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CARTA AO LEITOR
EURICO DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

PASSADO? Epidemia nos anos 1980: os estados do Rio de


Janeiro (acima), Ceará e Alagoas foram severamente afetados

OS MALES DO BRASIL
NO SÉCULO XIX, ao viajar pelo Brasil, o botânico francês
Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) cunhou uma frase provo-
cativa: “Ou o Brasil acaba com as saúvas ou as saúvas acabam
com o Brasil”. Em 1928, ao beber da máxima original, o escri-
tor Mário de Andrade (1893-1945) pôs na boca de Macunaíma,
o herói sem nenhum caráter, um dístico irônico, retrato de uma
postura atávica do país: “Pouca saúde e muita saúva, os males
do Brasil são”. Passados dois séculos da percepção de Saint-Hi-

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laire, quase 100 anos da ironia de Mário, é triste perceber que


pouca coisa mudou no zelo para com o bem-estar da popula-
ção. É o que se extrai do surto de dengue que se alastra por di-
versos estados, em um Carnaval que tem tudo para ser domi-
nado pelo Aedes aegypti, o mosquito vetor da contaminação. A
prefeitura do Rio de Janeiro decretou estado de emergência
depois de salto inaceitável de casos da doença — mais de
10 000 apenas em janeiro, o maior índice desde 1974, quando
a contagem começou a ser feita. No Distrito Federal são mais
de 46 000 registros, estatística epidêmica que forçou o governo
a instalar um hospital de campanha, como os que foram vistos
no período mais crítico da pandemia de Covid-19, apto a rece-
ber 600 pessoas por dia. Em São Paulo, a multiplicação acele-
rada de episódios da doença também preocupa.
O constrangedor — e inaceitável — é saber que em 1958 a Or-
ganização Pan-Americana de Saúde chegou a anunciar a erradi-
cação do Aedes. Ele voltaria, contudo, nos anos 1970 e 1980 —
em 1986, Rio de Janeiro, Ceará e Alagoas foram severamente
afetados, assunto de reportagens de VEJA. Sucessivas campa-
nhas de conscientização e o cuidado com a água parada em bu-
racos e pneus, resultado de urbanização descontrolada e miséria,
ajudaram a reduzir, nas últimas décadas, a toada de internações.
Agora, porém, deu-se incômodo avanço. E o que parecia resolvi-
do, página virada da história, reapareceu com vigor. A taxa de
letalidade da dengue costuma ser baixa, no entanto, mais de qua-
renta pessoas já morreram nesta estação. Os sintomas mais co-
muns são perda de peso, náusea, vômitos e dores abdominais,

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PARALISIA Reportagem de VEJA em maio de 1986


chama atenção para o Aedes: quase quarenta anos
depois, vive-se mais do mesmo

que, muitas vezes, exigem internação. Há riscos severos que não


podem ser desdenhados.
O dado positivo, no avesso da postura da gestão de Jair Bol-
sonaro durante a Covid-19, transformada em “gripezinha”, é que
existe uma boa resposta das autoridades. O prefeito do Rio,
Eduardo Paes, agiu com rapidez e antes da folia lançou o alerta.
Os serviços de orientação têm crescido, e eles são cruciais para
um pedaço do mundo de clima quente e cidadãos empobrecidos.
O Aedes aegypti, aliás, foi pauta da conversa do presidente Lula
e da ministra da Saúde, Nísia Trindade, com o diretor-geral da
Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom. Mal saído da
pandemia respiratória, que a rigor não terminou (e convém cau-
tela na festa), o Brasil não pode mergulhar em nova crise sanitá-
ria, por vários motivos — pelas famílias, pelo Erário e porque soa
inadmissível o triste passo atrás. ƒ

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ENTREVISTA LILY GLADSTONE

JON KOPALOFF/VARIETY/GETTY IMAGES

“NÓS IMPORTAMOS”
Estrela do filme Assassinos da Lua das Flores e uma
das favoritas ao Oscar de melhor atriz, a nativa
americana exalta a importância de indígenas em
Hollywood e a luta global desses povos

KELLY MIYASHIRO

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NO AUGE da pandemia de Covid-19, em 2020, a atriz


Lily Gladstone, 37 anos, se inscreveu num curso de análi-
se de dados e cogitou uma medida drástica: abandonar a
carreira nas telas, após conquistar só um papel de desta-
que no currículo, no filme independente Certas Mulheres
(2016). O êxito solitário, porém, não foi em vão: ela cha-
mou a atenção de um mestre do ramo, o cineasta Martin
Scorsese. Impressionado com a expressão magnética da
novata, o diretor convocou a nativa americana, descen-
dente da nação Blackfoot, para uma reunião por video-
conferência. Assim ela conquistou o papel principal de
Assassinos da Lua das Flores, longa produzido pela
Apple Original Films que resgata a história do massacre
do povo Osage por brancos nos anos 1920. Agora, a cole-
ga de Leonardo DiCaprio no filme é uma das favoritas ao
Oscar de atriz na cerimônia do dia 10 de março — e sua
mera indicação já fez história, pois é a primeira indígena
americana que concorre na categoria. Em entrevista a
VEJA, Lily fala sobre a importância da representativida-
de em Hollywood, da luta de povos originários pela pre-
servação da natureza e de sua admiração por um drama-
turgo brasileiro.

Seu desempenho como Mollie Burkhart em Assassinos


da Lua das Flores ressaltou a importância de escalar
uma autêntica nativa americana no cinema. Em que
medida seu êxito pode mudar Hollywood em termos de

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representação dos povos indígenas? Espero que esse


filme ajude as pessoas a perceber que nós, indígenas, de-
veríamos estar em todos os lugares. Parece ridículo que
seja visto como algo inovador que nativos estejam inter-
pretando nativos no cinema. Isso deveria ser a praxe, de-
veria ser o mínimo. Eu sinto que é absolutamente funda-
mental que possamos contar nossas próprias histórias.

No Brasil, assassinatos de lideranças indígenas infeliz-


mente ainda são frequentes. Como vê as ameaças a
povos originários no mundo atual? É triste que as for-
ças colonizadoras passem por ondas: num momento, es-
tão apaixonadas pelos povos, terras e culturas indígenas;
e então simplesmente começam a explorá-los, querendo

“Saber que o Leonardo DiCaprio, um


grande ativista climático que tem
vasto interesse na Amazônia, estava
muito envolvido nesse filme me deu
confiança de que haveria respeito
com os indígenas”
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mais e mais até que não tenhamos nada. Muitas vezes,


ainda, trabalham sistematicamente para minar quem so-
mos a cada passo, enquanto deixam claro que é justa-
mente por causa de quem somos que estão fazendo isso.

Houve uma grande participação do povo Osage, que


sofreu o massacre silencioso retratado em Assassinos
da Lua das Flores, na produção do filme? Sim, os povos
nativos são muito unidos, e, no caso desse filme, havia
pessoas Osage em cada departamento, principalmente
no set. Eu sou da nação Blackfoot e não queria aplicar
minha própria visão de mundo e perspectiva de onde vim
na construção de Mollie e sua comunidade. E também
não queria a tarefa de responder a perguntas para as
quais não sabia a resposta. Foi incrível ter alguém Osage
para tirar dúvidas, e ter múltiplas gerações presentes
nesse projeto trouxe diversas perspectivas, com pessoas
mais velhas que tinham lembranças de pessoas daquela
época e jovens assumindo esse trabalho de revitalização
da linguagem, com a perspectiva de qual é a nossa repre-
sentação agora e para onde queremos ir.

Teve receio sobre a forma como os indígenas seriam


retratados no filme? Eu fiquei muito nervosa ao me
candidatar e até em aceitar esse papel sabendo da mag-
nitude que o filme alcançaria. Mas saber que o Leonar-
do DiCaprio — um grande ativista climático que tem um

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interesse particular na Amazônia — estava muito envol-


vido nesse projeto me deu muita confiança de que seria
algo bom.

Como assim? Há muitos ativistas climáticos no mundo


que gostam de greenwashing (promover-se em cima de
discursos sustentáveis falsos), ou ainda ecofascistas que
muitas vezes sufocam a voz indígena para tentar nos di-
zer o que fazer. Mas Leo sempre entendeu, através de seu
ativismo climático, que os povos indígenas são os verda-
deiros administradores que sustentam, protegem e cui-
dam do nosso mundo. Uma história sobre a extração de
petróleo de uma área indígena e sobre a maneira como
um homem está tirando tudo de uma nativa é uma clara
analogia a esses governos colonizadores e seu tratamen-
to aos povos indígenas. Além disso, ainda existe a força
colonizadora global do capitalismo explorando de forma
devastadora o mundo natural, que é protegido, cuidado e
administrado pelos povos originários.

Sentiu dificuldade em contar essa parte sombria da


história americana? Sim, absolutamente. Mesmo que a
história tenha se passado na década de 1920, muita coisa
não mudou. E é possível encontrar analogias com várias
partes do mundo. Povos de diversos países já sofreram
massacres. Precisamos contar essas histórias. É irônico
que o FBI tenha se formado nos Estados Unidos para so-

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lucionar casos de assassinatos de indígenas e que hoje


eles não façam mais esse trabalho. O mesmo ocorre no
Canadá. Lá, temos mulheres indígenas assassinadas, de-
saparecidas, e o governo segue o mesmo padrão típico de
não investigar. Tive até momentos de pânico no set ao
pensar nessas coisas. Em resumo, sim, foi bem difícil.

Como lidou com essas crises de pânico? Apesar da his-


tória brutal, a realidade no set era de surpresa e alegria
contínuas, porque havia uma imensa variedade de povos
indígenas participando do filme, com nativos de todos os
cantos dos Estados Unidos. Uma das atrizes figurantes
até saiu perguntando a origem de cada um e acabou con-
tabilizando cerca de 230 tribos diferentes ali, em cenas
como a do casamento ou dos desfiles de rua. Vivenciar
isso foi muito emocionante para mim.

Diria que foi como uma epifania de pertencimen-


to? Creio que sim, tivemos momentos muito divertidos,
com crianças e idosos por perto, e criamos um ambiente
confortável e familiar. Enquanto as câmeras filmavam o
trauma, nos bastidores tínhamos uma comunidade, um
mundo onde nos importamos uns com os outros. Porque
nós importamos.

Ter tantas origens diferentes nos bastidores foi um pro-


blema durante o processo? De maneira alguma. Foi

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adorável ter essa diversidade de pensamentos e opiniões


dentro da comunidade Osage, guiando e moldando cada
passo do caminho. Foi espetacular ver a produção tomar
forma e assisti-la responder a isso. Além disso, o fato de
uma história como essa ter recebido uma verba tão gran-
de, de 200 milhões de dólares, deve ter aberto um novo
precedente. E Hollywood só dá tanto assim para cineas-
tas como Martin Scorsese. Também me emociono ao ver
nosso filme sendo lançado ao mesmo tempo que outros
programas incríveis como Reservation Dogs (do Star+),
série de que participo e que também conta com atores e
produtores indígenas.

Reservation Dogs segue um grupo de jovens indígenas


tentando sair de uma reserva, localizada em Oklaho-

“Sou fascinada pela técnica


do Teatro do Oprimido,
criada pelo dramaturgo Augusto Boal.
Ele mudou minha percepção sobre o que
era possível fazer como atriz”
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ma, para viajar até a Califórnia. Por que acha que fez
tanto sucesso? É uma série muito inovadora. Foi o pro-
grama número 1 em várias listas críticas renomadas. Is-
so mostra que o que nos contaram por tanto tempo, que
nossas histórias são muito míopes, culturalmente espe-
cíficas e pouco atrativas a um público amplo é — descul-
pe o palavreado — bobagem. As pessoas estão muito
animadas em ver nossas histórias. Um dos criadores da
série, Sterling Harjo (ao lado de Taika Waititi), também
é nativo americano, e temos novos projetos encaminha-
dos porque somos artistas incríveis que ocupam um lu-
gar na tela e têm uma certa voz artística que realmente
agrada as pessoas.

Não se sente limitada ao ser escalada para projetos as-


sim por causa de sua ascendência indígena? Embora
haja representação nativa nesses projetos, porque somos
nativos, não estamos assumindo a responsabilidade de
representar uma história estereotipada. Pudemos ser na-
tivos apenas contando uma história humana, interpre-
tando personagens que até poderiam ser interpretados
por qualquer um, mas que se tornam mais ricos, peculia-
res e dinâmicos por causa de quem somos. E quero ver
mais disso na tela.

Antes de se tornar atriz a senhora ensinava história


dos nativos americanos para crianças em peças tea-

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trais. Como foi essa experiência? Durante a maior parte


dos meus 20 anos, fiz uma turnê com show solo, me
apresentando em escolas americanas. Muitas vezes eram
lugares onde não havia muita população nativa, princi-
palmente quando eu ia para a Costa Leste dos Estados
Unidos. E eu ensinava sobre um ponto específico da his-
tória americana, por volta da II Guerra Mundial. A per-
sonagem que eu interpretava cresceu em uma família de
curandeiros na nação Navajo e depois foi para um inter-
nato. Então, grande parte do currículo daquele projeto
ensinava sobre internatos de nativos americanos, falan-
do da política de assimilação, do idioma e da narrativa
política de “mate os índios e salve o homem” que reina
em muitas escolas nos Estados Unidos até hoje.

É verdade que usava a técnica do Teatro do Oprimido,


criada pelo dramaturgo brasileiro Augusto Boal (1931-
2009), ao ministrar workshops para jovens? Sim. Sou
fascinada pelo trabalho do Augusto Boal, pela forma co-
mo ele usou técnicas teatrais na época em que atuou co-
mo vereador no Rio de Janeiro (em seu mandato pelo PT
na Câmara carioca, nos anos 1990, Boal criou o conceito
de “teatro legislativo”, em que apresentava artisticamente
leis ao público). Isso mudou minha percepção sobre o que
era possível fazer nessa profissão, sobre esse chamado
para ser atriz. Cheguei a usar a metodologia do Teatro do
Oprimido em workshops em universidades ou escolas

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onde havia uma população nativa para preencher algu-


mas lacunas de comunicação e funcionava perfeitamen-
te. Todas essas experiências e conhecimentos moldaram
a forma como interpreto personagens, especialmente
quando preciso contar histórias realmente difíceis.

Acha possível que as escolas passem a abordar a his-


tória dos povos originários com mais respeito e menos
romantização da colonização? Nos últimos anos vimos
o currículo escolar começar a mudar, com os alunos fa-
zendo perguntas mais sofisticadas e esses conhecimen-
tos se tornando um pouco mais comuns. Acredito que is-
so tenha sido motivado durante o governo de Barack
Obama, quando houve muito mais impulso em direção a
uma grade de ensino mais diversificada. ƒ

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IMAGEM DA SEMANA

TRANSPARÊNCIA POSSÍVEL

“NUNCA RECLAME, nunca explique.” A irônica frase


foi, desde sempre, um mantra da monarquia britânica. Na
semana passada, contudo, houve uma piscadela para
alguma transparência: o Palácio de Buckingham
anunciou, em comunicado oficial, que o rei Charles III,
de 75 anos, tem câncer. O diagnóstico ruim foi recebido
depois dos exames para uma intervenção de correção da
HENRY NICHOLLS/AFP

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próstata, comum para homens de sua idade. Nada se falou


sobre o tipo específico da enfermidade, agora. A nota
limitou-se a informar que a turma de sangue azul veio a
público para “evitar especulações”. No segundo seguinte,
é claro, dada a imprecisão, as especulações dispararam a
não mais poder (até a renúncia foi citada). Mas, como o
show tem que continuar, o monarca deixou-se
fotografar ao lado de Camilla, a rainha consorte,
em um carro que saía da residência de Clarence House,
em Londres. Ele acenava e sorria. Tinha recebido a visita
do caçula posto para escanteio, Harry, que viajou da
Califórnia para a Inglaterra sozinho. Os olhos se voltam,
agora, para William, o primeirão da linha sucessória (com
62% de simpatia da população, segundo sondagens
recentes), e para a princesa Kate Middleton (61% de
aprovação). Ela, aliás, também acaba de sair do hospital,
depois de duas semanas internada para uma “cirurgia
abdominal”, e nada mais se disse, porque a lei — insista-se
— é nunca explicar. Charles III (51% acham que ele está se
saindo bem no trono) deverá se ausentar dos
compromissos públicos. Enquanto isso, o diz que me diz
seguirá. God save the king. ƒ

Caio Saad

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CONVERSA RODRIGO SANTORO

“SER ATOR É SE DESPIR


DAS COISAS”
Novidade na terceira temporada da série Bom Dia,
Verônica — que estreia na Netflix na quarta 14 —, o artista
de 48 anos fala do desafio de atuar em uma trama sobre
abuso sexual e de dar um ruidoso beijo gay em cena

PERIGOSO O ator na produção: “Vai ser impactante


para o espectador”

ALISSON LOUBACK/NETFLIX

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A série Bom Dia, Verônica — que trata de violência


contra a mulher e abuso sexual — conta agora com seu
personagem, Jerônimo, um criador de cavalos miste-
rioso e sedutor. Como foi construí-lo? Fui trabalhando
pouco a pouco, desconstruindo umas coisas e tentando
encontrar uma verdade para o personagem dentro desse
universo que é (sem querer dar spoiler)eugenista. Ele
acredita que precisa ser puro, que precisa ter uma linha-
gem pura, e eu tentei imaginar como seria estar na pele de
alguém assim.

Quais são as intenções de Jerônimo? Ele expressa uma


série de elementos absurdos que estão presentes no mundo
em que vivemos — e é baseado em casos de pessoas sobre as
quais eu encontrei referências na internet. Infelizmente,
existem bases reais nessa história. Deparei no Instagram
com indivíduos horríveis como ele.

As conexões incômodas com abusadores reais torna-


ram mais difícil interpretá-lo? Foi duro, como sempre
é num momento em que você investiga a escuridão, em
que precisa entrar em um lugar com essa complexidade.
O trabalho do ator é mergulhar e se despir um pouco das
coisas. Só que nunca é fácil: é desafiador, dolorido, mas
também ensina muito. Essa é uma série com personagens
que fazem coisas terríveis e levantam questões a serem
debatidas no mundo de hoje, como a vaidade que nos exi-

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ge nada menos do que a imagem da perfeição. Os perso-


nagens trazem uma série de provocações para serem dis-
cutidas nas nossas vidas.

Foi proposital conferir um corpo malhado a um tipo tão


perverso? Sim, eu tive uma preparação física que decidi fa-
zer porque achei que precisava para o personagem. Vi que
ele requisitava esse tipo físico musculoso.

Na nova temporada você protagoniza um beijo gay com


outro ator conhecido (cujo nome é aqui omitido para não
estragar a surpresa). Como espera que o público reaja à
cena? De fato, é uma cena forte e chocante, mas que está
completamente dentro da história. Não tem nada de gratuito
nesse beijo — eu até entendo que possa ser visto como tal, mas
o fato é que eu tive um grande companheiro de cena, que eu já
conhecia, mas com quem ainda não tinha contracenado.

E foi difícil? Não. Nós trabalhamos muito esse momento, en-


saiamos, conversamos com o autor, Raphael Montes, e o dire-
tor, José Henrique Fonseca, porque é uma cena que envolve
bastante técnica. E precisava causar impacto: o resultado sur-
preende, e acho que vai ser impactante para o espectador. ƒ

Kelly Miyashiro

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DATAS

NO CANTO OPOSTO

ARCHIVES DU 7EME ART/PHOTO12/AFP

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O que seria de Rocky Balboa sem Apollo


Creed? No primeiro longa da série, de 1976 — ven-
cedor de três Oscar, inclusive o de melhor filme —
o personagem de Sylvester Stallone desafia o in-
vencível campeão dos pesados, Apollo, de 46 vitó-
rias e 46 nocautes, interpretado por Carl Wea-
thers. Da fama planetária e perene da criação de
Stallone, o “garanhão italiano”, não há muito mais
a dizer. O extraordinário foi o sucesso do adversá-
rio, pensado para ser o homem mau da trama. Da-
li para a frente, Weathers, que tivera rápida carrei-
ra no futebol americano, não parou de crescer.
Fez outros três filmes da franquia. Em Rocky
IV — e o spoiler aqui é necessário —, Apollo mor-
re no ringue ao enfrentar o soviético Ivan Drago.
Soou inverossímil, mas era um modo de Holly-
wood acenar para a crise internacional imposta
pela Guerra Fria. “Nunca teria conseguido o que
fizemos com Rocky sem ele”, disse Stallone. “Sua
voz, seu tamanho, seu poder, sua habilidade atléti-
ca, mas, mais importante ainda, seu coração, sua
alma”. Recentemente, Weathers fez sucesso na te-
levisão em The Mandalorian, derivado de Star
Wars. Ele morreu em 1 de fevereiro, aos 76 anos.

CINEMA Weathers (à dir.): o ator de Apollo


Creed, o antagonista de Rocky Balboa

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O ÚLTIMO PASSARINHO
Antes de mais nada convém recitar, como uma poesia, a
escalação da seleção que entrou em campo para vencer a
Copa do Mundo de 1958, em Estocolmo: Gilmar; Djalma
Santos, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito e Didi; Gar-
rincha, Pelé, Vavá e Zagallo. Com a morte de Zagallo, no
início do mês, não há mais nenhum jogador do escrete bra-
sileiro titular vivo. Do lado da Suécia, atropelada por 5 a 2,
apenas o atacante Kurt Hamrin, conhecido como “o passa-
rinho”, sobrevivera ao tempo. Ele morreu em 4 de fevereiro,
em Florença, na Itália, aos 89 anos. Hamrin é um dos gran-
des ídolos da história do Fiorentina, clube pelo qual marcou
203 gols, mais do que qualquer outro atleta.

JAN COLLSIOO/TT NEWS AGENCY/AFP

GOLS Kurt Hamrin, atacante sueco que jogou a final da Copa


de 1958 contra o Brasil: carreira na Itália

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ORLANDO BARRÍA/EFE
NO PODER Sebastián Piñera: presidente do Chile
entre 2010 e 2014 e, depois, entre 2018 e 2022

O DESFECHO DE UM CICLO
Formado em engenharia, com mestrado e doutorado em
economia na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o
chileno Sebastián Piñera foi o primeiro presidente chileno
de direita desde o golpe de Augusto Pinochet, em 1973 — a
quem sempre criticou pelo autoritarismo e pela violência.
Governou o país durante dois períodos, entre 2010 e
2014 e entre 2018 e 2022, eleito pelo voto popular. No mais
recente mandato, enfrentou maciças manifestações de rua,
em 2019, contra o aumento do custo de vida, reprimidas
com vigor exagerado. Piñera foi sucedido por Gabriel Boric,
de esquerda. Ele morreu em 6 de fevereiro, aos 74 anos, de-
pois de um acidente de helicóptero em Lago Ranco, na re-
gião central do Chile. Era ele quem pilotava a aeronave. ƒ

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FERNANDO SCHÜLER

A TRAIÇÃO DOS
INTELECTUAIS?
A IMAGEM é chocante. Aquele vídeo da mulher fanática
invadindo uma pequena loja, em Arraial d’Ajuda, e agredin-
do a lojista judia. O que surpreendeu foi o dia seguinte. “Não
sou antissemita”, disse a agressora. Seria o quê, exatamente?
Vai aí a imagem trágica de uma doença do nosso tempo. A
doença que leva militantes a achar boa a ideia de boicotar
empresas judias. O gosto amargo daquelas manifestações de
dezenas de grupos acadêmicos de Harvard, acusando Israel
como “inteiramente responsável” pelo barbarismo contra
seu próprio território. Ou quem sabe a constatação irônica do
jornalista David Herman, de vivermos um tempo em que
“você pode pedir genocídio contra os judeus, mas está frito
se discutir a questão dos direitos trans”.
Não me surpreendo. São as hierarquias da cultura. Sem-
pre convivemos com a ideia da “barbárie tolerável”, e não
haveria de ser diferente, agora. Quando o grupo palestino
Setembro Negro fez aquele atentado na Olimpíada de Muni-
que, em 1972, sequestrando e matando onze atletas e diri-
gentes israelenses, algo parecido aconteceu. Jean-Paul Sar-

1|6
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tre escreveu um texto dizendo que havia uma “guerra” entre


Israel e os palestinos e que “a única arma dos palestinos é o
terrorismo”. “Uma arma terrível”, reconheceu, mas “a única
que os pobres oprimidos” poderiam usar para “mostrar sua
coragem e seu ódio”.
Ninguém, que eu saiba, fez uma defesa assim tão explícita
do terrorismo, por agora, como Sartre. Mas andamos muito
perto disso. Foi este o tema de um artigo duro escrito pelo his-
toriador Niall Ferguson. O artigo faz referência a um livro clás-
sico de Julien Benda, no entreguerras, A Traição dos Intelec-
tuais, sugerindo uma não tão sutil semelhança da atual incli-
nação política de boa parte da academia americana, e sua rela-
tivização do terrorismo, com a capitulação do mundo universi-
tário alemão ao nazismo, nos anos 1930. “Apenas se nossas
grandes universidades conseguirem restabelecer a separação
entre a ciência e a política”, diz ele, “terão a certeza de evitar o
destino de Marburg e Königsberg”. Ferguson exagera.
É falta de senso de proporção comparar o que se passa
no mundo woke atual com a Alemanha nazista. Ferguson
acerta quando faz uma referência a Weber. Mais especifica-
mente, ao discurso “A Ciência como Vocação”, dado em Mu-
nique, no final da I Guerra Mundial. Seu argumento era de
que ciência e política são terrenos essencialmente distintos.
A ciência deseja a verdade. É sua paixão. Diante de novas
evidências, o cientista precisa estar disposto a “trair” sua hi-
pótese, ou sua tese por inteiro, desde que isso o faça chegar
mais perto da verdade. A política inverte a equação: seu pro-

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DUELO Ideias: Sartre (à esq.) aderiu à URSS; Camus


denunciou a opressão

blema é como fazer a realidade convergir em uma certa di-


reção. Seu foco é a “missão”, não a verdade. Por isso essas
coisas jamais deveriam se misturar.
Ferguson sugere que tudo piorou na última década, com
seus cancelamentos, sua paranoia em torno das “microa-
gressões”, o reino dos ativistas nas universidades e as hordas
de valentões de sofá, nas redes sociais. Seu erro é imaginar
que os intelectuais tenham “traído” um pacote de valores as-
sociados à liberdade individual, ao qual nunca juraram fide-
FOTOS DOMINIQUE BERRETTY/GAMMA-RAPHO/GETTY IMAGES E KEYSTONE-FRANCE/GAMMA-RAPHO/GETTY IMAGES

3|6
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“Sempre
convivemos com a
intolerável tese da
‘barbárie aceitável’ ”
lidade. Por vezes esquecemos que a grande tradição liberal
que vem de Montaigne, Locke, Madison, Voltaire ou John
Stuart Mill expressa apenas um pedaço da formação moder-
na. É sua a base de valores que Ferguson sugere ter sido traí-
da, nestes tempos difíceis, por boa parte do nosso progressis-
mo intelectual. Seu exemplo talvez mais eloquente seria
aquela frase da reitora de Harvard, Claudine Gay, no Con-
gresso americano, dizendo que dependeria do “contexto” pu-
nir uma defesa do genocídio de judeus, na universidade. A
traição é o duplo padrão. O fato óbvio que ela não flexibiliza-
ria em relação a outros grupos humanos, sejam mulheres,
negros, indígenas, pessoas trans, um tipo de violência que ela
friamente relativizou em relação aos judeus.
Não acho que seja um bom caminho julgar uma frase, de
modo isolado, em um debate difícil. O que de fato incomoda
é uma mistura do duplo padrão, no julgamento, com uma di-
fusa relativização do terrorismo, a que tantas vezes assisti-
mos. Thomas Sowell capturou bem o problema, em sua “So-

4|6
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ciologia dos Intelectuais”, sugerindo que ao menos uma parte


desse problema se deve ao tipo de relação que os intelectuais
estabelecem com a verdade. A lógica é próxima à de Weber.
Se um engenheiro erra no cálculo de uma viga de concreto, o
edifício desmorona, e ele será processado. Vale o mesmo pa-
ra um médico-cirurgião. Nada disso se passa com os intelec-
tuais, chamados a falar sobre infinitos assuntos, sobre os
quais entendem muito pouco (a economia é o caso mais ób-
vio), ou sobre os quais costumam ter ideias preconcebidas. E
tudo bem. Foi assim que Sartre pôde atestar “a mais comple-
ta liberdade de pensamento” na União Soviética e o Hamas
pôde surgir como um legítimo grupo de resistência contra
uma potência opressora. E, igualmente, tudo bem. O erro de
Sowell talvez seja o de confundir a atividade intelectual com
um tipo de “sabedoria” para julgar com base em critérios e
bom senso. E em especial reconhecer, à moda socrática,
aquilo que não se sabe. E que, portanto, não se deve julgar.
O problema é de fundo ético. Quando Albert Camus lan-
çou seu O Homem Revoltado, em 1951, irritou Sartre e boa
parte da intelligentsia francesa ao sugerir que a “revolta” de-
veria se dirigir contra toda forma de opressão, independente-
mente de onde viesse. Camus foi chamado de “idealista”.
Adepto de uma “moral de cruz vermelha”. O próprio Sartre
entrou em campo, dizendo que vivíamos em um “mundo di-
vidido” e que era preciso escolher entre a adesão ao sovietis-
mo ou a “fuga”. A indiferença diante da “opressão”. Era pre-
cisamente a armadilha fácil na qual Camus se recusava a

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cair. Em seu caderno de notas, ele reconhece sua solidão. Em


uma carta à esposa, Francine, diz estar “pagando caro por
aquele livro”, sobre o qual reconhece suas dúvidas. “Tenho
dúvidas sobre mim mesmo”, escreve. Tivesse apenas certe-
zas, é provável que estivesse ao lado de Sartre, marchando
em algum pelotão intelectual.
Camus havia sido um dos poucos intelectuais franceses a
acolher o dissidente polonês Czesław Miłosz. Miłosz depois
ganharia o Nobel de Literatura e deixaria um relato duríssi-
mo sobre o comunismo na Polônia. Fez o mesmo com dissi-
dentes de todos os lados, agindo como um equilibrista, na
corda bamba, sem rede de proteção. Sua lição foi exatamente
aquela esquecida por Claudine Gay e boa parte da militância
acadêmica, por estes meses: a recusa do duplo padrão. Foi
também a mensagem que Niall Ferguson buscou retomar: a
de que a “rebeldia” não significa adesão a esta ou aquela po-
sição política, mas o oposto: a fidelidade a um conjunto de
valores e critérios que devem valer para todos, sem exceção.
E cuja defesa, não raro, implica a mais profunda solidão. Um
lugar incômodo, mas talvez o único a que a passagem do
tempo pode conceder um secreto sentido de honra. ƒ

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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SOBEDESCE

SOBE
DONALD TRUMP
Se conseguir viabilizar sua
candidatura nos Estados Unidos,
restam poucas dúvidas de que
será um adversário duríssimo: na
pesquisa mais recente, ele aparece
5 pontos à frente de Joe Biden.

NOVO NORDISK
A empresa farmacêutica
dinamarquesa fechou acordo
de 59 bilhões de reais para
expandir a produção de
drogas como o Ozempic.

MARCUS D’ALMEIDA
O arqueiro brasileiro é líder do
ranking mundial da modalidade
e favorito a uma medalha inédita
para o país nos Jogos de Paris.

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DESCE
PREVI
A Justiça afastou pela segunda
vez o presidente do fundo, João
Luiz Fukunaga, por falta de
experiência do historiador e
sindicalista para assumir o cargo.

MCDONALD’S
A multinacional enfrenta
crise na Espanha, onde
franqueados processam a
rede por fraude e coerção.

CORINTHIANS
O clube virou motivo de piada
devido a trapalhadas de sua
nova presidência, dívidas
cobradas nos tribunais e risco
de ser rebaixado no Campeonato
Paulista. Um vexame.

2|2
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VEJA ESSA
INSTAGRAM @ALCIONEAMARROM

“Meu pai não deixava a gente ir


ao samba. Só podíamos ir às
brincadeiras de bumba meu boi.”
ALCIONE, 76 anos, ao lembrar de seus primórdios com a
música, em São Luís do Maranhão

1|4
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“Pé de caju que dou... Pé de caju que dá.”


TRECHO DO SAMBA-ENREDO DA MOCIDADE
INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL. Um dos autores da
letra repleta de trocadilhos de duplo sentido, brincalhona, é o
humorista Marcelo Adnet

“Ser rico é algo


“O PT nunca que se herda,
saiu de mim.”
e ser pobre
MARTA SUPLICY, ao
também.”
retornar ao partido depois
de nove anos fora. Ela será MARISA PAREDES, atriz
candidata a vice-prefeita espanhola, de infância difícil
de São Paulo na chapa de
Guilherme Boulos, do PSOL
“É crucial lutarmos
contra o
“O prefeito é antissemitismo e
do meu partido. qualquer forma de
A escolha de vice discriminação.”
era do PT
e decidiram pela GERALDO ALCKMIN,
Marta. Ela que vice-presidente da
responda pelas República, ao repudiar a
contradições agressão verbal e física,
dela.” com um tapa no rosto,
IVAN VALENTE, contra uma comerciante em
deputado federal pelo Arraial d’Ajuda, na Bahia,
PSOL de São Paulo, que chamada de “sionista,
deixou o PT antes de Marta assassina de crianças” por
uma cliente

2|4
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“Não aceitaremos qualquer acordo, a


qualquer preço. (...) quero ser claro sobre a
nossa política: o objetivo principal é, antes
de mais nada, a eliminação do Hamas.”
BENJAMIN NETANYAHU, primeiro-ministro de Israel,
sem deixar dúvida nenhuma do que imagina para a guerra

“A estratégia de Biden é muito simples:


1) deixar entrar o maior número de pessoas
em situação ilegal nos EUA; 2) legalizar a
situação de todos para ter uma maioria
permanente, um país de um partido só.”
ELON MUSK, que não perde uma chance de escrever tudo o
que pensa, numa postagem na rede X, de sua propriedade

“Eles nunca tiveram isso de se


acharem superiores aos outros.
E preservaram hábitos como o de
andar com a gente na rua.”
SILVIA BUARQUE, filha de Chico e Marieta Severo

“25 anos limpa e sóbria.


Um dia de cada vez. 9 125 deles.”
JAMIE LEE CURTIS, atriz americana, ao comemorar a
distância do vício em opioides, que teria sido deflagrado depois
de uma cirurgia de correção das pálpebras

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INSTAGRAM @ANGELICAKSY

“As meninas
hoje em dia
têm acesso a
informações
que a gente
não tinha,
então a
gente
achava que
era tudo
normal. Foi no
começo da
minha carreira,
com 12, 13, 15
anos.”
ANGÉLICA,
apresentadora de TV, 50
anos, ao comentar os
recorrentes episódios de
assédio masculino

4|4
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RADAR
ROBSON BONIN

Com reportagem de Gustavo Maia,


Nicholas Shores e Ramiro Brites

O assunto téis. Mauro Cid foi um dos


Comandante do Exército, temas, segundo uma fonte
Tomás Paiva teve uma da caserna.
conversa com Alexandre
de Moraes, do STF, nos Questão de ordem
dias que antecederam a A situação é surreal. Cid es-
ação da Polícia Federal tá metido até o pescoço
contra o golpismo bolso- com o golpismo, mas segue
narista instalado nos quar- apto à promoção a coronel,
PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

FORA Cid: atolado no golpismo bolsonarista,


ele não será promovido a coronel

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já que não há nada formali- Não honram as estrelas


zado contra ele no STF. Daí As mensagens de Augusto
a angústia de Paiva em sa- Heleno e de Braga Netto na
ber o que ocorrerá com Cid trama golpista descoberta
no Supremo. pela PF tiraram o brilho que
restava sobre a dupla em al-
Pode esquecer guns setores do Exército.
Punido ou não pelo gol- “Baixaria total. Aqui, todo
pismo, Cid pode esquecer mundo de cabeça baixa”,
a promoção. Ainda que o diz um importante militar
STF demore para acertar da caserna.
as contas com o tenente-
coronel, o comandante do Tiro nas costas
Exército já decidiu: Cid Na frente, Braga Netto e
jamais chegará a coronel Heleno se diziam amigos do
na caserna. então comandante do Exér-
cito, Freire Gomes. Pelas
Unidos contra o golpe costas, tramavam contra o
Na quinta, um importante “cagão”, por não aderir ao
investigador da Polícia Fe- golpe. “Deveriam estar pre-
deral revelou que a insti- sos”, diz um interlocutor do
tuição está afinada com o comando.
Exército na investigação
do golpismo bolsonarista Doce ilusão
instalado na caserna: “O Aliados de Bolsonaro conti-
comandante Paiva tem nuam acreditando que ele
nos ajudado”. vá derrubar a inelegibilida-

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de na Justiça. Como? Com daqui, o PL teria que brigar


uma canetada do ministro com o União. Não seria in-
Nunes Marques. teligente”.

Melhor esperar sentado Marca histórica


Marques será o presidente Ao fazer 78 anos, 3 meses e
do TSE durante as eleições 10 dias de idade nesta sema-
de 2026. Esse sonho bolso- na, Lula se tornou o mais
narista, no entanto, está velho presidente da história
muito longe de virar reali- deste país. Superou Michel
dade. O capitão está inelegí- Temer.
vel e assim ficará.
Desabafo presidencial
A dupla Cai-chelle Na segunda, depois do dis-
Se tudo der errado, aliados curso de Arthur Lira, Lula
de Bolsonaro já têm um pla- recebeu Rodrigo Pacheco.
no: filiar Ronaldo Caiado ao “O que Lula falou sobre o Li-
PL e lançar Michelle de vi- ra é impublicável. Chamou
ce do governador goiano. de gângster pra cima”, diz
“Com o Bolsonaro pedindo um aliado do Planalto.
votos, seria imbatível”, diz
um graduado bolsonarista. É o que dá pra fazer
O PT estima que terá can-
Daqui ele não sai didatos a prefeito em meta-
Um cacique do União Bra- de das 99 maiores cidades
sil, ciente desse plano, ad- do país. Uma meta bem
verte: “Para tirar o Caiado modesta.

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Estado dividido nas, foram vistos por alia-


Governador do Rio, Cláu- dos de Eduardo Paes como
dio Castro rompeu relações uma tentativa do Planalto
com o vice-governador, de fortalecer o nome de
Thiago Pampolha. Eles Anielle Franco como vice
simplesmente não estão se do prefeito para a eleição
falando. deste ano.

Fator político Sonho grande


Os vazamentos do caso O MDB é bem mais ambi-
Marielle, há algumas sema- cioso que o petismo, sobre
as eleições. “Vamos traba-
lhar para eleger 900 pre-
feitos no país”, diz Baleia
Rossi, cacique da sigla.

Em busca de pistas
Conduzido por Dias Tof-
foli no STF, o inquérito
contra Sergio Moro avan-
ça a passos largos. Recen-
GUSTAVO MORENO/SCO/STF

temente, o ministro no-


meou um delegado para
tocar o caso. Com a equi-
NO RASTRO Toffoli: ele pe toda montada, é hora
escalou um delegado para de ir a campo atrás de pro-
investigar Sergio Moro vas contra o ex-juiz.

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Perdeu tração O francês vem aí


A adesão dos endivida- O francês Emmanuel Ma-
dos ao Desenrola Brasil cron virá ao Brasil entre os
anda devagar, quase pa- dias 26 e 28 de março. Terá
rando. Nos primeiros cin- agendas na Amazônia —
co meses do programa, possivelmente na fronteira
foram contemplados, em com a Guiana Francesa —,
média, 2,1 milhões de no RJ, em SP e em Brasília.
pessoas por mês. Desde
dezembro, o ritmo caiu Parceria militar
para 400 000. Em SP, Macron se encon-
trará com investidores. No
Libera aí Rio, visitará com José Mú-
O Banco do Brasil tem difi- cio os submarinos da Mari-
cultado o acesso a crédito nha construídos em parce-
de empresas do setor de ria com a França.
Defesa, responsável por
milhares de empregos no Meu amigo espanhol
país. Lula já recebeu recla- Antes de Macron, no dia 6
mações e prometeu ajudar. de março, quem virá ao Bra-
sil será o espanhol Pedro
Em nome da paz Sánchez, um aliado de Lula.
Está em curso, no gover-
no, uma negociação para Minha primeira vez
acabar com a guerra entre Depois do Carnaval, Geral-
Alexandre Silveira e Jean do Alckmin vai debater so-
Paul Prates. bre “produtividade e taxa

5|6
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de investimento” numa re-


união com todos os conse-
lhos da Fiesp. Inédita, a
iniciativa é de Josué Go-
mes.

In memoriam
Morto num trágico aciden-
te aéreo, o ex-presidente
do Chile Sebastián Piñera
deixou gravado um depoi-
mento para o documentá-
rio 963 Dias, sobre a histó-
ria de Michel Temer no
Planalto.

Em grande estilo
Nomeado conselheiro do
CNMP na terça, Edvaldo
Nilo, um rico advogado de
Brasília, fechou um bada-
INSTAGRAM @CARLINHOSBROWN

lado restaurante no Clube


de Golfe da capital para
comemorar. A noitada pa-
UM LUXO Carlinhos: show ra centenas de convidados
exclusivo para conselheiro do teve shows de Carlinhos
CNMP em Brasília Brown e Jorge Vercillo. ƒ

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BRASIL JUSTIÇA

AS DIGITAIS
DO GOLPE
Polícia Federal atinge em cheio grupo acusado de
trama para evitar a posse de Lula. Entre os
conspiradores, vários militares, ex-ministros de Jair
Bolsonaro e o próprio ex-presidente, que teve o
passaporte retido e, segundo a mesma investigação,
participou ativamente da empreitada

ISABELLA ALONSO PANHO E LAÍSA DALL’AGNOL

CAPA: MONTAGEM COM FOTO DE CRISTIANO MARIZ

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DOCUMENTO BOMBÁSTICO
Segundo a PF, Filipe Martins
revisou com Bolsonaro a minuta
golpista que previa a prisão de
Moraes, Pacheco e
Gilmar Mendes

D
esde o início das investigações a respeito de uma tra-
ma urdida por personagens graúdos nos subterrâ-
neos do Palácio do Planalto, na Esplanada e nos ga-
binetes das Forças Armadas para melar o resultado
das eleições de 2022, suspeitava-se que a história
poderia complicar de vez a situação jurídica de Jair Bolsonaro
e, em última instância, a depender das provas, até mesmo
levá-lo à cadeia. Essa hipótese, antes considerada improvável,
ganhou um capítulo especial nesta semana. Está cada vez
mais evidente que um grupo ligado ao ex-presidente planejou
e queria executar um golpe de Estado no Brasil. Uma parte
dos conspiradores massificava notícias falsas sobre fraude nas

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urnas para justificar uma intervenção, enquanto outra tentava


convencer os comandantes militares a aderir. Havia ainda es-
truturas jurídicas e financeiras para bancar a ação e dar um
ar de legalidade ao que era flagrantemente ilegal. O perigoso
delírio autoritário chegou a ponto de serem discutidos deta-
lhes de uma minuta justificando a ação e combinando a prisão
de autoridades, entre elas, o presidente do Congresso, Rodri-
go Pacheco, e dois ministros do STF, Gilmar Mendes e Ale-
xandre de Moraes. Um acinte completo.
Essas revelações surgiram a partir de uma megaopera-
ção articulada pela Polícia Federal na manhã desta quin-
ta, 8, num total de mais de trinta mandados de busca e
apreensão e quatro prisões, entre elas, a de Filipe Martins,
ex-assessor de Bolsonaro que teria levado a minuta de gol-
pe para ele revisar. Autorizada pelo ministro Alexandre
de Moraes, a ação da PF ordenou ainda a retenção do pas-
saporte do ex-presidente (ele entregou o documento no
mesmo dia). Na véspera, Bolsonaro havia feito um comí-
cio em São Sebastião, no Litoral Norte de São Paulo, onde
é alvo de outro inquérito da PF, supostamente por impor-
tunar uma baleia durante um passeio de jet-ski numa
praia da cidade. Na aparição pública, diante de uma mul-
tidão de apoiadores, reclamou ser vítima de perseguição
política e, em entrevista a VEJA concedida pouco antes
do evento, revelou que ainda sonha em concorrer às elei-
ções ao Palácio do Planalto em 2026. Após a investida po-
licial, seu advogado Fabio Wajngarten reforçou a narrati-

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TON MOLINA/FOTOARENA

INQUÉRITO Moraes: delação de Mauro Cid deu impulso à


apuração dos crimes

va de assédio judicial sobre o ex-presidente, classificando


a operação como “totalmente descabida”.
A questão é que, caso confirmadas as investigações reali-
zadas até agora, será difícil — na verdade, impossível — des-
vincular Bolsonaro da trama golpista. Em entrevista ao site
de VEJA, na tarde da última quinta, o ex-presidente negou
que tenha revisado uma minuta golpista trazida por Filipe
Martins. “Eu não despachava com ele, nunca vi esse tipo de
documento, tampouco assinei algo parecido. Além disso,
ninguém dá golpe com documento em papel”, afirmou. O
inquérito da PF, no entanto, vai muito além dessa história.
No material mencionado na ação, os investigadores encon-
traram também um vídeo de uma reunião no dia 5 de julho

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de 2022. Nesse encontro, o ex-presidente pressiona minis-


tros palacianos a endossar o discurso de “fraude” do sistema
eleitoral. Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio de
Oliveira (Defesa) e Braga Netto estavam lá. Os auxiliares
militares, aliás, estão entre os alvos da investigação da Polí-
cia Federal — incluindo Augusto Heleno e Braga Netto — e
foram alvos de busca e apreensão na quinta.
O caso respingou ainda em aliados políticos, com desta-
que para Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de
Bolsonaro. Ele chegou a ser detido na manhã da mesma
quinta devido a uma arma de fogo encontrada em sua casa,
cujo registro estava no nome de outra pessoa, o que é ilegal.
Segundo a PF, o avanço das investigações relacionadas à
trama golpista demonstrou a instrumentalização do PL para
“financiar a estrutura de apoio a narrativas que alegavam
supostas fraudes às urnas eletrônicas”, de modo a legitimar
as manifestações que ocorriam em frente aos quartéis mili-
tares. Lançar desconfianças ao sistema de votação, vale
lembrar, fazia parte da pregação de Bolsonaro para vender a
ideia de que havia um complô destinado a evitar sua vitória.
Essa apuração do roteiro do golpe, não concretizado, feliz-
mente, ganhou impulso graças à colaboração decisiva do te-
nente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do então presi-
dente. Cid foi preso em maio de 2023 após diligências aponta-
rem ter participado de um esquema de fraude de cartões de
vacinação dele próprio e de integrantes da família Bolsonaro.
Depois disso, uma reportagem de VEJA revelou com exclusi-

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O TIMING DA AÇÃO Em
reunião realizada em 5 de julho
de 2022, com a presença do
então presidente, o chefe do GSI,
general Augusto Heleno, pediu

TON MOLINA/FOTOARENA
celeridade ao movimento, de
acordo com a investigação da PF

vidade que a Polícia Federal havia encontrado no celular do


tenente-coronel a principal evidência, até então, do planeja-
mento de um golpe: um documento de três páginas, de de-
zembro de 2022, que continha instruções do que seria feito
após a derrota de Bolsonaro e o passo a passo para sua conse-
quente retomada de poder. O plano incluía a anulação do plei-
to, o afastamento de ministros do STF que supostamente te-
riam interferido no resultado e a declaração de intervenção
militar no país até que novas eleições fossem realizadas.
Com o passar dos meses, as investigações da PF sobre
Cid se intensificaram. Em setembro do ano passado, confor-
me também foi antecipado por VEJA, o tenente-coronel fir-
mou delação premiada com a Polícia Federal, relatando sua

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CADÊ A TROPA?
Um dos maiores
entusiastas de uma
tentativa de golpe, Braga
Netto surge nas
investigações reclamando
de setores das Forças
Armadas que resistiam à

ALAN SANTOS/PR
ordem antidemocrática

participação em dois casos investigados pelo STF — o es-


quema dos cartões de vacinação e a tentativa de vender
joias, relógios, canetas e outros presentes recebidos por Bol-
sonaro durante o governo. Segundo Cid, os valores das ven-
das teriam sido repassados ao ex-presidente. Agora, a con-
tribuição do ex-auxiliar ganhou um novo capítulo. Segundo
a PF, informações reveladas pelo acordo de delação foram
cruciais para as operações desta quinta-feira, 8. De acordo
com a investigação, os relatos corroboram outras provas da
ocorrência de reuniões com Bolsonaro para tratar do golpe.
Como seria de esperar, a notícia repercutiu como uma bom-
ba no meio político. Entre os aliados de Bolsonaro, previsivel-
mente, as manifestações reforçaram a narrativa de vitimização

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do capitão e de “violação de prerrogativas” perpetrada pelo


Supremo Tribunal Federal, na figura do ministro Alexandre
de Moraes. Integrantes da ala mais ideológica ligada ao ex-pre-
sidente foram algumas das primeiras figuras a se manifestar.
“Sabemos como funciona o mecanismo. Muitos não acredita-
vam quando a gente falava e agora estão vendo tudo aconte-
cer”, publicou a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direi-
tos Humanos, Damares Alves. O senador Carlos Portinho
(PL-RJ), aliado de primeira hora do clã Bolsonaro, afirmou
que a operação quer “exterminar politicamente” adversários
de Lula. Vice-presidente do PL, o deputado federal Capitão
Augusto (PL-SP) saiu em defesa do presidente da sigla, Valde-
mar Costa Neto, preso por porte ilegal de arma na ocasião.
“Sublinhamos a importância dos princípios de ampla defesa e
do contraditório. Estamos confiantes de que todas as questões
serão devidamente esclarecidas”, publicou o parlamentar.
No campo político à esquerda, quem falou de imediato foi o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À rádio Itatiaia, ele defen-
deu que Bolsonaro tenha presunção de inocência, a “que eu não
tive”, afirmou, e se disse favorável à investigação correta dos fa-
tos e a eventual responsabilização dos erros. Sessenta anos após
o golpe militar de 1964, o Brasil se vê às voltas com a investiga-
ção de uma trama destinada a tirar o país dos trilhos da demo-
cracia, o que seria um retrocesso gigantesco. As evidências de
que essa conspiração realmente aconteceu são claras — e as
provas se multiplicam a cada semana. Que os responsáveis se-
jam punidos, sem exceção — com justiça, sem justiçamento. ƒ

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MURILLO DE ARAGÃO

AS CONTRADIÇÕES
DO PODER
Vivemos um presidencialismo com
alma parlamentarista

A ABERTURA do ano legislativo teve como destaque a


mensagem dura do presidente da Câmara, deputado Arthur
Lira (PP-AL). A mensagem externou a profunda insatisfação
de líderes partidários e de parlamentares em geral com cer-
tas atitudes e narrativas do governo. Sobretudo com o que
consideram falta de cumprimento de acordos firmados. Um
tema que incomodou, em especial, foi o veto de quase 6 bi-
lhões de reais no Orçamento às emendas de parlamentares
sob o argumento de contenção de despesas. Justificou-se a
medida sob a alegação de que o governo “perdeu” mais de 4
bilhões de reais com o fato de a inflação ter sido menor do
que a prevista para 2023! Para desgastar ainda mais os par-
lamentares, espalhou-se a narrativa de que o Congresso
queria dinheiro demais e que o Brasil permitia excessos com
as chamadas “emendas dos congressistas”.
No entanto, a questão não é simples. O debate sobre o as-
sunto costuma esbarrar no preconceito, na antipatia, e mui-
tos que opinam não fazem um bom dever de casa. Mesmo

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sem o veto presidencial, as emendas parlamentares soma-


riam, em 2024, menos do que os valores gastos em anos an-
teriores. Por exemplo, em 2021, a parte das verbas discricio-
nárias relativas aos congressistas chegou a 27%. Vale desta-
car que todas as emendas dos parlamentares não ultrapas-
sam 2% do orçamento total.
Mesmo com esse excesso, e para fazer uma conta de pada-
ria, o governo federal fica com 80% e o Congresso com 20%
das verbas discricionárias. Ou seja, o Executivo tem, e com
razão, quatro vezes mais verbas discricionárias à disposição
de 36 ministros do que o Congresso, que fica com 20% para
594 parlamentares de todas as unidades da Federação.
No passado recente, o dinheiro das emendas era usado
como barganha política para construir maiorias, favorecen-
do uma centralização na mão do governo federal. Na práti-
ca, o governo comprava maiorias e silenciava a oposição

“O dinheiro das
emendas era usado
como barganha política.
Na prática, o governo
comprava maiorias”
2|3
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com as emendas. Com o aspecto mandatório da execução


das emendas dos parlamentares, o Congresso ganhou mais
autonomia, independentemente de o parlamentar ser ou não
de oposição ao governo.
Obviamente, a situação incomoda o governo, que queria
tanto o dinheiro que perde para as emendas quanto a condição
de usá-lo como instrumento de cooptação política.
Assim, não vejo nenhum problema no fato, desde que as
verbas das emendas parlamentares sejam utilizadas de for-
ma adequada e submetidas aos organismos de controle de
contas. No entanto, a narrativa corrente não esclarece que:
a) o governo tem mais verbas discricionárias a seu dispor; b)
o gasto de qualquer verba orçamentária deve ser submetido
aos devidos controles; c) quase 90% do Orçamento da União
é carimbado com gastos obrigatórios.
Como já abordei recentemente, o Brasil vive o dilema entre
o centralismo, que converge o poder para um governo central
forte, e o federalismo, que distribui verbas e poderes entre es-
tados e municípios. Vive também outro dilema: temos uma
Constituição presidencialista com alma parlamentarista. Tais
contradições afloram nos debates de hoje.
Contudo, o que não se debate é a redução das vincula-
ções orçamentárias que engessam as políticas públicas e o
necessário corte de despesas. Só se fala em obter verbas e
mais verbas, que, no fim das contas, resultarão em aumento
da carga tributária. ƒ

3|3
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BRASIL POLÍTICA

“CERCADINHO”
RESISTENTE
Enquanto cresce o cerco a Bolsonaro, via nova
ação da PF, a popularidade dele se mantém entre
seus eleitores, como mostra pesquisa recente
LAÍSA DALL’AGNOL E VALMAR HUPSEL FILHO

COMÍCIO Nos braços dos seguidores, em São Sebastião, na


última quarta, 7: “Querem me tirar de combate, em definitivo”

CLÁUDIO GATTI

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A LONGA LISTA de investigações que atingem Jair Bolso-


naro ganhou um capítulo novo na quinta, 8, na forma de
uma operação da Polícia Federal autorizada pelo ministro
do STF Alexandre de Moraes que intimou o ex-presidente
em sua casa de praia, em Angra dos Reis, a entregar o pas-
saporte em 24 horas. A ordem está relacionada à apuração
de responsabilidades sobre a tentativa de golpe de Estado
após o resultado das eleições de 2022. O entorno do capitão
também foi duramente atingido, com quatro prisões e vinte
mandados de busca e apreensão. Na véspera, Bolsonaro ha-
via discursado em cima de um trio elétrico diante de uma
multidão de apoiadores em São Sebastião, no Litoral Norte,
mesmo após a PF desmarcar o depoimento agendado para
aquele dia, como peça de um outro inquérito que investiga
uma suposta importunação dele a uma baleia durante um
passeio de jet ski. O fato de estar no alvo de um caso assim
serviu de gancho para reclamar do que classificou como um
certo contra ele. “Querem uma condenação criminal para
me tirar do combate, em definitivo, em 2026”, afirmou. “Se
há democracia no país, minha inocência será reconhecida.”
Paradoxalmente, esse assédio judicial, que inclui de in-
vestigações de importunação de uma baleia à participação
em golpe de Estado, passando também por venda de joias
do patrimônio público e apuração de responsabilidade sobre
um esquema ilegal de espionagem da Abin, não produziu
até agora nenhum estrago visível na popularidade do ex-
-presidente. Em certa medida, até o ajudou a voltar a insu-

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RANIER BRAGON/FOLHAPRESS

QG O capitão em sua casa em Mambucaba:


conversas diárias com eleitores

flar parte de sua massa de eleitores com a narrativa de per-


seguição política. A capacidade de resistência dele foi quan-
tificada em um novo levantamento do Instituto Paraná Pes-
quisas. Entre os dias 24 e 28 de janeiro, a empresa ouviu
2026 eleitores em todos os estados e questionou em quem
eles votariam para presidente se a eleição fosse hoje, colo-
cando o capitão como uma das opções. No cenário princi-
pal, Lula alcança 36,9% e Bolsonaro, 33,8%, um empate
dentro da margem de erro, que é de 2,2 pontos percentuais.
Na simulação de uma hipotética reedição do segundo turno
de 2022, há um novo empate dentro da margem de erro: Lu-
la tem 43,9% e Bolsonaro, 41,9%. “Os números mostram

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que o quadro político continua extremamente polarizado”,


diz o diretor do Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo. “Isso é
bom para os dois. Por isso é que nem Lula nem Bolsonaro
desceram do palanque”, afirma.
Encomendada pelo PL, o partido de Bolsonaro, a pes-
quisa foi feita principalmente para medir a popularidade do
ex-presidente — evidentemente, o cenário de uma nova dis-
puta presidencial entre Lula e Bolsonaro não é factível hoje,
devido à inelegibilidade do ex-presidente. Ainda que seja
pouco provável uma reviravolta nesse decisão, os aliados
do ex-presidente confiam no retorno do capitão a tempo de
disputar novamente o Palácio do Planalto. “Nosso candida-
to vai ser ele”, diz Valdemar da Costa Neto, presidente do
PL. “Se não puder ser candidato, ele que vai escolher quem
será.” Bolsonaro é um dos mais confiantes numa virada.
Questionado no dia do comício em São Sebastião pela re-
portagem de VEJA sobre a possibilidade de ser candidato
em 2026 (confira a entrevista no final da matéria), respon-
deu: “Pretendo, sim. E olha que a gente tem muita coisa que
pode acontecer aí”.
Se não acontecer nada que precipite uma reviravolta, o
levantamento do Paraná Pesquisas mostra que a força de
Bolsonaro como cabo eleitoral em 2026 será fundamental
a qualquer nome que tente se cacifar no campo da direita.
Prova maior disso é que o instituto testou o cenário no qual
a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro seria a candidata.
Quando entra na lista, Michelle aparece com 23%, enquan-

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to Lula tem 37,6%. A ex-primeira-dama supera Ciro Gomes


(9,3%), Romeu Zema (6,5%), Ratinho Jr. (5,1%), Ronaldo
Caiado (1,9%) e Helder Barbalho (0,9%). Na disputa direta
apenas com Lula, Michelle alcançaria 38,7%, ante 45,4%
do petista. O desempenho dela é superior ao do governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), quando

LIDERANÇA RESILIENTE
Levantamento mostra que tanto o ex-presidente como
a ex-primeira-dama seriam muito competitivos contra
o PT em 2026
Intenção de voto estimulada, em %

CENÁRIO 1 CENÁRIO 2
LULA LULA
36,9 37,6
JAIR BOLSONARO MICHELLE BOLSONARO
33,8 23
CIRO GOMES CIRO GOMES
7,8 9,3
RATINHO JR. ROMEU ZEMA
3,9 6,5
ROMEU ZEMA RATINHO JR.
3,9 5,1
RONALDO CAIADO RONALDO CAIADO
1,2 1,9
HELDER BARBALHO HELDER BARBALHO
0,8 0,9

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ele a substitui na lista. Ele aparece com 17,4%, numa distân-


cia maior de Lula (37,4%). Ciro (10,3%), Ratinho Jr. (6,2%),
Zema (5,8%), Caiado (2,1%) e Helder (1,1%) completam a
lista. Num hipotético segundo turno, Lula teria 45,8% e
Tarcísio, 34,6%.
Tanto o ex-presidente quanto Lula terão um novo teste
sobre a capacidade deles como cabos eleitorais nas eleições
municipais de 2026, sobretudo em São Paulo, onde estão
concentradas as maiores atenções. Na maior metrópole do
país, Lula apoia o psolista Guilherme Boulos e, recentemen-
te, num gesto para forçar a nacionalização do pleito, traba-

SIMULAÇÕES DE 2º TURNO

CENÁRIO 1
LULA
43,9
JAIR BOLSONARO
41,9

CENÁRIO 2
LULA
45,4
MICHELLE BOLSONARO
38,7

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LULA COMO CABO ELEITORAL


Qual será o impacto do apoio do presidente
a um candidato a prefeito

1,6% 31,6%
NÃO SABE AUMENTA

31,3% 35,4%
DIMINUI NÃO ALTERA

lhou para trazer de volta ao PT Marta Suplicy, ex-secretária


de Ricardo Nunes, prefeito do MDB em campanha à reelei-
ção com o apoio de Bolsonaro. Para o capitão, uma das mis-
sões prioritárias do ano é derrotar Boulos e a esquerda em
São Paulo. A despeito desses apoios de peso, a tendência é
que a influência deles numa eleição como a paulistana não
seja decisiva. O levantamento do Paraná Pesquisas aferiu o
grau de influência que o apoio de Bolsonaro tem sobre a de-
cisão de um eleitor votar em um candidato ou candidata, e
29,2% disseram que aumenta, 42,6% que não altera e 25,3%
que diminui. No caso de Lula: 31,6% disseram que aumenta,
35,4% não altera e 31,3% diminui. O PL tem outras pesqui-

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ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/AGÊNCIA O GLOBO

À ESQUERDA Boulos, Marta e Lula:


nacionalização da disputa municipal

sas que corroboram essa impressão de peso relativo dos ca-


bos eleitorais nas cidades. “Uma eleição municipal não tem
tanto esse critério de direita ou esquerda. O eleitor quer sa-
ber se tem merenda na escola, se tem médico no posto de
saúde, se tem vaga na creche”, diz Duda Lima, marqueteiro
do partido.
O Paraná Pesquisas ainda perguntou aos eleitores se en-
tendiam que Bolsonaro foi injustiçado pela decisão do TSE
que o tornou inelegível. A maioria (48,4%) faz coro às quei-
xas do ex-presidente de que a decisão foi injusta. Um exem-
plo de como Bolsonaro investe cada vez mais na narrativa
de perseguição está relacionado à recente busca que a PF

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PARTIDO LIBERAL/DIVULGAÇÃO

ALTERNATIVA A ex-primeira-dama
Michelle: testada como herdeira do marido

realizou na casa de praia de sua família em busca de provas


do envolvimento de Carlos Bolsonaro no escândalo da Abin
de espionagem de adversários políticos. Na ocasião, um veí-
culo de imprensa divulgou que um computador da Abin ha-
via sido apreendido em poder do Zero Dois. A informação
foi corrigida horas depois, mas o ex-presidente reclama do
caso até hoje. Antes do comício de São Sebastião, ele vinha
mantendo abertas as portas de sua casa de praia em Mam-
bucaba, em Angra, para conversar com eleitores sobre seus
temas preferidos, como o potencial do nióbio, e posar para
fotos. Esse comportamento informal e o gosto de falar como
povão no “cercadinho”, como o próprio capitão batizou o
QG de Mambucaba, causa ainda alguma perplexidade entre

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BOLSONARO COMO CABO ELEITORAL


Qual será o impacto do apoio de Bolsonaro
a um candidato a prefeito

2,9% 29,2%
NÃO SABEM AUMENTA

25,3% 42,6%
DIMINUI NÃO ALTERA

os aliados, que anseiam por uma agenda mais profissional


de encontros políticos e de ações de campanha. “Mas ele
sempre fez tudo ‘errado” e deu certo”, pondera um aliado,
lembrando dos tempos em que ele chegou ao Palácio do Pla-
nalto fazendo campanha com um celular e sendo seguido
por uma entourage que cabia dentro de uma Kombi. Boa
parte dos brasileiros nunca irá esquecer alguns dos muitos
erros de seu governo, com destaque para a tragédia dos
700 000 mortos durante a pandemia. É preciso ainda ver
até que ponto as investigações sobre ele podem de fato incri-
miná-lo. A certeza do momento é a de que, no país polariza-
do, como mostra a pesquisa, o “cercadinho” tem se mostra-
do mais resistente do que muitos imaginavam. ƒ

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“PRETENDO SER CANDIDATO”


Na última quarta, 7, Jair Bolsonaro falou com VEJA a respeito
de temas como as decisões da Justiça que o atingem e os ce-
nários políticos de 2024 e 2026:

Por que o senhor reclama que está sendo perseguido? É a tal


da pescaria probatória e estão pescando dentro de uma piscina. Querem
talvez uma condenação criminal para me tirar do combate, em definitivo,
em 2026. Essa perseguição comigo, enquanto é em cima de mim apenas,
eu suporto. Mas e quando vêm para cima da família? O que o Carlos (Bol-
sonaro) tem a ver com Abin paralela? É pra desviar a atenção, porque a
Abin fez um relatório responsabilizando o governo Lula por, no mínimo,
omissão nos atos de 8 de janeiro.

Tem esperança de reverter a inelegibilidade a tempo de con-


correr em 2026? Não posso entender que o Supremo Tribunal Federal
não me dê ganho de causa. Não vou nem citar a senhora Dilma Rousseff,
que não ficou inelegível com a cassação dela por uma manobra do Senado
Federal. O próprio Lula, quando tirado da cadeia, na segunda instância, de-
pois teve condenações anuladas no Supremo Tribunal Federal e passou a
ser elegível. Não quero fazer comparação com ele, não quero criticar na-
da, mas, no meu entender, não tem nenhum crime cometido por mim para
ganhar um carimbo de inelegível.

Então sonha mesmo em poder se candidatar em 2026? Pre-


tendo, sim, tá? Não posso acreditar que chegando ao Supremo, seis ou

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mais (ministros) confirmem a sanção imposta pelo TSE.

Caso não se confirme essa possibilidade, o senhor já tem


em mente qual será o seu herdeiro político? Eu quero o bem do
meu Brasil. Obviamente eu pretendo, havendo a possibilidade, vir a ser
candidato. Caso não haja essa possibilidade, a gente vai ter muita água
até lá para pensar no assunto.

Qual é sua expectativa para 2026? Não vai dar para lançar candi-
dato nos quase 5 700 municípios, mas acredito que em pouco mais de
2 000 cidades, sim. A gente pode fazer uns 140 deputados federais e no
mínimo 20 senadores.

O levantamento do Paraná Pesquisas mostra que sua popu-


laridade continua dividindo a população com a de Lula, mes-
mo após o senhor ter sido alvo de várias investigações. Qual
a explicação? A direita acordou. Não é o bolsonarismo. Acho que es-
se termo aí devia ser deixado de lado. A direita acordou, o conservadoris-
mo acordou e nós começamos a descobrir a importância da família e da
liberdade. Coisas básicas.

Como avalia o desempenho até aqui do governo Lula? Torço


pelo meu país. Gostaria de apresentar boas notícias deste governo, mas
não tem. O debate da reforma tributária está aí aberto. Tem um monte de
tributarista tentando entender isso daí. Lula diz que defende os pobres,
mas está com uma sanha arrecadatória muito grande. Eu até apelidei a
economia do Haddad e do Lula de “menos vacas, mais leite”. Não dá certo.

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BRASIL PODER

DESUNIDOS
DO PLANALTO
As disputas internas, os embates políticos e os
interesses eleitoreiros que ameaçam
comprometer a harmonia, atrapalhar a evolução
e atravessar o samba do país DANIEL PEREIRA

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O CARNAVAL tem um importante componente político.


Com diferentes graus de liberdade e ousadia, marchinhas
e sambas-enredos traduzem e ecoam o sentimento popu-
lar. Há espaço para reparações históricas: “Tem sangue re-
tinto pisado / atrás do herói emoldurado / mulheres, ta-
moios, mulatos / eu quero um país que não está no retrato”
(Mangueira, 2019). Há crítica a mazelas sociais, como a
miséria e a fome: “Xepa, de lá pra cá xepei / sou na vida

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MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

um mendigo / na folia eu sou rei” (Beija-Flor, 1989). E há


também, claro, ironias a certas autoridades e seus privilé-
gios: “Aí quem me dera seu eu fosse um marajá / ganhasse
a vida sem precisar trabalhar /mas acontece que é só a mi-
noria que desfruta a mordomia / nessa tal democracia”
(Unidos da Tijuca, 1988). De forte apelo popular, a festa é
uma sonora caixa de ressonância. Diante das câmeras da
TV, o então presidente Itamar Franco, um polemista por
natureza, iniciou um affair com uma modelo em pleno
sambódromo. Jair Bolsonaro, por sua vez, em seus primei-
ros dias no Palácio do Planalto, convulsionou as redes so-
ciais ao replicar um vídeo de dois homens praticando gol-

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“FOI BOM TE VER OUTRA VEZ


TÁ FAZENDO UM ANO
FOI NO CARNAVAL QUE PASSOU
EU SOU AQUELE PIERRÔ
QUE TE ABRAÇOU E TE BEIJOU,
MEU AMOR...”
ENREDO Congresso: depois de um
ano, as relações entre os poderes
estão bem menos amistosas

den shower durante a folia. Era o prenúncio do cercadinho,


onde fantasia e realidade se misturavam como se não hou-
vesse amanhã.
Em 2009, quando surfava uma onda de alta aprovação,
Lula acompanhou o desfile na Marquês de Sapucaí. Agora,
deve optar pelo recolhimento. Além do clima de polariza-
ção reinante no país, o petista precisa organizar os salões
do poder, onde disputas internas, embates políticos e inte-
resses eleitoreiros podem atrapalhar a harmonia, atraves-
sar o samba e comprometer a evolução de um governo que,
apesar dos contratempos de seu principal oponente, ainda
não conseguiu deslanchar no gosto popular. Nesse enredo,

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um personagem central é o deputado Arthur Lira (PP-AL),


presidente da Câmara. Lula e Lira não são amigos nem
têm uma relação de proximidade. Na eleição de 2022, esti-
veram em trincheiras opostas, já que o parlamentar apoiou
o fracassado projeto de reeleição de Jair Bolsonaro. Apesar
disso, por pragmatismo de lado a lado, o presidente da Re-
pública e o deputado estabeleceram um diálogo no ano
passado, que foi marcado por uma tensão permanente,
mas rendeu frutos aos dois. O governo aprovou sua pauta
econômica no Congresso, e Lira conseguiu para o seu gru-
po político espaços generosos na máquina federal, com
destaque para o Ministério do Esporte e o de Portos e Ae-
roportos e o comando da Caixa Econômica Federal.
No balanço de 2023, Lula cedeu mais do que queria a
Lira, que não conseguiu tudo o que desejava, mas o impor-
tante é que a dupla — aos trancos e barrancos — conduziu
o país a avanços, como nos casos do novo marco fiscal e
da reforma tributária. Já era esperado que a tensão entre os
dois continuaria em 2024. A largada, no entanto, foi pior
do que se imaginava. Na abertura dos trabalhos do Legis-
lativo, Lira teceu duras críticas ao governo e reforçou uma
ofensiva deflagrada nos bastidores pela demissão do mi-
nistro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, res-
ponsável pela articulação política e acusado de não cum-
prir acordos firmados com os congressistas. “Seguiremos
firmes na prática da boa política, pressuposto mais do que
necessário para o exercício da própria democracia. E a boa

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“Ô ABRE ALAS
QUE EU QUERO PASSAR
Ô ABRE ALAS
QUE EU QUERO PASSAR
EU SOU DA LIRA
NÃO POSSO NEGAR
EU SOU DA LIRA
NÃO POSSO NEGAR...”
política, como sabemos, apoia-se num pilar essencial: o
respeito aos acordos firmados e o cumprimento à palavra
empenhada”, declarou o presidente da Câmara. “E é por
nos mantermos fiéis à boa política e ao cumprimento de
todos os ajustes que firmamos que exigimos como natural
contrapartida o respeito às decisões e o fiel cumprimento
aos acordos firmados com o Parlamento”, acrescentou. A
fala parece genérica, mas os motivos das estocadas são
bem específicos.
Líder do Centrão, bloco conhecido por apoiar qualquer
governo desde que devidamente compensado com cargos
e verbas orçamentárias, Lira ficou descontente com a deci-
são do presidente Lula de vetar 5,6 bilhões de reais em

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LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL


ALEGORIA Lira: rusgas com Padilha
(à dir.) podem prejudicar projetos

emendas de comissão. Na gestão de Bolsonaro, deputados


e senadores conseguiram nacos cada vez maiores do Orça-
mento da União. Esse processo continuou sob o governo
Lula, que, no entanto, tentou colocar um freio na sangria
com o veto às emendas de comissão e a imposição de re-
gras para a liberação de verbas pelo Ministério da Saúde,
que, conforme os parlamentares, ocorre de forma insatis-
fatória. Como parte do jogo de pressão, Lira e líderes parti-
dários até assinaram um requerimento pedindo esclareci-
mentos sobre os parâmetros utilizados pela pasta para de-
sembolsar os recursos indicados por deputados e senado-

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res. “O Orçamento da União pertence a todos e todas e não


apenas ao Executivo, porque, se assim fosse, a Constitui-
ção não determinaria a necessária participação do Legisla-
tivo em sua confecção e final aprovação”, disse Lira na ses-
são do Congresso.
Outro motivo de queixa é a medida provisória editada
por Lula que, na prática, reverte duas decisões tomadas
pelos parlamentares. Por orientação da equipe econômica,
o presidente reonerou dezessete setores da economia e re-
vogou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de
Eventos (Perse), a fim de aumentar a arrecadação federal e
ajudar nos esforços destinados a garantir o cumprimento
da meta de déficit primário zero em 2024, fixada pelo mi-
nistro da Fazenda, Fernando Haddad. Em reação à inicia-
tiva presidencial, diferentes frentes parlamentares pedi-
ram ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
que devolvesse a MP como forma de tornar nula a reone-
ração. Isso ainda não ocorreu, mas o governo está nego-
ciando um meio-termo nesse ponto específico. A polêmica
no caso do Perse é menor, mas não irrelevante. Alguns
parlamentares têm empresas de eventos, são potenciais be-
neficiários do programa e não aceitam a sua revogação. O
próprio Lira tem uma empresa de vaquejada, mas, numa
conversa com Haddad, garantiu nunca ter usufruído dos
benefícios tributários agora combatidos pela equipe eco-
nômica, os quais chamou de “conquista” na abertura dos
trabalhos do Legislativo.

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EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO

A queda de braço sobre o Perse se tornou ainda mais


renhida depois de o próprio Haddad ter alertado líderes e
empresários de que a Receita Federal está apurando a sus-
peita de que o programa pode ter sido usado para lavar di-
nheiro de atividades ilícitas. A investigação tem como base
o fato de o custo do Perse, que era estimado em 4,4 bilhões
de reais, ter atingido 17 bilhões de reais no ano passado.
Mesmo com tantos pontos de atrito na mesa de negocia-
ção, Lira garantiu que não romperá com o governo: “Erra-
rá ainda mais quem apostar na omissão desta Casa, que

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“EI, VOCÊ AÍ,


ME DÁ UM DINHEIRO AÍ
ME DÁ UM DINHEIRO AÍ
NÃO VAI DAR?
NÃO VAI DAR NÃO?
VOCÊ VAI VER
A GRANDE CONFUSÃO...”
HARMONIA Haddad: o ministro
da Fazenda tem a difícil tarefa
de conciliar interesses do governo,
dos petistas e do país

tanto serve e serviu ao Brasil, em razão de uma suposta


disputa política entre a Câmara e o Executivo”. Apesar do
festival de críticas, o deputado não quer romper com o go-
verno. Longe disso. Não foi mencionado em seu discurso,
mas a sua principal preocupação é outra: ele quer o apoio
de Lula ao nome que indicará para concorrer à presidência
da Câmara em fevereiro de 2025. Quer inclusive tratar do
assunto pessoalmente com o presidente ainda em feverei-
ro. A eleição para a sucessão na Casa é crucial para os pla-
nos políticos do deputado e determinará com qual tama-

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nho e prestígio político ele voltará à planície. Nos corredo-


res do Congresso, diferentes cenários são traçados.
Se o nome apadrinhado por Lira vencer, diz-se que o
deputado continuará como protagonista, poderá pleitear
até um cargo de ministro e preservará instrumentos pode-
rosos para pavimentar sua candidatura ao Senado em
2026. Se o candidato dele sair derrotado, a tendência é Li-
ra ter seu poder esvaziado, o que pode limitar seu horizon-
te político. Em 2023, Lula apoiou a recondução de Lira ao
comando da Câmara por puro pragmatismo. Como os par-
tidos de esquerda elegeram bancadas minoritárias, o go-
verno e o PT não tinham condições de lançar concorrente
ao posto e, por isso, preferiram não comprar briga com o
favorito, o que poderia render problemas futuros, como
bem ensinou a tentativa frustrada da então presidente Dil-
ma Rousseff de impedir a eleição de Eduardo Cunha, espé-
cie de preceptor de Lira. Escaldado por derrotas de candi-
datos petistas em eleições anteriores, inclusive em seu pri-
meiro mandato, Lula costuma dizer que não cabe ao go-
verno se envolver na disputa pela chefia da Câmara. Não é
bem assim. Se perceber que o nome escolhido por Lira é o
franco favorito, o presidente marchará com ele. Se houver
chances reais de colocar um aliado de primeira hora no
cargo, o Planalto e o PT não medirão forças para isso. O
tempo joga a favor de Lula — e isso incomoda Lira.
O deputado está atento aos sinais. Aliado histórico do
PT, o PSB deixou o bloco formado por Lira na Câmara. Já

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TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

MESTRE-SALA Lula: giro pelos


principais colégios eleitorais mirando 2026

“EU LEVO A VIDA PENSANDO


PENSANDO SÓ EM VOCÊ
E O TEMPO PASSA E EU VOU ME ACABANDO
NO BALANCÊ, BALANCÊ...”
a presidente petista, deputada Gleisi Hoffmann, declarou
que o partido pode lançar concorrente na Casa. Nomes in-
fluentes da bancada do partido defendem o apoio a alguém
de outra legenda, como o deputado Antonio Brito, líder do

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PSD, ou o deputado Marcos Pereira, presidente do Repu-


blicanos, que tem se aproximado de Lula. Hoje, se depen-
der de Lira, o futuro presidente da Câmara será Elmar
Nascimento, líder do União Brasil. Nascimento é um exem-
plo clássico das voltas que o mundo dá. Ele não virou mi-
nistro de Lula porque o chefe da Casa Civil, Rui Costa, seu
adversário político na Bahia, vetou seu nome. Naquela
época, Lira chegou a sugerir ao presidente da República a
demissão de Costa, de quem depois se aproximou e com
quem criou um canal de interlocução, escanteando o mi-
nistro Padilha. Na sessão de abertura dos trabalhos do Le-
gislativo, Lira e Costa confraternizaram alegremente. Ig-
norado, Padilha tangenciou a polêmica e preferiu brincar
com as palavras. Numa entrevista, disse ser ministro de
Relações Institucionais, e não de relações interpessoais.
No Planalto, corre a versão de que Lira quer a demissão
de Padilha porque ele é um anteparo à ministra da Saúde,
Nísia Trindade. A queda de um abriria caminho para a
exoneração da outra, aumentando as chances de o Centrão
finalmente realizar o seu antigo sonho de controlar a pas-
ta. Desde o início do governo, são recorrentes as queixas
dos congressistas quanto à articulação política do governo.
Com tantos ruídos, a tendência é que caberá a Fernando
Haddad, como ocorreu em 2023, tomar a frente das nego-
ciações. O ministro assumiu sob forte desconfiança de em-
presários, banqueiros e congressistas, mas conseguiu re-
verter expectativas econômicas e políticas. Sua missão

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mais imediata é destravar os nós da reoneração e do Perse,


defender a responsabilidade fiscal e impulsionar a ativida-
de econômica. Tudo isso depende da boa vontade do Con-
gresso. Boa vontade que Lira provavelmente terá caso sele
um acordo com Lula. Boa vontade que, por enquanto, apa-
rentemente está em falta na Praça dos Três Poderes. Duas
reuniões do ministro com parlamentares para tratar do
Perse foram agendadas e depois desmarcadas.
No Brasil, costuma-se dizer que o ano só começa de fa-
to após o Carnaval. Não é assim no reino da política, onde
os blocos e seus líderes competem de forma permanente.
Os objetivos de cada um estão devidamente traçados. Lira
quer eleger seu sucessor e, depois de deixar o cargo, conti-
nuar com acesso livre ao Planalto. Lula conta com o apoio
dos parlamentares para destravar projetos importantes,
fortalecer o governo e aumentar suas chances de reeleição
em 2026, quando duelará com a força do bolsonarismo. Já
Haddad, um equilibrista em meio a tantos interesses difu-
sos, trabalha para se consolidar como sucessor natural do
presidente no PT e na esquerda. Resta saber se esses proje-
tos pessoais, tensões e disputas resultarão na moderniza-
ção do país e no seu desenvolvimento. Como é tempo de
folia, “sonhar não custa nada / o meu sonho é tão real”
(Mocidade, 1992). ƒ

14 | 14
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BRASIL JUSTIÇA

ATÉ LOGO MAIS!


O agora senador Flávio Dino será empossado como
ministro do Supremo Tribunal Federal para um
mandato que, em tese, irá até o ano de 2043 —
mas só em tese MARCELA MATTOS
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

DESPEDIDA Dino e Lula: o ex-ministro é considerado uma


ameaça real à hegemonia do PT na sucessão do presidente

1|8
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FLÁVIO DINO deixou o cargo de ministro da Justiça no


início do mês, reassumiu o mandato de senador e, daqui a
duas semanas, será nomeado ministro do Supremo Tribunal
Federal. Em menos de 25 dias, portanto, ele será dono de
um feito notável: terá ocupado postos de destaque nos três
poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário.
Dino começou sua carreira pública como juiz federal, depois
decidiu ingressar na política, deixou a magistratura, filiou-
se ao PCdoB, elegeu-se deputado federal, governador do
Maranhão e, em 2022, conquistou a cadeira de senador pelo
PSB. Convidado pelo presidente Lula para o ministério, per-
maneceu 13 meses no cargo, retornou ao Congresso para
uma rápida temporada como parlamentar e, no próximo dia
22, será empossado no STF. Em tese, ficará no cargo pelos
próximos dezenove anos, até abril de 2043, quando comple-
tará 75 anos de idade, data-limite para a aposentadoria. Em
tese porque nada indica que o senador pretende encerrar de-
finitivamente sua carreira política.
Nas últimas semanas, VEJA conversou com aliados, ami-
gos e ex-auxiliares da mais estrita confiança do ex-ministro.
Todos — sem exceção — relatam uma história diferente da
que foi contada sobre a decisão dele de deixar o Ministério
da Justiça. Pela versão oficial, Dino estaria esgotado, preci-
sava urgentemente cuidar da saúde e, pressionado pela fa-
mília, pediu ao presidente para ser nomeado ao STF. Lula,
mesmo a contragosto, teria então aceitado o pedido. O que
aconteceu, segundo os relatos, foi o oposto disso. Dino não

2|8
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TON MOLINA/FOTOARENA

NO GOVERNO Demarcações: crítica ao radicalismo e


defesa do entendimento

pediu para sair do governo, não pediu para ir ao Supremo,


não foi pressionado pela família e nem pretende encerrar a
carreira política aos 55 anos de idade. Ao contrário. Ele nun-
ca escondeu de ninguém o desejo de disputar a Presidência
da República. Poderia ser em 2026, se, por alguma razão,
Lula não se candidatar à reeleição, o que hoje é improvável,
ou em 2030, quando estará em jogo a sucessão do próprio
Lula. Por mais paradoxal que pareça, esse desejo está na
raiz do retorno do ex-ministro à magistratura.
Nos treze meses em que esteve no governo, Flávio Di-
no conseguiu algo inédito. Pela tradição, os ministros
mais conhecidos costumam ocupar algum posto ligado à

3|8
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SERGIO LIMA/AFP

NO CONGRESSO 8 de Janeiro: projeto proíbe


acampamento próximo a quartel

área social do governo, como Saúde e Educação. Os mi-


nistérios mais sensíveis, como Fazenda e Casa Civil, nor-
malmente são comandados por potenciais candidatos a
presidente. Já o Ministério da Justiça é uma vitrine de pro-
blemas. O ministro lida com temas como criminalidade,
penitenciárias, terras indígenas, polícia, direitos humanos
— assuntos que, quase sempre, são fonte de notícias nega-
tivas. Dino, porém, dominava os debates nas redes sociais,
passou a ser o auxiliar mais pesquisado no Google e, ato
contínuo, entrou na mira da oposição com convocações
em série para comparecer ao Congresso. Diante de depu-
tados e senadores, não se intimidava, recorrendo a debo-

4|8
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che e sarcasmo contra os adversários, o que lhe garantiu


ainda mais holofotes. O problema foi quando o tiroteio
passou a vir também do lado amigo.
Os petistas mais ideológicos batiam de frente com al-
guns dos posicionamentos do ministro. Ele, por exemplo,
não aderiu aos discursos radicais durante o debate sobre o
marco temporal para as terras indígenas, pregava o enten-
dimento entre a área ambiental e econômica e também di-
zia que os ruralistas não deveriam ser retirados à força.
“Nós não vamos resolver problema social com polícia”,
afirmava. Dino, por outro lado, buscou fazer acenos às po-
lícias — categoria instrumentalizada pelo governo de Jair
Bolsonaro —, enfrentou disputas por indicações em tribu-
nais superiores e também se viu às voltas com um movi-
mento para desmembrar a pasta, o que minaria parte de
seu poder. Certa vez, perguntado se tinha pretensão de dis-
putar o Planalto, ele ressaltou que o candidato era Lula,
mas, se não fosse, havia uma lista grande de pretendentes
no campo da esquerda — e se incluiu entre eles.
A popularidade crescente incomodou muitos dos seus
colegas de ministério, especialmente aqueles que eram cita-
dos por Dino na lista de “presidenciáveis do campo da es-
querda” — todos petistas. A proximidade dele com Lula
também gerava rumores e ciumeira. Os dois mantinham um
canal direto e se encontravam com frequência, ao contrário
do que acontece com a maioria dos outros figurões do parti-
do, que precisam recorrer a assessores como intermediários

5|8
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EDILSON DANTAS/AGÊNCIA O GLOBO

ELEIÇÕES Tabata Amaral, pré-candidata à prefeitura de São


Paulo: o PSB, partido do senador, vai enfrentar a chapa de petista

e nem sempre conseguem falar com o presidente. Some-se a


isso o fato de que o PT ainda não tem um nome definido co-
mo sucessor natural do atual presidente.
“A ida do Flávio ao Supremo está associada a um ingre-
diente que agrada ao PT, o de anulá-lo como um potencial
concorrente em 2030. Ele sempre disse que poderia pensar
num projeto majoritário nacional depois do Lula”, diz um
aliado do ex-ministro. E completa: “Ele foi convidado a sair
do governo”. Dino demonstrava entusiasmo com a função
de ministro da Justiça — o que não se pode dizer de quando
ele foi convidado pelo presidente para assumir o STF. Quem
conversou com o senador afirma que ele ficou “arrasado”
com a “missão” que lhe foi conferida pelo presidente. “Tal-

6|8
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vez seja a única pessoa que esteja indo triste para o Supre-
mo”, ressalta um importante interlocutor do ex-ministro,
acrescentando que ele entendeu que não poderia rejeitar a
proposta e garantiu sua permanência no posto ao menos en-
quanto o petista ocupar o Planalto.
Flávio Dino terá uma curta temporada no Congresso antes
de aterrissar no Supremo. Na última semana, ele estreou a ca-
deira de senador. Caminhando pelos corredores, foi abordado
diversas vezes para tirar fotos e receber abraços — o que aten-
deu de pronto e sorridente. Também lhe foram rendidas ho-
menagens no plenário e ele chegou a assumir, por alguns mi-
nutos, a função de presidente. O senador também aproveitou
para fazer o que mais gosta: discursar. Falou sobre segurança
pública — com elogios às polícias —, prestou contas ao Mara-
nhão e criticou a artilharia do Congresso contra o Supremo. O
senador também protocolou projetos de lei. Um deles impede
acampamentos em frente a quartéis militares. Lembrando do
8 de Janeiro, a medida, afirma, seria uma forma de prevenir e
reprimir crimes contra o Estado democrático de direito. Ou-
tra proposta estabelece uma bonificação extra aos policiais
que agirem com “excepcional dedicação e bravura”.
Em seus últimos momentos como ministro da Justiça,
Flávio Dino fez um pronunciamento no qual citou ter esva-
ziado as gavetas “com muita dor no coração” e se emocionou
ao passar o bastão para o ministro Ricardo Lewandowski.
Lula também rendeu afagos ao ex-auxiliar. “Não pensem que
as pessoas aqui vão festejar a sua saída. As pessoas estão tris-

7|8
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ALEXANDRE SEVERO/DIVULGAÇÃO

ROMPIMENTO Campos: desafio ao PT e tragédia


antes da eleição de 2014

tes com a sua saída”, disse o presidente. Os dois trocaram um


afetuoso abraço. Os líderes de seu partido, por sua vez, recla-
mam da perda de espaço político. O PSB perdeu o Ministério
de Portos e Aeroportos para o Centrão e não contará com o
apoio de Lula na campanha de Tabata Amaral à prefeitura
de São Paulo. Internamente, Dino era visto como a principal
esperança da legenda de voltar ao centro do palco. “É como
se um novo avião tivesse caído”, compara um importante di-
rigente da legenda. Em 2014, no auge da campanha eleitoral,
o ex-governador Eduardo Campos (PSB) morreu num aci-
dente aéreo, depois de romper uma aliança política com o PT
e se lançar candidato a presidente da República. “A diferença
é que dessa vez há sobrevivente”, diz o pessebista. ƒ

8|8
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RICARDO RANGEL

AOS VENCEDORES,
AS BATATAS...
...quentes de uma disputa que terá
um único perdedor: nós

NA REABERTURA dos trabalhos legislativos, o presidente


da Câmara, Arthur Lira, fez um discurso recheado de amea-
ças ao Executivo. E o Supremo não perde por esperar: no
Congresso, fala-se em limitação das decisões monocráticas,
mandato com tempo fixo, redução da idade de aposentado-
ria e até concordância prévia do Legislativo para ações con-
tra parlamentares (!).
Executivo e Supremo não são vítimas inocentes. Lula po-
deria ter feito um governo de coalizão e garantido apoio no
Congresso. Preferiu governar só com sua turma e o Centrão,
fórmula já testada antes com resultados conhecidos e desas-
trosos. O presidente investe no confronto (até as minorias,
que em geral o apoiam, insulta), defende a gastança, o de-
senvolvimentismo e o aparelhamento que levaram o país à
lona. Mas quer que os outros cortem custos. Por que será
que colhe tanto mau humor?
Sun Tzu ensinou que quem conhece seu inimigo e a si
mesmo vencerá todas as batalhas. Lula, que não leu A

1|3
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Arte da Guerra e parece não se lembrar de quem é, nem


do que é o Centrão (bloco de “moral homogênea”, diria,
talvez, o deputado Márcio Moreira Alves), coleciona
derrotas no Congresso.
Os parlamentares ameaçam derrubar o veto aos 5,6
bi que pretendem empregar em obras eleitoreiras etc. (o
“etc.” é um perigo). E devolver a MP da reoneração, com
que Lula tenta derrubar a derrubada do veto com o qual
tentou derrubar o redobre da desoneração (não, política
brasileira não é simples).
No Supremo, o ministro Dias Toffoli suspendeu, sozi-
nho e sem motivo convincente, multas bilionárias de
uma empresa cliente de sua mulher e de outra cujo presi-
dente, segundo a Crusoé, se referia ao ministro como
“amigo do amigo do meu pai”. Na ponta oposta, mandou
investigar a Transparência Internacional, que o citou co-

“O presidente investe
no confronto, defende
a gastança e o
aparelhamento que
levaram o país à lona”
2|3
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mo um dos motivos para a queda do Brasil no ranking


de corrupção.
Ministros do Supremo falam pelos cotovelos, mas não
falam em levar ao plenário as medidas de Toffoli. Nem
cogitam apreciar a decisão de Ricardo Lewandowski so-
bre as estatais, que permitiu seu aparelhamento com gen-
te sem qualificação e de moral duvidosa. E acham nor-
mal ministro ser empresário, dar palestra remunerada se-
creta, ter parente representando junto ao tribunal.
É positivo que o Congresso queira combater excessos
e desvios, mas não é isso que o anima contra os outros
poderes. Lira quer recuperar os 5,6 bi, derrubar o articu-
lador político do governo no Congresso e obter o apoio
de Lula para seu candidato à presidência da Câmara. E
mudar de assunto em relação ao escândalo da Perse (o
“etc.” da vez). Lira nunca foi de querer pouco.
Com o Supremo, a bronca é porque os parlamentares
acham que a Corte toma decisões sobre temas que per-
tencem a eles mesmos, não aos juízes. Temas sobre os
quais “eles mesmos” nunca decidem. Na prática, o que
defendem é o vácuo legal. E tem as buscas e apreensões
da investigação do 8 de Janeiro, que estão deixando par-
lamentares em pânico — e em busca de im(p)unidade.
Enfim, não há ninguém certo.
A briga deve continuar, sem vencedores claros. Sobra-
rão batatas (quentes) para todos.
Para nós, sobrará a conta. ƒ

3|3
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BRASIL LEGISLAÇÃO

APOSTA ERRADA
O Ministério da Fazenda se prepara para evitar
que a regulamentação das empresas de jogatina
esportiva on-line vire uma guerra fiscal entre
estados e a União ADRIANA FERRAZ

BOLADA O vice-governador do Paraná, Darci Piana (no


centro): recebimento de cheque referente às primeiras licenças

LOTTOPAR

1|6
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FOI NO APAGAR DAS LUZES, como costumavam dizer


os antigos locutores esportivos de rádio. No final de 2023, a
Câmara finalmente aprovou a regulamentação do mercado
de apostas esportivas on-line, as chamadas bets, cuja lei foi
sancionada na sequência pelo governo de Luiz Inácio Lula
da Silva. O Ministério da Fazenda, de Fernando Haddad, te-
ve papel essencial no jogo, criando regras para melhorar a
segurança do negócio, tanto para empresas quanto para
apostadores, e abrindo espaço à tributação do setor, que po-
de render até 15 bilhões de reais em impostos e outorgas em
2024, segundo as estimativas. Parecia tudo certo até que al-
guns estados entraram em campo de forma apressada, dis-
postos a disputar com a União uma fatia dessa bolada. Téc-
nicos da pasta de Haddad já apitaram a ilegalidade e se pre-
param para brecar esse tipo de jogada.
Enquanto todos aguardavam novos lances do Ministério
da Fazenda, que estipulou um período de transição de seis
meses para poder definir detalhes do regramento, o governo
federal e as empresas foram pegas de surpresa por iniciativas
dos governadores Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Cláudio
Castro (PL), do Rio. Eles começaram a enviar notificações às
empresas exigindo o pagamento de uma outorga de 5 milhões
de reais para que possam vender suas apostas nesses estados.
Os avisos vieram acompanhados de ameaças de veto a opera-
ções e até mesmo a ações de marketing. A investida provocou
uma correia de tensão que chegou até os clubes de futebol, ho-
je muito dependentes do patrocínio das companhias de apos-

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CARLOS MAGNO/GOVERNO DO RJ

COBRANÇA Cláudio Castro: exigência de outorga


de 5 milhões de reais

tas. O receio dentro do mercado é que as ações estaduais pro-


voquem uma indesejada instabilidade jurídica, justamente no
momento em que, após cinco anos de espera (a lei que liberou
a loteria das bets é de 2018), a União assumiu sua responsabi-
lidade de juiz e passou a apitar as regras da partida.
Os governos do Paraná e do Rio se escoram numa bre-
cha para tentar lucrar com o negócio das bets — no caso,
uma decisão de 2020 do Supremo Tribunal Federal que
acabou com o monopólio da União sobre a exploração das
loterias. “Só fomos mais céleres que a União”, afirma Daniel
Romanowski, diretor-presidente da lotérica paranaense, a
Lottopar. Além de Rio e Paraná, o governo da Paraíba já

3|6
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CRISTIANO MARIZ/AGÊNCIA O GLOBO

REAÇÃO Fernando Haddad: publicação de novas


portarias para clarear regras

abriu credenciamento e o de Minas criou sua própria bet.


Entre os atrativos oferecidos pelos estados está o valor da
licença, já que a taxa nacional pode custar seis vezes mais,
chegando a 30 milhões de reais. O avanço no negócio tem
potencial não apenas para provocar uma confusão jurídica,
mas uma guerra fiscal. Para o presidente da Associação Na-
cional de Jogos e Loterias (ANJL), Wesley Cardia, compete
à Fazenda regrar rapidamente o mercado e assim impedir
situações, segundo ele, ilegais. “Como um estado pode le-
gislar sobre publicidade, por exemplo? E como operadores
licenciados no Rio podem vender para o país inteiro? Se es-
sa regra valer, não haverá motivos para se cadastrar nacio-

4|6
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nalmente”, critica. Advogados


de bets alertam ainda para o ris-
co de outros estados entrarem
na disputa com valores ainda
menores de outorga e de alíquo-
134 tas de imposto de renda sobre o
É O NÚMERO DE Gross Gaming Revenue (GGR),
EMPRESAS que é a diferença entre o valor
QUE JÁ
PROCURARAM
arrecadado com as apostas e o
O GOVERNO pago em prêmios. A União pre-
PARA FAZER O vê taxas de 12% — o Rio cobra
PROCESSO DE 5%, e o Paraná, 6%.
LEGALIZAÇÃO
A discussão está quente no
Ministério da Fazenda, que pro-
mete agir. Segundo apurou a re-
portagem de VEJA, a pasta prepara a edição de ao menos
doze portarias para reforçar que a regulamentação está em
curso e que, por hora, as bets não podem ser alvo de san-
ções por gestores estaduais. Até o fim desse período, a equi-
pe de Haddad promete entregar a regulamentação comple-
ta, incluindo as normas para emissão de outorgas estaduais
de forma que não canibalizem as federais. Além disso, há a
preocupação de criar um sistema de fiscalização capaz de
barrar tentativas de fraudes fiscais, como a de uma bet com
licença local permitir apostas de jogos no restante do país.
No Rio, por exemplo, o sistema da Loterj exige apenas uma
declaração do apostador sobre o seu endereço.

5|6
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Depois de anos operando em uma zona cinzenta, as bets


e a sociedade brasileira esperam de forma urgente, mas sem
atropelos, uma definição clara e definitiva sobre o que irá
valer. O número de empresas que responderam ao chamado
de interesse da Fazenda (134) mostra que o mercado não
quer mais ficar fora do campo legal. De acordo com a Fa-
zenda, as loterias estaduais podem atuar no mesmo cam-
peonato, mas os limites ainda serão definidos. Por isso, os
que avançaram no jogo antes de a bola rolar com as novas
regras estipuladas correm o risco de ficar impedidos. ƒ

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RADAR ECONÔMICO
VICTOR IRAJÁ

Com reportagem de Diego Gimenes,


Felipe Erlich e Pedro Gil

ALVO Unidade da Dasa: Rede D’Or, Bradesco e Amil


estão de olho no negócio

Saúde em dia laboratórios — mas agora


Apesar de negar o interes- surgiram rivais possivel-
se na compra do grupo de mente interessados no ati-
saúde Dasa, a Rede D’Or vo. É o caso da Bradesco
segue atenta à empresa de Saúde e da Amil.
ART-EXPLORER.COM/DIVULGAÇÃO

1|3
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Na porta de casa que perderam o apetite pelo


A pandemia mudou hábi- negócio diante do colapso
tos de consumo dos brasi- de uma mina de sal da pe-
leiros. Atualmente, o iFood troquímica em Maceió.
contabiliza 430 milhões de
reais mensais de receitas Favoritos
geradas em compras de su- O fundo de investimento
permercado — antes da dos Estados Unidos Apollo
eclosão do vírus, eram 5 e a estatal de petróleo dos
milhões de reais. Emirados Árabes Adnoc
são cada vez mais favori-
Novos voos tos para levar a petroquí-
A companhia aérea Azul mica brasileira.
acompanha de perto o pro-
cesso de recuperação judi- De braçada
cial da Gol nos Estados Incorporadora paulista
Unidos. A iniciativa abriu que viralizou na semana
um front para que a Azul passada com as piscinas
avance sobre ativos da ri- de acrílico em varandas, a
val, como desejado há mui- Atmosfera projeta 260
to tempo. milhões de reais em ven-
das neste ano. Um dos
Desistência projetos a serem lançados
Empresas brasileiras que es- contará com a maior pis-
tavam interessadas na com- cina de acrílico do Brasil,
pra da Braskem já admitem, com raia de 25 metros nu-
em conversas reservadas, ma cobertura.

2|3
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Descobridor dos teligência de mercado


sete mares Geofusion mostra que o
consumo de álcool duran-
A MSC Cargo, braço de
te a folia deverá subir. No
transporte de mercadorias
ano passado, os gastos so-
da italiana MSC, companhia
maram 8,9 bilhões de
de navegação famosa pelos
reais, um salto de 30% so-
cruzeiros, busca oportunida-
bre o volume de 2021.
des no mercado brasileiro.
Em sua mira estão empresas
do ramo de logística.
Na contramão
A indústria global de video-
games demitiu 4 000 funcio-
Na folia nários neste início de ano,
As vendas de passagens aé- mas ao menos no Brasil o
reas para viagens a negócios mercado vai bem. No Rio de
deverão afundar 30% em fe- Janeiro, um dos principais
vereiro em relação à média polos do país, o setor cresceu
anual, segundo pesquisa da no ano passado 25% em fa-
agência Voll. A culpa, como turamento e contratação. A
sempre ocorre nesta época informação vai constar na
do ano, é do Carnaval. próxima pesquisa anual da
Abragames, a associação que
Farra das bebidas reúne empresas do setor. ƒ
Já as fabricantes de bebi-
das alcoólicas fazem a fes- OFERECIMENTO
ta no Carnaval. Um levan-
tamento da empresa de in-

3|3
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ECONOMIA CONTAS PÚBLICAS

8 TRILHÕES DE REAIS.
E CONTANDO
Esse foi o valor alcançado pela dívida pública em
2023. Se o governo não controlar as contas e não
reverter a tendência de aumento, a situação pode
se agravar e ameaçar o desempenho da economia
PEDRO GIL

OUTRA VISÃO Haddad: na política praticada


pelo governo, o relevante é buscar novas receitas

ETTORE CHIEREGUINI/AGIF/AFP

1|9
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U
ma frase lapidar da música O Bêbado e a Equili-
brista, dos compositores João Bosco e Aldir Blanc,
expressou, com rara poesia, o fio tênue que sepa-
rava o otimismo do desalento nos tempos da dita-
dura militar: “A esperança dança na corda bamba
de sombrinha”. Décadas depois, a citação pode ser usada pa-
ra definir os desafios que estão diante do ministro da Fazen-
da, Fernando Haddad. Na linha de frente do governo, Had-
dad tenta equilibrar-se entre a responsabilidade fiscal e o
desejo irrefreável de seu chefe, o presidente Lula, de gastar.
Um novo sinal desse descompasso foi revelado na quarta-
feira, 7, quando o Banco Central divulgou os últimos dados
orçamentários de 2023. No ano passado, a dívida bruta do
setor público, compreendendo União, estados e municípios,
subiu para 74,3% do Produto Interno Bruto, alcançando 8,1
trilhões de reais. De forma simplificada, a dívida é resultado
dos empréstimos feitos por entes de governo com o objetivo
de custear a máquina pública. E, sob gestões petistas, as des-
pesas com a engrenagem estatal costumam explodir.
O resultado se deve ao déficit de 249 bilhões de reais que
o governo registrou em 2023, o pior desde a pandemia e o
segundo maior da história. Ainda que se considere que hou-
ve pagamentos extraordinários, como o de precatórios (leia
o artigo de Alexandre Schwartsman), foi um revés para o
ministro Haddad. “É impossível fazer política fiscal no Bra-
sil com um orçamento tão rígido e com o Executivo e o Le-
gislativo disputando onde vão gastar”, diz o economista

2|9
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Marcos Lisboa, que foi secretário de política econômica no


governo Lula 1.
É certo que o patamar da dívida pública não indica um
cenário de calamidade. Mas inspira preocupação. Especial-
mente pela sua linha de evolução. Quando se olha para o
histórico do Brasil, o crescimento médio anual da economia
nos últimos dez anos foi de 0,6%. Ao mesmo tempo, a dívida
aumentou de 51,5% em 2013 para 74,3% em 2023, repre-
WILLIAM VOLCOV/BRAZIL PHOTO PRESS/AFP

MEU PEDAÇO Lira: deputado quer


participar ativamente do orçamento

3|9
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sentando um avanço acima de 2% ao ano. Significa dizer


que, a cada 0,1 ponto percentual de crescimento do PIB, a
dívida subiu 0,4 ponto. Se essa proporção for mantida pelos
próximos anos, o cenário se complica. Atualmente, o Brasil
se aproxima da relação da dívida com o PIB de Índia (89%)
e China (77%). Mas esses são países de crescimento econô-
mico forte. Outros grandes emergentes, como México, Indo-
nésia e Turquia, têm dívidas que equivalem a menos de 50%

ENTRE OS MAIS ENDIVIDADOS


O Brasil tem uma das maiores dívidas em relação ao PIB entre
grandes economias emergentes (em %)

89
77 74
67
50

A I L U L L
D I A I N S S U
ÍN CH R A D O O S
B CA D
RI E I A
ÁF R
CO

4|9
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do PIB. Esse é o patamar de endividamento em que o Brasil,


por ser uma economia em desenvolvimento, deveria se man-
ter, consideram os analistas econômicos.
Felizmente, há alguns fatores que podem ajudar. “Deve-
mos ver neste ano uma recomposição de preços de commo-
dities, o que favorece o Brasil, afasta a possibilidade de des-
controle e nos dá um fôlego adicional”, diz Alex Agostini,
economista-chefe da Austin Ratings, agência brasileira de
classificação de risco. Ainda assim, a Austin prevê que o en-
dividamento chegará a 77% do PIB neste ano e a 80% em
2025. Como a Austin, as agências internacionais S&P e
Moody’s preveem um inchaço da dívida brasileira nos pró-
ximos anos. A primeira estima que chegará a 83% do PIB
até 2026, enquanto a segunda espera incremento para 81%
do PIB até o fim do ano que vem. “A política fiscal neste go-

49
40
32 30
17

O A I A TA A
I C ÉSI
Q U U DI S S I
ÉX N R A Ú
M D O TU IA S R
IN Á B
AR
Fonte: World Population Review

5|9
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verno é mais expansiva, mas a questão da dívida é uma fra-


queza histórica do Brasil”, afirma Manuel Orozco, diretor da
S&P e analista da América Latina. Apesar da preocupação,
a S&P elevou recentemente a nota de crédito brasileira. “Va-
lorizamos a independência do Banco Central e as reformas
recentes, como a tributária”, diz Orozco. “O ganho institu-
cional importa mais do que a dívida, mas isso tem limite.”
Além do valor proporcional da dívida, é preciso olhar pa-
ra a capacidade de o país absorver os débitos contraídos. No

JOÉDSON ALVES/AGÊNCIA BRASIL

RESISTÊNCIA Correios: governo federal


não quer ouvir falar em privatização

6|9
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fechamento do ano, a poupança ficou em 982 bilhões de


reais, abaixo do valor de 1,1 trilhão de reais registrado em
2022. “Essa riqueza potencial é aplicada em ativos financei-
ros, mas, embora o Brasil não esteja em crise fiscal, a situa-
ção preocupa por causa da trajetória”, diz o economista Gus-
tavo Loyola, ex-presidente do Banco Central. A composição
da dívida pública é outro fator a ser avaliado. Um quarto dela
equivale aos gastos com a previdência, que vencem no curto
prazo e não são de fácil refinanciamento. A dívida também é

MUDANÇA DE PATAMAR
O sobe e desce da dívida brasileira nos
últimos anos (em % do PIB)

100
87

74
80

51

40

2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023

Fonte: Banco Central

7|9
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BRUNO ROCHA/FOTOARENA

DESPESA Previdência: gastos com aposentadorias


representam a segunda maior fatia da dívida pública

considerada cara porque o padrão que baliza as emissões de


títulos públicos para o seu financiamento é a taxa Selic, his-
toricamente alta. No ano passado, a conta de juros foi de 718
bilhões de reais. “Mas há um processo de flexibilização da
política monetária que contribui para a redução do custo e a
estabilização da trajetória da dívida”, diz Rogério Ceron, se-
cretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda.
Ao contar com a flexibilização da política monetária,
o governo escolhe o caminho do controle da dívida por

8|9
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A ORIGEM DO PROBLEMA
A composição da dívida pública federal
(em %)

29 - INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

23 - PREVIDÊNCIA

23 - FUNDOS DE INVESTIMENTO
10 - NÃO RESIDENTES*
4 - GOVERNO
4 - SEGURADORAS
7 - OUTROS

*Pessoas físicas ou jurídicas Fonte: Tesouro


e fundos com domicílio no exterior Nacional

meio do aumento da arrecadação, sem otimização dos


gastos obrigatórios nem cortes em outras frentes. Uma
agenda de concessões de serviços públicos também po-
deria auxiliar na tarefa, mas isso tampouco está no ra-
dar da gestão Lula, que, ao contrário, trabalha para ten-
tar reverter privatizações de administrações anteriores.
Sendo assim, é melhor estar preparado: o Brasil prova-
velmente continuará dançando por um bom tempo na
corda bamba. ƒ

9|9
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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O TAMANHO
DA ENCRENCA
Desmontamos uma conta fajuta do Tesouro Nacional

O GOVERNO FEDERAL contabilizou déficit primário de


230 bilhões de reais no ano passado, equivalente a 2,1% do
PIB. Corrigido pela inflação, é o maior desde que começa-
mos a registrá-lo, exceto, é claro, pelo resultado de 2020, o
ano da pandemia.
Não faltou quem tentasse dourar a pílula, chegando ao
paradoxo de afirmar que o enorme desequilíbrio do ano
passado refletia, na verdade, “a arrumação da casa” (não
quero nem pensar o estado da casa em que o responsável
pela opinião vive). A própria Secretaria do Tesouro (STN)
alimentou esse mito no material de divulgação do resultado
de dezembro, deduzindo dele o desembolso realizado na-
quele mês relativo aos precatórios atrasados por causa da
malfadada emenda constitucional de 2021 que instituiu um
limite ao pagamento dessas despesas.
Segundo a STN, como foram desembolsados 92,4 bilhões
de reais em dezembro referentes a tais gastos, tendo em vista
a decisão do STF que considerou inconstitucional a referida
emenda (não me pergunte), o resultado anual teria sido, na
verdade, um déficit de 144 bilhões. Essa conta é fajuta.

1|3
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Na verdade, os 92,4 bilhões dizem respeito a precatórios


não pagos desde o final de 2021, ou seja, em 2022, mas tam-
bém em 2023. Embora a STN tente empurrar a responsabi-
lidade do gasto em dezembro para o governo anterior (que
tem, sim, culpa no cartório, por ter proposto casuisticamen-
te a tal emenda), as despesas com precatórios não pagos em
2023 teriam que ser contabilizadas no resultado de... 2023.
Quando da promulgação da emenda em 2021 a Consul-
toria de Orçamento da Câmara estimava que cerca de 43,5
bilhões não seriam pagos em 2022. Uma boa aproximação,
portanto, sugere que perto de metade dos 92,5 bilhões de-
sembolsados em dezembro refere-se a 2022 (logo, a metade
restante teria que ser paga em 2023).
Não faz, portanto, sentido deduzir 92,4 bilhões do déficit
do ano passado, mas metade deste valor, já que a outra me-
tade se materializaria de qualquer jeito em 2023.

“O certo, nas contas


do déficit fiscal de 2023,
seria descontar
só metade do valor
dos precatórios”
2|3
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Em números, o déficit de 2023 teria atingido perto de


190 bilhões de reais; já em 2022, ao invés de um superávit
de 55 bilhões de reais, teríamos um superávit na casa de 12
bilhões de reais. De uma forma ou outra, uma deterioração
impressionante das contas públicas no ano passado.
À parte a piora do resultado, a forma como se concretizou
não sugere coisa boa para o futuro. Houve aumento expressi-
vo das despesas obrigatórias, isto é, gastos que se repetirão
(isto se não crescerem ainda mais) de um ano para outro, re-
duzindo a já minúscula flexibilidade do orçamento federal.
Isso explica o apetite do governo por novas receitas, mas
a verdade é que o problema não pode ser resolvido dessa
forma. A persistir o crescimento da despesa obrigatória, até
o frouxo “novo arcabouço fiscal” não dará conta, a menos
que estejamos dispostos a ver a carga tributária também
crescer indefinidamente (acreditem: não é uma boa ideia).
Independentemente de atingirmos (ou não, como temo) a
meta fiscal de 2024, a encrenca é bem maior do que supõe o
afã dos bajuladores. ƒ

3|3
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ECONOMIA NEGÓCIOS

A MODA É SER GRANDE


A fusão das redes de lojas de roupas Arezzo e
Soma abre caminho para o surgimento de uma
gigante brasileira com produtos voltados para
o consumo da alta renda TÁSSIA KASTNER

UNIÃO DE FORÇAS Alexandre Birman (de paletó) e outros


sócios do negócio: ideia é competir com gigantes globais

NICOLAS CALLIGARO

1|6
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A ESTRATÉGIA de guerra conhecida como “dividir para


conquistar”, atribuída ao imperador romano Júlio César,
não poderia ser mais inapropriada para o varejo de moda
brasileiro. Na verdade, o setor vai na direção oposta — é
na junção de forças que reside a sua principal vantagem.
Prova disso foi o anúncio, na segunda-feira 5, da fusão das
empresas Arezzo&Co, dona de grifes como Arezzo, Ana-
capri e Schutz, com o Grupo Soma, detentor de Farm e He-
ring, entre outras. O negócio resultará em números super-
lativos. A nova companhia, cujo nome deverá ser decidido
até junho, será a segunda maior do país no segmento, com
valor de mercado calculado em 12 bilhões de reais, atrás
da líder Renner, avaliada em 14 bilhões, e com uma boa
distância da terceira colocada, a Centauro (3,1 bilhões de
reais). Serão 34 marcas, 22 000 funcionários e 559 lojas
próprias — isso sem falar nos franqueados, o que fará do
grupo o maior inquilino de shopping centers do país e o
principal comprador de mídia do varejo. Não à toa, as
companhias têm se autoaclamado powerhouse of brands
(uma usina de marcas, em tradução livre).
O mais inusitado da transação é o fato de nenhuma das
empresas precisar da fusão. “Não estamos falando de com-
panhias capengas, pelo contrário”, diz Ricardo Schweitzer,
analista independente do setor varejista. “São empresas sau-
dáveis que, casadas, poderão fazer ainda mais do que soltei-
ras.” O banco americano Goldman Sachs chamou o acordo
de uma “fusão entre iguais”. Faz sentido: após a combina-

2|6
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DIVULGAÇÃO

VITRINE Loja da Hering, que pertence ao Soma:


marca tradicional no Brasil

ção, os acionistas da Arezzo ficarão com 54% do negócio e


os da Soma, com 46%, em linha com o valor de mercado
das empresas no dia do anúncio da transação.
Ressalte-se que Arezzo e Soma têm sido as duas empre-
sas de varejo com melhores resultados na bolsa brasileira
pelo menos desde 2021. Elas passaram bem pelo combo
explosivo de inflação e juros altos, que comprometeu o con-
sumo da maioria dos brasileiros nos últimos anos. Ambas
escaparam da crise porque miram um público-alvo de alta
renda bem delimitado, que sente menos a inflação e não de-
pende do crédito para suas compras. Esse também é o con-
sumidor que vê menos apelo nos preços baixos do site chi-

3|6
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DIVULGAÇÃO

EM ALTA Unidade da Arezzo: a empresa passou ilesa


pela crise do setor

nês Shein. De fato, o setor de varejo de moda se fragmentou


na bolsa entre as empresas em crise (notadamente a Mari-
sa), as que estão resistindo, mas com lucros em queda (caso
da Renner), e aquelas que não tomaram conhecimento dos
desafios que a economia e a concorrência impuseram ao se-
tor, como Arezzo e Soma.
A comparação com concorrentes tem outro aspecto re-
levante: quando as duas companhias começaram a fazer
aquisições pesadas, depois de 2021, a Renner captou 4 bi-
lhões de reais na bolsa prometendo usar o dinheiro tam-
bém para incorporar novos negócios. Investidores entende-
ram que o capital seria alocado para alguma transação vul-

4|6
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NASCE UMA GIGANTE


Os números resultantes da fusão entre
Arezzo e Soma

VALOR DE MERCADO

12 BILHÕES DE REAIS
RECEITA ANUAL BRUTA

12 BILHÕES DE REAIS
FUNCIONÁRIOS

22 000
MARCAS

34
LOJAS PRÓPRIAS

559 Fonte: Empresas

5|6
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tosa, e o mercado chegou a esperar uma junção com a


C&A. O negócio nunca aconteceu, e a varejista gaúcha con-
tinua com 1 bilhão de reais parados no caixa.
Analistas de mercado enfatizam que a fusão traz muitas
chances de fazer vendas cruzadas, sem sobreposições. En-
quanto a Arezzo construiu uma história de décadas no seg-
mento de calçados, o Soma se consolidou no imaginário
brasileiro com a Farm e a Animale, duas marcas presentes
no guarda-roupa de muitas mulheres de classe média alta
do país. Agora, a nova companhia quer criar coleções de
calçados pensados para as marcas de roupas — e vice-versa.
Como ilustrado por Alexandre Birman, atual presidente da
Arezzo e quem chefiará a empreitada, consumidores podem
esperar por sapatos “Farm by Arezzo”.
O potencial do negócio é amplo. O banco BTG comparou
a nova companhia a grupos globais de moda e luxo, como
LVMH, dono das marcas Louis Vuitton, Bulgari e Moët &
Chandon, e Kering, proprietário de Gucci e Balenciaga. “Es-
ses conglomerados geralmente geram sinergias em distri-
buição (e, em alguns casos, em ganhos de produção), en-
quanto diversificam sua exposição a vários segmentos de
moda”, escreveram os analistas do banco. Segundo seus só-
cios, o sonho da nova companhia é ser uma gigante global.
O primeiro passo já foi dado. ƒ

6|6
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INTERNACIONAL EUROPA

CERCO DE PARIS
Acampamento fecha a
OLIVIER CHASSIGNOLE/AFP

estrada: o governo prometeu


atender às reivindicações

PASSANDO O TRATOR
Puxados pelos franceses, agricultores da
União Europeia fecham ruas e estradas em
protesto contra seus altos custos — um terreno
fértil para a pregação da extrema direita
ERNESTO NEVES

1|6
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H
á mais de um milênio, em um mês de janeiro, uma
gigantesca armada viking, composta de mais de
100 barcos, subiu o Rio Sena para realizar o que
entrou para a história como o Cerco de Paris. O
então vilarejo do reino da Frância Ocidental pas-
sou semanas sitiado até ser finalmente invadido e saquea-
do pelos nórdicos durante a Páscoa. Agora, em 2024,

2|6
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igualmente em janeiro, estendendo-se pelo mês seguinte, a


cidade voltou a ser alvo de um cerco — desta vez, por tra-
tores conduzidos por agricultores da própria França. En-
furecidos com a piora de sua situação financeira e social,
eles bloquearam oito autoestradas responsáveis por conec-
tar a capital francesa ao restante do país e, munidos de ten-
das, mantimentos e banheiros químicos, criaram um
mega-acampamento distante apenas 30 quilômetros da
celebrada e chique avenida dos Champs-Élysées.
O governo francês apressou-se a fazer concessões e a
mobilização foi temporariamente suspensa, mas antes dis-
so se espalhou pela União Europeia (UE), promovendo
chuva de ovos e alimentando quebra-quebra e fogueiras
em frente ao Parlamento Europeu em Bruxelas, na Bélgi-
ca, e travando estradas na Itália, Espanha, Holanda, Gré-
cia, Polônia, Romênia e Alemanha. As raízes da revolta
são antigas e foram se avolumando com o tempo. A persis-
tente alta da inflação pós-pandemia tem levado os gover-
nantes a cortar subsídios, entre eles o do óleo diesel, cru-
cial para o campo. Os mecanismos para garantir o equilí-
brio de preços dos produtos agrícolas, que já estavam defa-
sados, se desestruturaram com a entrada de importações
de fora da UE, sobretudo da Ucrânia.
Grande produtor de cereais, o país de Volodymyr Ze-
lensky ficou impedido pelo bloqueio naval russo imposto
por Putin de suprir seus mercados habituais no Oriente
Médio e África, e passou a escoar sua produção pelo Da-

3|6
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CYRIL MARCILHACY/BLOOMBERG/GETTY IMAGES

INSATISFAÇÃO Protesto em frente ao Parlamento


Europeu: o movimento dos tratores se espalha pela UE

núbio, a preços baixos. Nessa conta se destaca ainda a


perspectiva de se assinar o encalacrado acordo comercial
com o Mercosul, que, na visão dos agricultores, abriria o
bloco a mais importações baratas.
Até a causa verde é responsabilizada pela turma dos tra-
tores. A introdução de novas regras ambientais, mudanças
que a UE julga necessárias para enfrentar a crise climática,
eleva os custos da atividade agropecuária — caso da exigên-
cia de conter as emissões de metano no gado leiteiro, que re-
duziria pela metade o rebanho, da obrigatoriedade de desti-
nar 4% das terras à preservação de florestas e da redução

4|6
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drástica no uso de pesticidas. “Os agricultores são dupla-


mente pressionados. De um lado pelo clima, cada vez mais
hostil, e de outro pelos altos custos da transição ecológica”,
afirma François Purseigle, professor de agronomia do Insti-
tuto Nacional Politécnico de Toulouse.
Além de interromper o trânsito e abalar a cadeia de supri-
mentos, a insatisfação no campo tem um pé na política: ela
ocorre justamente na área rural, ressentida com o que vê co-
mo seu abandono pela elite, um celeiro de eleitores particular-
mente fértil para os partidos populistas de direita, como o
Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, na França, e o
Alternativa para a Alemanha. Preocupados com o estrago
que a bandeira agrária pode causar em eleições próximas, co-
mo a do Parlamento Europeu em junho, os governos recuam.
Para amansar os “agricultores em fúria”, como foi batizado o
protesto francês, o novo primeiro-ministro Gabriel Attal pro-
meteu manter o subsídio ao diesel e flexibilizar as regras am-
bientais, enquanto o presidente Emmanuel Macron afirmava
de novo, com todas as letras, que o acordo UE-Mercosul, co-
mo está, não será aprovado. “A raiva dos agricultores cristali-
za o ressentimento de boa parte da população com os proble-
mas econômicos”, resume Kevin Cunningham, cientista polí-
tico da Universidade Tecnológica de Dublin, na Irlanda.
O declínio da agricultura europeia — por muitos séculos
a força que moveu a Europa — é sintoma da perda de rele-
vância do continente diante de seus rivais na geopolítica, so-
bretudo China e Estados Unidos. A participação da União

5|6
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Europeia no PIB global caiu um terço desde 1995 e os paí-


ses-membros sofrem com o atraso em inovação e tecnolo-
gia. A produção de alimentos estagnou: os 9 milhões de
agricultores dos 27 países do bloco movimentam apenas
1,4% do PIB da UE e especialistas duvidam que a planejada
injeção de 307 bilhões de euros no setor até 2027 consiga re-
verter um quadro que tem raízes estruturais, fincadas em
fazendas familiares carentes de profissionalização. Para pio-
rar, 33% dos produtores têm mais de 65 anos de idade e, en-
tre os jovens, há pouco ou nenhum interesse pela cansativa
vida na lavoura. Nesse contexto, o cerco dos tratores, por
mais impactantes que sejam as imagens que produz, dificil-
mente colherá frutos duradouros. ƒ

6|6
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INTERNACIONAL EL SALVADOR

PRENDE
E ARREBENTA
Incensado por aniquilar gangues criminosas,
mas atropelando a democracia, o salvadorenho
Nayib Bukele foi reeleito com 85% dos votos e
virou “modelo” de ditador AMANDA PÉCHY

PINTA DE BOM MOÇO Bukele celebra a vitória com


a mulher, Gabriela: de olho no terceiro mandato

YURI CORTEZ/AFP

1|5
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NEM DUAS horas depois de fechadas as urnas em El


Salvador, o presidente Nayib Bukele cantou vitória na
noite de domingo 4, dizendo-se reeleito com mais de 85%
dos votos — projeção que se provaria correta. “É um re-
corde na história do mundo democrático”, bradou do bal-
cão do Palácio Nacional a uma multidão de apoiadores.
Aproveitou para celebrar o fato de o partido que fundou
há apenas seis anos, o Novas Ideias, ter ocupado quase
todas as cadeiras da Assembleia. “É a primeira vez que
um partido único governa o país em um sistema total-
mente democrático. A oposição inteira foi pulverizada”,
tripudiou. Bukele, 42 anos, nada de braçada na onda de
popularidade alcançada com a dizimação das gangues
que faziam de El Salvador um dos lugares mais violentos
do planeta. Conseguiu a façanha atropelando a tão citada
democracia, com prisões indiscriminadas, Judiciário en-
faixado e oposição reprimida — mas nada disso parece
importar. A população, aliviada, o apoia integralmente,
por mais ditatorial que soe, inflando o prestígio de um
“modelo Bukele” em países da região.
Em dois anos, o governo de El Salvador prendeu mais
de 74 000 pessoas — 8% da população masculina — ,
ação que virou peça de propaganda na forma de fotos e
vídeos de pátios lotados de prisioneiros seminus e encheu
as ruas de soldados. O resultado prático foi a queda da
taxa de homicídios de 61 para 3 a cada 100 000 habitan-
tes e o fim do domínio das maras, as gangues locais, que

2|5
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ANADOLU AGENCY/GETTY IMAGES

PROPAGANDA Prisioneiros exibidos em fotos e vídeos:


a detenção maciça e sumária virou padrão

extorquiam comerciantes e esvaziavam as cidades (até


tomar táxi era perigoso, por risco de sequestro). Bukele
surgiu explorando a imagem de jovem, moderno e inde-
pendente — “o ditador mais cool do mundo”, gaba-se — e
colocando-se como alternativa aos dois partidos que se
alternavam no poder, o esquerdista FMLN e o direitista
Arena, sem controlar a violência. “Embora tenha algu-
mas tendências da extrema direita, ele não está ligado à

3|5
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tradicional divisão do espectro político. É, acima de tudo,


um populista”, afirma Manuel Meléndez-Sánchez, pes-
quisador da Universidade Harvard.
Em 2022, após um pico de criminalidade em que 87
pessoas foram assassinadas em dois dias, Bukele procla-
mou estado de exceção — que já renovou 22 vezes —,
construiu a toque de caixa uma megaprisão de segurança
máxima e autorizou a polícia a trancafiar qualquer sus-
peito de ligação com gangues. Quase nenhum preso foi
julgado e, quando as audiências começarem — se come-
çarem —, serão ações coletivas, com até 900 réus cada.
“Ele eliminou os controles sobre seu poder para azeitar
um draconiano sistema penal. Caminha para se tornar
um ditador”, avalia Cynthia Arnson, especialista em polí-
tica latino-americana do Wilson Center.
Em 2021, o Novas Ideias obteve maioria na Assembleia,
abrindo espaço para Bukele demitir o procurador-geral,
que investigava membros do governo por desvio de fun-
dos, e aposentar à força um terço dos juízes do país, substi-
tuindo-os por aliados, inclusive na Suprema Corte. Os ma-
gistrados-parceiros mudaram regras eleitorais para sufo-
car partidos da oposição, deliberaram que ativistas e jor-
nalistas sejam presos por “espalhar pânico” e, no ano pas-
sado, reinterpretaram a Constituição, que proíbe a reelei-
ção, para permitir que ele concorresse. Em consequência
da virada na segurança, o número de salvadorenhos que
migravam ilegalmente para os Estados Unidos caiu mais

4|5
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de 30% no último ano, refletindo um otimismo com o fu-


turo que nem a economia periclitante — inflação em alta,
crescimento paralisado — parece afetar.
Ignorando as controvérsias, outros países na América
Latina se mostram dispostos a copiar o modelo Bukele. No
Equador, tomado por gangues de narcotraficantes, o presi-
dente Daniel Noboa declarou estado de exceção e anun-
ciou a construção de duas megaprisões. Rafael López Alia-
ga, prefeito de Lima, mencionou um “plano Bukele” ao so-
licitar a presença do Exército nas ruas. Honduras planeja
erguer uma prisão exclusiva para gângsteres, enquanto a
ministra da Segurança do governo Javier Milei, Patricia
Bullrich, pretende visitar El Salvador para adaptar o mo-
delo à Argentina. O Movimento Brasil Livre (MBL) man-
dou três integrantes para acompanhar a reeleição de Buke-
le e vai redigir um documento com medidas inspiradas por
ele. Especialistas apontam para as características especiais
de El Salvador, que tornam improvável a replicação da ex-
periência: trata-se de um país do tamanho de Sergipe, com
6 milhões de habitantes e afastado do tráfico internacional
de drogas, que dificulta a repressão à violência. O presi-
dente salvadorenho não esconde suas intenções: já decla-
rou que a Constituição “atualmente” não permite um ter-
ceiro mandato e que cada geração tem “o direito de decidir
suas próprias leis”. Gangues podem ser assustadoras, mas
a história mostra que populistas todo-poderosos também
não são flor que se cheire. ƒ

5|5
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GENTE
VALMIR MORATELLI

VIDA
DUPLA
KAROLINE FERNANDES E BIANCA FIGUEIREDO

1|6
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Pelo terceiro ano consecutivo reinando à


frente da bateria da Unidos do Viradouro,
ERIKA JANUZA, 38 anos, está encaran-
do jornada dupla ao acumular o majestoso
posto com as gravações do remake de Do-
na Beija, da HBO Max. A maratona é tama-
nha que já houve dia em que, a caminho da
quadra para um ensaio, ela foi acionada e
teve de mudar a rota, correndo para o set.
Aprendeu então a manter sempre no carro
uma roupa extra. Prestes a cruzar a pas-
sarela do samba, a atriz desfia toda a cole-
ção de superstições que esconde por de-
baixo da fantasia. “Cubro o umbigo e dou
um jeito de carregar um terço, uma meda-
lhinha de São Bento e um vidrinho de água
benta”, enumera Erika, que vive às voltas
com uma dúvida cruel: não sabe se o noi-
vo, José Junior, fundador do AfroReggae,
aparecerá na Sapucaí. “Vou descobrir no
dia, ele gosta de fazer surpresa”, derrete-
se a dona do cetro.

2|6
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NÃO PASSOU
BATIDO
Primeira artista a conquistar
quatro vezes a categoria de
Melhor Álbum do Ano, mar-
ca atin g ida no último
Grammy, em Los Angeles,
TAYLOR SWIFT, 34 anos,
acabou na mira da implacá-
vel plateia que a tudo obser-
vava pela TV. Depois de re-
ceber o prêmio das mãos de
CÉLINE DION (atrás, na
CHRISTOPHER POLK/BILLBOARD/GETTY IMAGES

foto), 55, que sofre de uma


doença neurológica que
compromete os movimen-
tos e havia tempos não apa-
recia em público, Taylor nem
a cumprimentou. “Esse é o meu 13º Grammy e vocês sabem que 13 é o
meu número da sorte. Quero agradecer aos fãs”, discursou, bombar-
deada pelo próprio fã-clube. A vida que tanto lhe tem sorrido anda
mais dura nestes últimos dias: a cantora foi recentemente enredada
em uma estapafúrdia teoria da conspiração encabeçada por trumpis-
tas, segundo a qual seria uma agente infiltrada do governo Biden na
NFL, liga do futebol americano em que atua o namorado, Travis Kelce.

3|6
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ARTHUR LUIGI
SEM FANTASIA
De volta à passarela do samba carioca como musa da Portela, es-
cola da qual foi rainha de bateria no passado, ADRIANE GALIS-
TEU, 50 anos, coleciona altas histórias sobre o Carnaval. “Tenho
perrengue para dar, vender e emprestar”, brinca ela, que fala so-
bre um deles com uma franqueza como nunca antes. A apresenta-
dora conta que um dos maiores dilemas das monarcas da folia é a
mais mundana das necessidades — fazer pipi. “Quando a vontade
vem, o que a gente faz? Como não tem como tirar a fantasia, vai
tudo na bota mesmo, aí jogamos água por cima e seguimos até o
fim da Avenida”, confidencia. Terminado o desfile, é correr para ca-
sa e tomar um bom banho para tentar reaver o glamour.

4|6
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FORA DO TOM
Durante uma apresentação na Associação Americana do Cora-
ção, em prol da conscientização sobre doenças cardiovascula-
res, em Nova York, DEMI LOVATO, 31 anos, cometeu uma da-
quelas gafes que, nesses inclementes tempos de redes, não
passam incólumes. Na

SLAVEN VLASIC/GETTY IMAGES/AFP


ocasião, a cantora apre-
sentou a música Heart At-
tack (“ataque do coração”,
em tradução livre), de
2013. Por razões com-
preensíveis, rapidamen-
te virou piada, dado o
teor do evento. Um
agente da artista preci-
sou vir a público se pro-
nunciar sobre a escolha
do repertório e a defen-
deu. “Demi fala sobre a
conexão entre coração e
mente. Foi um momento
delicado, destinado a
apoiar as mulheres, um
momento lindo”, disse
ele, sem convencer.

5|6
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KARWAI TANG/WIREIMAGE

CIFRAS A TODA
O heptacampeão LEWIS HAMILTON, 39 anos, assinou o mais ca-
ro contrato da história da Fórmula 1, com a Ferrari, após uma déca-
da na Mercedes. A escuderia italiana desembolsará 100 milhões de
dólares por temporada, em torno de meio bilhão de reais. “Me sinto
incrivelmente afortunado, depois de conseguir coisas na Mercedes
que só poderia ter sonhado quando criança. Agora terei outros so-
nhos no vermelho da Ferrari”, disse, em tom diplomático, o inglês,
que é aposta para resgatar o prestígio da marca, sem ver a cor de
um título desde 2007. Pelo menos nas redes, a corrida já se mostrou
exitosa: depois do anúncio da contratação, Hamilton e Ferrari soma-
ram meio milhão de novos seguidores. ƒ

6|6
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GERAL SAÚDE

É O FIM DA PICADA
Chaga histórica na saúde pública brasileira, a dengue
decola em nova onda preocupante, impulsionada
pela negligência com o mosquito e pelos efeitos das
mudanças climáticas. Felizmente, há vacina à vista
PAULA FELIX

PRAGA DA VEZ Aedes aegypti: especialistas já


falam na impossibilidade de erradicar o mosquito vetor

JOÃO PAULO BURINI/MOMENT/GETTY IMAGES

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É
a crônica de uma epidemia anunciada. Basta a
temperatura subir para um exército alado se alas-
trar, voando atrás de sangue a fim de se alimentar
e se reproduzir, transmitindo, a cada picada, um
vírus que causa febre, dor no corpo, prostração e
até morte. A história se repete há séculos, todo verão, mas
digamos que o Aedes aegypti — o “odioso do Egito”, como
evoca o nome de batismo — ganhou nos últimos anos um
aliado e tanto, o aquecimento global. E, depois de meses
aparentemente no fogo brando, a dengue, principal molés-
tia transmitida pelo mosquito nestas paragens, pegou fogo.

GUITO MORETO/AGÊNCIA O GLOBO

CRIADOURO Água parada: 75% dos focos de mosquitos


estão nas residências

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DISPARADA
Casos de dengue em janeiro de 2024 aumentam
mais de 500% em relação a anos anteriores

CASOS 392 724


400 000

42 242 61 293

JAN/2022 JAN/2023 JAN/2024*

36
MORTES
23 24

JAN/2022 JAN/2023 JAN/2024*


* Até 7 de fevereiro de 2024 Fonte: Datasus

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Desde os primeiros dias de 2024 até a última quarta-feira,


7, foram registrados mais de 392 000 casos e 54 mortes pe-
la doença no Brasil. Tudo indica que, passado o Carnaval,
bateremos um novo recorde, temor que desencadeou uma
força-tarefa nacional, com decreto de emergência em cida-
des como Rio de Janeiro, implementação de tendas para
atendimento médico no Distrito Federal e monitoramento
de terrenos abandonados e propícios aos criadouros do in-
seto por meio de drones em cidades do Sul e Sudeste.
O que diferencia a atual revoada do Aedes das tempo-
radas passadas é um cenário ainda mais desfavorável ao
combate do vetor por culpa do próprio ser humano: além
de “domesticar” os mosquitos ao lhes fornecer comida e
casa própria no quintal das casas nos centros urbanos,
em águas paradas, a sociedade tem parcela de responsa-
bilidade pelas mudanças climáticas que contribuem para
a proliferação do inimigo. Se já era duro, pode piorar.
O Brasil tem no currículo uma longa trajetória de lutas
com mazelas propaladas por insetos. Foi assim com a fe-
bre amarela, que inclusive causou pânico em outros Car-
navais, ainda no século XIX. Quanto à dengue, praga que
se concentra eminentemente nas cidades, preocupando
os foliões e viajantes de hoje, sabe-se que, desde que o
Aedes se instalou de vez em nosso território, os picos ten-
dem a ocorrer a cada três ou quatro anos. Recentemente,
depois da última alta em 2019, um novo movimento de
ascensão começou em 2022.

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PREFEITURA MUNICIPAL DE BARRA MANSA

FUMACÊ Última cartada: medida tradicional é adotada


quando o número de infecções sai de controle

Mas a escalada só ocorreu efetivamente no ano passa-


do, quando houve 1 658 816 notificações e 1 904 mortes no
país — fora o que não foi computado oficialmente. Ainda
em maio de 2023, houve a apresentação de um plano fe-
deral de enfrentamento às três principais doenças relacio-
nadas ao mosquito, que englobam, também, chikungunya
e zika. O programa visava à adoção de novas tecnologias
para somar às medidas usuais, como a eliminação de re-
dutos de poças. Na ocasião, foi resgatada a proposta de
soltar mosquitos estéreis em áreas urbanas com índices
elevados e o uso dos “wolbitos”, Aedes infectados com a

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RENATO ALVES/AGÊNCIA BRASÍLIA

EMERGÊNCIA Tendas armadas no DF: unidade da FAB


tem sessenta leitos

bactéria Wolbachia, que freia a contaminação do inseto


pelo vírus e diminui as chances de o patógeno passar para
as proles. Contudo, são ações que demandam tempo até
surtirem algum efeito na população dos vetores. Pois che-
gamos a 2024 numa corrida contra o relógio, com proje-
ções nada animadoras. “A previsão é que tenhamos ao
menos 2 milhões de casos de dengue neste ano. Não há
sistema de saúde que suporte”, afirma o médico Kleber
Luz, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
O problema, aliás, se adiantou até no calendário habi-
tual — o período crítico estava estimado para o fim de fe-

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vereiro. Já na primeira semana de 2024, o Acre decretou


situação de emergência, expediente tomado na sequência
por Distrito Federal, Minas Gerais e Goiás. A cidade do
Rio de Janeiro, após contabilizar mais de 10 000 episódios,
anunciou estar em meio a uma epidemia e também entrou
em emergência. O alastramento atual fica visível nas me-
didas para conter o mosquito na fase mais difícil do ponto
de vista biológico: quando ele já virou adulto. O Distrito
Federal, por exemplo, abriu um edital de urgência para
contratação dos tradicionais carros de fumacê, um símbo-
lo de surto em curso. Para amenizar febre, dor e risco de
desidratação dos pacientes, entraram em cena as tendas e
até um hospital de campanha da Força Aérea Brasileira
(FAB) com sessenta leitos. Nessas unidades, é oferecido su-
porte para os principais sintomas, pois não há medicamen-
to contra o vírus. “O tratamento é feito com analgésico, an-
titérmico e hidratação”, resume Luz. A busca por atendi-
mento deve ser rápida, sobretudo na presença de sinais de
agravamento, como dor abdominal, tontura, vômito e que-
da da temperatura corporal. O quadro chega a ser debili-
tante, sendo chamado pela própria Organização Mundial
da Saúde (OMS) de “febre quebra-ossos”.
Preocupado com o voo da dengue, o Ministério da
Saúde criou um Centro de Operações de Emergência
(COE) dedicado a desenvolver, em conjunto com estados
e municípios, estratégias de vigilância e combate ao mos-
quito, medida que recorda a mobilização ante a Covid-19

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— infecção que, convém notar, continua fazendo vítimas,


com direito a uma nova subvariante no ar. Em pronun-
ciamento em rede nacional, a ministra Nísia Trindade fez
um apelo para que a população entre na batalha, uma vez
que a maior parte dos criadouros do mosquito se encon-
tra nas residências. “Vamos fazer com que a dengue seja
uma doença do passado”, declarou.
O adversário é realmente histórico. Há registros da doen-
ça, batizada de “veneno da água”, em enciclopédias chinesas

DÉCADA DE ESTRAGOS
Após pico nos anos de 2015 e 2019, dengue volta
a preocupar no Brasil
CASOS
2 milhões

1 688 688 1 658 816


1 545 462

1 milhão

589 107

531 922
0 239 389

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023

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de antes do ano 1000. A primeira descrição científica, no en-


tanto, só seria feita no século XVIII. O mosquito transmissor
também é um velho conhecido, inclusive no Brasil. Em 1908,
em uma das explosões de outra moléstia transmitida pelo in-
seto de manchas esbranquiçadas e sobrevoos baixos, a febre
amarela, o pesquisador Antonio Peryassú (1879-1962) reali-
zou uma profunda investigação para descortinar o ciclo de
vida do Aedes. Ele descobriu, de forma pioneira, a informa-
ção crucial de que os ovos das fêmeas chegam a sobreviver

MORTES
2 000
1 904

1 000
986
820

475

0 180 315

2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
Fonte: Ministério da Saúde

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até um ano sem contato com a água — um alerta que norteia


ainda hoje as medidas de cerceamento aos focos e surtos.
Ocorre que, com a propagação desenfreada do seu
agente transmissor no rastro da urbanização sem plane-
jamento, a dengue se elevou à questão de saúde pública.
E, com o aquecimento global, a ameaça não se restringe
ao Brasil ou a nações mais pobres na América Latina e na
Ásia. O Hemisfério Norte está entrando na rota da doen-
ça. O mais recente balanço da OMS aponta um aumento
de dez vezes no número de casos notificados ao redor do
mundo, saltando de 500 000 em 2000 para 5,2 milhões
em 2019. Em 2023, foram 5 milhões de casos e 5 000
mortes relacionadas à infecção em mais de oitenta países.
A maioria dos registros, em torno de 80%, ocorreu nas
Américas. “O Brasil enfrenta desafios significativos, co-
mo o surto atual alimentado pelo fenômeno climático El
Niño, mas esse cenário faz parte de um contexto de au-
mento global que afeta todas as regiões, exceto a Euro-
pa”, disse, durante visita a Brasília, Tedros Adhanom
Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
No encontro para discutir esses e outros desafios sani-
tários, o líder da entidade conversou com o presidente
Lula e com a ministra da Saúde sobre a produção de vaci-
nas, e destacou a relevância do Brasil ao introduzir, em
feito inédito, um imunizante contra a dengue no sistema
público. De fato, a vacinação deve ser o ponto de inflexão
na batalha contra a virose — foi assim com a Covid-19, o

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DOUGLAS MAGNO/AFP

ESPERANÇA Vacinação: crianças e adolescentes de 6 a 16


anos terão prioridade

sarampo, a febre amarela... O governo anunciou a incor-


poração de uma formulação do laboratório japonês Take-
da, a Qdenga, no Programa Nacional de Imunizações
(PNI). Desenhar o produto foi tarefa hercúlea. A come-
çar pela existência de quatro sorotipos do vírus da den-
gue. Ora um, ora outro irrompe na temporada mais quen-
te e chuvosa — atualmente é o tipo 2. Quando se pega a
doença espontaneamente, a imunidade só é formada para

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aquela versão da in-


fecção, que ainda po-
de agravar quadros
subsequentes dos ou-
tros subtipos. Esse di-
lema foi superado nos
estudos com o imuni-
zante, já aprovado pe-
los órgãos regulató-
rios em termos de efi-
cácia e segurança.
O desembarque do
BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL

produto no mercado foi


acompanhado de um
pico de buscas em far-
mácias e clínicas priva- FOLIA DO MOSQUITO Terror
das — crescimento de no Carnaval: charge sobre surto de
200% em relação ao febre amarela em 1876
ano passado. Com a
entrada no SUS, o ministério vai disponibilizar pouco mais
de 750 000 doses gratuitas priorizando o público de 10 a 14
anos na primeira etapa da campanha. Depois será contem-
plada a faixa de 6 a 16 anos, como preconizado pela OMS.
Prevê-se a aplicação de 6 milhões de doses em 2024 e ou-
tros 9 milhões em 2025, se o cronograma for seguido.
“A melhor performance dessa vacina foi vista entre os ado-
lescentes, que são o segundo grupo com mais hospitaliza-

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REPRODUÇÃO DO LIVRO OS ANOPHELÍNEOS DO BRASIL, DE ANTONIO PERYASSÚ

INIMIGO ANTIGO Pesquisas com o Aedes em 1908:


descobertas vitais

ções, depois dos idosos”, diz Renato Kfouri, vice-presidente


da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Um reforço de peso — e made in Brazil — deve vir com
outro imunizante em fase final de desenvolvimento, con-
cebido pelo Instituto Butantan, em São Paulo. Em pesqui-
sa publicada internacionalmente, ele demonstrou capaci-
dade de proteção de quase 80%. “É como se fossem qua-
tro vacinas ao mesmo tempo, gerando uma resposta ba-

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OS EFEITOS DO CALOR
Modelo matemático mostra que aquecimento
global cria cenário propício para vetores

VARIAÇÃO DA TEMPERATURA
6°C

PESSIMISTA

4°C

2°C

0°C
OTIMISTA

-2°C

1950 2000 2050 2100

Fonte: Universidade de Bayreuth

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RICARDO STUCKERT/PR

PAUTA Nº 1 Plano: Adhanom, da OMS, discute medidas com


Lula e a ministra Nísia

lanceada e complementar”, diz o infectologista Esper Kal-


lás, diretor do Butantan. A inovação será submetida à An-
visa no segundo semestre. Enquanto as vacinas não triun-
fam, resta a todos nós evitar os erros de outros Carnavais,
como nos idos de 1870, quando a figura da morte era mor-
bidamente satirizada entre os foliões que desprezavam a
chaga da febre amarela espalhada pelo mosquito. Com a
dengue, definitivamente, não pode ser assim. ƒ

15 | 15
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GERAL RELIGIÃO

MARCHA PARA TRÁS


Maior programa federal para tratar de vício em drogas e
álcool, as comunidades terapêuticas se fiam no velho
modelo que prioriza a fé sobre a ciência AMANDA PÉCHY
E DUDA MONTEIRO DE BARROS
DIVULGAÇÃO

CELEBRAÇÃO Ato religioso na Maranathá, no Rio de


Janeiro: a filosofia nesses grupos é o isolamento total

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EM UMA PASSAGEM do Velho Testamento, o profeta


Samuel pontua, tempestuoso, que “obedecer é melhor do
que sacrificar”. O versículo paira como um alerta, enfati-
zando a importância da disciplina, em um mural que de-
talha o cotidiano de uma comunidade terapêutica no mu-
nicípio de Seropédica, na Baixada Fluminense, com direi-
to a muito culto e leitura da Bíblia. O Desafio Jovem Ebe-
nézer, entidade criada para internar e tratar dependentes
de álcool e drogas, compõe um conjunto de 2 000 institui-
ções do gênero presentes em todo o Brasil, segundo le-
vantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). A maioria tem a fé como motor para a cura — 75%
são ligadas a igrejas pentecostais (que predominam), cató-
licas e outras denominações cristãs.
Em 25 de janeiro, o governo Lula habilitou 587 comuni-
dades a receberem fundos públicos. No ano passado, o orça-
mento de 237 milhões de reais dedicado a elas superou o
montante destinado à rede de atendimento psicossocial do
SUS e fez desse o mais abrangente programa voltado hoje a
quem sofre de vícios. Tamanho avanço, que se observa de
2020 para cá, quando a verba para tais comunidades inflou
90%, acende um alerta: o modelo, para um rol de respeita-
dos especialistas, dá as costas à ciência e se distancia de mo-
dernos pilares disseminados mundo afora.
A reportagem de VEJA visitou três dessas comunidades
e conversou com uma dezena de pessoas que tiveram passa-
gens por lá. Uma parte não superou o vício, enquanto a ou-

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ARQUIVO PESSOAL
ENFIM, LIVRE
O universitário paulista Eduardo Real, 37 anos, rodou
várias comunidades terapêuticas, onde vivia o ciclo de
abstinência seguida de recaída. “Só consegui largar o
crack com tratamento em liberdade”, diz

tra segue duelando contra esse mal que atinge 10 milhões de


brasileiros — uma doença crônica, segundo a OMS. “Me in-
ternei várias vezes, ficava abstêmio, mas saía dali e voltava a
consumir drogas”, relata o universitário paulista Eduardo
Real, 37 anos. Ele lança luz sobre um ponto que une as co-
munidades terapêuticas e faz a nata da academia lhes torcer
o nariz: todas elas têm a internação como única via para o

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tratamento, estratégia que a Organização Pan-Americana


de Saúde afirma com todas as letras ser ineficaz e só valer
em casos específicos. “Não dá para abduzir ninguém de
uma vida movida a drogas”, diz a psicóloga Adriana Olivei-
ra, da Universidade Federal Fluminense. “Depois do isola-
mento, quase todos apresentam recaída.”
Outro ponto frágil neste modelo que brotou no país nos
anos 1970, quando instituições religiosas adentraram o
terreno da reabilitação de indivíduos com vício, é que o
acompanhamento psicológico e psiquiátrico figura em
plano secundário, ou inexiste. O que se sobressai é a espi-
ritualidade e o rigor nas normas. A Casa Refúgio, em Co-
tia, a pouco mais de uma hora de São Paulo, pertence ao
grupo das raras a dispor de psiquiatra, mas ele só aparece
uma vez por semana para ouvir mais de 100 pacientes. A
rotina dos internos é preenchida por atividades ligadas à
igreja e por “laborterapia” — sem eco em estudos científi-
cos de peso, a ideia é envolvê-los com trabalhos de manu-
tenção da própria comunidade em prol da cura. A eficácia
das tarefas é aferida por um sistema de pontos: quem não
as cumpre recebe penalidades variadas, entre as quais a
redução do tempo de visita da família.
Essas casas de acolhimento, que se fiam em estadas
prolongadas de três a doze meses, foram oficialmente ha-
bilitadas em 2011, no âmbito do programa Crack, É Possí-
vel Vencer, do governo Dilma Rousseff, e começaram a
coexistir com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),

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ARQUIVO PESSOAL
ENFIM, LIVRE
O universitário paulista Eduardo Real, 37 anos, rodou
várias comunidades terapêuticas, onde vivia o ciclo de
abstinência seguida de recaída. “Só consegui largar o
crack com tratamento em liberdade”, diz

estabelecidos em 2000 em meio a uma sacudida no siste-


ma psiquiátrico público. A filosofia de um colide com a do
outro. Afinados com a cartilha mais aplicada no cenário
mundial, os CAPS substituíram os antigos manicômios,
que se sustentavam nas internações, para defender a desin-
toxicação gradativa e um plano terapêutico multidiscipli-
nar. “Nesses centros, que são referência, a pessoa não pre-
cisa romper com a vida prévia e participa ativamente de
sua recuperação”, diz Marcelo Kimati, professor de saúde
coletiva da Universidade Federal do Paraná. Na contra-

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mão, as comunidades terapêuticas se situam em sítios nos


quais o isolamento é um valor cultivado.
Ali, a fé serve de ferramenta para suavizar o sofrimento
e enquadrar moralmente os internos. “O vício nessas co-
munidades é entendido como pecado, numa doutrina tão
intensa que se assemelha a lavagem cerebral”, avalia Lucio
Costa, coordenador da ONG de saúde mental Desinstitute,
que monitora o programa. Uma estrada de terra ao longo
da qual pouco se avistam casas e gente conduz à constru-
ção azul que abriga a Desafio Jovem Ebenézer, em Seropé-
dica, de vertente pentecostal, dona de vinte filiais no país.
Atualmente, sessenta homens estão alojados no casarão.
“Parece o céu”, define um dos funcionários. A agenda de
atividades afixada à parede lista orações e inclui leitura da
Bíblia. Os ritos religiosos, que ocupam mais da metade do
dia, são rigidamente cronometrados. “A espiritualidade é
tão válida no tratamento quanto a psicologia”, acredita o
pastor Aldemi Paiva, que lidera a casa.
Tudo isso transcorre com adversidade nas fiscalizações,
que deveria ajudar a separar nesse imenso universo as institui-
ções que funcionam daquelas que não cumprem com sua fun-
ção original, de guindar pessoas das sombras do vício. Na Co-
munidade Maranathá, no bairro carioca do Engenho Novo, vi-
sitada por VEJA, o exercício da fé divide espaço com três psi-
cólogos permanentes — uma raridade que, infelizmente, falta
à maioria. De tão pulverizado, o sistema é difícil de monitorar
e, para piorar, se situa no meio de um jogo de empurra — uma

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DUDA MONTEIRO DE BARROS

turma acredita que deve ser observado pela área da saúde, e


outra, que fique sob a vigilância da assistência social. E é aí que
ele acaba funcionando ao sabor da crença de cada comunida-
de. “Para realizar as internações, as comunidades precisariam
de médicos 24 horas por dia”, diz Antônio da Silva, presidente
da Associação Brasileira de Psiquiatria. “Sem a supervisão
adequada, a verdade é que ficamos no escuro”, arremata Da-
yana Rosa, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde.
É sobre essa lacuna que se abrem brechas para as mais
absurdas situações, como a que testemunhou o antropólogo
Felipe Damasceno, 35 anos. Após duelar contra o vício em

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DUDA MONTEIRO DE BARROS


NEM UM PIO Hora de ver TV no Desafio Jovem
Ebenézer: a rotina dos internos é regida por
silêncio e uma severa cartilha de regras (acima)

álcool e cocaína por quase duas décadas, ele decidiu inter-


nar-se em uma comunidade terapêutica de Belém. Assus-
tou-se com o que viu. “Havia uma lógica de que os internos
devem ser confrontados, então os supostos terapeutas grita-
vam e xingavam para nos desestabilizar”, diz, referindo-se à
prática localmente chamada de “dinâmica educativa”. Já
Eduardo Real, de São Paulo, rodou inúmeras dessas institui-
ções em sua batalha contra a dependência de crack e cocaí-
na. Em uma delas, a Vencendo Gigantes, em Vargem Gran-
de Paulista, vivenciou o horror. “Fui medicado e espancado
na hora de ir embora. Não queriam me deixar sair”, revela.

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Enredada em denúncias de violações aos direitos huma-


nos, a casa fechou as portas. “As irregularidades surgem de
estabelecimentos clandestinos ou clínicas de reabilitação
que se dizem comunidades terapêuticas”, argumenta o pas-
tor Fabrício Leiva, da Casa Refúgio, em São Paulo. Procura-
do pela reportagem, o Depad, órgão recém-criado no Minis-
tério do Desenvolvimento e Assistência Social para supervi-
sionar o programa, afirmou por nota a VEJA que “as comu-
nidades terapêuticas não concorrem com os CAPS, mas
atuam de maneira complementar” e que a pasta “tem inves-
tido em fiscalização para garantir a qualidade dos serviços
contratados e a dignidade humana.”
Instituições privadas, essas comunidades acabam por
prosperar porque a rede pública não tem capacidade de li-
dar com a elevada demanda. Até aí, tudo bem. Mas por
que, então, não se faz uma política de controle dessas orga-
nizações, com acompanhamento de resultados e do uso do
dinheiro público? Estima-se que atualmente 80 000 brasi-
leiros estejam sob os cuidados de uma comunidade tera-
pêutica — uma fatia deles justamente nas vagas subsidia-
das pelo governo. Quando surgiu no Reino Unido, nos anos
1950, o modelo despontava como uma alternativa ao velho
tratamento manicomial, mirando um cuidado mais huma-
nizado, e assim se espalhou pelo mundo. Mas, ao insistir
no isolamento, foi sendo suplantado por táticas mais avan-
çadas e ficando defasado. É sobre essa trilha do atraso que
a gestão federal teima em caminhar. ƒ

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PRIMEIRA PESSOA

ARQUIVO PESSOAL

1|4
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A DOR NÃO PASSA


Andreia de Oliveira, 41, fala da batalha que trava contra o
Flamengo após cinco anos do incêndio que matou seu filho

EM 8 DE JANEIRO DE 2019, meu mundo desabou. No


trabalho, uma amiga me perguntou se Christian, meu fi-
lho, estava em casa. Disse que naquele dia ele estava no
Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo,
para onde tinha ido treinar na véspera. Aí ela me mostrou
uma reportagem que falava sobre o incêndio que havia
acabado de acontecer por lá. Meu coração gelou, e liguei
para ele, na esperança de que iria me atender. Nada. En-
trei no primeiro táxi que vi, a viagem mais demorada e
angustiante da minha vida. No caminho, ligava para as
pessoas e pedia a todos que orassem para que estivesse vi-
vo. Falei com a namorada dele, por quem era apaixonado.
Assim que cheguei, vi um dos funcionários do CT que co-
nhecia e perguntei do Christian. Pela expressão de triste-
za, logo entendi que meu filho não tinha sobrevivido. Não
senti o corpo e desmaiei. Só pensava: como vou seguir

2|4
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sem o meu menino? Cinco anos após a tragédia, a respos-


ta é: com uma dor que não passa.
Quando tudo aconteceu, o Flamengo não me ligou.
A confirmação veio pela televisão, que colocou o nome de
Christian entre os mortos. O primeiro contato com o clube
se deu uma semana depois, num jogo no Maracanã, que re-
uniu familiares dos dez adolescentes que perderam a vida.
Aquela partida foi emocionante. O maior sonho do Chris-
tian era entrar em campo ali. Foi nessa ocasião que mencio-
naram uma ajuda financeira aos parentes das vítimas. Mas
o descaso era tanto que o presidente do Flamengo, Rodolfo
Landim, nem nos cumprimentou. Comecei a receber 5 000
reais por mês, que divido com o pai do Christian. Eles que-
rem virar a página a todo custo, sem assumir a responsabili-
dade. As investigações mostraram que o clube foi avisado de
que havia problemas na estrutura do Ninho quase dez anos
antes e nada fez. Desde o princípio, o Flamengo tenta se es-
quivar, lançando a culpa sobre outras empresas, funcioná-
rios e até a chuva. O fato é que entregamos Christian acredi-
tando estar em local seguro, e ele saiu de lá sem vida.
As negociações sobre a indenização começaram de ver-
dade apenas em 2021. Ao contrário das outras famílias, deci-
dimos não aceitar o valor oferecido porque achamos que não
cabe a eles, do Flamengo, precificar a tragédia pela qual res-
pondem como réus. Somos criticados por alguns por não
aceitarmos o acordo, mas vamos em frente. Cada audiência é
uma tortura. Sou obrigada a reviver toda a história, e o luto

3|4
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bate forte. Preciso também lidar com a frieza do clube. Sinto


que, para eles, meu filho não tem importância. Em outubro
de 2023, na última vez em que compareci ao tribunal, teste-
munhei o deboche dos advogados em relação à indenização,
insinuando que eu quero ganhar em cima da tragédia. A úni-
ca coisa que eu queria mesmo é meu filho de volta. Como não
é possível, luto por um acerto digno, por justiça (chegou a cir-
cular a cifra de 8 milhões de reais, mas ela não confirma).
Dói demais saber que o Flamengo, mesmo alertado da si-
tuação irregular dos alojamentos, ignorou o perigo. O sonho
de Christian foi interrompido por puro descaso de um clube
poderoso. Meu filho era minha base, meu pilar. Era um me-
nino diferente, amoroso e, ao mesmo tempo, muito ambicio-
so. Ele estava determinado a dar uma condição melhor a
mim, ao pai e aos dois irmãos. Sigo adiante sem uma parte
de mim, que jamais será preenchida. Perdi um filho que era
amigo e até conselheiro, ainda tão novo, com seus 15 anos.
O sentimento é avassalador. Não o desejo a ninguém. Convi-
ver com esse luto exige força, e ela vem, em parte, das me-
mórias que guardo. Nunca vou esquecer a ternura contida
no abraço do meu filho. Isso ninguém me tira. ƒ

Depoimento dado a Mafê Firpo

4|4
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GERAL AMBIENTE

A MATA ATLÂNTICA
NA UTI
Novo estudo de fôlego mostra que 82% das
espécies endêmicas do bioma estão ameaçadas de
extinção e podem desaparecer sem políticas
efetivas contra o desmatamento VALÉRIA FRANÇA

DIVERSIDADE A celebrada região: mais de 5 000 espécies


distintas, sendo 2 000 endêmicas

MICHAEL RUNKEL/ROBERT HARDING/AFP

1|6
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A HISTÓRIA de como o pau-brasil despertou o interesse


dos portugueses que aqui desembarcaram pela primeira
vez, há mais de 500 anos, é conhecida. Com sua cor aver-
melhada, o tronco tinha enorme valor como matéria-
prima de corantes, e sua exploração se mostrou extrema-
mente lucrativa. Caravelas saíam da antiga colônia tropi-
cal carregadas. Com o tempo e o desmatamento avassala-
dor, a espécie chegou a ser considerada extinta na virada
do século XX. O pau-brasil, lembre-se, é apenas uma das
mais de 5 000 espécies da Mata Atlântica, que de tão de-
vastada ao longo da história conserva hoje apenas 20%
da cobertura original. Um estudo recente da revista Scien-
ce, referência na comunidade científica mundial, aponta
para cenário ainda mais preocupante — ainda que seja o
único bioma brasileiro contemplado com leis específicas
sobre o uso do território. O controle fracassou.
De acordo com o levantamento, 82% das mais de 2 000
espécies de árvores endêmicas da mata estão ameaçadas
de extinção. “Esperávamos encontrar algo em torno de
60%”, diz o coordenador da pesquisa, o brasileiro Renato
Lima, professor do Departamento de Ciências Biológicas
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
Das 5 000 espécies presentes na região, incluindo aquelas
que também aparecem em outros cantos, 65% enfrentam
algum tipo de risco. Trata-se de um estudo de fôlego, o
maior já realizado, e parte de uma avaliação completa das
populações arbóreas da Mata Atlântica. Lima e sua equipe

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ALERTA VERMELHO
Das 2 460 espécies endêmicas da Mata Atlântica,
2 025 estão ameaçadas

11%
EM RISCO CRÍTICO DE EXTINÇÃO

52%
EM RISCO DE EXTINÇÃO

19%
EM ESTADO DE VULNERABILIDADE

BRASIL
ÁREA
DE MATA
ATLÂNTICA

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ESPÉCIES AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO

PA U - B R A S I L

Nos últimos 45 anos, o


pau-brasil, árvore que deu
LENA TRINDADE/BRAZIL PHOTOS/GETTY IMAGES

nome ao país, teve 84% de


sua população devastada
e hoje está em risco crítico
de extinção

ARAUCÁRIA

O pinheiro-do-paraná,
variedade de araucária
comum no estado da
Região Sul, perdeu mais
HEINTZ JEAN/HEMIS.FR/AFP

da metade de sua
representação no bioma

ARARIBÁ

Encontrada em nove
estados, incluindo Bahia e
Mato Grosso, é uma das
espécies que mais sofrem
com a devastação e
é citada como vulnerável
DIVULGAÇÃO

Fonte: Science

4|6
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conseguiram reunir dados da região que estavam disper-


sos, incluindo 3 milhões de registros de herbários e de in-
ventários florestais, além de informações detalhadas sobre
a biologia, a ecologia e os usos das espécies de árvores,
palmeiras e samambaiaçus, fósseis vivos das florestas pri-
mitivas. Além disso, inovam ao usar na classificação três
critérios — e não apenas um, o geográfico —, da União In-
ternacional para a Conservação da Natureza (IUCN), auto-
ridade mundial em espécies ameaçadas.
Além da situação crítica de espécies já conhecidas, co-
mo o pau-brasil, citado como em “risco crítico de extin-
ção” por conta da redução de mais de 80% de sua popula-
ção, árvores como a araucária, o palmito-juçara e a erva-
-mate, entre muitas outras, também correm perigo. Se-
gundo os dados levantados, apenas 7% das espécies endê-
micas apresentaram um declínio populacional inferior a
30% nas últimas três gerações — qualquer índice acima
disso impõe alerta. “O estudo mostra quais são e onde es-
tão as espécies mais ameaçadas”, diz Eduardo Fernandez,
coordenador de projetos do Núcleo de Avaliação do Esta-
do de Conservação da Flora, localizado no Jardim Botâ-
nico, no Rio de Janeiro, um dos parceiros de Lima no le-
vantamento. A partir das informações, será lançada uma
edição atualizada da Lista Vermelha, que mostra o real
estado de conservação das espécies brasileiras.
A divulgação do resultado surpreendeu os especialistas
em estudos de conservação do bioma. “A Mata Atlântica

5|6
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está na UTI”, diz Luis Fernando Guedes Pinto, diretor-exe-


cutivo da Fundação SOS Mata Atlântica. “Se continuar
nesse ritmo, vai acabar.” Pode haver algum alarmismo,
mas convém ressaltar que o estudo não leva em conta o
aquecimento global. A emergência climática transforma a
Mata Atlântica em um “hotspot da biodiversidade”, como
são chamadas as regiões ricas em espécies endêmicas e
ameaçadas. Até 2025, o Brasil se comprometeu a reduzir
as emissões de gases de efeito estufa em 37%, mas ainda
há muito o que fazer. Hoje, a maioria das políticas públicas
está centrada na Amazônia. “A Mata Atlântica continua a
sofrer grande pressão da agropecuária, principal vetor de
perda de vegetação nativa”, diz Pinto. Sem uma política de
desmatamento zero, o futuro é incerto. ƒ

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GERAL COMPORTAMENTO

AFASTA DE MIM
ESSE CELULAR
Longas horas de navegação depois, uma turma vem
tentando aderir ao detox digital, que ganha impulso em
resorts off-line e na sala de aula, onde smartphones
já não entram MAFÊ FIRPO

ELE LÁ, EU CÁ Aparelho a distância: o processo


de desintoxicação exige mudança de hábitos

WESTEND61/GETTY IMAGES

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NESTES ultraconectados tempos, em que a humanidade se


deixa absorver mais de seis horas diárias pela tela do celu-
lar, hábitos cotidianos vêm sendo radicalmente transforma-
dos. Às vezes, é difícil balizar o que se desenrola em terreno
saudável do que se torna excessivo, mas certos sinais já fo-
ram vastamente elencados como indícios de que o aparelhi-
nho que tanto fascina pode estar dragando mais energia do
que o desejável. Interromper a cada instante uma tarefa para
dar aquela lida nas notificações que não param de chegar,
esticar a hora de dormir por não conseguir pôr um ponto fi-
nal na navegação, ser acometido pelo medo de perder algo
de importante se não consultar as redes sociais e sentar-se à
mesa sempre com ele, o smartphone, ao lado — esse é um
roteiro muito comum, que deve ser evitado.
Para a turma que não consegue frear o uso, e não é pou-
ca gente, o jeito, segundo especialistas, é recorrer a uma
prática que ganhou até nome: detox digital. A ideia é ir re-
duzindo o período de conexão, ou até baixá-lo a zero, para
deixar de sofrer os efeitos negativos do exagero — falta de
concentração, ansiedade, insônia — e ir além, sedimentan-
do uma relação mais consciente e razoável com o objeto
que virou quase uma extensão das mãos.
Não raro, é preciso um empurrãozinho para desapegar, e
nesta hora uma série de iniciativas pode ajudar — a começar
pelas restrições no ambiente escolar, onde os celulares têm
sido cada vez mais recolhidos nos portões, inclusive em co-
légios brasileiros. É nesta mesma direção que caminha um

2|6
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DIVULGAÇÃO

AGENDA CHEIA Ioga em resort peruano: sem tempo para


pensar em celular

ascendente nicho do detox digital composto por hotéis e re-


sorts mundo afora, que confiscam o aparelho no check-in e
lotam a agenda esvaziada pela experiência off-line, com ze-
ro de conexão, de atividades as mais variadas, para o corpo
e a mente. Um dos mais belos exemplares do gênero é o Wil-
lka T’ika, na lista dos melhores neste rol, localizado em ce-
nário peruano deslumbrante, entre Machu Picchu e Cusco.
Por cerca de 1 400 reais por dia, o hóspede ali se desvincula
da internet e até da TV e embala em uma estada recheada
de ioga, meditação e pintura. Celular, só mesmo em caso de
emergência. Pioneiro no ramo, o Digital Detox Retreat, cria-
do na Califórnia em 2012, quando as pessoas já estavam su-

3|6
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gadas por seus smartphones, funciona como um retiro: nin-


guém dá o nome verdadeiro nem fala de trabalho e qualquer
sorte de tecnologia fica em casa.
Mesmo com tudo milimetricamente pensado para rom-
per o elo umbilical entre homem e celular, o processo não é
fácil, já que envolve questões fisiológicas e mexe com o cére-
bro. O ciclo desta dependência tem a ver com o prazer ime-
diato que proporciona, ao desencadear uma maciça libera-
ção de dopamina, justamente o hormônio que resulta na fe-
liz sensação. “As redes geram entretenimento quase que in-
finito, criando um rush de dopamina. O problema é que,
quanto mais ela é liberada desse jeito, menos o indivíduo
produz o hormônio naturalmente”, diz o neurocientista Li Li
Min, da Unicamp. Romper tal lógica exige alto esforço, so-
bretudo entre as jovens gerações, que desde cedo tiveram
um teclado ao alcance dos dedos. Colônias de férias vêm
dando sua contribuição ao barrar os smartphones e estimu-
lar o detox. A estratégia é fornecer a crianças e adolescentes
atividades que lhes garantam o bom uso do tempo, como
ocorre na Kihu, no Rio de Janeiro. “Não senti falta do celu-
lar. Voltei para casa e perdi até a vontade de usar”, conta a
estudante Antônia Ribas, 17 anos, que costumava passar
mais de cinco horas por dia em frente à telinha.
Sabidamente, não é assim para todo mundo — a maioria
acaba se rendendo à tentação de, após a privação, voltar à
carga nos posts e likes. A desintoxicação que conduz a efei-
tos duradouros requer um afastamento do aparelho de mais

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ARQUIVO PESSOAL
LIGANDO E ATENDENDO
O geógrafo Tobias Burgos comprou um dumbphone,
sem acesso à internet. “Percebi que não precisava ficar
tão conectado”, diz

ou menos um mês. Não que a pessoa não vá retornar à nave-


gação, o que nem é o objetivo, mas poderá criar um laço
mais saudável com a tecnologia. “Hoje em dia, é necessário
ter uma consciência digital”, afirma o sociólogo Robson
Campanerut, do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará. Isso é mais difícil para a garotada,
que, se não for advertida pelos pais, vai deixando a hora pas-
sar entre um clique e outro. A ciência classifica como nomo-
fobia o medo de se ver sem acesso ao celular. Vício mesmo é

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quando a pessoa apresenta quadro de agressividade ao lhe


tirarem o smartphone e isso impacta suas relações pessoais.
“Passar mais de três horas conectado por dia é preocupante,
e não raro provoca problemas de saúde mental”, diz a psi-
quiatra Mila Maia Santiago.
Neste cenário, as escolas, que tanto incentivaram o in-
gresso da tecnologia na sala de aula, sobretudo na pande-
mia, agora estão podando o uso de celulares e, em alguns
casos, os vetando por completo. Tudo sob aplausos das fa-
mílias, que querem ver a regra implantada, mas não têm lá
muita coragem ou força para impedir que os rebentos saiam
de casa com o aparelho — e dá-lhe pôr a responsabilidade
nos diretores e professores. Um de cada quatro países — en-
tre eles muitos europeus, EUA e Brasil — já concebeu nor-
mas para diminuir a presença dos eletrônicos em prol da
melhora do rendimento. O prefeito Eduardo Paes, do Rio,
acaba de publicar um decreto proibindo o aparelho inclusive
no recreio. Contudo, é necessário alcançar um ponto de
equilíbrio — a conexão, se bem usada, pode abrir um mun-
do muito útil ao saber. Enquanto luta para atingir esse eleva-
do estágio, porém, uma ala de fissurados por redes mergu-
lhou no túnel do tempo e comprou um dumbphone, aquele
celular à moda antiga, que só liga, sucesso nos anos 2000.
“Vejo todos os meus amigos perdendo tempo com seus
smartphones e percebi que não precisava disso para minha
vida”, avalia o geógrafo Tobias Burgos, 27 anos. Parece que
bateu nele a tal consciência digital. ƒ

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GERAL AVIAÇÃO

NASA

X-59 O modelo desenvolvido pela Nasa em parceira com a


Lockheed: voo inaugural no início de janeiro

REVOLUÇÃO
SILENCIOSA
Duas décadas depois do fim de linha para o
Concorde, nasce uma nova era dos aviões
supersônicos — agora sem o estrondo inviável
de antes FÁBIO ALTMAN

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BOOM SUPERSONIC/DIVULGAÇÃO

OVERTURE A aeronave da Boom Technology, prevista para


subir em 2030, já tem encomendas

HÁ UM FASCÍNIO especial e permanente com o Concor-


de — o avião comercial supersônico que cortou os céus de
brigadeiro entre meados dos anos 1970 e o início dos anos
2000. A aeronave, uma parceria do Reino Unido e da
França, com bandeiras da British Airways e da Air France,
é a um só tempo passeio nostálgico e desafio tecnológico.
“Lírica, maravilhosa, inacreditável”, disse o banqueiro
americano Leo Erman ao definir a primeira viagem de
passageiros acima da barreira do som, a mais de 2 170 qui-

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lômetros por hora, em 21 de janeiro de 1976 — acompa-


nhada por um repórter de VEJA, no trajeto entre Paris e
Rio de Janeiro, em apenas seis horas de travessia. A bordo
— apesar do exíguo espaço entre os assentos — era luxo
só, com passagens a 10 000 dólares. No cardápio, caille en
gelée e vinho Château Pichon Lalande, safra 1970, além de
baldes de champanhe. E pasme: fumava-se, e muito.
Da janela, a cerca de 18 000 metros de altitude via-se
a curva da Terra — para espanto, hoje, dos terraplanistas
de plantão. Do ponto de vista de avanço tecnológico, pa-
ra além da velocidade, havia um calcanhar de aquiles: o
estrondo inaceitável do pássaro de alumínio. O ruído che-
gava a 105 decibéis, o equivalente a um trovão ou uma
sinfonia de motosserras. Ao sobrevoar os oceanos, ape-
sar dos evidentes danos para a fauna, aceitava-se o baru-
lhão. Na proximidade das cidades, não. O nó auditivo é
que, a rigor, dadas as necessárias pressões ambientais,
fez o Concorde pousar para sempre. No ano 2000, um
acidente — o primeiro e único — no aeroporto parisiense
Charles de Gaulle, com 113 mortos, deu início ao epílogo
da aventura da “máquina do tempo”, como muitos o cha-
mavam. E então, em 2003, parou de decolar.
Aquela era mágica parece estar voltando — agora
emoldurada por magníficos saltos de engenharia aero-
náutica. Há duas semanas, a Nasa, a agência espacial
americana, em parceria com a Lockheed Martin, revelou
ao mundo, em voo inaugural, o X-59, o filho crescido do

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RON MORAN/DAILY EXPRESS/GETTY IMAGES

“MÁQUINA DO TEMPO” 1976: o interesse à véspera


da primeira viagem

Concorde. O objetivo principal: ser mais silencioso. Não


por acaso, o codinome do projeto é QueSST, o acrônimo
para Quiet SuperSonic Technology, ou Tecnologia Super-
sônica Silenciosa. O que se pretende — e o voo de agora
foi bem-sucedido — é baixar o ruído a 75 decibéis, dentro
das normas, equivalente ao ronco do motor de um carro
a combustão. Uma outra empresa americana, a Boom Te-
chnology, desenvolve trabalho semelhante, com o Over-

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ture, previsto para subir em 2030, mas que já tem enco-


mendas feitas por companhias como a United, a Ameri-
can e a Japan Airlines. “O lançamento do X-59 é um mar-
co para alcançar a meta que buscamos, a de controlar o
estrondo sônico”, disse Catherine Bahm, gerente da equi-
pe de desenvolvimento.
É vitória do design — com aeronaves mais longas e
mais finas, nas quais o nariz representa um terço do tama-
nho do veículo. Mas é conquista também da adaptação de
motores, afeitos a “espalharem” as ondas de choque, insta-
lados na parte superior do canudo de titânio e não inferior,
como de praxe. Quando um avião voa acima da velocidade
do som, as moléculas de ar não conseguem escapar para
os lados — o estardalhaço se origina na ponta e termina na
cauda. O efeito contínuo, como num túnel, é ensurdecedor
para quem está no chão. Por isso, celebra-se a revolução si-
lenciosa da Nasa e seus pares. “O X-59 pode soar como um
trovão distante no horizonte ou como alguém fechando a
porta de um carro na esquina”, exagera Craig Nickol, con-
selheiro sênior da Nasa. A resposta sonora, aceno ao am-
bientalismo, para não incomodar os vizinhos lá embaixo,
ofusca um outro dado fascinante: o X-59 promete ser duas
vezes mais rápido do que o Concorde, o que representaria
voo de apenas três horas entre Paris e Rio de Janeiro.
“A busca de velocidade — ao lado do alcance e da capaci-
dade de levar passageiros ou carga — foi sempre sexy”, diz
Gianfranco Beting, consultor de aviação, publisher da re-

5|6
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vista Flap. “A rapidez é busca inerente da raça humana, es-


tá no assombro com o liquidificador, na corrida do cãozi-
nho e do cavalo, no carro e no avião.”
As tais três horas hipotéticas entre a Torre Eiffel e o
Cristo Redentor são um período curtíssimo, mas suficien-
te para a estripulia um tantinho cleptomaníaca de famo-
sos naqueles anos dourados: diz a lenda, nunca negada,
que Andy Warhol surrupiava os talhares de prata dese-
nhados por Raymond Loewy sempre que viajava de Con-
corde. E, a bem da verdade, ainda hoje é possível comprar
no site de vendas eBay produtos oferecidos a bordo com
pompa e circunstância e agora revendidos na maior cara
de pau. Na nova temporada de supersônicos — seja com o
X-59, seja com o Overture — o melhor seria, quietamente,
à margem dessa postura torta de levar o que não é seu, fi-
car com o comentário do designer britânico Terence Con-
ran sobre o Concorde, e que bem poderia ser aplicado à
nova geração de aeronaves: “É o mais bonito e emocio-
nante objeto industrial feito pela mão do homem”. ƒ

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GERAL EDUCAÇÃO

Depois de quase desaparecerem das escolas, as letras


cursivas voltam a ser praticadas, em nome de evidentes
benefícios sociais e cognitivos MARÍLIA MONITCHELE

APRENDIZADO O movimento das mãos ao escrever: o


recurso voltou a ser compulsório para crianças da Califórnia

ISTOCK/GETTY IMAGES

1|5
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ANDRÉ HORTA/FOTOARENA

OLHAR VICIADO Leitura em tela


eletrônica: experiência é menos estimulante

COUBE AOS SUMÉRIOS, há mais de 4 000 anos, onde


hoje é o Iraque e foi a Mesopotâmia, os primeiros traços
da escrita cuneiforme, por meio de estiletes aplicados a
blocos de argila. Desde então, a capacidade de usar as
mãos para fazer registros vem sendo capítulo seminal da
história da humanidade.
A escrita cursiva é o modo mais elegante de deixar men-
sagens para a posteridade. No entanto, com a primazia avas-
saladora das telas, praticamente sumiu dos currículos esco-
lares — estrago que nem mesmo a invenção da prensa, por
Gutenberg, no século XV, foi capaz de produzir. Agora, em
fascinante pêndulo da civilização, há um movimento em
sentido contrário, a retomada do manuscrito como ferra-
menta de educação e desenvolvimento cognitivo.

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No início do ano, a Califórnia voltou a determinar o


aprendizado da letra cursiva para crianças do 1º ao 6º ano.
Outros vinte estados tem iniciativas semelhantes. No Brasil,
a Base Nacional Comum Curricular preconiza o ensino da
cursiva nos primeiros anos do ensino fundamental, depois
do aprendizado da chamada letra bastão. São passos peque-
nos, mas fundamentais, aceno ao passado de olho no futuro.
Há ótimos motivos para a retomada do antigo hábito. “Ao
segurar um lápis ou uma caneta para escrever, há um plane-
jamento visual, diversos movimentos corporais e a necessi-
dade de aplicação de mais ou menos força”, diz o neurope-
diatra Carlos Takeuchi, coordenador do departamento de
neurologia do Hospital Infantil Sabará. “Todos esses peque-
nos gestos resultam em um melhor desenvolvimento da psi-
comotricidade, além de aprendizados mais subjetivos, como
criatividade e paciência.”
Um estudo recente preparado pela Universidade Norue-
guesa de Ciência e Tecnologia identificou a relevância do es-
crever em vez de teclar: a letra cursiva estimula regiões do
cérebro que não são ativadas pela digitação. Parece, portan-
to, não haver dúvida: o papel como plataforma promove o
conhecimento. “A regra é simples”, diz Paulo Breinis, neuro-
pediatra e professor de neurologia infantil da Faculdade de
Medicina do ABC. “Para uma criança em fase de aprendiza-
do, quanto mais processos forem estimulados, maiores serão
os resultados. É sempre muito mais rico, do ponto de vista
cognitivo, que a criança aprenda a escrever a letra ‘b’, por

3|5
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CALIGRAFIA DO BEM
Estudos indicam vantagens
da escrita cursiva

FA C I L I D A D E D E
COMPREENSÃO

O ato de escrever palavras


de forma contínua promove um
entendimento mais completo

E X E R C Í C I O PA R A
O CÉREBRO

Manuscritos estimulam
partes distintas da mente mais
do que textos impressos

CONTROLE
PRECISO

A caligrafia é uma habilidade


motora que exige destreza e
beneficia os praticantes

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FINE ART IMAGES/GETTY IMAGES

HISTÓRIA A prensa de Gutenberg, do


século XV: nem ela mudou tanto o mundo

exemplo, e saiba como diferenciar sua escrita da letra ‘d’, do


que apenas aprender a digitar essas letras em uma tela.”
É raciocínio simples — mas eis aí a beleza e importância
das posturas banais. Seja para conseguir ler documentos do
passado, sem os quais não caminhamos, seja para com-
preender as cartas escritas por avós e bisavós, sem os quais
nada seríamos. Atento, o professor de história Vinícius An-
drade, da rede municipal do Rio de Janeiro, costuma levar
fontes manuscritas de textos antigos para as turmas do
7º ano, de 11 e 12 anos. “Eles sempre acham que não vão
conseguir ler”, brinca. “E ficam encantados quando conse-
guem.” Muito mais do que mera nostalgia — e nada de con-
denar a tecnologia, por óbvio —, a sobrevivência da letra
cursiva é ponte fundamental e bonita entre gerações. ƒ

5|5
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GERAL ESTILO

FICAM OS ANÉIS
A icônica joia Trinity, da Cartier, com três faixas
de ouro entrelaçadas, sobreviveu ao tempo —
e ganha agora uma nova interpretação para
atrair os jovens SIMONE BLANES
CARTIER/DIVULGAÇÃO

PERMANÊNCIA A peça de linhas sóbrias, desenhada no


apogeu do movimento art déco, em 1924: ainda moderna

1|5
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O FRANCÊS Jean Cocteau (1889-


1963), artista de infinitas atividades
e criatividade transbordante — poe-
ta, cineasta, dramaturgo, pintor etc.
e tudo o mais que fosse possível —
foi sempre personagem inspirador
para quem o cercava. Com o devido
perdão pela comparação, seria hoje
como um influencer de redes so-
ciais, afeito a mover mundos e fun-
dos. Para onde apontava seus dedos,
lá vinha uma nova onda artística e
INSTAGRAM @MAISA

comportamental. De seus dedos,


aliás, brotou uma das peças mais ce-
lebradas e perenes da joalheria, o CELEBRAÇÃO
anel Trinity, da Cartier, agora aos A apresentadora
100 anos de idade. Cocteau — um e atriz Maisa Silva,
dos pais do surrealismo, mais para 21 anos: selfie
sonhos do que para o real — usava o com a joia sempre
modelo de modo inusitado, no dedo em primeiro plano
mindinho da mão esquerda.
Ele ostentava, a rigor, duas unidades do Trinity. Adorava
mexer para cima e para baixo as três argolinhas que o com-
põem — de ouro amarelo, branco e rosa, entrelaçados. Era
um gesto que o definia, e não foram poucas as vezes em que
posou para fotografias exibindo com exuberância as joias. Pa-
ra um de seus companheiros sentimentais, o ator Jean Marais,

2|5
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parceiro no filme O Pecado Original, de 1948, ele deu de pre-


sente um Trinity colado a uma dedicatória perfeita em sua
simplicidade: “A primeira faixa é para você, a segunda é para
mim, e a terceira é o nosso amor”. A novidade, agora, como
desenlace do poder infindável do objeto: ele caiu no gosto da
chamada geração Z, formada por jovens de até 25 anos.
O que os atrai é a própria história do anel e o modo como
ele pode ser costurado com os humores atuais. Os três ele-
mentos diferentes passaram a ser vistos como a materializa-
ção de um conceito muito em voga: a diversidade. Seria, por-
tanto, uma bijuteria sem gênero, símbolo do amor em todas as
suas formas — familiar, de amizade, conjugal, para quem quer
declarar uma paixão, qualquer uma. Na origem, apogeu do
movimento art déco, o designer Louis Cartier, neto do funda-
dor da maison, pensou no número 3, considerado desde a An-
tiguidade clássica como a formação matemática perfeita, si-
nônimo de equilíbrio. Foi também aceno para uma referência
mais prosaica: Louis tinha dois irmãos, Pierre e Jacques, e, na-
quele tempo, três lojas distribuídas em Paris, Londres e Nova
York. Não demorou para que brotasse uma outra explicação:
na doutrina cristã, o nome dado à peça é usado para se referir
ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo como três manifestações
de um só Deus. Para muitos, remete ao passado, presente e fu-
turo, ou ainda ao infinito. “Além de ser atemporal, o Trinity é
simples e confortável, pode ser usado de dia, à noite e até para
dormir, sem que notemos estar lá”, diz Bianca Zaramella, pro-
fessora de joalheria do Istituto Europeo di Design (IED). E,

3|5
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CARTIER/DIVULGAÇÃO

CARTIER/DIVULGAÇÃO
IMAGINAÇÃO Cocteau e Romy Schneider:
o luxo como gesto de simplicidade

sublinhe-se, apesar de ter sido desenhado em 1924, é moder-


no, ergonômico e ainda agora de cara inovadora.
Tantos atributos o fizeram se espalhar com estardalhaço.
Depois de Cocteau, andou pelas mãos de estrelas populares e
chiques do cinema como Romy Schneider, Cary Grant, Alain
Delon, Grace Kelly e Nicole Kidman. Chegou na realeza, é ób-
vio, com destaque para Kate Middleton. E pousou, enfim, nas
articulações de ídolos infantojuvenis como a empresária Kylie
Jenner, o ator Timothée Chalamet e, no Brasil, a atriz e apresen-
tadora Maisa Silva, que não perde uma chance de fazer selfies
no espelho, de modo que o Trinity apareça na mão que segura o
smartphone. Não basta usá-lo. É preciso exibi-lo, como se fosse o
manifesto — caro, para lá de 10 000 reais — de uma geração.
O Trinity, dada sua longa vida, é peça relevante para os ne-
gócios e sobretudo para a imagem da Cartier, fundada em
1847 (valor de mercado estimado em 66,7 bilhões de reais),

4|5
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quase sempre associada muito


mais à sisudez do que à juven-
tude. O sopro juvenil, reafirme-
se, é sempre bom. “Essa nova
geração está conectada a tudo.
Eles têm acesso a tanta infor-
mação e a tantas imagens… es-
tão tão bem informados sobre o
luxo, que os seus olhos olham
tudo de uma forma diferente.
São mais exigentes e conse-
guem identificar rapidamente o
que querem ou ao que aspiram”,
disse ao jornal El País Marie-
-Laure Cérède, diretora criativa
de relógios e joias da grife. Tu-
do indica, portanto, que a car-
reira do Trinity prossegue, em
forma de símbolo — associado
também a braceletes e colares
CARTIER/DIVULGAÇÃO

com a tríade amarelo, branco e


rosa. Há muito de marketing,
INSPIRAÇÃO sim, mas há também o interes-
Louis Cartier, neto do sante movimento natural do
fundador da maison que vira cult, por merecimento.
francesa: ideia colada ao Direto ao ponto: vão-se os de-
mistério do número 3 dos, ficam os anéis. ƒ

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GERAL BEBIDAS

VINHOS DA IRA
Roubo de mais de oitenta garrafas de vinho de
um histórico restaurante em Paris mostra que
o alto valor de alguns rótulos tem despertado
a atenção de criminosos ANDRÉ SOLLITTO

TESOURO A adega do restaurante francês La Tour d’Argent:


mais de 300 000 garrafas, incluindo preciosas safras antigas

MARTIN BUREAU/AFP

1|6
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DURANTE um inventário de rotina na vasta adega do res-


taurante parisiense La Tour d’Argent — inspiração para o
Gusteau’s do genial Ratatouille — o sommelier percebeu o
sumiço de 83 garrafas. Quase nada, é verdade, entre as mais
de 300 000 estocadas debaixo do lendário salão, inaugura-
do em 1582. Entre os rótulos levados estão safras antigas do
Domaine de la Romanée-Conti, ícone da Borgonha, além de
grandes nomes de Bordeaux, como Château Margaux e
Château Petrus. Todos são extremamente cobiçados, conhe-
cidos pelo alto valor que alcançam em leilões e pela qualida-
de excepcional da bebida que contêm. A perda foi avaliada
em cerca de 1,6 milhão de dólares.
Os ladrões não deixaram vestígio. Não havia sinais de
porta arrombada. Para dificultar ainda mais a investigação
policial, o período em que as garrafas teriam sido roubadas
é largo em demasia, pode ter acontecido entre 2020 e 2024.
Sabe-se, contudo, que, da primavera de 2022 ao outono de
2023, a casa fechou para reforma. São pistas frágeis, e tudo
indica a impossibilidade de recuperar o butim.
Episódios como o do Gusteau’s — ops, do La Tour d’Ar-
gent — começam a aparecer aqui e ali, de modo discreto mas
preocupante. No ano passado, três gatunos de bom gosto en-
traram em uma loja de bebidas na Costa Brava, litoral da Es-
panha, quebraram os vidros de segurança e levaram nove
recipientes exclusivos. A ação aconteceu durante o horário de
funcionamento e foi registrada pelas câmeras de segurança,
mas ninguém foi preso. O prejuízo foi estimado em mais de

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DIVULGAÇÃO

PROTEÇÃO Sistema de armários em Milão: serviço


para colecionadores

100 000 euros. Uma única garrafa levada pelos criminosos,


um Romanée-Conti da safra 2008, era avaliada em 25 000
euros. Também em 2023, mais de 600 garrafas de rótulos
raros foram roubadas de uma loja na Califórnia por um la-
drão de casaca que fez um buraco no teto. Com uma corda,
ele desceu até a área de vinhos raros e, durante quatro horas,
selecionou preciosidades, como um Château Petrus de 2016.
No dia seguinte, o dono viu, com espanto, que havia perdido
mais de 500 000 dólares. Em 2021, outro caso famoso acon-
teceu em Cáceres, na Espanha, quando o sommelier do res-
taurante de um hotel percebeu que 45 garrafas, avaliadas em

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mais de 1,9 milhão de dólares, haviam sido levadas. Uma ex-


miss mexicana e seu companheiro foram condenados pelo
crime a uma pena de quatro anos e meio de prisão.
O interesse crescente dos criminosos pelos vinhos está re-
lacionado ao aumento constante do preço médio dos rótulos
de alta gama. Há tempos, a demanda dos endinheirados pe-
los tesouros da Borgonha e de Bordeaux tem pressionado os
valores das garrafas — desde meados da década de 2010, o
preço médio subiu 45%. A pandemia, sempre ela, teve efeito
ainda mais impressionante. Vinhos da Borgonha comerciali-
zados a menos de 200 euros no início da emergência sanitá-
ria, em maio de 2020, dispararam para mais de 320 euros
por garrafa, um aumento de 62%, dois anos depois. Mesmo
agora, com o retorno à vida normal e uma queda generaliza-
da nos preços, a categoria mais exclusiva parece imune às
flutuações do mercado. Colecionadores apaixonados têm in-
vestido altas somas para garantir lançamentos de escol.
O risco de ter uma adega roubada se junta ao contrabando
e às falsificações, problemas crônicos do mundo do vinho.
Em alguns casos, os estabelecimentos deixam suas garrafas
em locais seguros, de acesso a grupo seleto de pessoas de
confiança. Um outro recurso é instalar a adega no meio do
salão, à vista de todos, de modo a inibir a ideia de furto. Para
colecionadores particulares existem empresas que cons-
troem cofres específicos para vinhos. Outras fornecem servi-
ços de proteção em salas climatizadas e controladas, como a
Wine Vault, em Milão, com um sistema de armários fecha-

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NA MIRA
Rótulos clássicos da França
estão entre os mais cobiçados

RO M ANÉE- C ONTI
Maior ícone da Borgonha, aparece de
forma consistente entre os vinhos mais
caros do mundo. Safras mais antigas
podem custar centenas de milhares
de dólares

P E T RU S
Referência máxima da
sub-região de Pomerol, em
Bordeaux, é relativamente
recente no mundo dos grandes
vinhos, sendo reconhecido a
partir do final dos anos 1940

M A RG AUX
Um dos cinco rótulos reconhecidos em
Bordeaux pelo status de Premier Cru,
categoria máxima da região. Uma garrafa
de 1787 foi vendida a 225 000 dólares

FOTOS DIVULGAÇÃO

5|6
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dos com códigos. As próprias vinícolas têm criado sistemas


rígidos de controle em que garrafas individuais podem ser
identificadas com facilidade. Mesmo assim, é difícil reaver
qualquer vinho roubado dessa forma. Há um mercado para-
lelo em que clientes estão dispostos a comprar rótulos raros
sem fazer muitas perguntas — pagam um pouquinho menos
e saem felizes da vida. O problema é servirem de destino de
roubo — e o que seria delicioso vira vinagre. ƒ

6|6
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CULTURA CINEMA

O HORROR
MORA AO LADO
No filme Zona de Interesse, uma família nazista divide
terreno com um campo de extermínio do Holocausto —
uma história real perturbadora e acachapante
RAQUEL CARNEIRO

VIZINHOS Quintal da casa da família Höss e


Auschwitz do outro lado do muro: trama real

A24

1|8
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N
uma paisagem bucólica, a família desfruta de uma
tarde adorável e ensolarada à beira de um rio. Os
sons reconfortantes da natureza embalam o mo-
mento de lazer de pai, mãe e cinco filhos na ampla
casa de campo onde vivem. Mas, enquanto eles
transitam pelos cômodos da residência ou pelo quintal or-
nado por um belo jardim, piscina e uma enorme estufa, a
calmaria do som ambiente dá lugar a
barulhos angustiantes: ora abafados e
distantes, ora mais intensos, disparos
de armas e gritos de ódio e de dor se fa-
zem ouvir do outro lado do muro que
divide terreno com a casa. O clã, po-
rém, age com perturbadora indiferença
aos ruídos da vizinhança. O que logo se
explica: os personagens do filme Zona
de Interesse (The Zone of Interest; Esta-
dos Unidos/Reino Unido/Polônia; AS INDICAÇÕES
2023), que estreia no país na quinta-fei- FILME DO ANO
ra, 15, são um comandante nazista, sua
esposa e prole — que moram a poucos DIREÇÃO
JONATHAN
metros de Auschwitz, campo de exter- GLAZER
mínio onde 1,1 milhão de vidas foram
ROTEIRO ADAPTADO
ceifadas no Holocausto.
Sem nenhuma cena de violência ex- FILME INTERNACIONAL
plícita ou dentro do campo, o longa in-
MIXAGEM DE SOM
dicado em cinco categorias do Oscar

2|8
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oferece uma visão rara e desconfortável da tenebrosa II


Guerra. Ao mirar o dia a dia dos nazistas em vez de olhar
o sofrimento das vítimas, recurso explorado à exaustão pe-
lo cinema, o diretor inglês Jonathan Glazer, que é judeu,
toca em um ponto que serve de alerta: se uma família co-
mum é capaz de conviver impassível diante da mais inomi-
nável das atrocidades, logo, a monstruosidade não seria
uma anomalia fortuita, mas sim uma característica huma-
na — e que pode, a qualquer momento, vir à tona. A atuali-

FRIEZA O comandante e a esposa: ideal


nazista de uma vida farta aos arianos

A24

3|8
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dade da reflexão foi um impulso para Glazer adaptar o li-


vro homônimo do escritor inglês Martin Amis (1949-
2023), publicado em 2014 e inspirado no casal Rudolf e
Hedwig Höss — ele comandou por anos Auschwitz, na Po-
lônia, e foi promovido a supervisor de outros campos por
sua frieza e inventividade para matar. O pai do diretor, in-

OLHARES SOBRE O HOLOCAUSTO


Quatro filmes que observaram, de formas
distintas, a tragédia do genocídio judeu
UNIVERSAL PICTURES

A LISTA DE SCHINDLER
Clássico de Steven Spielberg, o filme de 1993 mescla
cenas violentas dos campos com ações do
empresário alemão Oskar Schindler, que salvou
judeus da morte ao empregá-los em sua fábrica

4|8
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comodado com o desejo do filho de “ressuscitar” uma fa-


mília tão cruel no cinema, sugeriu que ele os deixasse apo-
drecer no passado. Glazer, que demorou dez anos para ti-
rar o filme do papel — e notou sua urgência frente à atual
ascensão da extrema direita —, respondeu: “Eu adoraria
fazer isso, mas essa história não é passado”.
CECCHI GORI GROUP/PHOTO12/AFP

A VIDA É BELA
Dirigido e protagonizado por Roberto Benigni, o filme italiano
de 1997 mostra um pai que, levado com o filho a um campo de
concentração, distrai a criança inventando histórias e fábulas,
como se tudo ali fosse uma brincadeira

5|8
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Após o fim da guerra, instaurou-se um silêncio simbó-


lico entre muitos judeus que escaparam da morte, trauma-
tizados pelos horrores sofridos. De outro lado, simpati-
zantes do nazismo passaram a questionar o quão verda-
deiro era o relato de sobreviventes como o escritor Primo
Levi (1919-1987), que destrinchou na literatura a vida em
DIVULGAÇÃO

O MENINO DO PIJAMA LISTRADO


Baseado no livro de mesmo nome, o filme de 2008
segue dois meninos que ficam amigos através da
cerca de um campo. Sem entender a crueldade dos
adultos, frente a frente eles se veem como iguais.

6|8
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Auschwitz. Em 1978, a minissérie Holocausto, com Meryl


Streep, mudou o jogo: a produção esmiuçou de forma iné-
dita e gráfica o modus operandi dos campos. O impacto
foi tão grande que o título do programa se impôs como o
principal termo para se referir ao genocídio de judeus pe-
los nazistas. Hoje um subgênero do cinema, as tramas so-
DIVULGAÇÃO

O FILHO DE SAUL
Do diretor húngaro László Nemes, a produção de 2015
choca ao seguir de perto por um dia um judeu obrigado
a trabalhar na câmara de gás — um recorte devastador,
com o enquadramento colado nas expressões do elenco

7|8
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bre o Holocausto já exploraram pontos de vista variados


(leia o quadro). Nenhum se compara, em potência, a Zona
de Interesse.
Interpretados pelos alemães Christian Friedel e Sandra
Hüller (ela indicada ao Oscar de atriz por outro filme, o
francês Anatomia de uma Queda), Rudolf e Hedwig acre-
ditam merecer o paraíso que construíram para si na zona
de interesse — nome dado aos terrenos nos arredores dos
campos. Usufruindo de joias, dinheiro e roupas dos judeus
presos, eles incorporam as promessas de Hitler de prospe-
ridade para os arianos. Com o intuito de humanizá-los,
mas sem desenvolver empatia por eles, o diretor filma de
forma distante e original: Glazer escondeu câmeras pela
casa e acompanhou as cenas do lado de fora. Não há clo-
ses, nem vislumbres de arrependimento. Rudolf é um bom
pai. Hedwig, uma dona de casa comum. Os Höss não são
inerentemente malvados.
Eles são, em suma, a tradução exemplar da banalidade
do mal descrita por Hannah Arendt: segundo a filósofa,
quando a maldade é incorporada à rotina, sem que haja al-
guma reflexão, ela se torna trivial, fazendo com que os cri-
minosos se vejam inocentes. Como contraponto de espe-
rança, cenas em preto e branco mostram uma empregada
que escondia comida no campo. Em 1947, Rudolf foi enfor-
cado em Auschwitz. A esposa escapou, garantindo não sa-
ber das atrocidades ao lado da própria casa — uma menti-
ra típica de quem é cego ao horror dentro de si. ƒ

8|8
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CULTURA ENTRETENIMENTO

A VIRADA DA
“LOIRA-BURRA”
Como a americana Sydney
Sweeney subverteu a
fama de sex symbol para
trilhar uma carreira de
sucesso e se transformar
na queridinha da geração
Z — sem medo de exibir
seu corpo escultural

BELEZA
E AMBIÇÃO
A atriz na fina flor
de seus 26 anos:
desafiando Hollywood
a rever seus conceitos

INSTAGRAM @SYDNEY_SWEENEY

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“O MAIOR equívoco sobre mim é quando dizem que sou


uma loira-burra com peitos grandes. Na verdade, meu ca-
belo é naturalmente castanho”, explicou Sydney Sweeney
recentemente à revista inglesa Glamour — antes de cair na
risada. Aos 26 anos, a atriz americana se tornou o maior
sex symbol da geração Z por meio de campanhas de linge-
rie, entrevistas cheias de carisma e papéis em que a nudez
emocional é acompanhada pela física — a qual encara sem
ressalvas. A receita anda funcionando bem. Ela já carrega
duas indicações ao Emmy por Euphoria e The White Lo-
tus, e não sai da boca de seus 17 milhões de seguidores,
nem dos olhos dos frequentadores de cinemas. Em feverei-
ro, estrela dois filmes: Todos Menos Você — comédia ro-
mântica que vem quebrando recordes nos Estados Unidos
— e Madame Teia, lançamento da parceria entre Sony e
Marvel que estreia no país na quinta-feira 15. No strea-
ming, protagoniza o drama Reality, disponível na Mubi,
em que troca a maquiagem pelo suspense real da denun-
ciante que expôs a interferência russa nas eleições ameri-
canas de 2016. Pelo contraste entre as apostas, já é possível
proclamar: de burra, a loira não tem nada.
Pelo contrário: a atriz sempre foi a cabeça pensante por
trás de sua carreira. Em 2009, montou um plano de cinco
anos para convencer os pais a deixarem-na atuar. Funcio-
nou, e logo conseguiu papéis pequenos na TV. Em 2018,
veio a série Everything Sucks!, da Netflix, seguida do su-
cesso de crítica da HBO Objetos Cortantes e de uma ponta

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marcante em O Conto da Aia. O ano de 2019 trouxe a ado-


lescente ingênua e manipulável Cassie Howard, de Eupho-
ria, e a fama veio a galope. Insegura, a personagem utiliza
sua sexualidade como recurso de sobrevivência, feito uma
Marilyn Monroe do ensino médio. Hipersexualizada, Cas-
sie se despia frequentemente, mas Sweeney nunca viu des-
conforto: “Dezenas de homens são aclamados por traba-
lhos com nudez. Isso só é visto como degradante para mu-
lheres”, já afirmou à Variety.
Em 2020, ela fundou sua própria produtora, a Fifty-
Fifty Films, com a qual já realizou Todos Menos Você e o
terror ainda não lançado Imaculada, em que vive uma
freira corrompida — e liberta — por forças nada divinas.
Ciente de sua aparência e reputação, ela não nega temas
sexuais e, sim, os abraça, promovendo tanto suas quali-
dades quanto uma abordagem saudável e consensual.
Nos sets, sempre é acompanhada por coordenadores de
intimidade.
No tempo livre, Sweeney restaura carros vintage e os
compartilha no TikTok Syd’s Garage, pratica MMA e
mantém um relacionamento privado com o noivo, empre-
sário que se abstém dos holofotes. Se Hollywood está acos-
tumada a controlar suas estrelas como bonecas, Sweeney
força o status quo a se adaptar. Nesta geração, a “loira-bur-
ra” é musa de si mesma. ƒ

Thiago Gelli

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CULTURA CINEMA

MESSIAS MUSICAL
Nova cinebiografia de Bob Marley realça o
caráter religioso das canções do músico e retrata
o furor que o reggae causou em todo o mundo
nos anos 1970 e 1980 FELIPE BRANCO CRUZ

CHIABELLA JAMES/PARAMOUNT PICTURES

EM CENA
Kingsley Ben-Adir
no filme: ator
recriou o cantor
com direito ao
sotaque e aos
maneirismos do
músico

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A JAMAICA de meados dos anos 1970 era um barril de pól-


vora: facções políticas se digladiavam nas ruas, com saldo
macabro. Então famoso na ilha caribenha, mas desconheci-
do fora de seu país, o cantor Bob Marley decidiu fazer um
show pela paz em meio a uma onda de ataques na capital
Kingston, em 1976. Contando com a simpatia de um primei-
ro-ministro esquerdista, Marley ignorou ameaças de mem-
bros do partido rival de direita – que eram contra os rastafá-
ris, devotos da religião celebrizada pelo artista. Dois dias an-
tes do show, a casa de Marley foi invadida por um grupo que
disparou contra o músico e sua esposa, Rita. Ele foi atingido
de raspão no peito e teve o antebraço perfurado, enquanto
Rita levou um tiro na cabeça — o projétil parou a centímetros
do cérebro, amortecido por seu turbante.
Mesmo após sobreviver ao dramático atentado, recria-
do em Bob Marley: One Love, que estreia no país na quin-
ta-feira 15, o músico não abdicou do elemento que movia
sua música e espalhou o reggae pelo globo: a fé em Jah, ou
Haile Selassié I (1892-1975), o Rás Tafari, último impera-
dor da Etiópia, adorado pelos jamaicanos como um Jesus
reencarnado. Apesar dos alertas, Marley e sua esposa,
mesmo feridos, não recuaram: subiram ao palco para can-
tar a antológica War, cuja letra traz trechos de um discurso
de Selassié sobre paz e amor.
É esse ídolo messiânico, mais que o autor de hits que vêm
embalando baladas praianas há décadas, que emerge de One
Love. “Há espiritualidade no que eles fizeram naquele show”,

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IAN DICKSON/REDFERNS/GETTY IMAGES

EM AÇÃO À frente do The Wailers:


formação original da banda marcou época

disse a VEJA seu filho Ziggy Marley (leia no quadro), um dos


produtores do filme. Corporificado de forma notável pelo britâ-
nico Kingsley Ben-Adir, Marley tem sua trajetória recontada a
partir das rusgas políticas — que o forçaram, pouco após o famo-
so show pela paz, a se autoexilar em Londres. Lá, Marley mergu-
lhou em livros sobre Selassié e Marcus Garvey, teórico rastafári,
e compôs Exodus (1977), álbum cujas letras versam sobre a diás-
pora dos negros escravizados da África e pregam seu retorno ao
continente. Contra todas as previsões, o disco, gravado em par-
ceria com a banda The Wailers, teve hits como Waiting in Vain e
Three Little Birds, vendendo 1,6 milhão de cópias.
Se a questão religiosa é presença constante no longa, a mú-
sica permeia cada cena, com Marley reforçando sempre o sen-
timento por trás de cada composição. “A batida está boa, mas
falta o sentimento”, diz em uma cena, após desaprovar o ritmo
da bateria. Por meio de breves flashbacks, somos apresentados
à juventude do cantor, quando ele toma conhecimento dos ras-
tafáris e da música tocada nos guetos do país, como o calypso

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e o ska, ambas de cadência mais rápida e alegre. Quando


Marley insere seu tal “sentimento” nas músicas, reduzindo a
cadência até um andamento hipnótico e compondo letras so-
bre paz, amor e a fé em Jah, é que o reggae ganha a forma
que conhecemos hoje.
A partir daí, Marley transformou o reggae em uma febre
mundial de efeitos sentidos até hoje, do jazz ao rap e à música
eletrônica. Com reflexos, claro, no Brasil. Apesar de o filme
não mostrar a visita de Marley ao país, em 1980, a simpatia
do músico pela nossa cultura está presente em várias cenas,
com menções inclusive a Pelé. Marley amava e praticava fu-
tebol e, quando veio para cá, se sentiu em casa: revelou torcer
para o Santos e jogou bola com Chico Buarque.
Seu hábito de fumar maconha é mostrado de modo natu-
ral no filme. Marley está o tempo todo queimando uma erva,
já que ela faz parte do ritual rastafári — apesar de proibida na
Jamaica. “Toda lei é ilegal, todo governo é ilegal”, pregava. A
obediência aos preceitos da fé lhe custou a vida. Ao saber que
uma ferida no dedão do pé era um câncer, optou por não
amputá-lo por causa da religião — o que o levou à morte, aos
36 anos, em 1981. O que sobressai no filme é seu proselitismo
pela paz. Já no fim da vida, Marley voltou à Jamaica para
mais um show. No histórico concerto One Love, fez dois líde-
res rivais se reconciliarem e perdoou os atiradores que tenta-
ram matá-lo. É a prova de que se manteve fiel a suas convic-
ções, como canta na música que dá título ao filme: “Vamos
ficar juntos e nos sentir bem”. ƒ

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NEIL HALL/EPA/EFE
HERDEIRO Ziggy Marley (de azul) e o diretor Reinaldo
Marcus Green: “Reggae é sobre paz e união dos povos”

“ELE CONTINUARIA FUMANDO”


Aos 55 anos, Ziggy, filho mais velho de Bob Marley, fala sobre a cine-
biografia do ídolo e seu apreço pela maconha:

Como explicar a influência que o reggae tem até ho-


je? Não é o ritmo, e sim a mensagem. Qualquer um pode cantar na
batida do reggae. Mas, como meu pai mostrou, há uma espirituali-
dade que a torna especial.

Por que a religião ganha tanto realce no filme? O objeti-


vo é passar a mensagem de Bob Marley. O reggae é sobre paz,
amor e união dos povos.

O que seu pai diria ao ver a maconha legalizada em vá-


rios países? Ele não acreditava em leis ou governos. Continua-
ria fumando, legalmente ou não. Seu desejo era que os governos
trabalhassem pela união das pessoas. Não importava para ele co-
mo as autoridades tratavam a maconha.

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CULTURA PERFIL

BEST-SELLER DA FÉ
O pastor Junior Rostirola fundou uma igreja após
superar seu passado difícil e hoje fatura com Café com
Deus Pai, livro campeão de vendas KELLY MIYASHIRO

CAFÉ E LOUVOR
Rostirola:
“Eu questionava
Deus, mas seu
amor me salvou”
MAYCKON SANTOS

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QUANDO tinha 13 anos, Domingos Rostirola Junior vivia um


inferno pessoal. Em casa, o pai alcoólatra batia em sua mãe,
nele e nas três irmãs mais velhas. Na escola, apanhava dos co-
legas, o que o fez abandonar os estudos. Certo dia, uma vizinha
lhe fez um convite: acompanhar o louvor na Igreja do Evange-
lho Quadrangular em Itajaí, cidade de Santa Catarina onde ele
nasceu e mora até hoje. “Quando eu cheguei lá e ouvi a música,
me senti em casa pela primeira vez na vida”, relembra. Bisneto
de um imigrante italiano pelo lado paterno, Junior conta que o
antepassado batia em sua bisavó, comportamento replicado
por seu avô e depois pelo próprio pai. Por causa das agressões,
sua mãe chegou a abortar três vezes até adotar uma menina, e
enfim conseguir paz para dar à luz a mais três crianças, sendo
ele o caçula e único filho homem de uma família forjada pelos
abusos constantes. No leito de morte, em decorrência do alcoo-
lismo, o pai pediu perdão. “Deus tocou nele ali, eu senti”, diz.
Em uma jornada de superação digna de filme de Holly-
wood, Rostirola se apoiou na igreja, indo diariamente aos lou-
vores sozinho, atravessando vários bairros em uma bicicleta
capenga e precisando desviar dos valentões que às vezes cru-
zava no caminho. Lá, ganhou forças para voltar a estudar. En-
tre bicos como atendente de bar e ajudante de pedreiro, conhe-
ceu em um dos cultos uma moça, Michelle, subiu ao altar com
ela (tiveram um casal de filhos), formou-se em teologia — e,
com a graça do destino, a esposa recebeu uma herança que lhe
permitiu fundar a própria igreja, a Reviver, que hoje conta com
7 000 fiéis em Itajaí.

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FAMÍLIA
Com a esposa,
INSTAGRAM @JUNIORROSTIROLA

Michelle, os filhos
e a nora: ciclo de
violência rompido

O passado traumático inspirou o pastor — hoje convertido


simplesmente em Junior Rostirola — a escrever Café com Deus
Pai, livro devocional que tem a proposta de fazer o leitor reser-
var um tempo do dia para conversar com Deus. A aposta ren-
deu ao religioso o posto de autor nacional mais vendido de
2023, com 190 000 cópias da edição publicada pela Editora
Vida — colocando-o no topo da lista de Mais Vendidos de au-
toajuda de VEJA e apenas 50 000 abaixo de É Assim que Aca-
ba, ficção da campeã de vendas americana Colleen Hoover.
Tradição no cristianismo que ganhou força entre evangéli-
cos, os livros devocionais oferecem pílulas diárias inspirado-
ras, com conselhos ancorados em trechos bíblicos. Somado a
isso, geralmente oferecem uma “tarefa”, como um espaço para
a escrita do leitor ou um tema para a oração do dia. O formato
tem ainda um nome popular curioso: obras do tipo também
são chamadas de “pão diário”. É uma referência à história bí-
blica na qual os hebreus libertos do Egito pelo patriarca Moi-
sés vagam pelo deserto por quarenta anos — período no qual,
relata o livro sagrado, o povo era alimentado por Deus com o
maná, um pão que caía do céu diariamente.

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Lançada há poucas semanas, a versão de 2024 de Café


com Deus Pai — agora sob o selo Vélos, editora criada por
Rostirola para cuidar de suas obras — já teve 180 000 edi-
ções vendidas segundo levantamento da Bookinfo, empresa
de tecnologia que monitora os números do mercado edito-
rial com base em mais de 450 livrarias. Segundo a Vélos,
porém, só neste ano o diário mais recente já teria vendido
1,2 milhão de cópias, somando o desempenho de livrarias,
do site oficial e da comercialização interna em igrejas. Nos
Estados Unidos, o filão é altamente lucrativo, sendo a autora
e apresentadora cristã Sarah Young uma representante de
peso: sua série de livros O Chamado de Jesus, publicados no
Brasil pela Thomas Nelson, chegou a 45 milhões de cópias
vendidas no mundo.
Antes dos livros, Rostirola já era popular no meio evan-
gélico. É tido como um pastor moderninho, capaz de es-
tender as mãos inclusive ao público LGBTQIA+ em sua
igreja (leia a entrevista ao lado). Na política, seguiu a ten-
dência de seus pares conservadores nas últimas eleições,
pedindo votos para Jair Bolsonaro — embora hoje negue o
rótulo de bolsonarista. “Conheço muitas pessoas, mas isso
não quer dizer que eu concorde com tudo que fazem”, jus-
tifica. O pastor contabiliza 640 000 seguidores só no Ins-
tagram, onde posa em fotos que evidenciam seu físico ma-
rombado. “É preciso cuidar do corpo e da alma”, diz ele,
que se divide entre palestras, projetos sociais e a igreja. O
best-seller da fé é incansável. ƒ

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FACEBOOK @JROSTIROLA

ENCONTRO Café com Jair:


ele pediu votos para o ex-presidente

“SOMOS MUITO ABERTOS”


Em entrevista a VEJA, Junior Rostirola evita associações políti-
cas e fala do trabalho como mensageiro da fé:

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O senhor apoiou Jair Bolsonaro nas eleições. Ain-


da é próximo da família Bolsonaro? Na verdade, eu
não sou próximo deles. Eu, como líder religioso, recebi convi-
te para ir até o Planalto para tomar um café com Bolsonaro
quando ele era presidente. Ele defendia algumas coisas que
eu achava interessantes, e aceitei. Se o Lula quiser me cha-
mar, eu também vou.

Lula tem tido dificuldade em se aproximar dos evan-


gélicos. Por que essa resistência? Há alguns princípios
que precisam ser defendidos e alinhados, mas o povo evangéli-
co sabe sentar e ouvir, então essa aproximação pode aconte-
cer. Somos muito abertos.

Quando descobriu a vocação para pastor? A partir


do momento em que pisei numa igreja, porque Deus me fez um
bom pai, algo que nunca tive, e escritor de um livro que leva
Deus às pessoas.

Sua igreja recebe pessoas da comunidade LGBT-


QIA+? Claro. Ela está com as portas abertas, e eu não posso
dizer que não pode entrar A, B ou C. Aqui não fechamos a porta
para ninguém.

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CULTURA VEJA RECOMENDA
STAR+

NEGAÇÃO Laura e Nico no filme: mãe e filha encaram


o luto que antecede a morte de um ente querido

FILME
SUNCOAST (Estados Unidos, 2024. Disponível no Star+)
O rito de passagem de Doris (Nico Parker) da infância para a
adolescência está longe de ser comum. A garota atua como cui-
dadora do irmão que tem câncer e perdeu as habilidades moto-
ras. Sua mãe (Laura Linney) vive em função do filho, relegando
a jovem à solidão. Quando o rapaz é internado em uma clínica
de cuidados paliativos, elas deparam com ativistas pró-vida
(um deles interpretado pelo ótimo Woody Harrelson), que pro-
testam ali contra a decisão de um marido de encerrar a vida da
esposa internada em estado vegetativo. Semiautobiográfico, o
filme da estreante Laura Chinn observa com perspicácia o luto
vivido antes da morte de um ente terminal, enquanto alfineta
uma dura ironia da realidade: existem vivos que estão mortos
— alguns biologicamente, mas muitos emocionalmente.

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ARCHIVART/ALAMY/FOTOARENA

MEMÓRIA Frida em um de seus


autorretratos: diário da artista ganha
reedição caprichada

LIVRO
O DIÁRIO DE FRIDA KAHLO: UM NOVO OLHAR,
de Frida Kahlo (tradução de Mário Pontes;
José Olympio; 232 páginas; 159,90 reais)
Duas décadas depois de sua publicação original,
o diário de Frida Kahlo (1907-1954) volta ao catálogo em versão
repaginada. Escrita na última década de vida da artista, a obra é
uma janela para a arte da mexicana, com desenhos e esboços,
mas também para sua biografia, com passagens que vão do re-
lacionamento com Diego Rivera ao amor pelo país e pela cultu-
ra mexicana. A nova edição traz ainda três textos inéditos, in-
cluindo um da editora responsável pelo projeto original da obra.

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DISCO
PÉROLAS NEGRAS — UM TRIBUTO A LUIZ MELODIA, vários artistas
(Universal Music; nas plataformas de streaming)
Lançado em 1973, Pérola Negra, álbum de estreia de Luiz
Melodia, marcou época por sua inventiva fusão de choro,
samba, bolero, blues, soul e jazz. Cinco décadas após seu sur-
gimento e sete anos após a morte do artista, Criolo, Mart’ná-
lia, Mahmundi, Sandra de Sá, Anelis Assumpção, Zezé Mot-
ta e Liniker gravaram seus principais sucessos, como Magre-
linha, Estácio, Holly Estácio e Pra Aquietar, todas com ar-
ranjos mais enxutos e que valorizam a poesia e a musicalida-
de do poeta do Morro de São Carlos. ƒ

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CULTURA OS MAIS VENDIDOS

OS MAIS VENDIDOS
FICÇÃO
1 a Garota Do LaGo
Charlie Donlea [0 | 170#] FARO EDITORIAL

2 imPerfeitos
Christina Lauren [4 | 17#] FARO EDITORIAL

3 a bibLioteCa Da meia-noite
Matt Haig [2 | 73#] BERTRAND BRASIL

4 PeQuena CoreoGrafia Do aDeus


Aline Bei [0 | 1] COMPANHIA DAS LETRAS

5 é assim Que aCaba


Colleen Hoover [1 | 125#] GALERA RECORD

6 uma aLma De CinZas e sanGue


Jennifer L. Armentrout [0 | 1] GALERA RECORD

7 os sete mariDos De eVeLYn HuGo


Taylor Jenkins Reid [3 | 108#] PARALELA

8 tuDo é rio
Carla Madeira [5 | 71#] RECORD

9 é assim Que Começa


Colleen Hoover [7 | 63] GALERA RECORD

10 Pessoas normais
Sally Rooney [0 | 1] COMPANHIA DAS LETRAS

AUTOAJUDA E ESOTERISMO
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NÃO FICÇÃO
1 muLHeres Que Correm Com os Lobos
Clarissa Pinkola Estés [0 | 147#] ROCCO

2 ViVenDo Como um Guerreiro


Whindersson Nunes, Gabriel Chalita [0 | 1] SERENA

3 o PrínCiPe
Nicolau Maquiavel [4 | 32#] VÁRIAS EDITORAS

4 nação DoPamina
Anna Lembke [1 | 29#] VESTÍGIO

5 Quarto De DesPejo — Diário De uma faVeLaDa


Carolina Maria de Jesus [2 | 62#] ÁTICA

6 tem Que ViGorar!


Gil do Vigor [0 | 1] GLOBO LIVROS

7 afetos CoLaterais
Bettina Bopp [0 | 1] PLANETA

8 saPiens: uma breVe História Da HumaniDaDe


Yuval Noah Harari [5 | 356#] L&PM/COMPANHIA DAS LETRAS

9 o neGóCio Do jair
Juliana Dal Piva [0 | 4#] ZAHAR

10 boX bibLioteCa estoiCa: GranDes mestres


Vários autores [6 | 27#] CAMELOT EDITORA

INFANTOJUVENIL
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AUTOAJUDA E ESOTERISMO
1 Café Com Deus Pai 2024
Junior Rostirola [1 | 7#] VÉLOS

2 Hábitos atômiCos
James Clear [2 | 35#] ALTA BOOKS

3 seja f***!
Caio Carneiro [0 | 114#] BUZZ

4 Café Com Deus Pai: Porções Diárias De renoVação


Junior Rostirola [0 | 44#] VIDA

5 o Homem mais riCo Da babiLônia


George S. Clason [3 | 53#] HARPERCOLLINS BRASIL

6 a PsiCoLoGia finanCeira
Morgan Housel [7 | 23#] HARPERCOLLINS BRASIL

7 18 PrinCíPios Para VoCê eVoLuir


Charles Mendlowicz [0 | 1] CITADEL

8 os seGreDos Da mente miLionária


T. Harv Eker [5 | 448#] SEXTANTE

9 essenCiaLismo
Greg Mckeown [8 | 30#] SEXTANTE/GMT

10 Como faZer amiGos & infLuenCiar Pessoas


Dale Carnegie [6 | 116#] SEXTANTE

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INFANTOJUVENIL
1 CiDaDe Da Lua CresCente: Casa De CHama
e sombra Sarah J. Maas [0 | 1] GALERA RECORD

2 o PeQueno PrínCiPe
Antoine de Saint-Exupéry [1 | 404#] VÁRIAS EDITORAS

3 e foi assim Que tuDo muDou


Thais Bergmann [0 | 1] ASTRAL CULTURAL

4 o LaDrão De raios
Rick Riordan [2 | 42#] INTRÍNSECA

5 Deusa De sanGue
FML Pepper [0 | 1] PLANETA MINOTAURO

6 Contra toDas as PossibiLiDaDes Do amor


Rebekah Crane [0 | 1] FARO EDITORIAL

7 HarrY Potter e a PeDra fiLosofaL


J.K. Rowling [7 | 413#] ROCCO

8 as VantaGens De ser inVisíVeL


Stephen Chbosky [0 | 11#] INTRÍNSECA

9 as CrôniCas De nárnia: PrínCiPe CasPian


C.S. Lewis [0 | 1] HARPERCOLLINS BRASIL

10 HarrY Potter e as reLíQuias Da morte


J.K. Rowling [0 | 32#] ROCCO

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[A|B#] — A] posição do livro na semana anterior B] há quantas semanas


o livro aparece na lista #] semanas não consecutivas

Pesquisa: Bookinfo / Fontes: Aracaju: Escariz, Balneário Camboriú: Curitiba, Barra Bonita: Real
Peruíbe, Barueri: Travessa, Belém: Leitura, SBS, Travessia, Belo Horizonte: Disal,
Jenipapo, Leitura, Livraria da Rua, SBS, Vozes, Bento Gonçalves: Santos, Betim: Leitura,
Blumenau: Curitiba, Brasília: Disal, Leitura, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Cabedelo: Leitura,
Cachoeirinha: Santos, Campina Grande: Leitura, Campinas: Disal, Leitura, Livraria da Vila,
Loyola, Senhor Livreiro, Vozes, Campo Grande: Leitura, Campos do Jordão: História sem
Fim, Campos dos Goytacazes: Leitura, Canoas: Mania de Ler, Santos, Capão da Canoa: Santos,
Caruaru: Leitura, Cascavel: A Página, Colombo: A Página, Confins: Leitura, Contagem: Leitura,
Cotia: Prime, Um Livro, Criciúma: Curitiba, Cuiabá: Vozes, Curitiba: A Página, Curitiba,
Disal, Evangelizar, Livraria da Vila, SBS, Vozes, Florianópolis: Curitiba, Catarinense,
Fortaleza: Evangelizar, Leitura, Vozes, Foz do Iguaçu: A Página, Frederico Westphalen: Vitrola,
Garopaba: Livraria Navegar, Goiânia: Leitura, Palavrear, SBS, Governador Valadares: Leitura,
Gramado: Mania de Ler, Guaíba: Santos, Guarapuava: A Página, Guarulhos: Disal, Leitura,
Livraria da Vila, SBS, Ipatinga: Leitura, Itajaí: Curitiba, Jaú: Casa Vamos Ler, João Pessoa:
Leitura, Joinville: A Página, Curitiba, Juiz de Fora: Leitura, Vozes, Jundiaí: Leitura, Limeira:
Livruz, Lins: Koinonia, Londrina: A Página, Curitiba, Livraria da Vila, Macapá: Leitura,
Maceió: Leitura, Livro Presente, Maringá: Curitiba, Mogi das Cruzes: A Eólica Book Bar,
Leitura, Natal: Leitura, Niterói: Blooks, Palmas: Leitura, Paranaguá: A Página, Pelotas:
Vanguarda, Petrópolis: Vozes, Poços de Caldas: Livruz, Ponta Grossa: Curitiba, Porto Alegre: A
Página, Cameron, Disal, Leitura, Macun Livraria e Café, Mania de Ler, Santos, SBS,
Taverna, Porto Velho: Leitura, Recife: Disal, Leitura, SBS, Vozes, Ribeirão Preto: Disal,
Livraria da Vila, Rio Claro: Livruz, Rio de Janeiro: Blooks, Disal, Janela, Leitura, Leonardo
da Vinci, Odontomedi, SBS, Rio Grande: Vanguarda, Salvador: Disal, Escariz, LDM,
Leitura, SBS, Santa Maria: Santos, Santana de Parnaíba: Leitura, Santo André: Disal, Leitura,
Santos: Loyola, São Bernardo do Campo: Leitura, São Caetano do Sul: Disal, Livraria da Vila, São
João de Meriti: Leitura, São José: A Página, Curitiba, São José do Rio Preto: Leitura, São José dos
Campos: Amo Ler, Curitiba, Leitura, São José dos Pinhais: Curitiba, São Luís: Hélio Books,
Leitura, São Paulo: A Página, B307, Círculo, Cult Café Livro Música, Curitiba, Disal,
Dois Pontos, Drummond, HiperLivros, Leitura, Livraria da Tarde, Livraria da Vila,
Loyola, Megafauna, Nobel Brooklin, Santuário, SBS, Simples, Vozes, Vida, WMF
Martins Fontes, Serra: Leitura, Sete Lagoas: Leitura, Taboão da Serra: Curitiba, Taguatinga:
Leitura, Taubaté: Leitura, Teresina: Leitura, Uberlândia: Leitura, SBS, Umuarama: A Página,
Vila Velha: Leitura, Vitória: Leitura, SBS, Vitória da Conquista: LDM, internet: A Página,
Amazon, Americanas.com, Authentic E-commerce, Boa Viagem E-commerce, Canal
dos Livros, Curitiba, Leitura, LT2 Shop, Magazine Luiza, Shoptime, Sinopsys,
Submarino, Travessa, Um Livro, Vanguarda, WMF Martins Fontes

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JOSÉ CASADO

NA SELVA DO PODER
POUCOS POLÍTICOS têm talento para expressar de for-
ma inteligente o senso comum, enquanto esculpem a pró-
pria imagem na autoindulgência. Raros são os que conse-
guem atravessar o tempo retocando esse retrato clemente
diante de plateias cativadas no culto à sua personalidade.
Lula se destaca. Como anotou o humorista Millôr Fernan-
des, é viciado em si mesmo.
O personalismo transparece na condução do governo
e, também, no controle remoto do Partido dos Trabalha-
dores. No Palácio do Planalto e no PT, muitos creem que
tudo pode. Listam argumentos: detém o poder sobre o
caixa federal; possui a virtude do porta-voz perspicaz e
conciliador da massa empobrecida; tem a sorte de candi-
dato sem competidores — ainda visíveis — para a disputa
presidencial de 2026; e gerencia uma agenda política na-
cional fragmentada por interesses oligárquicos regionais,
quase sempre divergentes.
Ecoam, no exagero, lenda similar à do “homem fera” de
“brilho celeste” que “devora e se veste de constelação” des-
crito no samba-enredo da Grande Rio para o desfile na Sa-
pucaí. Essa forma de ver, pensar e agir na política tem alto

1|4
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custo porque, quando não exclui, subestima os demais par-


ticipantes do jogo do poder. Desde o final do ano passado,
por exemplo, embala o Planalto numa crescente e nada dis-
creta interferência na disputa pela presidência da Câmara,
cujo desfecho só acontecerá daqui a um ano.
É manobra de alto risco, informa o histórico de crises re-
centes. Em 2005, Lula tentou fazer o sucessor do PT no co-
mando da Câmara. Deu na eleição do “Seu Zito”, o deputado
Severino Cavalcanti, expoente do baixo clero na bancada
pernambucana do Partido Progressista. Dez anos depois,
Dilma Rousseff tentou intervir. Deu Eduardo Cunha, do
MDB fluminense — ele acabou preso por corrupção, e ela
foi derrubada num impeachment.
Já provoca reação de quem se considera no alvo do Pla-
nalto e do PT desde o final do ano passado. É o caso do de-
putado Arthur Lira, do Progressistas de Alagoas. Ele receia
perder o poder consolidado na arbitragem de recursos do
Orçamento, via emendas parlamentares. Teme ficar escan-
teado no controle da própria sucessão e acabar atravessando
o último ano na presidência como enfeite de plenário, o que
seria um epílogo melancólico para quem escolheu coman-
dar a Câmara no estilo senhor de engenho.
Lira tem preferência na sucessão por Elmar Nascimento,
baiano condutor da bancada do União Brasil. Mostra-se in-
comodado com o balé de Lula e da corte palaciana com can-
didatos alternativos, entre eles Marcos Pereira e Antonio
Brito. Pereira é vice de Lira, encarna a ascensão dos neopen-

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“Aumentaram o
custo e os riscos
para Lula cooptar a
direita e o Centrão”
tecostais no Legislativo e chefia o Republicanos, vinculado à
Igreja Universal. Brito lidera a bancada de deputados do
PSD, pertence à elite política de Salvador e é militante da
fração social-filantrópica do catolicismo, congregada na In-
ternacional das Misericórdias.
Lira tem histórico de habilidade na adesão a governos,
qualquer governo, coerente com o figurino adotado pela
maioria do Congresso, assim resumido pelo deputado Luiz
Eduardo “Lula”, de 23 anos e quatro oligarquias pernambu-
canas no sobrenome (Queiroz Campos da Fonte Albuquer-
que): “Óculos Ray-Ban, sapato branco e oposição só fica bo-
nito nos outros”. Negociou votos da maioria do Centrão na
Câmara para o governo petista em troca de fatias do orça-
mento, do ministério e de bancos públicos, como a Caixa
Econômica e o Banco do Brasil. Minoritário no plenário,
Lula topou repetir Jair Bolsonaro e avança na consolidação
de um exótico regime de coabitação parlamentarista num
sistema de governo presidencialista.

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Conflitos são inerentes à geringonça política. No Con-


gresso, porém, desde dezembro percebe-se nos movimentos
do governo objetivos muito além da influência na sucessão
no comando da Câmara e do Senado. Entende-se que Lula
aposta na quebra da espinha dorsal do Centrão e, simulta-
neamente, na divisão do bloco de partidos de centro-direita
empurrando as atuais lideranças para a margem nos pro-
cessos de decisão. Por isso, Lira fez na semana passada um
discurso de vinte minutos dirigido ao governo, cobrando o
“cumprimento de acordos” uma dúzia de vezes e repetindo
a palavra “não” em três dezenas de frases.
Aumentaram o custo e os riscos da aposta de Lula no
Congresso para cooptar partidos da direita e do Centrão.
Mas, como no mundo mágico e selvagem do samba-enre-
do da Grande Rio, deve ficar tudo bem “enquanto a onça
não comer a lua”. ƒ

ƒ Os textos dos colunistas não refletem


necessariamente as opiniões de VEJA

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