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CERVO, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo.

A Política Externa
Independente do apogeu do populismo (1961-1964). In:____. História da
Política Exterior do Brasil. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2012. p. 331-375.

- Caracterização (p. 331-334)

- Corresponde a Presidência de Jânio Quadros (31 de Janeiro) e João


Goulart (31 de março), incluindo o período parlamentarista. É vista como
uma unidade, tendo tido o MRE cinco titulares durante o período, nenhum
deles tendo completado 12 meses a frente do cargo.
- A PEI era um conjunto de ideias, advinda do nacional-
desenvolvimentismo-populista do período. PEI como Processo e não
Projeto. Unidade/Continuidade/Uniformidade.
- A PEI, calcada no nacionalismo, ampliou a política externa de JK (OPA:
visão universal; preocupada com o regional; pragmática; buscando os
interesses do país sem preconceitos ideológicos).
- Contexto: crise no sistema interamericano com a questão de Cuba;
descolonização africana; crise nas relações soviético-norte-americanas.
- Política sem compromissos; não realinhamento com os EUA; obtenção de
vantagens em um mundo bipolar; direito de autodeterminação; busca de
interesses econômicos nacionais; liberdade de movimento na cena
internacional.
- Abertura para a África e afastamento na ONU das posições de Portugal
salazarista, que praticava o colonialismo.
- No período de Tancredo Neves como Primeiro Ministro houve a
reafirmação da PEI, com a noção de que o Pan-Americanismo havia
ultrapassado sua fase jurídica-política e estava na etapa econômica.
- Fundamentos da PEI: 1) mundialização das relações internacionais do
Brasil; 2) atuação isenta de compromissos ideológicos; 3) ênfase na
bissegmentação do mundo entre Norte-Sul, e não Leste-Oeste; 4) busca da
ampliação das relações internacionais do Brasil com objetivos comerciais;
5) desejo de participação nas decisões internacionais; 6) busca pela paz e
pelo desarmamento; 7) adoção claramente contrária à realização de
experiências nucleares; 8) adoção dos princípios de autodeterminação dos
povos e não intervenção.
- Descompasso da PEI com a política interna. Pressão interna, sobretudo da
imprensa. Política exterior como assunto popular à época.

 Jânio Quadros (31 de janeiro/25 de agosto de 1961) (p. 335-339)

- Ministro: Senador Udenista e Liberal, Afonso Arino de Melo Franco.


- Defesa dos direitos brasileiros sem alinhamentos. Estaria em função de
uma política nacional de desenvolvimento. Ampliação dos mercados
brasileiros independente de preocupações ideológicas.
- Possibilidades comerciais com nações do extremo oriente e sudoeste
asiático (Japão, China, Coreia, Índia, Indonésia, Ceilão). Restabelecimento
de relações diplomáticas com os países comunistas.
- Defesa dos princípios de autodeterminação e não intervenção, aplicados
em especial ao caso de Cuba e dos países africanos.
- Diversificação das exportações e mercados, e refinanciamento da dívida e
obtenção de novos créditos. Plano ortodoxo de estabilização financeira.
Serviço de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil (Sepro).
- Reforma do Itamaraty, por meio da Lei 3.917/1961, com o objetivo de
modernizar o órgão e coloca-lo com condições de atender as demandas que
eram postas a este.

- Europa Oriental (p. 339-341)

- Aumento das exportações e importações brasileiras com os países


socialistas, especialmente no ano de 1961. (p. 339).
- Aumento das representações diplomáticas brasileiras na área socialista.
Em 31 de março foram restabelecidas relações diplomáticas com a Hungria
e a Romênia, e ainda iniciada com a Bulgária. No dia 04 de abril iniciou-se
com a Albânia. Grupos de trabalho.
- Missão especial chefiada por João Dantas, trouxe instrumentos de
cooperação cultural e científica, além de sete acordos comerciais, visando a
troca de matérias primas por produtos industrializados.
- URSS e China (p. 341- 342)

- Tentativa de restabelecimento de relações com a URSS, interrompidas


desde 1947.
- Criação de delegações comerciais permanentes em Moscou e no RJ.
Convite a Jânio para visitar a URSS.
- Missão comercial enviada a China e chefiada por João Goulart. Efeitos
internos extremamente negativos.

- Nações afro-asiáticas (p. 342-343)

- Brasil deveria ter papel de destaque nas nações afro-asiáticas e ser o elo
entre a África e o Ocidente, visto as características culturais, políticas e
sociais que tais países guardavam.
- Reexame da política brasileira para a África. Linha anticolonialista.
Grupo de Trabalho para a África. Acordos culturais e de estudo. Criação de
novas embaixadas em Gana, Nigéria e Senegal.
- Votos de abstenção na ONU, em especial no caso de Angola.
Dificuldades de tomar posição frente a Portugal.

- O contexto hemisférico (p. 343-345)

- Aliança para o Progresso; obtenção de créditos e Acordo sobre Produtos


agrícolas com os EUA.
- Recusa em apoiar os EUA para uma ação armada contra o regime cubano.
- Aplicação dos princípios de autodeterminação e não intervenção.
- Encontro entre Arturo Frondizi e Jânio Quadros. Reaproximação entre
Brasil e Argentina, com o fechamento de vários acordos de cooperação
cultural, política, militar, cientifica e econômica. Convênio de Amizade e
Consulta. Grupo Misto de cooperação Industrial Brasil-Argentina.
- Interrupção das relações diplomáticas, mas não consulares com a
República Dominicana.

- Aliança para o Progresso (p. 346-349)

- Desenvolvida no governo John F, Kennedy e apresentado em 13 de março


de 1961, os EUA prometiam destinar 20 bilhões de dólares à Aliança para
ser empregado em programas de desenvolvimento da América Latina no
decorrer de 10 anos. Resposta a OPA.
- Em reunião do Conselho Econômico e Social Interamericano da OEA,
Guevara, Presidente do Banco Nacional de Cuba e chefe da delegação da
Ilha na reunião, não subscreveu o documento da Aliança, e em seu retorno
para Cuba, fez escala em Brasília, onde recebeu de Jânio a Ordem do
Cruzeiro do Sul, o que aumentou a oposição interna ao Presidente
brasileiro.
- Tentativa americana de manter e reforçar sua influência sobre a América
Latina, e ainda esvaziar a Revolução Cubana.
- A medida era vista com ressalva, em especial pelos nacionalistas, que
viam o aumento da dependência em relação aos EUA.

- Reação interna e continuidade (p. 349-351)

- Envio do diplomata João Augusto Araújo Castro, como observador da


Reunião Preliminar e Conferência de Chefes de Estado e de Governo dos
Países Não Alinhados em julho de 1961.
- Reação dos conservadores no Brasil, que vinham a política exterior de
Jânio um perigoso novo alinhamento internacional do Brasil.
- “No plano interno, a ortodoxia adotada para estabilizar a economia, bem
como outras medidas administrativas, eram de natureza conservadora. No
externo, por tudo que foi exposto até aqui, a administração mostrava-se
avançada, o que agradava às esquerdas e aos nacionalistas.” (CERVO;
BUENO, 2012, p. 349).
- A política externa de Jânio desagradou a UDN, que o havia apoiado nas
eleições, em especial Carlos Lacerda.
- Política externa como elemento que contribuiu para a falta de apoio do
Congresso no episódio da renúncia.
- “(...) Jânio colhia frutos não desejados ao usar a política externa como
instrumento a serviço da resolução de problemas internos. O rígido
programa econômico-financeiro de Jânio tinha no neutralismo retórico um
instrumento para se fortalecer perante a esquerda (...).” (CERVO; BUENO,
2012, p. 350).
- Continuidade no governo Goulart com San Tiago Dantas: “Essa
continuidade deve-se, sobretudo, ao fato de a Política Externa
Independente ter sido desdobramento de uma tendência da política exterior
brasileira que, a rigor, vinha dês de o segundo governo Vargas.” (CERVO;
BUENO, 2012, p. 351).

 João Goulart/Parlamentarismo (7 de setembro de 1961/31 de


março de 1964)

- San Tiago Dantas (p. 351-354)

- No governo Jânio Quadros havia sido indicado para chefiar a embaixada


do Brasil na ONU.
- San Tiago Santas sucedeu Afonso Arinos no MRE, e não só deu
continuidade como aprofundou as bases da PEI, afirmando que esta é uma
atitude, uma maneira de ver e encaminhar os assuntos internacionais do
Brasil, embasada no exclusivo interesse do país.
- A PEI segundo o chanceler tinha as seguintes diretrizes: 1) preservação da
paz por meio da coexistência e desarmamento geral e progressivo; 2)
reafirmação e fortalecimento dos princípios de não intervenção e
autodeterminação dos povos; 3) ampliação do mercado externo brasileiro e
intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os
socialistas; 4) apoio à emancipação de territórios não autônomos.
- A PEI foi uma ferramenta política para o desenvolvimento econômico d o
país, tendo na ampliação do mercado externo para os produtos brasileiros
uma de suas principais preocupações.
- Relacionamento baseado na igualdade. Posição de independência em
relação a blocos. Normalização das relações diplomáticas e comerciais com
todos os países.

- Brasil - Argentina (p. 354-355)

- Relacionamento internacional sem discriminações, com absoluta


igualdade e atenção especial à Argentina.
- Acordos de Uruguaiana e Sistema de consultas recíprocas ainda no
governo Jânio.
- Encontros entre Goulart e Frondizi e entre San Tiago e o chanceler
argentino. Assinatura de novos acordos (extradição e assistência gratuita) e
consecução de outros já firmados.
- Com a deposição de Frondizi em 1962 houver por parte da Argentina uma
reordenação do pacto de Uruguaiana.

- Aliança para o progresso e Estados Unidos (p. 355-359)

- Momento do nacional-desenvolvimentismo e populismo.


- Aceitação da ajuda externa, porém sem interferência direta no modo de
planejar o desenvolvimento.
- A Aliança não produzia os efeitos esperados. A queda dos preços dos
produtos primários anulava os efeitos da cooperação.
- Quadro interno difícil. Relações com os EUA discordante de forma geral.

- A questão cubana (p. 359-366)

- Defesa intransigente do princípio da não intervenção e da


autodeterminação.
- O exame da expulsão do governo cubano do sistema interamericano foi
objeto da VIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores,
ocorrida em Pul del Este entre 22 e 31 de janeiro de 1962. O governo
brasileiro manteve a defesa de tais princípios.
- Elaboração de um estatuto das relações entre Cuba e o hemisfério e sobre
o qual, ouvidas as partes, se pronunciaria o conselho da OEA.
- Houve pressão interna defendendo a expulsão de Cuba da OEA, no
entanto, San Tiago Dantas manteve firme a posição inicial.
- O governo brasileiro era contra sanções, alegando que a medida poderia
estimular tendências pró-soviéticas no continente, assim como ocorreu em
Cuba.
- San Tiago Dantas em discurso na Academia Nacional de Direito de
Buenos Aires em 13 de novembro de 1961 asseverava sobre a questão
cubana que “(...) uma solução do caso cubano só será historicamente válida
e politicamente eficaz, se resultar de meios rigorosamente pacíficos, e se
for obtida sem quebra do respeito à sua soberania, por meio da
autodeterminação do povo cubano.” (CERVO; BUENO, 2012, p. 362).
- Na ata final da reunião constou o repudio a ofensiva comunista na
América, reiterando a adesão aos princípios de autodeterminação e de não
intervenção como normas orientadoras da convivência entre nações as
americanas.
- O Brasil votou pela abstenção, juntamente com Argentina, México, Chile,
Equador e Bolívia, mas Cuba foi excluída da OEA.
- Pontos do discurso de San Tiago Dantas na reunião, acerca da posição
brasileira no caso de Cuba: 1) reiteração da necessidade do fortalecimento
da democracia na sua competição com o comunismo internacional; 2)
defesa da posição de que a questão não era de invocação do tratado do RJ;
3) afirmação de que não se conseguiria êxito contra o comunismo
internacional sem se lutar contra o subdesenvolvimento e por melhor
distribuição social da riqueza; 4) preocupação com a paz mundial e o
desejo de contribuir para diminuição da tensão internacional. 5)
reafirmação de que o isolamento de Cuba, os levaria ainda mais para o
campo soviético; 6) contrariedade a uma posição de força, bem como a
sanções econômicas diplomáticas; 7) contrário a intimar Cuba a romper
com a URSS em determinado prazo.
- A posição brasileira era conciliadora.
- Repercussão interna na imprensa: “Boa parte da imprensa nacional não se
mostrava favorável ao rumo da revolução cubana, contrário aos princípios
democráticos, mas apoiou a posição da chancelaria brasileira na defesa da
não intervenção e da autodeterminação dos povos (...).” (CERVO;
BUENO, 2012, p. 364).
- Não obteve consenso da opinião nacional. Em sessão do Congresso San
Tiago Dantas foi duramente criticado pela posição que o Brasil tomara na
Conferência, sendo proposta inclusive moção de censura.
- San Tiago Dantas reafirmou o posicionamento brasileiro afirmando que a
defesa da democracia não poderia ser invocada para justificar uma
intervenção coletiva em um dos membros signatários da carta de Bogotá.

- A questão da Angola (p.366-367)

- Em debate no plenário da ONU sobre a questão angolana, Afonso Arinos,


representante da delegação brasileira, afirmou que a posição brasileira era
determinada pelo anticolonialismo, mas também, levava em conta seus
laços históricos, culturais e de amizade com Portugal.
- Afirmava então que aguardava por parte de Portugal uma postura que
garantisse a liberdade de Angola e sua consequente transformação em um
país independente. Não indo além da retórica, portanto.
- “A representação brasileira, assim, reiterava os termos da amizade
portuguesa e ao mesmo tempo apoiava Angola na busca de sua
autodeterminação.” (CERVO; BUENO, 2012, p. 367).

- O restabelecimento de relações diplomáticas com a URSS (p. 367-


372)

- 23 de novembro de 1961. As missões diplomáticas tiveram categoria de


embaixada.
- “Para San Tiago Dantas, o reatamento decorria da universalização das
relações internacionais do Brasil, necessária à ampliação do mercado para
seus produtos e, também, da intenção de contribuir para a coexistência e,
com esta, para causa da paz. (...) Não se tratava de simpatia ideológica.”
(CERVO; BUENO, 2012, p. 368).
- San Tiago Dantas e o restabelecimento sofreram duras criticas na Câmara
dos Deputados. O chanceler fez um discurso reiterando os argumentos de
natureza econômica e política, com viés anti-isolacionista e a favor da paz,
privilegiando o debate e a negociação.
- Argumentos de natureza econômica de expansão do mercado brasileiro no
exterior: “O reatamento, portanto, nada tinha de ideológico, mas ligava-se a
um vasto projeto nacional de desenvolvimento para pôr fim à miséria.”
(CERVO; BUENO, 2012, p. 369).
- Os críticos afirmavam que a intenção dos soviéticos com o reatamento
não era econômico e sim político, e que tentariam incutir o comunismo e a
subversão no Brasil, e que do ponto de vista econômico o Brasil nada teria
a lucrar.
- Má apresentação da PEI, engajada em uma retórica que agradava as
esquerdas e assustava os conservadores, em uma conjuntura mundial de
recrudescimento da bipolaridade.

- Conferência do Desarmamento em Genebra (p.372-373)

- Posição de equidistância no conflito Leste-Oeste.


- Declaração brasileira contrária às explosões atômicas, das oito potências
não alinhadas.
- Proposição baseada no trinômio: desarmamento – inspeção - reconversão
atômica.
- Desarmamento geral e completo. Guerra conta a guerra.

- A última etapa (p. 373-375)

- Novamente assume Afonso Arinos. Rejeição de San Tiago Dantas para


ser Primeiro-Ministro. Assume Hermes Lima.
- Crise dos mísseis e bloqueio naval em 22 de outubro de 1962. O Brasil
votou na OEA a favor do bloqueio, mas contrário à intervenção militar.
- A atuação de Hermes Lima foi moderada. Defesa dos países
subdesenvolvidos e pelo desarmamento. Retórica no anticolonialismo,
defendendo a descolonização ordenada.
- Goulart ainda teve dois Ministros das Relações Exteriores: Lins e Silva e
Araújo e Castro.
- Papel de destaque da ONU para promoção do desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos.

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