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Lula envergonha o Brasil

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Opinião do Estadão

Para petista, inúmeras evidências de atrocidades na Venezuela


não passam de ‘narrativas’ contra o ‘companheiro Maduro’;
vexame rasga de vez a fantasia da ‘frente ampla democrática’

O presidente Lula da Silva envergonhou o Brasil de uma maneira como poucas vezes se
viu nos últimos tempos – e olhe que o País passou muita vergonha durante o mandato
do antecessor de Lula, Jair Bolsonaro. Depois de estender o tapete vermelho para
Nicolás Maduro, pária mundial por razões óbvias, o petista declarou que o tirano
venezuelano é um governante legitimamente eleito e que a Venezuela, portanto, é uma
democracia exemplar.

Na opinião de Lula, todas as inúmeras denúncias de violações de direitos humanos, de


manipulação das eleições e de perseguição a dissidentes e jornalistas naquele país não
passam de “narrativa que se construiu contra a Venezuela”. Lula então sugeriu ao
“companheiro Maduro” que “construa a sua narrativa”, que “será infinitamente melhor do
que a narrativa que eles têm contado contra você”.

“Eles”, no caso, são os “nossos adversários”, conforme Lula chama aqueles que “vão ter
que pedir desculpas pelo estrago que eles fizeram na Venezuela”. Encabeçam essa lista
os Estados Unidos e a União Europeia, que impuseram sanções contra o regime
chavista por conta das atrocidades cometidas por Maduro. Na “narrativa” de Lula,
americanos e europeus simplesmente “não gostam” de Maduro, por puro “preconceito”, e

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por isso resolveram inviabilizar o governo chavista – e as agruras dos venezuelanos,
com hiperinflação, escalada da miséria e da fome e êxodo de 7 milhões de cidadãos em
poucos anos, seriam resultado das sanções internacionais, e não da ruína do país
promovida pelo chavismo.

Não há dúvidas de que o Brasil deveria restabelecer relações com a Venezuela,


grosseiramente rompidas, por razões puramente ideológicas, pelo governo Bolsonaro.
Exportamos para o vizinho cerca de US$ 1 bilhão e importamos quase US$ 500 milhões.
Ambos compartilham mais de 2 mil km de fronteira na Região Amazônica, delicada tanto
do ponto de vista ambiental quanto em razão do narcotráfico. Cerca de 20 mil brasileiros
vivem na Venezuela, e, entre imigrantes e refugiados, há mais de 300 mil venezuelanos
no Brasil.

Nada disso significa, no entanto, que o Brasil deva ignorar que a Venezuela é hoje talvez
a mais violenta ditadura da América Latina, só rivalizando com a da Nicarágua – outro
país governado por um “companheiro” de Lula, o ditador Daniel Ortega. Não se espera
que Lula saia por aí a denunciar os crimes desses tiranos, mas se espera, sim, que ele
não insulte a inteligência alheia nem os venezuelanos que padecem horrores sob as
patas de Maduro ao declarar que na Venezuela vigora uma democracia plena e que, por
isso, Maduro é governante legitimamente eleito. Em relatório recente, o Alto
Comissariado de Direitos Humanos da ONU informou que “os serviços secretos militares
e civis do Estado venezuelano funcionam como estruturas efetivas e bem coordenadas
na implementação de um plano orquestrado no mais alto nível do governo para reprimir
dissidências através de crimes contra a humanidade”. Eis aí a “narrativa” que Lula
pretende denunciar.

É difícil saber o que governou a decisão de Lula de afagar Maduro dessa maneira
indecente. Ao fazê-lo, o presidente desqualificou o Brasil como eventual mediador entre
Maduro e a oposição nas negociações para a distensão do regime. Ademais,
internamente, o gesto de Lula tende a implodir de vez a fragilíssima “frente ampla” que o
elegeu e com a qual prometeu governar, algo incompreensível diante da necessidade
premente de construir governabilidade.

Nada disso parece importar para Lula. Em seus delírios, a Venezuela voltará a se
beneficiar de vultosas obras de infraestrutura financiadas pelo Brasil, como se o
Ministério da Fazenda não estivesse catando moedas no vão do sofá para fechar as
contas. Lula também promete ajudar a Venezuela a integrar os Brics. Como se sabe,
Rússia e China, junto com autocracias como Irã, Turquia e Arábia Saudita, planejam
transformar esse grupo econômico de emergentes em um clube geopolítico antiocidental.
A julgar pelo obsceno discurso de Lula, é uma narrativa que faz brilhar os olhos do
chefão petista, que parece sonhar acordado com o dia de sua consagração como grande
líder desse tal “Sul Global”.

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