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8 Le Monde Diplomatique Brasil  JUNHO 2023

UM BALANÇO ENTRE BOLSONARO E LULA

Da política externa
Durante a cúpula, o mandatário en- poder em nível mundial. O Brasil vem
controu-se com líderes de diversas na- buscando equilibrar-se entre os dois
ções, como França, Austrália, Canadá, parceiros, visto que depende de investi-
Indonésia e Japão. Contudo, a princi- mentos e do comércio exterior com am-

da destruição
pal expectativa era o encontro com o bos os países. Contudo, esse equilíbrio
ucraniano Volodymyr Zelensky. Desde exige cuidado do presidente Lula em
a visita de Amorim à Ucrânia, o man- suas declarações e ações, uma vez que
datário convidou Lula a visitar o país qualquer movimento diferente pode ser

ao retorno da
e, durante a reunião do G7, Zelensky interpretado como um sinal de alinha-
novamente propôs um encontro bila- mento por entes governamentais e pela
teral. No entanto, apesar de Lula sina- imprensa internacional.
lizar interesse, a reunião bilateral não O que é claro neste momento é que

integração
foi realizada, em razão da incompatibi- o governo Lula adota uma posição de
lidade de agendas. O tema mobilizou a equidistância pragmática entre os dois
imprensa, que vem observando de per- polos, tal como o professor de Relações
to as posições do presidente brasileiro Internacionais Gerson Moura (1991)11
no que tange à guerra, tendo em vista observou que Getúlio Vargas fez com
a intenção do país de mediar o confli- os Estados Unidos e a Alemanha du-
to, apesar de estar próximo à Rússia no rante os anos que antecederam a Se- Com o retorno de Lula à Presidência, a geopolítica latino-
âmbito dos Brics, grupo que novamen- gunda Guerra Mundial. Assim como americana deve se modificar em virtude da retomada
te ganhou prioridade na política exter- naquele período, os desafios em nível
na brasileira, após período de pouca internacional são grandes e é funda- brasileira da prioridade em termos de integração regional
importância no governo anterior. mental a capacidade de compreender
as oportunidades que se abrem e ter a
CONCLUSÃO habilidade de explorá-las. Se tomarmos POR FÁBIO BORGES*
Avaliando-se a política externa do novo como exemplo os primeiros mandatos
governo Lula em apenas cinco meses de de Lula e a capacidade institucional da

A
mandato, é possível identificar uma ativa diplomacia brasileira, as chances de política externa brasileira no pe- posição de destruição do que tinha sido
busca por tornar o Brasil novamente um recuperação do protagonismo interna- ríodo de Bolsonaro na Presidên- feito”.3 Especialmente nos avanços tão
país protagonista nos tabuleiros regional cional são altas e reais. Cabe observar cia não priorizou a integração re- importantes em cooperação de atores
e internacional. As mudanças principais se tal protagonismo será acompanha- gional, enfraquecendo o não governamentais houve retrocesso,
se dão com relação à política externa do do pelo aumento de poder material do Mercosul, mantendo-se fora da União como é o caso da retirada do Brasil do
governo Bolsonaro, que marcou a derro- país ou se somente será expressivo do de Nações Sul-Americanas (Unasul) e Mercosul educacional.
cada da inserção internacional do país, ponto de vista do prestígio e do soft po- retirando-se da Comunidade de Esta- Por outro lado, Celso Amorim pon-
com a ruptura das tradições diplomáti- wer internacional. dos Latino-Americanos e Caribenhos dera que a fortaleza do Mercosul “é que
cas, a desintegração regional, as críticas (Celac); desgastou muito o prestígio
ao multilateralismo e o alinhamento *Fernanda Nanci Gonçalves é doutora brasileiro em temas ambientais; pouco
ideológico ao governo Trump. em Ciência Política pelo Iesp-Uerj, coorde- valorizou, em meio à pandemia, as arti-
Neste novo governo, Lula retomou nadora e professora do curso de Relações culações e organizações internacionais
características tradicionais da política Internacionais no UniLa Salle-RJ, coorde- em temas de saúde; teve uma postura
externa adotada em seus dois primeiros nadora do Núcleo de Estudos Atores e radicalmente ideológica, com atritos
mandatos (2003-2010), tal como o revi- Agendas de Política Externa (Neaape) e constantes com nosso maior sócio co-
sionismo, a diversificação de parcerias, professora substituta do Departamento de mercial, a China, e uma política de sub-
a conjugação dos vetores Norte e Sul Relações Internacionais da Uerj. serviência a Donald Trump nos Estados
na política externa, a busca por reforçar Unidos – a qual nem sequer significava
coalizões Sul-Sul e a postura de atuar 1   Guilherme Casarões, “Desafios da política algum tipo de aliança estratégica entre
externa do terceiro mandato de Lula”, Interes-
internacionalmente de forma “ativa e se Nacional, v.16, n.61, 2023. Estados.1 Essa série de posicionamen-
altiva”, usando como instrumento estra- 2   Ricardo Della Coletta, “Se atuação do Brasil tos representou um momento bastante
tégico a diplomacia presidencial. nos faz um pária internacional, que sejamos atípico em nossas linhas gerais de con-
esse pária, diz Ernesto”, Folha de S.Paulo, 22
No entanto, é evidente que o cenário out. 2020. duta no Sistema Internacional.
regional e internacional atual não é simi- 3   Casarões, op. cit. Sobre a posição brasileira no Merco-
lar ao que Lula enfrentou no início do sé- 4   Luiz Inácio Lula da Silva, “Discurso do presi- sul na época de Bolsonaro, Tullo Vige-
dente Lula no Congresso Nacional”, Planalto,
culo XXI. A América do Sul está diante de 6 jan. 2023. vani, professor emérito de Ciência Po-
uma realidade distinta daquela dos tem- 5   Governo Federal, “Governo Federal anuncia lítica da Universidade Estadual Paulista
pos da “onda rosa”: não experimenta o retorno do Brasil à Unasul”, 7 abr. 2023. (Unesp), argumenta que a situação do
6   Fernanda Nanci Gonçalves e Ghaio Nicode-
boom das commodities, sofre com efeitos mos, “Em busca da retomada do protagonis- Brasil enfraqueceu o bloco.2 No entanto,
nefastos da pandemia de Covid-19, que mo brasileiro na América do Sul”, Boletim entidades empresariais dos diferentes
aprofundou desigualdades econômicas e Neaape, v.7, n.1, 2023, p.22-30. países (no caso brasileiro, a Confedera-
7   Ver Guilherme Campbell, Tomás Borges e Fe-
sociais, e enfrenta desemprego e inflação lipe Alberto, “Uma nova política externa para o ção Nacional da Indústria e a Fiesp) nos
em níveis elevados em diversos países, meio ambiente no governo Lula?”, Boletim demonstram que o mercado comum
além de manifestações em prol de de- Neaape, v.7, n.1, 2023, p.31-43. não é um organismo que estaria prestes
8   M oriah Balingit e Meaghan Tobin, “The West
mandas sociais e forças de extrema direi- hoped Lula would be a partner. He’s got his a morrer; a tendência era de continuida-
ta que desestabilizam a política nacional. own plans” [O Ocidente esperava que Lula de com baixa intensidade. Janina Onu-
No campo internacional, além da fosse um parceiro. Ele tem seus próprios pla- ki, professora titular do Departamento
nos], The Washington Post, 13 abr. 2023.
guerra entre Rússia e Ucrânia, que vem 9   Leandro Prazeres, “Na China, Lula pede que de Ciência Política da USP, no mesmo
mobilizando esforços diplomáticos do EUA ‘parem de incentivar a guerra’ na Ucrâ- sentido aponta que “é muito claro que
Brasil para atuar como mediador – com nia”, BBC News Brasil, 14 abr. 2023. desde 2014 o governo brasileiro perdeu
10  Governo Federal, “Em Abu Dhabi, Lula exalta
uma posição que ainda não é consen- laços de amizade com os Emirados Árabes interesse pelo Mercosul, mas [...] no go-
so internacionalmente nem aprovada Unidos”, 15 abr. 2023. verno Bolsonaro a gente teve não apenas
pelas partes em conflito –, ocorre uma 11  Gerson Moura, Sucessos e ilusões: relações uma estagnação, mas sim um retroces-
internacionais do Brasil durante e após a Se-
disputa antagônica entre China e Esta- gunda Guerra Mundial, Ed. FGV, Rio de Janei- so, pois a postura do governo brasileiro
dos Unidos em prol da hegemonia de ro, 1991, p.3-25. não foi só de desinteresse, e sim foi uma
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ele é absolutamente incontornável; não A Unasul foi fundada em 2008 como dos Estados Unidos. Uma nota do Ita- brasileira durante os governos ante-
há política econômica, política externa uma organização intergovernamental maraty afirmou que o Brasil “não con- riores. O Brasil é então colocado como
dos países da região que não tomem o originalmente composta dos doze Es- sidera estarem dadas as condições para Ocidente, como parte de um só Hemis-
Mercosul como referência, nem que seja tados da América do Sul. A entidade, a atuação da Celac no atual contexto de fério Americano e distante das relações
para falar mal [...]. Eu não gosto de me- assim como outros processos de regio- crise regional”.7 com o Sul Global, como mostra Sawicka
dir a importância do bloco apenas pelo nalismo na América Latina, seguiu um Contudo, assim como no caso da Una- (2020) em sua análise sobre a autoper-
comércio, mas nos vinte primeiros anos modelo associativo intergovernamen- sul, em 5 de janeiro de 2023 o governo cepção brasileira nas relações interna-
do Mercosul o comércio mundial tinha tal, no qual os Estados soberanos são os brasileiro comunicou aos países-mem- cionais na era Bolsonaro.9
aumentado cinco vezes, e olha que aí principais atores na formulação e im- bros da Celac, pelos canais diplomáticos A crise diplomática com a China na
você tinha China no meio; já o comér- plementação desses mesmos processos. adequados, a reincorporação do país, de pandemia iniciou-se em março de 2020,
cio intra-Mercosul tinha aumentado ca- Ao contrário do modelo de integração forma plena e imediata, a todas as ins- com publicações no Twitter do presi-
torze vezes. Ou seja, ele continua sendo da União Europeia (UE), por exemplo, tâncias do mecanismo, tanto as de cará- dente da Comissão de Relações Exterio-
importante, a Argentina continua sendo no qual há instituições e organizações ter político como as de natureza técnica.8 res e de Defesa Nacional da Câmara dos
o grande parceiro do Brasil e o Brasil se- de caráter supranacional, na Unasul os Deputados, Eduardo Bolsonaro (PSL):
gue sendo importante para a Argentina; Estados procuraram manter, acima da “Quem assistiu [à série] Chernobyl vai
em um mundo governado por grandes visão regional, o interesse nacional e a A diplomacia do entender o q ocorreu. Substitua a usi-
blocos, apesar de o Brasil ser grande, so- preservação das identidades nacionais terceiro governo Lula na nuclear pelo coronavírus e a dita-
zinho ele não é tão forte”.4 soberanas. Ou seja, os conceitos de não dura soviética pela chinesa +1 vez uma
Sobre a Unasul, o organismo viveu um intervenção, autonomia e autodetermi-
parece bastante condi- ditadura preferiu esconder algo grave
momento de profunda fragilidade, até nação dos povos eram valores inques- zente com a que foi a expor tendo desgaste, mas q salvaria
mesmo antes da posse de Bolsonaro em tionáveis dentro da instituição. praticada em seus dois inúmeras vidas A culpa é da China e li-
2019, pois, em 20 de abril de 2018, o Bra- Vale ressaltar que talvez esse cenário primeiros períodos berdade seria a solução [sic]”.10
sil e outros cinco países suspenderam se transforme, pois com o retorno de Em 22 de abril de 2020, Ernesto Araú-
sua participação no bloco. O então mi- Lula à Presidência em 2023 a geopolíti- jo publicou em seu blog o texto “Che-
nistro das Relações Exteriores do Brasil, ca regional deve se modificar em virtu- FALTA DE PRAGMATISMO gou o Comunavírus”, fazendo alusão ao
Aloysio Nunes Ferreira, e os ministros de da retomada brasileira da priorida- Recuperando o discurso na cerimônia regime chinês e à publicação de artigo
das Relações Exteriores da Argentina, de em termos de integração regional. de posse do ministro das Relações Exte- do filósofo marxista Slavoj Žižek, mar-
Paraguai, Colômbia, Chile e Peru en- Em 6 de abril de 2023, os governos bra- riores de Bolsonaro, Ernesto Araújo, em cando fortemente a oposição à China,
viaram carta à Presidência Pro Tempore sileiro e argentino formalizaram seus janeiro de 2019, já podíamos identificar aos mecanismos multilaterais (espe-
da Unasul. No documento enviado ao retornos à Unasul.6 o que chamamos de “política externa da cialmente a Organização Mundial da
chanceler boliviano, Fernando Huana- O governo brasileiro formalizou em destruição”, tanto que não faz menção Saúde) e ao “globalismo”.
cumi, que estava à frente da organiza- 15 de janeiro de 2020 também a deci- ao nosso principal parceiro comercial – Com os avanços das pesquisas para a
ção, eles informaram sobre a decisão de são de suspender a participação do país a República Popular da China – ou aos produção da vacina, o laboratório chi-
suspender, por tempo indeterminado, a na Celac, um organismo internacional blocos dos quais participamos, como os nês Sinovac Biotech, em cooperação
participação nas reuniões do bloco.5 composto de 33 países, sem a presença Brics, grupo central na política externa com o Instituto Butantã de São Paulo,
produziu a CoronaVac, aprovada pela
Anvisa em 17 de janeiro de 2021. Em
outubro de 2020, o Ministério da Saúde
tinha negociado com o governo de São
Paulo, responsável pelo Instituto Butan-
tã, a compra de 46 milhões de doses – o
acordo quase consolidado foi cancela-
do pelo ex-presidente; anteriormente,
no mesmo dia, em sua página na rede
social Facebook, ele respondeu ao co-
mentário de um apoiador que acusava
a China de ser uma ditadura com “NÃO
SERÁ COMPRADA [sic]”.
Como alertado pela Embaixada de
Pequim em Brasília, “a pena de tropeçar
feio”11 veio com o atraso na entrega dos
insumos para a produção da vacina e a
dificuldade na negociação com a Índia
para a compra de materiais para fabri-
cação da vacina da Oxford/AstraZeneca,
produzida em cooperação com a Fun-
dação Oswaldo Cruz (RJ).12 Já com os
indianos, o preço pago pela vacina foi
duas vezes o valor pago pela União Eu-
ropeia: os europeus compravam a As-
traZeneca por US$ 2,16 a dose, enquan-
to o Brasil pagava US$ 5,25.13 A falta de
pragmatismo do governo Bolsonaro foi
impressionante, pois as relações comer-
ciais entre Brasil e China foram extre-
mamente dinâmicas nos últimos vinte
anos e configuraram uma das ligações
mais importantes entre emergentes no
n mundo hoje, como apontou o diploma-
r Flyn
V ito ta chinês Qu Yuhui, ministro conselheiro
©
da Embaixada da República Popular da
China no Brasil.14 Interessante notar que
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é uma balança comercial favorável ao

© Marcelo Camargo/Agência Brasil


Brasil, chegando a superávits de mais de
US$ 30 bilhões em alguns anos. Por isso,
Charles Andrew Tang, presidente da Câ-
mara Binacional de Comércio e Indús-
tria Brasil-China, de forma contunden-
te, dizia que não entendia como parte da
alta cúpula brasileira agredia a China e
atuava de forma contrária aos interesses
nacionais, pois não havia a menor lógi-
ca em atacar seu maior parceiro comer-
cial.15 É claro, porém, que essas relações
também trazem desafios, como ficam
claras as tendências de reprimarização e
desindustrialização que o protagonismo
chinês gera no Brasil.

TERCEIRO GOVERNO LULA


Sobre a China, Amorim reconhece que
realmente é um desafio, assim como o
foram a Europa e os Estados Unidos em
outros momentos, ainda que reconhe-
ça que o gigante asiático é mais sutil
do ponto de vista político, sem colocar
tantas condicionalidades, e remete à
preocupação de Prebisch das relações
do tipo centro-periferia.16 Nesse senti-
do, conclui que seria importante “re-
mar contra a maré” e que processos
de integração regional poderiam servir
como um instrumento para lidar com o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, recebe seu homólogo do Uruguai, Francisco Bustillo, no Palácio do Itamaraty
tema da reprimarização, em razão de o
comércio intrabloco ser caracterizado A diplomacia do terceiro governo Lula cessária para fazer frente aos desafios 7   “ Brasil suspende participação na Celac”, DW,
por manufaturas. Conclui que a falta parece bastante condizente com a que impostos pelo cenário internacional. 16 jan. 2020.
8   M inistério das Relações Exteriores, “Retor-
de dinamismo nos processos de inte- foi praticada em seus dois primeiros no do Brasil à Celac”, Nota à imprensa n.5,
gração na América do Sul hoje se deve períodos (2003-2010): prioridade na *Fábio Borges é diretor do Instituto Lati- 5 jan. 2023.
mais a questões internas do que à in- integração regional, protagonismo em no-Americano de Economia, Sociedade e 9   M onika Sawicka, “Quemando puentes y de-
fendiendo la fe: la relación turbulenta entre
fluência chinesa. questões ambientais e defesa do mul- Política da Universidade Federal da Inte- Brasil y China en la era Bolsonaro”, Anuario
O saudoso professor Marcos Costa tilateralismo e da paz, tentando ser um gração Latino-Americana (Unila). Latinoamericano: Ciencias Políticas y Rela-
Lima apontou complementariedades dos possíveis mediadores no conflito ciones Internacionales, v.10, p.121-146, 2020.
10 @ BolsonaroSP, Twitter, 18 mar. 2020.
nas relações Brasil e China, já que o gi- Rússia e Ucrânia; resumidamente, “a 1   S obre a política externa de Bolsonaro, Andrea 11 @ EmbaixadaChina, Twitter, 18 mar. 2020.
gante asiático possui capital, é extrema- autonomia pela diversificação”. O gran- Ribeiro Hoffmann, professora associada do 12 Jamil Chade, “Novo instrumento da geopolíti-
mente dinâmico e a região tem proble- de desafio é que o mundo mudou bas- Instituto de Relações Internacionais da PUC- ca, vacina escancara erros do Itamaraty”,
-Rio, argumentou, no mesmo sentido aponta- UOL, 20 jan. 2021.
mas graves de infraestrutura. Dessa for- tante desde 2000 e não é seguro que seja do, que “o Brasil tinha uma conexão estratégi- 13 Jamil Chade, “Para 1ª entrega, Brasil paga o
ma, a China poderia ajudar na integra- possível alcançar os mesmos resultados ca com a China via Brics. Mas agora, desde a dobro dos europeus por vacinas”, UOL, 22
ção regional. E, se o comércio brasileiro de uma época de boom de commodities, queda de Dilma, a situação mudou completa- jan. 2021.
mente. O Brasil está em um momento muito 14 Entrevista concedida a Fábio Borges e Edith
hoje é concentrado em soja e minérios, sem pandemia nem conflitos da dimen- particular, aí sim já no governo Bolsonaro, de Venero Ferro (20 set. 2021).
“o problema é nosso, fruto de nossa es- são hoje representada pela guerra na uma perspectiva unilateral, no estabelecimen- 15 Entrevista concedida a Fábio Borges e Edith
tratégia suicida, porque, por exemplo, Ucrânia e com a escalada de tensões to de um privilégio dos EUA, que nem sequer Venero Ferro (21 ago. 2021).
se configuraria uma aliança estratégica, sim- 16 Prebisch sustentava que, ao contrário do que
exportar soja significa exportar muita entre Estados Unidos e China no Sis- plesmente um apoio a Trump de forma cega. A supunha a teoria das vantagens comparativas, a
água, e isso está relacionado com os de- tema Internacional. Na região latino- política externa brasileira praticamente não maior lentidão no progresso técnico dos produ-
sastres ambientais pelos quais a região -americana, o cenário é de uma “nova existe. É uma inflexão, mas sem força, porque tos primários em relação aos industriais não es-
ele está praticamente sozinho, inacreditável” tava motivando o encarecimento dos primeiros
vem passando atualmente”.17 onda rosa”, mas com crises profundas (entrevista concedida a Fábio Borges e Edith em relação aos últimos; na verdade, ocorria um
O tema da guerra na Ucrânia, inicia- na maioria dos países, com destaque Venero Ferro, 30 ago. 2021). processo que ele denominou deterioração dos
da em fevereiro de 2022, também trouxe para as de Venezuela e Argentina. 2   Entrevista concedida a Fábio Borges e Edith termos de troca. As explicações eram comple-
Venero Ferro (23 ago. 2021). xas para esse fenômeno, perpassando pelas di-
controvérsias na atuação da diploma- O apoio à reativação de um Mercosul 3   Entrevista concedida a Fábio Borges e Edith ferentes elasticidades entre preço da demanda
cia de Bolsonaro, que desembarcou em mais dinâmico, o retorno à Unasul e à Venero Ferro (28 ago. 2021). dos produtos primários (inelásticos – pouco
Moscou em 15 de fevereiro do ano pas- Celac, e a valorização dos Brics, como 4   Entrevista concedida a Fábio Borges e Edith sensíveis às variações de preços) e industrializa-
Venero Ferro (27 ago. 2021). dos (elásticos – quando seus preços diminuíam,
sado e retornou ao Brasil no dia 18 do constatado na indicação e nomeação de 5   A iniciativa, segundo o documento, foi motiva- seu consumo aumentava mais do que proporcio-
mesmo mês – portanto, semanas antes Dilma Rousseff para a presidência do da pelo impasse com o governo venezuelano nalmente à queda de seus preços), assim como
da invasão russa à Ucrânia. A visita do Novo Banco de Desenvolvimento dos em relação à eleição do secretário-geral da a organização sindical avançada na Europa em
entidade. Na carta, os chanceleres afirmam comparação à da América Latina, que tinha
presidente recebeu críticas de outros Brics, sinalizam uma retomada de nos- que a Unasul está paralisada desde janeiro de abundância de mão de obra e era dispersa e de-
países, como os Estados Unidos, por sas tradições em política externa e po- 2017 porque a Venezuela, com o apoio da Bo- sorganizada. Nesse sentido, as relações centro-
ter sido realizada em meio ao aumento dem trazer muitos frutos. Entretanto, é lívia, do Suriname e do Equador, vetou o can- -periferia se caracterizariam pelas exportações
didato argentino ao cargo de secretário-geral. de produtos primários dos países subdesenvol-
da tensão entre a Rússia e a Ucrânia.18 necessário refletir sobre os erros do pas- Na época, o candidato era o embaixador ar- vidos (com economias pouco diversificadas e
Talvez, do ponto de vista diplomático sado e cuidar para que as instituições gentino José Octávio Bordón. Apesar do veto, baixos valores agregados) para os desenvolvi-
e diante da complexidade da situação, regionais sejam mais estáveis e para que a Venezuela e os demais países não tiveram dos, que, por sua vez, exportavam produtos tec-
alternativa ao nome. Assim, a Secretaria-Ge- nológicos com altos valores agregados (econo-
essa relação com a Rússia não tenha internamente cada país seja prudente ral ficou vaga. Ver Maiana Diniz, “Brasil e mais mias diversificadas) aos subdesenvolvidos,
mudado significativamente no governo em relação aos avanços da extrema di- cinco países suspendem participação na aumentando a brecha econômica entre eles.
Lula, que, como apontaremos, procura reita no continente – que em geral difi- Unasul”, Agência Brasil, 22 abr. 2018. 17 Em entrevista concedida a Fábio Borges e
6   “O que é a Unasul e por que Brasil decidiu Edith Venero Ferro (28 ago. 2021).
uma postura independente e autônoma culta a integração regional em uma voltar a integrar o bloco”, BBC News Brasil, 18 “Governo coloca sigilo sobre viagem de Bol-
diante desse conflito. perspectiva multidimensional, tão ne- 7 abr. 2023. sonaro à Rússia”, Poder 360, 20 abr. 2022.

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