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A política externa Brasileira é uma de continuidade.

Ao menos esse é o
aparente consenso. A ideia de que desde o advento da República, práticas e
diretrizes gerais estabelecidas pelo Barão do Rio Branco dão o tom seguido
pelos policy makers do país, e a de que ao menos desde o primeiro governo
Vargas em 1930, até finais do século XX, um eixo central pautou a Política
externa do Brasil - o nacional-desenvolvimentismo - são amplamente aceitas.
Portanto, não deveria causar estranheza constatar que governos
ideologicamente distintos, em períodos diferentes, seguiram linhas
semelhantes na condução da política externa. Foi exatamente isto que ocorreu
com as políticas levadas a cabo em um primeiro momento por Jânio Quadros,
e depois por João Goulart - e posteriormente com aquela executada por Geisel,
durante o regime militar - quando estes controlavam a Chancelaria.  Apesar de
circunstâncias e contextos tão distintos, as semelhanças entre a Política
externa executada nos diferentes períodos são evidentes, ainda que houvesse
diferenças. 

Com a eleição de Jânio Quadros, em 1961, as ideias de seu ministro de


Relações Internacionais, Afonso Arinos, ganharam espaço no governo federal.
Mesmo depois da renúncia de Jânio, e o posterior enfraquecimento que a
presidência sofreu com a instauração do parlamentarismo, a política externa de
seu governo seguiu quase inteiramente intacta. Seu antigo vice, então tornado
presidente, João Goulart, deu continuidade, ao lado de San Tiago Dantas, às
políticas que ficaram conhecidas como Política Externa Independente (PEI).
Entre 1961 e 1964, uma política diferente, ainda que não inteiramente nova,
passou a mover o Itamaraty, guiada pelos seguintes princípios básicos:
Independentismo, Universalismo e Desenvolvimento. O governo brasileiro
passou a buscar: 1) A ampliação dos mercados externos. 2) Maior
independência para formular planos de desenvolvimento. 3) Paz através do
desarmamento. 4) Respeito ao Direito Internacional e a seus princípios
basilares de Não-intervenção e Autodeterminação dos povos. 5)
Anticolonialismo e Anti-imperialismo. A Política Externa Independente propunha
à inserção do Brasil no Sistema Internacional como um ator autônomo, livre
das amarras e limitações ideológicas para usar a política externa como
instrumento fomentador do desenvolvimento interno do Brasil.
É importante assinalar que apesar de alegadamente anti-ideológica a
PEI era sim baseada em ideologias. Também é fundamental notar que, como
mencionado, seus princípios não eram inteiramente novos. Outros governos
anteriores defenderam, ao menos retoricamente, princípios similares, e
manifestaram sua intenção por elaborar políticas análogas. A grande inovação
da PEI foi que nela as políticas elaboradas foram de fato levados a termo.
Tanto Jânio, quanto Jango, se demonstraram comprometidos em implementar
políticas baseadas no princípio da independência em um mundo cada vez mais
rigidamente polarizado. Dividido por duas grandes potências que esperavam
ambas alinhamento e lealdade total. Tal política externa, se não estivesse
fadada a fracassar, ao menos certamente estava destinada a enfrentar
resistência feroz. Externa e interna. Foi justamente tal oposição que se
articulou para dar o golpe que derrubou João Goulart e pôs fim à PEI em 1964.

A Política Externa que se seguiu com o governo de Castello Branco foi


de alinhamento automático aos Estados Unidos, que pensava ser o único país
capaz de alavancar o desenvolvimento do Brasil, que para ele só viria a ocorrer
por meio de uma associação total. Embora não mais com a mesma convicção
em tal alinhamento, e determinação em continuá-lo, a política externa que se
seguiu durante os governos de Costa e Silva e Médici seguiu linhas similares.
O grande ponto de inflexão viria apenas durante o governo Geisel, a partir de
1974. Decepcionados com os resultados parcos obtidos com o alinhamento fiel
aos Estados Unidos, e cientes das profundas mudanças pelas quais estava
passando o Sistema Internacional, agora em dinâmica evolução, os policy
makers do regime deram uma guinada na direção da política externa.

O desenvolvimento associado foi abandonado. Em seu lugar, ocupou


lugar um desenvolvimento nacionalista. O que era bom para os Estados Unidos
já não era mais necessariamente bom para o Brasil. Por vezes, o era o oposto.
Por isso a política externa de Geisel defendeu um “pragmatismo ecumênico e
responsável”. Sua base teórica essencialmente era a mesma da PEI. Ambas
buscavam usar a política externa para fomentar o desenvolvimento do país, a
partir de uma perspectiva mais nacionalista e autônoma, deixando as
ideologias de lado e rechaçando a associação automática a quem quer que
fosse. Baseavam-se as duas nos mesmos princípios de Independentismo,
Universalismo e Desenvolvimentismo, e de forma geral, buscavam os mesmos
cinco pontos já elencados.

A política externa independente e a Política do pragmatismo


responsável, no entanto, tinham diferenças, e se deram em diferentes
contextos. No começo da década de 60 o mundo estava claramente dividido
entre o Leste e o Oeste. O ocidente capitalista com sua democracia liberal,
capitaneado pelos Estados Unidos, e o comunismo soviético. No final dos anos
70, essa já não era a realidade. O mundo encontrava-se claramente dividido
entre Norte e Sul. Ideologia não era mais o fator determinante responsável pela
divisão do mundo em blocos, mas sim a disputa de poder e controle sobre suas
esferas de influência das duas superpotências.

Uma terceira via também havia surgido. Desde Bandung, cada vez mais
o terceiro mundo se colocava como uma força política a ser reconhecida, agora
com a adesão de importantes países como a China, a índia e o Brasil. O Brasil
também já não era mais um país pobre e essencialmente agrário, mas uma
nação em desenvolvimento e industrializada, com bens manufaturados
entrando em um número cada vez maior de mercados ao redor do mundo. A
situação interna também era muito diferente. O papel da opinião pública na
formulação e execução das políticas externas, herança populista de governos
anteriores, havia sido substancialmente reduzido, pois o espaço de atuação da
oposição no parlamento e da mídia tinham sido significativamente tolhidos. O
regime militar, afinal, era uma ditadura com capacidade de cercear vozes
dissidentes.

Em suma, a política externa independente e o pragmatismo responsável


tiveram diferentes antecedentes. Ocorreram em diferentes contextos internos e
externos. Dispunham de diferentes condições para atuar. O faziam usando
diferentes meios. Enfatizavam aspectos distintos. E por fim, obtiveram
diferentes resultados. Pode-se dizer que, se por um lado, o pragmatismo
responsável parecesse menos ambicioso e mais moderado do que a política
externa independente, na realidade obteve mais sucesso ao implementar
políticas que, nas palavras de Azeredo da Silveira, eram inovadoras e ousadas.
Políticas que levaram a processos de ruptura significativa com a linha
estabelecida no início do regime militar, e alteraram a inserção do Brasil no
mundo. Mais diferentes na execução do que na elaboração, a política
independente de Jânio e Jango, e o pragmatismo de Geisel chegaram por
diferentes razões às mesmas respostas, aparentemente. Os primeiros, mais
por uma convicção anterior em suas ideias, e o último após análise da
realidade. Ambos motivados pelo mesmo objetivo de promover o
desenvolvimento e a independência do Brasil.

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