor; esta é uma absoluta certeza matemática que
nada pode questionar. (...) O povo não pode conferir um
poder que ele mesmo não possui; o verdadeiro poder
somente pode vir de cima, e é por isso que ele apenas
pode ser legitimado por algo pairando acima da ordem
social, ou seja, por uma autoridade espiritual.”

Diante de tão reacionário credo, não surpreende que René


Guénon tenha colaborado com 25 artigos para a revista Il Regime
Fascista, editada por Julius Evola, entre 1934 e 1942. A tentativa
de alguns dos seguidores de Guénon de ocultar a natureza
antidemocrática de seu pensamento chega a ser risível,
especialmente quando se analisa o conteúdo de suas obras da
maturidade. Em O reino da quantidade e os sinais dos tempos
(1945), a fantasia tradicionalista resulta em uma ruptura completa
com a modernidade. Guénon investe contra a sociedade de
consumo, a ciência moderna, o darwinismo, a psicanálise e a
filosofia ocidental, aproveitando o ensejo para denunciar os
“sábios do Sião”:

“Por que será que os principais representantes das


novas tendências, como Einstein na física, Bergson na
filosofia, Freud na psicologia, e muitos outros de menor
importância, são quase todos judeus de origem, senão
pelo fato de que há algo envolvido que está intimamente
ligado ao aspecto ‘maléfico’ e corrosivo do nomadismo
quanto ele é desviado, e porque esse aspecto deve
inevitavelmente predominar em judeus desgarrados de
sua tradição?”

Note-se que o texto foi publicado em 1945, já com a Segunda


Guerra Mundial terminada, os nazistas vencidos e o Holocausto
perpetrado. Sem dúvida, um autor sintonizado com os sinais dos
tempos. Em Metafísica da guerra, uma coletânea de artigos
escritos entre 1935 e 1950, Julius Evola explica o horror que os
membros da escola perenialista sentem das ideologias
revolucionárias:

“A civilização de tipo puramente heróico-sacral somente


pode ser encontrada no período mais ou menos pré-
histórico da tradição ariana. Ela foi sucedida por
civilizações no topo das quais já não estava a autoridade
dos líderes espirituais, mas de expoentes da nobreza
guerreira — e esta foi a era das monarquias históricas,
que se estendeu até o período das revoluções. Com as
revoluções francesa e americana, o Terceiro Estado
tornou-se o mais importante, determinando o ciclo das
civilizações burguesas. Finalmente, o marxismo e o
bolchevismo parecem levar à queda final, com a
passagem do poder e da autoridade às mãos da última
das castas na antiga hierarquia ariana.”

Diante dessa ameaça à harmonia hierática das sociedades, Julius


Evola não hesita em propor:

“O Fascismo se nos mostra como uma revolução


reconstrutiva, dado que afirma um conceito
aristocrático e espiritual da nação, oposto tanto ao
coletivismo socialista e internacionalista quanto à noção
democrática e demagógica da nação.”

A opção da maior parte dos perenialistas pelo islã deriva


sobretudo da incompatibilidade de suas ideias com a ortodoxia
cristã. Sendo gnósticos e ocultistas, os perenialistas enxergam
uma antinomia incontornável entre a religião oficial, com seus
ritos formais e sua moral rígida (modalidade exotérica), e a
espiritualidade superior, marcada pela iluminação intelectual,
pelos ritos iniciáticos e pela teurgia (modalidade esotérica). Eis o
que nos diz Frithjof Schuon, em Gnose: sabedoria divina (1959):
“A distinção exotérica entre ‘religião verdadeira’ e ‘falsas
religiões’ é substituída para o gnóstico pela distinção
entre ‘gnose’ e ‘crença’ ou entre ‘essência’ e ‘formas’.
Somente a perspectiva sapiencial é um esoterismo no
sentido absoluto; em outras palavras, somente ela é
necessária e integralmente esotérica, pois somente ela se
projeta além de todo relativismo.”

No entender dos “homens espirituais” — assim os perenialistas


chamam a si mesmos —, a religião oficial seria uma forma
superficial da vivência espiritual, concebida em benefício dos
homens inferiores, incapazes de acessar o conhecimento superior.
A philosophia perennis, em contraste, seria a essência gnóstica da
espiritualidade universal. Disse Olavo de Carvalho, em artigo na
revista Planeta:

“Já o esoterismo, ao contrário, sendo um único em sua


essência (ele é a Philosophia Perennis, a verdade
metafísica una, eterna, supraformal e transcendente),
varia, entretanto, nas distintas formas históricas que o
expressam, havendo, portanto, um esoterismo cristão,
um islâmico, um judaico, etc.”

Engana-se Olavo. Enquanto o cristianismo real (seja ele católico,


ortodoxo ou protestante) se funda na humildade, na igualdade
entre todos e no amor ao próximo, a gnose conduz a uma
espiritualidade elitista e arrogante, que divide os seres humanos
em diferentes categorias e que advoga a superioridade dos
homens “espirituais” sobre os homens “psíquicos” e “carnais”.
Mais importante ainda, a visão gnóstica da espiritualidade é
incompatível com os mistérios da Encarnação e da Trindade,
conforme demonstrou Irineu de Lyon, em Adversus haereses (c.
180 d.C.).

No cristianismo real, os aspectos exotéricos e esotéricos,


imanentes e transcendentes, formais e místicos da espiritualidade
estão reunidos em Cristo e sua Igreja. Não existe um deus
espiritual que se contraponha ao demiurgo do mundo material
nem qualquer conhecimento oculto que permita ao iniciado
acessar magicamente os planos superiores da existência. Há, em
contraste, uma Trindade de amor na própria essência da
Divindade. E existe um projeto de redenção do homem, centrado
no sacrifício, na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Assim nos
diz o apóstolo São Paulo:

“Nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os


judeus é escândalo, para os gentios é loucura, mas para
aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é
Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus.” (1 Coríntios
1: 23, 24)

O perenialismo de Guénon, Evola e Schuon, por mais que se


esforce em demonstrar a unidade das grandes tradições, fundindo
teísmo e panteísmo em um mesmo amálgama inconsistente, tende
inexoravelmente a aderir ao esoterismo islâmico como única
vertente universal da gnose. Para os cristãos, a gnose é anátema.
Para israelitas, hindus e chineses, ela não é universalizável. Daí a
opção de René Guénon pelo esoterismo sufi. Em 1930, ele se
muda para o Cairo e converte-se ao islã:

“Devemos outra vez recordar que o significado adequado


da palavra islã é ‘submissão à Vontade Divina’; portanto,
diz-se, em certos ensinamentos esotéricos, que todo ser
é muçulmano, no sentido de que claramente ninguém
pode escapar a essa Vontade; e, desse modo, cada um
necessariamente ocupa o lugar que lhe cabe no Universo
como um todo.”

A adesão de Guénon ao islã não representa, contudo, a opção por


um exclusivismo maometano. Desde suas origens, no primeiro
século da era cristã, a gnose tem o vício de atuar como uma
espiritualidade parasitária, que vive à sombra de grandes
religiões. Ela se apropria dos símbolos, conceitos, práticas e textos
sagrados formulados pela ortodoxia originária, transmutando-os
em uma religiosidade completamente distinta. Sendo uma
perspectiva pseudofilosófica, ligada à magia e aos cultos de
mistérios, a gnose usa as grandes tradições religiosas para
esconder-se. O gnóstico é, antes de tudo, um mago dissimulado,
cuja suposta espiritualidade não passa de pura egolatria. Eis um
trecho sintomático de Olavo de Carvalho:

“Note-se que essa possibilidade de transitar livremente


de uma Tradição a outra é, hoje como sempre, apanágio
exclusivo dos grandes mestres espirituais.”
Ao envolver-se com o esoterismo perenialista, Olavo de Carvalho
converteu-se ao islã. Foi uma conversão meia-sola, aberta a todo
tipo de influência “metafísica”, mas foi uma conversão. Esse
período rendeu-lhe, além de diversos livros sobre astrologia, um
volume sobre o profeta Maomé:

“Meu livro O profeta da paz: estudos sobre a


interpretação simbólica da vida do profeta Mohammed
(Maomé), ainda inédito nove anos após ter recebido um
prêmio do governo da Arábia Saudita, é um estudo sobre
a significação da profecia na História, ilustrado pelo
caso do único profeta de cujos atos e palavras restou
para o historiador moderno uma documentação
abundante. Foi esse estudo que me persuadiu, de uma
vez para sempre, de que o fenômeno da profecia é o
gonzo sobre o qual gira o portal da compreensão
histórica, e de que a história reduzida às dimensões
natural e civil (...) é apenas uma crônica provinciana,
sem qualquer poder de elucidar os fatores decisivos, os
retornos cíclicos, as ascensões e quedas dos impérios e
das doutrinas.”

No cristianismo real, a profecia não se confunde com vidência


política ou determinismo histórico. A profecia, na perspectiva
cristã, fala do Cristo e de seu Reino. Os perenialistas nada
entendem do tema. Mas Olavo de Carvalho, eterno discípulo do
mago francês, pensa de modo distinto. Assim ele explica, em O
jardim das aflições:
“O grande reformador maçônico do século XX, René
Guénon, encontrou a organização num estado de vácuo
doutrinal. (...) Guénon preenche esse vácuo com a mais
densa metafísica. (...) A polêmica católica contra René
Guénon continua impressionando pela sua incapacidade
de enfrentá-lo no terreno propriamente metafísico. As
célebres objeções de Mons. Daniélou quanto ao
simbolismo da cruz mostram apenas uma inferioridade
de QI. Assim como Daniélou, Paul Sérant e outros
adversários católicos de Guénon fogem para o terreno
teológico e moral, onde se sentem abrigados sob
pressupostos de fé que, no entanto, não são
metafisicamente válidos.”

Ou seja, segundo Olavo de Carvalho, a cristologia e o mistério da


Trindade não são temas válidos. Metafísico, para ele, é o
“islamismo cultural” de René Guénon. Em O simbolismo da cruz
(1931), livro escrito após sua conversão, o bruxo francês tece
incontáveis loas aos elementos místicos do taoismo, do hinduísmo
e do islamismo, enquanto projeta sobre essas tradições religiosas
os conceitos unificantes inventados por ele mesmo. Quanto ao
cristianismo, busca diluí-lo nessa geleia geral, relegando a figura
ímpar do Cristo a uma única menção em todo o volume:

“A cruz é um símbolo que, em suas várias formas, pode


ser encontrado praticamente por toda parte, e desde o
mais remoto tempo; está, portanto, longe de pertencer
de modo particular ou exclusivo à tradição cristã como
alguns podem ser tentados a acreditar. (…) Em
particular, se Cristo morreu na cruz, pode-se dizer que
isso ocorreu em razão do valor simbólico que a cruz
possui em si mesma, o qual foi sempre reconhecido por
todas as tradições.”

Em suma, temos em René Guénon a trajetória exemplar de um


herege gnóstico em upgrade para a classe de apóstata. Sua opção
recorda aquelas de Sabbatai Zevi, mestre cabalista e falso messias,
convertido ao islã em 1666; e de seu seguidor Jacob Frank,
nominalmente convertido ao catolicismo em 1759. Conforme
demonstrou o estudioso Gershom Scholem em seu livro Major
trends in Jewish mysticism, ambos os místicos se converteram por
mero cálculo político, mantendo suas práticas gnóstico-cabalistas
de modo oculto, enquanto professavam uma fé pública que lhes
era conveniente. Os perenialistas agem exatamente assim.

Alguém poderá perguntar: e quem se importa com isso? Qual o


problema de uma falsa conversão, de uma religiosidade apenas de
fachada? O problema está nas consequências lógicas da fraude.
Uma espiritualidade enganosa e dissimulada gera,
necessariamente, maus frutos. O próprio Cristo nos ensina:

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós


disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos
ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis.” (Mateus 7:
15,16).
Erro! O nome de arquivo não foi especificado.Para o filósofo
esotérico italiano Julius Evola (1898-1974), o fascismo era o melhor
caminho para reafirmar o caráter "aristocrático e espiritual" das
nações. Foto: Sandro Becchetti / Leemage / AFP

O critério evangélico fica evidente no caso dos principais


expoentes do perenialismo. René Guénon desenvolveu uma
paranoia patológica, que deu origem a toda uma tradição de
teóricos da conspiração, além de flertar com ideias
antidemocráticas e antissemitas. Julius Evola uniu o fermento dos
fariseus ao fermento de Herodes, para tornar-se um entusiasta de
Mussolini, um colaborador da SS nazista e o principal teórico do
neofascismo europeu no pós-guerra. Frithjof Schuon, por sua vez,
elevou à máxima potência o charlatanismo intelectualizado da
escola perenialista.

Em 1991, um dos discípulos de Schuon deixou a comunidade que


ele havia criado nos EUA, em Bloomington, Indiana. Em seguida,
levou o “filósofo” aos tribunais, acusando-o de haver abusado de
três adolescentes, nas cirandas místicas ou “encontros
primordiais” que promovia. A acusação acabou sendo retirada,
após acordo amigável. Mas diversos testemunhos corroboraram a
informação de que havia contatos íntimos entre o mestre e as
jovens durante esses eventos. O escândalo destruiu a reputação de
Schuon e amargurou o restante de sua vida.

Igualmente reveladoras eram as supostas visões místicas do


mestre de Olavo de Carvalho. Schuon afirmava que a “Virgem
Maria” lhe aparecera, por diversas vezes, inteiramente nua,
ocasiões nas quais o envolvia em dança inebriante. Em Against the
modern world, Mark Sedgwick conta sobre as fotos que lhe foram
enviadas logo ao início de sua pesquisa. O choque provocado pelas
revelações fez com que o estudioso abandonasse a ideia de
escrever apenas um artigo acadêmico e passasse à tarefa mais
exaustiva de um livro sobre a escola perenialista:

“Numa certa manhã, encontrei em minha caixa de


correio um robusto envelope enviado por Rawlinson,
contendo cópias de algumas fotografias. Sentei-me em
minha escrivaninha e pus-me a, alternadamente,
enterrar as fotografias debaixo de outros papéis e tirá-
las dali novamente, entre fascinado e horrorizado. Lá
estava Schuon vestido como chefe de uma tribo de índios
americanos, cercado de jovens mulheres em biquínis.
Havia também Schuon completamente nu, exceto pelo
que parecia ser um capacete viking. E havia ainda uma
pintura feita por Schuon da Virgem Maria, igualmente
nua, com a genitália claramente exposta.”

Tais revelações, além de repugnantes em si, nos mostram bem em


que consiste a síntese perenialista. O quadro a que se refere Mark
Sedgwick nos mostra não a Virgem Maria real, mas o conceito que
Frithjof Schuon tem de uma Grande Deusa, sensual e devoradora.
Ela se mostra sexualizada ao iniciado precisamente porque vai
com ele operar uma hierogamia mística — que o levará a ascender
a planos superiores do conhecimento. Assim atua o misticismo
gnóstico: deturpando a simbologia de todas as religiões,
apropriando-se indevidamente e corrompendo o que elas têm de
mais sagrado, apenas para projetar nesse furto “metafísico” os
conceitos inerentes a seu pretenso saber oculto.

Foi nesse meio extremamente problemático que Olavo de


Carvalho se formou. E são ainda hoje os preconceitos perenialistas
que moldam seu pensamento e sua visão de mundo. Em especial,
foram as obsessões guenonianas que informaram sua principal
obra, O jardim das aflições:

“Quando examinada do ponto de vista de suas


consequências psicológicas, culturais e espirituais, a
ascensão do Império mundial é, como vimos ao longo
dos últimos capítulos deste livro, uma ameaça
tenebrosa. (...) O que está em jogo no mundo não é,
portanto, um mero conflito entre ideologias, mas sim a
possibilidade de sobrevivência espiritual da humanidade
num mundo onde todas as opções ideológicas díspares e
antagônicas se uniram num pacto entre inimigos para
varrer da face da Terra o legado das antigas religiões.”

A filiação perenialista de Olavo de Carvalho foi examinada à


exaustão pelo professor Orlando Fedeli, historiador competente e
tomista de mão-cheia, em seu devastador artigo “A gnose
‘tradicionalista’ de René Guénon e Olavo de Carvalho”, publicado
em 2001:

“A doutrina de Guénon, como a de Olavo, não tem


apenas alguns pontos gnósticos isolados, mas os
princípios gnósticos que eles adotam formam um
sistema coerente, que exige chamá-los de gnósticos,
ainda que eles não explicitem alguns pontos próprios da
Gnose completa. Essa falta de explicitação de alguns
pontos da totalidade do sistema gnóstico se nota
especialmente em Olavo, que tem uma Gnose menos
elaborada pela sua inferioridade em relação a Guénon,
quer quanto à inteligência, quer quanto à cultura, quer
ainda quanto ao valor de seus livros.”

Engana-se quem acredita ser Olavo de Carvalho um filósofo


católico, de linhagem aristotélica. Criado à sombra de René
Guénon, Julius Evola e Frithjof Schuon, o alegado fervor cristão
do mago de Richmond se revela mera pantomima. Por detrás de
suas teorias conspiratórias, de seu desconforto com a
modernidade, de seu anticomunismo ferrenho e de sua
agressividade verbal reside a gnose obscura da escola perenialista.
Basta notar que sua obra não evoca qualquer das virtudes cristãs,
mas antes aponta para o inverso delas: em lugar da humildade, a
soberba; ao invés da compaixão, o rancor; não havendo mansidão,
a violência; na ausência da caridade, a pura vontade de poder.
Assim é Olavo, o demolidor.

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