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novembro-dezembro de 2020 – ano 61 – número 336

PERSPECTIVAS PASTORAIS
EM TEMPO DE PANDEMIA

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LIVROS:
presentes que ficam para sempre e
que podem ser abertos infinitas vezes!

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Prezadas irmãs,
prezados irmãos, graça e paz!
Estamos às portas de concluir 2020. Ano tivesse que ver conosco. As primeiras análises,
marcado por tensões, incertezas e sofrimento. até de especialistas, e os burburinhos nas con-
A pandemia do novo coronavírus lançou versas comuns quase sempre versavam sobre
sobre nós uma nuvem de incertezas.A rotina, um vírus pouco perigoso.Assistíamos à China
já tão precária, transformou-se num quadro construindo hospitais às pressas, a Europa con-
de angústia e desespero. A mudança não foi finada e o alto número de mortos contabiliza-
somente na rotina. Na verdade, a Covid-19 dos diariamente. Embora nos assombrássemos
revirou e mudou nossa vida. com os noticiários e o vírus já circulasse entre
Ainda é cedo para interpretar tantos fe- nós, ainda tínhamos o agravante: um “governo
nômenos. O medo do vírus nos ronda e até insensível”, sem projeto nacional de combate
nos bloqueia. Embora haja uma avalanche de à pandemia. Faltou projeto, mas abundaram
previsões e opiniões de todos os matizes, talvez declarações e práticas negacionistas.
precisaremos de certo distanciamento para ler Temos grandes desafios pela frente. Há
as transformações pela quais o mundo vem uma travessia que devemos enfrentar. O ter-
passando. No entanto, a leitura dos “sinais dos mo “travessia”, por sua poesia, é o que mais
tempos”, tão querida pelo ConcílioVaticano se adequaria aqui, justamente por conter em
II, pede-nos atenção. Essa leitura é urgente, si a marca da esperança. Apesar dos sinais de
sobretudo porque, no tempo presente, os que morte que se abatem sobre a realidade, nossa
mais padecem as consequências da pandemia perspectiva é a esperança. Aquela esperan-
são os pobres, os invisíveis. ça que é o combustível atuante entre o já
Um dos temas mais presentes nestes tempos realizado e o ainda não que se vislumbra no
incertos tem sido a questão da morte. Todo horizonte. A esperança é como que o brilho
dia somos lembrados pelo noticiário sobre o dos olhos de uma mãe, porque, naquele olhar,
número de óbitos das vítimas da Covid-19. ainda que haja dor, o amor é luz diante das
Somos finitos. Porém, o vírus, ainda indomável, situações mais desafiadoras.
inimigo invisível, parece aguçar a lembrança Nossa gratidão aos articulistas que com-
de nossa finitude. Quanta gente fez sua pás- põem esta edição de nossa revista. O intuito
coa neste período perturbador da história da é lançar luz sobre a realidade, desafiando-nos
humanidade! Até o momento, o Brasil tem a dar razões de nossa esperança (1Pd 3,15).
figurado como o segundo país do mundo com Afinal, nossa condição humana, embora fi-
maior número de mortos na pandemia. Vida nita, transcende a mera existência do tempo
Pastoral se solidariza com cada família e expressa e do espaço. Nosso horizonte é o eterno.
profundo pesar diante de tanta dor. Exatamente por isso, nossa sensibilidade
É possível que o índice de mortos fosse pastoral não pode se furtar aos desafios de
menos drástico se o país tivesse se preparado, acender a esperança, especialmente dos mais
com o tempo que teve, para aprender com fragilizados no atual cenário dramático da
os outros países por onde o vírus circulou existência humana, da criação, da “casa co-
primeiro. Quando o noticiário internacional mum”. Estamos todos interligados.
anunciou a existência do novo coronavírus em Boa leitura!
Wuhan, na China, parecia ser algo muito dis- Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
tante. Por aqui fomos seguindo como se nada Editor

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Sumário
ESPERAR O MUNDO QUE VIRÁ: PERSPECTIVAS
ESCATOLÓGICAS A PARTIR DA COVID19 .........................4
Revista bimestral para sacerdotes
e agentes de pastoral Leomar Antônio Brustolin
Ano 61 - No 336
Novembro-Dezembro de 2020
A IGREJA NO PÓSCOVID19: DESAFIOS PASTORAIS ... 12
Maria Cecilia Domezi
Editora
PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO PEQUENAS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS:
Jornalista responsável
UMA SAÍDA PASTORAL PARA A IGREJA
Valdir José de Castro, ssp PÓSPANDEMIA? .............................................................................. 21
Editor Normando Martins Leite Filho
Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp

Conselho editorial PADRE, A GENTE SABE REZAR! ............................................... 26


Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Carlos Henrique Alves de Resende
Darci Luiz Marin, ssp
Paulo Sérgio Bazaglia, ssp
Sílvio Ribas, ssp ROTEIROS HOMILÉTICOS ........................................................... 36
Ilustrações Francisco Cornélio Freire Rodrigues
Patrícia Campinas (artigos) e Aíla L. Pinheiro de Andrade
e Luís Henrique Alves Pinto
(Roteiros Homiléticos)

Imagem da capa
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Patrícia Campinas A revista Vida Pastoral é distribuída gratuitamente pela Paulus.
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Leomar Antônio Brustolin*

ESPERAR O MUNDO QUE VIRÁ:


perspectivas escatológicas a partir da COVID-19

*Dom Leomar Antônio Brustolin é


bispo auxiliar de Porto Alegre, doutor
em Teologia, professor na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), membro da Comissão
de Doutrina da Fé da CNBB.
E-mail: leomar.brustolin@pucrs.br

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A pandemia da Covid-19 provocou incertezas
e preocupações que incidem também sobre o ato
de crer e esperar. O mundo parou, e a consciência
da finitude se impôs sobre a humanidade.
Morte, luto, esperança e vida eterna são temáticas
que pautam a experiência humana e desafiam
os cristãos a responder ao coração inquieto.
Seguindo o Concílio Vaticano II, é preciso interpretar
o “sinal dos tempos” que emergiu em 2020.
Cabe aos discípulos de Jesus Cristo dar razões
de sua esperança (1Pd 3,15) em meio à perplexidade
do momento histórico. O tempo presente é vivido
como ocasião favorável de testemunhar,
com empatia e solidariedade, a fé na realização
das promessas de Cristo.

INTRODUÇÃO
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes
(GS), do ConcílioVaticano II, afirmou que “é
dever da Igreja investigar a todo momento
os sinais dos tempos e interpretá-los à luz
do Evangelho; para que assim possa respon-
der, de modo adaptado, em cada geração,
às eternas perguntas dos homens acerca do
sentido da vida presente e da futura, e da
relação entre ambas” (GS 4).
A emergência da Covid-19 impactou a
forma de ler a realidade, de viver o cotidiano
e de esperar o amanhã. Esse “sinal do nosso
tempo” precisa ser interpretado à luz do
Evangelho, especialmente no que se refere
à fé e à esperança cristãs. Isso implica com-
promisso do cristão com o presente histórico
e atenção ao futuro prometido em Cristo,
como recorda a Carta Encíclica Spe Salvi

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“A EMERGÊNCIA DA COVID19 IMPACTOU A FORMA DE LER
A REALIDADE, DE VIVER O COTIDIANO E DE ESPERAR O AMANHÃ.”

(SS): “A fé em Cristo nunca se limitou a çou-se tão alto grau de bem-estar, que pa-
olhar só para trás nem só para o alto, mas recia desnecessário considerar um horizonte
olhou sempre também para a frente, para a além desta vida que adoece, envelhece e
hora da justiça que o Senhor repetidas vezes morre. A busca da imortalidade pelas novas
preanunciara” (SS 41). tecnologias e a noção de que só o presente
Nesse sentido, uma abordagem sobre deve ser considerado exorcizaram qualquer
as possibilidades do futuro pós-pandemia ideia de que este mundo é finito e a pessoa
deverá tanto contemplar o horizonte do também o é.
Eterno, em que a vida não conhece fim, O individualismo, as metas do mercado,
quanto convocar à responsabilidade sobre o excesso de conectividade e a busca de um
o momento atual, revisando a relação que desempenho competitivo distraíram o ser
se estabelece com a criação. Tudo está in- humano da essência da vida. Sons, imagens
terligado, pois a fé cristã supõe uma inte- e os mais variados recursos de entreteni-
gralidade até o fim da história, quando, em mento produziram tanta exterioridade, que
Cristo, tudo será recapitulado, o que existe a vida deixou de ser “espreitada”.
no céu e na terra (Ef 1,10). Na correria do cotidiano, a mente ficou
O cristão celebra o que crê e crê cele- embotada, e a consciência, afetada. Muita
brando o cumprimento das promessas de gente questionava até a necessidade de
Cristo. O Advento é, por excelência, o tem- um Salvador, como apregoa a fé cristã. O
po litúrgico que mais evidencia a dimensão mundo, que não se percebia ameaçado nem
escatológica da Igreja. Enquanto se prepara mesmo diante da crise ecológica, tornou-
a celebração da vinda de Cristo na carne, -se surdo aos discursos que reclamavam
no Natal, igualmente se espera sua futura por maior cuidado e atenção com a vida
vinda gloriosa na parusia: em todas as suas manifestações.
De repente, um dado novo desconcertou
Naquele tremendo e glorioso dia, pas- tudo, e o mundo parou. Inesperadamente e,
sará o mundo presente e surgirá novo céu e sem preparo, o humano passou a perceber a
nova terra. Agora e em todos os tempos, dimensão de sua vulnerabilidade e finitude.
Ele vem ao nosso encontro, presente em Albert Camus, em seu romance A peste,
cada pessoa humana, para que o acolha- destaca que “os fl agelos, na verdade, são
mos na fé e o testemunhemos na caridade, uma coisa comum, mas é difícil acreditar
enquanto esperamos a feliz realização neles quando se abatem sobre nós. Houve
de seu Reino (Prefácio do Advento IA, no mundo tantas pestes quanto guerras. E,
grifo nosso). contudo, as pestes, como as guerras, encon-
tram sempre as pessoas igualmente despre-
1. PASSA O MUNDO PRESENTE venidas” (CAMUS, 2009, p. 18).
Nas últimas décadas, diversos fatores O vírus da Covid-19, com seu alto grau
influenciaram para que grande parte da de propagação, abalou as relações das pes-
humanidade desconsiderasse a finitude, o soas e afetou a economia, a política e a
sentido da vida e a transcendência. Alcan- cultura. Provocou séria reflexão sobre o

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sentido de viver e conviver num mundo
doente, ameaçado por um inimigo invi-
sível e poderoso. A ocasião leva muitas Diretório para
pessoas a “um momento de preocupação a Catequese
pelo futuro que se apresenta incerto, pelo
Pontifício Conselho para a Promoção da
emprego que se corre o risco de perder e Nova Evangelização
pelas outras consequências que acarreta a
atual crise” (FRANCISCO, 2020, p. 31).
Padre Raniero Cantalamessa, pregador
da Casa Pontifícia, em sua homilia na Sex-
ta-feira Santa de 2020, na basílica de São
Pedro – Roma, recordou que a pandemia
nos despertou intensamente para o perigo
do “delírio de onipotência”. Foi suficiente
o menor e mais informe elemento da na-
tureza, um vírus, para recordar a condição
mortal da vida humana, e nem o poderio
bélico nem a tecnologia bastaram para nos
livrar das ameaças e mortes. 

Imagens meramente ilustrativas.


Inseguro diante do desconhecimento
da nova realidade imposta por um vírus
que mata, impotente e incapaz de definir
304 págs.

as rotinas, o ser humano precisa lidar com


sua condição finita e mortal. Cresceram
a difusão de notícias sobre o sofrimento
dos agonizantes nos hospitais, as estatísticas Depois de 23 anos, a Santa Sé
sobre o número de mortos e a circulação lançou essa nova versão do
de imagens de covas sendo abertas em documento. O texto reúne as
grande escala nas metrópoles. A realidade novas diretrizes para a Catequese,
da morte ficou próxima, entrou nas casas estabelecidas para enfrentar os
pela mídia e desconcertou protocolos, pro- desafios da era digital, recordar os
cessos e projetos. A facilidade do contágio últimos Sínodos vividos e rememorar
e a consequente ameaça de morrer pelo o papel do catecumenato na
Nova Evangelização. O objetivo
vírus assombraram todos. Foi necessário
é fazer com que a Catequese seja
pensar e falar sobre a morte numa socie- mais eficaz, constitua sentido na
dade que havia erradicado esse assunto do realidade dos catecúmenos de
seu cotidiano. hoje e deixe de reproduzir a
dinâmica escolar.
2. A MORTE FAZ PENSAR
A consciência reprimida da morte mata
já em vida e torna o ser humano apáti-
Vendas: (11) 3789-4000
co em relação aos outros e a si mesmo, 0800-164011
passando a assumir preconceitos contra
as novidades e a erguer muralhas ao seu paulus.com.br
redor. A reflexão sobre a vida não deixa

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“O INDIVIDUALISMO, AS METAS DO MERCADO, O EXCESSO DE CONECTIVIDADE
E A BUSCA DE UM DESEMPENHO COMPETITIVO DISTRAÍRAM O SER HUMANO
DA ESSÊNCIA DA VIDA.”

de contemplar o limite e as perdas como todo ensinamento cristão e determina o


ocasião de compreender o mistério da presente, o futuro, a fé e a esperança de
existência em momentos de crise. quem crê. Assim, a pandemia fez caírem as
A morte traz consigo novas interro- “máscaras” de uma fé muito religiosa, mas
gações e discussões que envolvem tudo sem esperança em Cristo. Revelou que, sem
e todos. “Diante da morte, o enigma da uma mística pascal – que passa necessaria-
condição humana atinge seu ponto mais mente pela cruz e ressurreição –, não há
alto. O homem não se aflige somente pela autêntica fé cristã.
dor e pela progressiva dissolução do corpo, A promessa de ressurreição não se res-
mas também, e até mais, pelo temor da tringe ao destino da pessoa, mas abrange
perpétua extinção” (GS 18). o da história e do cosmo igualmente. Na
É, porém, justamente para exorcizar essa escatologia cristã, a humanidade, a história
possibilidade que a religião alarga a com- e toda a criação anseiam pela realização da
preensão sobre a condição mortal da vida promessa: “Deus ensina-nos que se prepara
humana. A fé se traduz como uma reação uma nova habitação e uma nova terra, na
à morte de cada ser humano: “a intuição qual reina a justiça e cuja felicidade satisfa-
do próprio coração fá-lo acertar, quando o rá e superará todos os desejos de paz que se
leva a aborrecer e a recusar a ruína total e levantam no coração dos homens” (GS 39).
o desaparecimento definitivo da sua pessoa. Esperar o Reino que não tem fim implica
O germe de eternidade que nele existe, ir- cuidar da vida, ressignificar o sofrimento
redutível à pura matéria, insurge-se contra e discernir, à luz do juízo de Deus, sobre
a morte” (GS 18). o hoje da história.
As estatísticas sobre os mortos, o luto Nesse hoje há muitos questionamentos.
reprimido pelo distanciamento social e a Há injustiças cometidas, violências repetidas
possibilidade de não sobreviver suscitam e urgências omitidas. Os sofrimentos e as
questões escatológicas. O futuro próximo mortes não são causados apenas pelo vírus
está em questão, e a esperança além da vida ameaçador, mas também pela falta de in-
também. Na recusa do desaparecimento formação, pelo descuido dos que ignoram
definitivo, a fé cristã não cria uma teoria a gravidade do momento, pelas políticas
ou uma resposta ao problema; ela acolhe a sanitárias equivocadas, pelas escolhas que
revelação de Jesus Cristo como normativa. priorizam o mercado e pelo descaso com
Cristo ressuscitado livrou o ser humano da os pobres e vulneráveis.
morte com sua própria morte. Tudo isso clama por justiça. A escato-
logia cristã, fundamentada no Evangelho,
3. SURGIRÃO NOVO CÉU prevê que todos serão julgados no amor.
E NOVA TERRA O juízo envolverá a pessoa, a história e o
O destino futuro de todo ser humano universo. Esse juízo é esperança e graça.
não será o fim, mas a vida eterna, que é
vida nova que não conhece dor, pranto ou Se fosse somente graça que torna ir-
morte. A fé na ressurreição é basilar para relevante tudo o que é terreno, Deus

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ficar-nos-ia devedor da resposta à como tédio e caos. Apregoam o fim do
pergunta acerca da justiça – pergunta mundo e interpretam a pandemia segun-
que se nos apresenta decisiva diante do uma visão catastrófica e, às vezes, até
da história e do mesmo Deus. E, se como resultado de castigo divino. É ati-
fosse pura justiça, o Juízo em definitivo tude de quem perde a fé e a esperança.
poderia ser para todos nós só motivo Confiar demais nas próprias forças pode
de temor (SS 47). ter um custo muito alto: não saber con-
fiar totalmente na surpresa de Deus. “O
Cabe considerar que muitas decisões início da fé é reconhecer-se necessitado
concretas de pessoas e instituições não são de salvação. Não somos autossuficientes,
pautadas pela verdade, bondade e beleza; sozinhos afundamos: precisamos do Senhor
são reguladas pelo mal, pelas seduções do como os antigos navegadores das estrelas”
Maligno, que tenta e seduz. É, contudo, o (FRANCISCO, 2020, p. 23). Deus está do
ser humano quem cede à opção que mata nosso lado, e não do lado do vírus.
e fere a vida do outro. Isso se faz tanto em Presunção é a atitude daquele que avalia
âmbito pessoal quanto social e até ambiental. falsamente a si mesmo e as capacidades
Toda maldade cometida não será esquecida do mundo. Identifica-se o presente com
no juízo universal. o bem que deve vir. Faz-se a idolatria da
No capítulo 25 do Evangelho de Mateus, hora, vive-se o engano da falsa esperança.
estão os critérios do juízo e a sentença já Sugerem-se soluções simplórias, fáceis e
definida pelo Justo Juiz. Cada um deve colo- até mágicas; postura essa de quem não é
car-se, desde agora, diante daquele momento realista nem prudente, visto que prefere
escatológico que se constrói pelas escolhas julgar a realidade numa ótica unilateral
realizadas ao longo da vida. Há os benditos e equivocada. A Covid-19 desmascara as
e os malditos no juízo. Tudo que for feito presunções e
ao menor dos irmãos de Jesus será contado
como se tivesse sido realizado ao próprio pega nossas sociedades despreparadas [...]
Juiz e Senhor. O futuro se constrói hoje, na em relação à nossa visão de mundo e
fé e na esperança. existência. Do que julgamos distante, e
do que é realmente próximo. Do que
4. ESPERAR E CONFIAR consideramos estritamente individual e
Na contradição entre o hoje e o ama- do que é coletivo. Do que acreditamos
nhã, entre a experiência e a espera, o ser poder nos proteger e do que isso nos
humano se defronta com as várias possi- expõe (MENDONÇA, 2020, p. 7-8).
bilidades de se posicionar em relação ao
futuro: desespero, presunção ou esperança. Esperança é a paixão por aquilo que é
Entretanto, o que mais ameaça a esperança possível. É a estrutura originária da existência
é a crise. Ela faz que se perca a confiança humana no mundo e a estrutura originante
no tempo, pois já não se sabe se haverá que qualifica a existência diante do futuro
futuro. Para Santo Agostinho, “estas duas e, ao mesmo tempo, subverte a ordem atual.
coisas matam a alma: o desespero e a falsa O humano vive na medida em que espera,
esperança” (Sermão 87,8). porque ele é esperança. Entre o já realizado e
Desespero é a atitude daqueles que ne- o ainda não alcançado, a esperança galvaniza
gam o futuro porque o identificam com o presente, suscitando novas possibilidades,
o mal que está presente. Pensam o hoje oportunidades e caminhos.

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“CONFIAR DEMAIS NAS PRÓPRIAS FORÇAS PODE
TER UM CUSTO MUITO ALTO: NÃO SABER CONFIAR
TOTALMENTE NA SURPRESA DE DEUS.”

A esperança se fundamenta na confiança as faltas humanas. É um caminho para que


na ação do Espírito Santo, que infunde con- a humanidade alcance a felicidade eterna.
forto e paz em tempos de adversidade. Essa Por um lado, a dor induz o pecador a
serenidade e alegria são penhor e antecipa- abandonar o pecado e se voltar para Deus;
ção da glória vindoura (2Cor 1,3-7). A dor, por outro, o sofrimento é vivido pelo justo
então, não é prerrogativa do apóstolo ou de como um meio da pedagogia divina. Essa
alguns cristãos, porque, na verdade, faz parte pandemia nos tornará melhores ou piores,
do ser em Cristo. Sofrer com Cristo, assim, disse o papa Francisco no Ângelus de 31
é graça especial que ultrapassa a graça da fé. de maio de 2020. Se todos entenderem o
Por isso, o apóstolo Paulo chega a anun- significado de estarmos juntos e na soli-
ciar aflições para sua comunidade cristã. dariedade que nos envolve, cresceremos.
Para ele, a dor não é apenas algo que deva A dor de Cristo se renova e continua
ser suportado, mas é, muito mais, uma luta na dor do seu discípulo. Isso acontece por-
ativa pela causa de Cristo. Assim, não se en- que Cristo não sofreu por si mesmo, mas
vergonhava nem se abatia pelos sofrimentos; pelos outros. O mesmo vale para o cristão,
ao contrário, via, nas perseguições e nos que não sofre por si, mas pelos outros.
tormentos pelos quais passava, motivo de Ele, portanto, não sofre só porque Cristo
alegria e fonte de conforto, porque sabia sofreu, mas padece porque é continuador
que se tornavam um indício da salvação ao da obra de Cristo (Cl 1,4). Enquanto for
se incorporarem à paixão de Cristo. instrumento de Cristo por essência, ele
Nesse sentido, a fé não pode ocupar-se deve sofrer pelos outros.
em responder ao porquê da pandemia e das Essa dor solidária se traduz, sobretudo,
mortes. Na Sagrada Escritura, não se en- na incansável labuta dos profissionais da
contra uma solução racional para a questão área da saúde que se dedicam a mitigar
da dor e da morte. Mesmo que os textos o sofrimento das vítimas da Covid-19.
tendam, em sua maior parte, a conceber Para poder ajudar, esses servidores da vida
a dor como resultado de uma desordem precisam lidar com o sofrimento de as-
introduzida no mundo pelo pecado, o cer- sistir às mortes ocorridas na solidão, com
to é que, biblicamente, não se sustenta a a agonia do paciente incapaz de respirar
ideia de que todo tipo de sofrimento hu- e com a carência de recursos suficientes
mano é resultado de um destino cego que para atender a todas as demandas. Para
advém sobre a humanidade. Muito mais, permanecer na missão, esses profissionais,
ele é entendido como uma disposição da mesmo sem saber e, talvez, até sem crer,
insondável sabedoria divina, a qual o ser ingressam numa comunhão profunda com
humano deve reverenciar pela força da fé. os sofrimentos de Cristo. Entenderam que
somos capazes de “sofrer com o outro,
5. SOLIDÁRIOS NA DOR pelos outros; sofrer por amor da verdade
E NO SERVIÇO À VIDA e da justiça; sofrer por causa do amor e
O fl agelo não é uma vingança, tam- para se tornar uma pessoa que ama ver-
pouco um castigo divino para descontar dadeiramente” (SS 39).

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CONCLUSÃO frer porque Cristo havia sofrido. Não era
Para quem crê, até mesmo a provação uma atitude passiva e fraca, e as tribula-
da pandemia pode estabelecer uma intimi- ções eram percebidas como sinais de que
dade com Cristo e fortalecer a esperança o tempo messiânico havia efetivamente
na vida eterna. Com ele, o sofrer implica começado. Os sofrimentos permitiam par-
tentação e convite. ticipar da paixão de Cristo, mas se esperava
Tentação, porque a dor, seja ela qual que, em breve, ocorreria sua vinda gloriosa.
for, ameaça as seguranças e certezas. Ela é Enfim, sofria-se na esperança da vitória
uma ruptura que pode fragmentar a pes- (2Ts 1,4-10).
soa. Quando o sofrimento provoca revol- Afinal,
ta, constata-se uma reação até natural de
quem se sente impotente e não consegue precisamos das esperanças – menores ou
avaliar os limites da natureza. Não raras maiores – que, dia após dia, nos mantêm
vezes, imputa-se a Deus a impotência hu- a caminho. Mas, sem a grande esperança
mana. Nesse caso, a crise atinge a fé e a que deve superar todo o resto, aque-
esperança. las não bastam. Esta grande esperança
Convite, porque ao absurdo da dor se só pode ser Deus, que abraça o universo
contrapõe a solidariedade de Cristo, a qual e nos pode propor e dar aquilo que, so-
modifica o sentido do sofrimento. Se a zinhos, não podemos conseguir (SS 16).
revolta é uma reação natural, a paz é um
dom sobrenatural a ser acolhido. Quem A pandemia da Covid-19 encerrou um
sofre pode crescer moral e espiritualmente jeito de viver neste mundo. Novos ritmos e
com essa experiência. É claro que pou- novos estilos de interação com a nova rea-
cos conseguem viver tudo isso em meio a lidade irão se impor. A falsa segurança e o
grande provação. Isso depende da capacida- delírio de onipotência ruíram. Há dúvidas,
de mística de se abandonar, incondicional- incertezas e inseguranças sobre o futuro
mente, nas mãos de Deus. É a condição de próximo. A fé cristã, porém, sustentada por
quem compreende que somente quem crê uma esperança que não decepciona (Rm
e espera em Cristo pode abrir caminhos 5,5), assegura que as promessas de Cristo
de libertação da escravidão imposta pelo se cumprirão, porque Deus é fiel (1Cor
mal. Assim, não interessa quanto se sofre, 1,9). Cabe a cada cristão acolher o tempo
mas como se sofre. presente vivendo entre as coisas que passam
No cristianismo primitivo, entendia-se e “abraçando” aquelas que não passam. A
que as perseguições, os martírios e as di- empatia, a solidariedade e a defesa da vida
ficuldades de toda sorte tinham profunda são testemunhos de uma caridade que ja-
conexão com a esperança. Aceitava-se so- mais se perderá.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENTO XVI, Papa. Carta Encíclica Spes Salvi: sobre a esperança cristã (SS). São Paulo: Paulinas, 2007.

CAMUS, Albert. A peste. Rio de Janeiro: Record, 2009.

FRANCISCO, Papa. Vida após a pandemia. Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2020.

MENDONÇA, José Tolentino de. Il potere della speranza. Milano:Vita e Pensiero, 2020.

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Maria Cecilia Domezi*

A IGREJA NO
PÓS-COVID-19:
DESAFIOS PASTORAIS
A Igreja em saída para as periferias
humanas terá de tecer proximidade
com as famílias em suas reais situações.
O exercício consciente do ministério
comum dos batizados fará superar
o centralismo clerical e o culto sem vida.
A Eucaristia celebrará o cotidiano
das pessoas, na comunhão de muitas
pequenas comunidades vivas.
E, para defender a vida, sobretudo
dos mais vulneráveis, a Igreja se fará
hospital de campanha.

*Maria Cecilia Domezi, doutora em Ciência das Religiões e mestre


em Teologia e em História Social, leciona História da Igreja no Instituto
Teológico São Paulo (Itesp). Entre seus livros está Mulheres do Concílio
Vaticano II, publicado pela Paulus. Tem experiência de trabalho pastoral
e assessoria às CEBs.

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“MÃOS HABITUADAS A ABENÇOAR E ACARINHAR
FICARAM ISOLADAS, IMPOTENTES, IMPEDIDAS
DO TOQUE FINAL DE DESPEDIDA DOS ENTES QUERIDOS.”

INTRODUÇÃO evidenciando que precisávamos nos pre-


“Estende a tua mão ao pobre” (Eclo parar para um novo tempo na história do
7,32) é o slogan da carta que, em 13 de cristianismo. As Igrejas precisavam passar
junho deste ano, o papa Francisco publicou de um estático ser cristão para um di-
como mensagem sua para o IV Dia Mun- nâmico tornar-se cristão (HALÍK, 2020).
dial dos Pobres, a ser celebrado em 15 de Vivemos o choque diante do túmu-
novembro de 2020. lo vazio de Jesus, junto com as mulheres
No intenso convívio com a incerteza discípulas. Ele não estava ali. Ressuscitado,
e a morte, nossas mãos foram dramatica- esperava-nos na Galileia (cf. Mc 15,42-47
mente sentidas, pensadas e tratadas. Tantas e 16,1-8), lugar das pessoas desprezadas e
pessoas não tinham como higienizar as descartadas.
suas, por falta de água e de recursos de Já não podemos permanecer acomo-
desinfecção. Mãos habituadas a abençoar dados em templos grandes e lotados, mas
e acarinhar ficaram isoladas, impotentes, vazios de ação missionária.
impedidas do toque final de despedida dos No dia 27 de março de 2020, foi um
entes queridos. Pelas ruas, motocicletas sinal dos tempos o vazio plenificado de
eram dirigidas por outras mãos, em ser- sentido humano envolto pelo mistério
viços de entrega de alimento, transportado divino na imensa praça de São Pedro.
nas costas por quem tinha seu estômago Francisco, bispo de Roma, ali caminhou
vazio e uma família para sustentar. sozinho, carregando no coração a dor da
Outras tantas mãos foram ao encontro humanidade e do mundo. Mostrou que a
daquelas que se estendiam na mais angus- cruz vence o absurdo, liberta-nos do medo
tiante vulnerabilidade e carência. Fizeram e nos dá esperança. Conclamou todos a
de igrejas e salões paroquiais entrepostos possibilitar “novas formas de hospitalidade,
de solidariedade, para recolher e repartir de fraternidade e de solidariedade”. E fez
alimento, agasalho e produtos de higiene. esta oração:
Mãos confeccionaram e doaram máscaras
de proteção. Mãos profissionais e cheias de Na nossa avidez de lucro, deixamo-
humanismo expuseram-se a sérios riscos – -nos absorver pelas coisas e transtornar
em tantos lugares do Brasil onde faltaram pela pressa. Não nos detivemos pe-
os adequados equipamentos de proteção rante os teus apelos, não despertamos
individual – para cuidar dos enfermos e face a guerras e injustiças planetárias,
moribundos, transportá-los, curá-los, car- não ouvimos o grito dos pobres e do
regar e sepultar os mortos. nosso planeta gravemente enfermo.
Ao mesmo tempo, sentimos o vazio Avançamos, destemidos, pensando que
dos templos fechados pela decretação do continuaríamos sempre saudáveis num
isolamento social. Aliás, um esvaziamento mundo doente. Agora, sentindo-nos
e fechamento de igrejas, mosteiros e semi- em mar agitado, imploramos-te: “Acor-
nários já eram vistos antes da pandemia, da, Senhor!” (VATICAN NEWS, 27
na Europa e em outras partes do mundo, mar. 2020).

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Neste mundo enfermo, são muitos e
urgentes os desafios pastorais para a Igreja,
que, como insiste o mesmo papa Francisco, Ministério da presidência
é chamada a ser Igreja em saída. A arte de presidir a Eucaristia
Pe. José Freitas Campos
1. SAIR DO CENTRALISMO CLERICAL
E DO CULTO SEM VIDA
É teologia fontal da Igreja cristã que
o batismo estabelece entre seus membros
uma igualdade fundamental. De fato, o
apóstolo Paulo escreveu: “Não há mais di-
ferença entre judeu e grego, entre escravo e
homem livre, entre homem e mulher, pois
todos vocês são um só em Jesus Cristo”
(Gl 3,28).
Com o tempo, porém, as relações fra-
ternas e igualitárias entre os membros

Imagens meramente ilustrativas.


da Igreja foram contaminadas por desi-
gualdades e discriminações. As mulheres,
submetidas desde muito cedo ao crivo do
104 págs.

patriarcalismo, têm sido as mais prejudi-


cadas. Os ministérios foram clericalizados
e hierarquizados, com nuances estranhas à
mensagem e à prática de Jesus. Isso resultou
numa institucionalização empobrecida e O livro é destinado,
fechada no mundo clerical masculino, em principalmente, a sacerdotes,
detrimento do carisma (SOBERAL, 1989, bispos, diáconos e seminaristas.
p. 175-177; 290; 331-332). Guiada pela Sacrosanctum
No Concílio Vaticano II, o aggiorna- Concilium, essa obra quer
mento da compreensão da Igreja sobre si consolidar a perspectiva da
liturgia enquanto ação e festa
mesma deu primazia ao povo de Deus
do povo de Deus, que necessita
em sua totalidade. A partir do concílio e ser animada e celebrada por
com base na dignidade de todas as pessoas todos sob a coordenação
batizadas, a hierarquia e os ministérios es- do presidente da Assembleia
pecíficos são redimensionados. Por isso, o Litúrgica. Para isso, aborda temas
papa Francisco afirma que as funções na como a conexão do ministro
Igreja não legitimam a superioridade de com o povo, a sua formação,
uns sobre os outros. Acima do ministério o roteiro da presidência, a
sacerdotal está a dignidade e a santidade expressão corporal, entre outros.
acessível a todos e todas (EG 104).
Nos meses atípicos da pandemia, não
Vendas: (11) 3789-4000
faltaram testemunhos de atuação de mem- 0800-164011
bros da Igreja conscientes dessa doutrina
e coerentes com ela. Segmentos do laicato paulus.com.br
católico, junto com sacerdotes, religiosas

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“A PASTORAL FAMILIAR PRECISARÁ DE TODO O ENVOLVIMENTO E AJUDA
DA COMUNIDADE ECLESIAL PARA QUE SEUS ANIMADORES E AGENTES ESTEJAM
EM PERMANENTE FORMAÇÃO, CULTIVANDO A ESPIRITUALIDADE NA INTERAÇÃO
COM O ENGAJAMENTO SOCIAL.”

e religiosos, prepararam e conduziram, na humana (EG 244-245). E a dádiva da bên-


internet, importantes seminários, ciclos de ção divina virá pela consciência de que a
formação, momentos de espiritualidade e imagem de Deus está gravada na pessoa de
de liturgia que celebra a vida e a luta. A quem sofre:
ação pastoral caminhou, com seus servi-
ços específicos, na comunhão das Igrejas São inseparáveis a oração a Deus e a
locais e da Igreja universal. E o exercício solidariedade com os pobres e os enfer-
consciente da “cidadania batismal” se fez mos. Para celebrar um culto agradável
sentir, na corresponsabilidade de todos en- ao Senhor, é preciso reconhecer que
quanto participantes do ministério comum toda pessoa, mesmo a mais indigente e
de líderes-pastores, sacerdotes e profetas. desprezada, traz gravada em si mesma
No entanto, também apareceram des- a imagem de Deus. De tal consciência
compassos: o de um laicato reduzido a deriva o dom da bênção divina, atraída
ajudante do padre e quase somente ao pela generosidade praticada para com os
redor do altar do culto, e o de padres pobres. Por isso, o tempo que se deve
restritos ao altar, que enviaram aos fiéis dedicar à oração não pode tornar-se ja-
mensagens quase sempre de mão única, mais um álibi para descuidar o próximo
sem espaço aberto para o diálogo. Está em dificuldade. É verdade o contrário:
certo que muitos sacerdotes saíram pelas a bênção do Senhor desce sobre nós e
ruas a pé, em cima de caminhonetes e a oração alcança o seu objetivo quan-
até sobrevoando de helicóptero para dar do são acompanhadas pelo serviço dos
a bênção do Santíssimo Sacramento. Fa- pobres (FRANCISCO, 2020a).
mílias esperaram durante horas, reunidas
em oração.Transformaram em capelas suas Nessa dinâmica que dá vida ao cul-
garagens, varandas, janelas, com toalhas es- to, também é preciso repensar a pastoral
tendidas, flores, velas e imagens de santos voltada para as famílias. Estas, tantas vezes
de devoção. Emocionaram-se e se sentiram destroçadas e cada vez mais marcadas pela
consoladas. Ali estava o rico potencial do pluralidade religiosa, estão longe daquele
catolicismo popular. modelo de moral familiar sob o controle
A questão é que a bênção não pode do clero católico para manter a sociedade
ser só de passada, num vazio de vínculo e hegemonicamente católica.
de compromisso com as pessoas em suas A pastoral familiar precisará de todo o
realidades e situações específicas. Ainda envolvimento e ajuda da comunidade ecle-
mais porque o pluralismo religioso chama sial para que seus animadores e agentes es-
a Igreja a superar aquele modo de cristan- tejam em permanente formação, cultivando
dade que se impõe como religião de toda a a espiritualidade na interação com o enga-
nação. A Igreja em saída empenha-se numa jamento social. Como Jesus ao aproximar-se
construção como que artesanal da abertura da viúva que enterrava seu filho único (Lc
ao outro, criativamente, com o ecumenismo 7,11-17), da sogra de Pedro enferma (Lc
que contribui para a unidade da família 4,38-40), de Jairo e de sua filha que estava

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morrendo (Lc 8,40-56), é imprescindível
a proximidade com as famílias em sua real
condição de vida e, agora, com as marcas Jung
dolorosas da pandemia, para ajudá-las a ex- Médico da alma
perimentar a misericórdia de Deus (CNBB, Viviane Thibaudier
2019, n. 139).
Na realidade brasileira, principalmente
nas grandes cidades, as famílias são atingi-
das por isolamentos permanentes e inde-
terminação de lugar. Muitas delas tornam-
-se pequenos aglomerados de indivíduos
isolados, sofrendo com a crise econômica
e o desemprego, e com uma rotina mar-
cada pelo medo e pelo desamparo. Um
culto que se furte a essa realidade e não
se paute no direito e na justiça torna-se
ofensa a Deus. Na palavra divina “quero a
misericórdia e não o sacrifício” (Mt 9,13),
está o princípio ético absoluto que inclui

Imagens meramente ilustrativas.


todos e põe a vida antes da norma e do
culto (PASSOS, 2020, p. 118-119).
As famílias têm o amor vivido, que é
152 págs.

força para toda a Igreja (AL 88). E gru-


pos de famílias podem constituir núcleos
comunitários onde a Igreja se reúne para
meditar a Palavra, rezar, partilhar a vida e
o pão (CNBB, 2019, n. 140). Ainda pouco conhecido em muitos
países, Jung é um dos maiores
pensadores do século XX, tendo
2. SER IGREJA NA COMUNHÃO sido, com Sigmund Freud, fundador
DE PEQUENAS COMUNIDADES do movimento psicanalítico e
Por um lado, faltam-nos estudos, fun- genial teórico da alma humana.
dados na objetividade científica, a respeito Buscando eliminar as distorções
da vivência dos católicos durante o isola- feitas sobre a sua imagem, a obra
mento social, longe dos padres. Sabemos quer apresentar a vida e o legado
que é real a crescente secularização, assim de Jung de forma autêntica. Nela
como a tendência aos arranjos pessoais descobre-se como um diálogo
fértil com o inconsciente pode
de crenças e práticas religiosas em meio
transformar o olhar sobre a vida e
à modernidade líquida. trazer-lhe o sentido que lhe falta.
Por outro lado, testemunhos de diver-
sos amigos falam da força do catolicismo
popular, no qual se está historicamente
Vendas: (11) 3789-4000
habituado a não sentir tanta falta da pre- 0800-164011
sença do sacerdote. Podemos lembrar o
ciclo da mineração do ouro na história do paulus.com.br
Brasil. O poder central da colônia proibiu

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“A IGREJA EM SAÍDA É DECIDIDAMENTE MISSIONÁRIA.
DEIXA DE SER AUTORREFERENCIAL E PREOCUPADA EM SER O CENTRO,
PRESA NUM EMARANHADO DE OBSESSÕES E PROCEDIMENTOS.”

a presença do clero religioso e submetia comuns e impulsiona-se a missão em meio


a rígido controle os padres seculares. Em à sociedade (CNBB, 2019, n. 85).
meio às dores da escravidão, porém, ali nas No mundo pós-pandemia, o centralis-
Minas Gerais, forjou-se um modo de Igreja mo na matriz paroquial não será oportuno,
da base, de face leiga e devota, comunitá- tampouco a concentração de massas de
ria, fraterna e até certo ponto subversiva católicos em grandes templos. Quando
da ordem injusta e cruel que se impunha. forem possíveis, o encontro e o culto em
Junto com alguns freis e padres místicos e catedrais, templos grandes, estádios serão
andarilhos, os ministérios eram exercidos de comunidades vivas em comunhão e
por capelães de beira de estrada, beatos, participação. Na Eucaristia, sacramento da
festeiros, fundadores de santuários, mem- unidade de toda a Igreja, estará a vivência
bros e dirigentes de irmandades devotas eucarística de todos os membros em seu
dos santos. cotidiano.
Essa trilha histórica do catolicismo po- As mulheres, especialmente, têm dado
pular, com seu sulco profundo, preservou- testemunho dessa dimensão eucarística no
-se apesar do empenho romanizador da cotidiano das casas. Como observa a teólo-
hierarquia da cristandade. Seu referencial ga inglesa Tina Beattie (2020), surgiu uma
foi importante para a irrupção insuspeita- Igreja doméstica que dissolveu fronteiras
da das comunidades eclesiais de base, no entre a liturgia formal, mediada por um
pentecostes do Concílio Vaticano II, que a sacerdócio exclusivamente masculino, e um
Igreja da América Latina abraçou de modo mundo doméstico mais informal, de litur-
original desde a Conferência de Medellín. gias caseiras e rituais improvisados, muitas
Como afirma o Documento de Aparecida, elas vezes presididos por mulheres. Elas assu-
“demonstram seu compromisso evangeli- miram o sacerdócio da casa e da criação, e
zador e missionário entre os mais simples tornaram eucarísticas as refeições.
e afastados e são expressão visível da op-
ção preferencial pelos pobres”. A serviço da 3. SER IGREJA EM DEFESA DA VIDA,
vida na sociedade e na Igreja, são fonte e SOBRETUDO DA DOS MAIS POBRES
semente da multiplicidade dos ministérios E VULNERÁVEIS
eclesiais (DAp 179). A Igreja em saída é decididamente mis-
Será imprescindível a atuação de muitas sionária. Deixa de ser autorreferencial e
pequenas comunidades eclesiais missioná- preocupada em ser o centro, presa num
rias nas ruas, condomínios, aglomerados, emaranhado de obsessões e procedimen-
edifícios, unidades habitacionais, bairros tos. Sai em direção aos outros e chega às
populares, povoados, aldeias e grupos de periferias humanas. É a casa do Pai aber-
afinidade. No encontro de comunidades ta a todos e é mãe de coração aberto. É
que celebram a Eucaristia, sacramenta-se a preferível que esteja “acidentada, ferida e
privilegiada comunhão com a Igreja local, enlameada por ter saído pelas estradas” a
os vínculos fraternos se fortalecem, parti- enferma pelo próprio fechamento em si
lha-se a vida, há compromisso em projetos (EG 46-49).

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É claro que os recursos econômicos são economia deve estar a serviço da vida, na
necessários, como também as estruturas ecle- perspectiva da Doutrina Social da Igreja.
siásticas societárias e jurídicas. Será preciso, Além disso, conclamou toda a sociedade
porém, vencer a tentação de persistir na brasileira e os responsáveis pelos poderes
manutenção da falsa segurança na grande- públicos “a se libertarem dos vírus mor-
za e no poder. E, no âmbito da sociedade, tais da discórdia, da violência, do ódio”,
profeticamente dizer não à economia de unindo-se na defesa da vida, especialmente
exclusão. “Esta economia mata!” Ninguém a dos mais pobres e vulneráveis.
é descartável (EG 53-56). Nessa perspec- Como Igreja em saída, temos de nos
tiva, são antievangélicas as barganhas com lançar nos serviços de cura da humanidade
governantes opressores (CNBB, 2020a). e do mundo. É bem oportuna a metáfo-
Como disse o papa Francisco no final do ra do papa Francisco da Igreja como um
Regina Coeli, em 31 de maio de 2020, “nós, hospital de campanha:
pessoas, somos templos do Espírito Santo;
a economia não”. Aquilo de que a Igreja mais precisa
Que não se cobre dos paroquianos, já hoje é a capacidade de curar as feri-
tão angustiados pela crise econômica e das e de aquecer o coração dos fiéis, a
pelo desemprego, uma sobrecarga de obri- proximidade. Vejo a Igreja como um
gações com quermesses, festas e campanhas hospital de campanha depois de uma
de arrecadação de dinheiro. A exemplo das batalha. É inútil perguntar a um ferido
primeiras comunidades cristãs (At 2,42-47 grave se tem o colesterol ou o açúcar
e 4,32-37), é hora de encorajar-se uns aos altos. Devem curar-se as suas feridas.
outros para a mútua ajuda, leigos e sacer- Depois podemos falar de todo o resto.
dotes, compartilhando a própria pobreza, Curar as feridas, curar as feridas... E é
as dádivas da criação, o tempo a dedicar necessário começar de baixo (FRAN-
ao próximo, os dons de cada um. Na Igreja CISCO, 2013b).
local correspondente à diocese, uma caixa
comum será oportuna para diminuir a de- A Igreja como hospital de campanha
sigualdade econômica entre os membros é a que faz diagnósticos, identificando os
do clero e socorrer os que estejam em sinais dos tempos; faz prevenção, criando
necessidade. um sistema imunológico ao vírus do medo,
Desse modo, a Igreja testemunhará ao do ódio, do populismo e do neocolonia-
mundo que a vida tem de estar em pri- lismo; e faz convalescência, com o perdão
meiro lugar. O Concílio Vaticano II afirma que ultrapassa os traumas (HALÍK, 2020).
que o desenvolvimento econômico deve Nesse modo de atuar na sociedade, como
permanecer sob a direção do ser humano, membros da comunidade eclesial, ajudare-
mas não deve ser deixado só a cargo de uns mos as pessoas a se libertarem da indiferença
poucos indivíduos ou grupos economi- consumista, a cultivar uma identidade co-
camente mais fortes, nem exclusivamente mum e uma história a ser transmitida para
da comunidade política, nem de algumas as novas gerações, a recuperar e desenvolver
nações mais poderosas (GS 65). os vínculos que fazem surgir novo tecido
Em 24 de abril de 2020, numa nota social. Cuidaremos do mundo e da qualida-
reiterativa do Pacto pela Vida e pelo Bra- de de vida dos mais pobres, na consciência
sil, de diversas organizações voltadas para solidária de habitarmos numa casa comum
o bem comum, a CNBB afirmou que a que Deus nos confiou (LS 178).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HALÍK, Tomás. Igrejas fechadas: um sinal de Deus? Revista IHU On-Line, São Leopoldo, 3 maio 2020.
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MAYER,Tânia da Silva. Igrejas domésticas em tempos de pandemia. Dom Total, 7 abr. 2020. Disponível em:
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SOBERAL, José Dimas. O ministério ordenado da mulher. São Paulo: Paulinas, 1989.
VATICAN NEWS. Papa Francisco: abraçar o Senhor para abraçar a esperança, 27 mar. 2020. Disponível em:
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html>. Acesso em: 20 jun. 2020.

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Normando Martins Leite Filho*

PEQUENAS COMUNIDADES
MISSIONÁRIAS:
Uma saída pastoral
para a Igreja pós-pandemia?

O artigo se propõe discutir as pequenas comunidades missionárias


como uma alternativa para a vida eclesial pós-pandemia.
As comunidades eclesiais missionárias fazem parte das diretrizes
para a ação evangelizadora da Igreja no Brasil, reverberando um desejo
do papa Francisco expresso na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium
(A Alegria do Evangelho). O autor sugere retomar esse modelo
de organização das comunidades no novo contexto eclesial.

*Normando Martins Leite Filho é professor universitário no Centro Universitário UNA, mestre em Educação e teólogo, candidato ao diaconato
permanente na arquidiocese de Belo Horizonte, membro da Equipe Regional de Liturgia da RENSA/arquidiocese de BH. Entre outros livros,
é autor de O individualismo na pós-modernidade, publicado em 2012 pela CRV. E-mail: normandoleite@hotmail.com

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“UMA IGREJA VERDADEIRAMENTE MISSIONÁRIA, EM SAÍDA,
COMO PRECONIZA O PAPA, DEVE REVER SUA CAMINHADA,
ABRIRSE À AÇÃO DO ESPÍRITO.”

CONTEXTO ECLESIAL de uma pastoral de conservação para uma


Desde março de 2020, tivemos no mun- pastoral em chave missionária (DAp 370);
do uma situação nova, com a qual a Igreja a necessidade de repensar as estruturas das
católica teve de se defrontar: a pandemia da comunidades eclesiais e da própria Igreja se-
Covid-19. A partir do momento em que gundo outro ponto de referência missionário.
foi decretada a pandemia pela Organização
Mundial da Saúde, os órgãos governamentais Sonho com uma opção missionária capaz
adotaram protocolos rígidos de distancia- de transformar tudo, para que os costu-
mento social, impedindo a aglomeração de mes, os estilos, os horários, a linguagem
pessoas e exigindo-lhes que permanecessem e toda a estrutura eclesial se tornem um
em casa. Essas medidas impactaram direta- canal proporcionado mais à evangelização
mente a vida nas paróquias e comunidades, do mundo atual que à autopreservação.
com a suspensão de celebrações abertas à A reforma das estruturas, que a conver-
presença de todos, assim como das reuniões são pastoral exige, só se pode entender
e encontros, para evitar a aglomeração de neste sentido: fazer com que todas elas se
pessoas e a contaminação que poderia ocor- tornem mais missionárias, que a pastoral
rer nesses espaços. Passados alguns meses, ordinária em todas as suas instâncias seja
em certos países já se começou a promover mais comunicativa e aberta, que coloque
uma flexibilização gradual do distanciamento os agentes pastorais em atitude constante
social, com a liberação de celebrações com de “saída” e, assim, favoreça a resposta
número restrito de pessoas e com cuidados positiva de todos aqueles a quem Jesus
de proteção e higienização rígidos. Diante oferece a sua amizade (FRANCISCO,
dessa nova situação, a Igreja católica vê-se 2019, p. 25).
desafiada a continuar seu trabalho de evan-
gelização. Por isso, cabe perguntar: como A própria paróquia, a estrutura eclesial
organizar a vida paroquial das comunidades que tem congregado a vida comunitária,
depois da pandemia? pode assumir novos formatos, adaptando-se à
dinâmica da vida cotidiana, às exigências do
1. A IGREJA EM SAÍDA MISSIONÁRIA tempo presente, em que homens e mulheres
Várias experiências da Igreja em sua his- vivem e convivem diante da sua realidade
tória bimilenar, que remontam às primeiras específica, clamando pela presença da Igreja.
comunidades cristãs, poderiam oferecer uma
saída para esse problema e, ao mesmo tem- A paróquia não é uma estrutura caduca;
po, promover uma revitalização dos próprios precisamente porque possui uma grande
processos eclesiais. Com um discernimento plasticidade, pode assumir formas muito
pastoral espetacular, o papa Francisco já tinha diferentes que requerem a docilidade e a
identificado essa necessidade na sua Exorta- criatividade missionária do Pastor e da co-
ção Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria munidade. Embora não seja certamente a
do Evangelho). Olhando para o Documento única instituição evangelizadora, se for capaz
de Aparecida, vislumbrou o desafio de sair de se reformar e adaptar constantemente,

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continuará a ser “a própria Igreja que vive
no meio das casas dos seus filhos e das suas
filhas” (FRANCISCO, 2019, p. 26). Saúde integral
Miguel Lucas
Portanto, uma Igreja verdadeiramen-
te missionária, em saída, como preconiza
o papa, deve rever sua caminhada, abrir-se
à ação do Espírito, permitindo que surjam
novas formas pelas quais se evangeliza nos
tempos atuais e anunciando a mensagem do
Evangelho a todas as pessoas. Nesse sentido,
o papa recorda a riqueza das experiências
vindas das próprias comunidades que, abertas
ao discernimento da presença e atuação do
Espírito Santo, inauguram novas formas de
viver como comunidades cristãs.

As outras instituições eclesiais, comuni-


dades de base e pequenas comunidades,

Imagens meramente ilustrativas.


movimentos e outras formas de asso-
ciação são uma riqueza da Igreja que o
48 págs.

Espírito suscita para evangelizar todos


os ambientes e setores. Frequentemente
trazem um novo ardor evangelizador e
uma capacidade de diálogo com o mundo O corpo físico é apenas uma
que renovam a Igreja. Mas é muito salu- das dimensões que compõem o
tar que não percam o contato com esta nosso ser. Além dele, é preciso
realidade muito rica da paróquia local e considerar a mente, a dinâmica
que se integrem de bom grado na pastoral energética e a espiritualidade. Na
orgânica da Igreja particular. Esta inte- obra, o autor, que é dono de outros
títulos sobre autoconhecimento,
gração evitará que fiquem só com uma
apresenta diversas orientações
parte do Evangelho e da Igreja, ou que práticas para que você alcance um
se transformem em nômades sem raízes estado de equilíbrio e saúde plena,
(FRANCISCO, 2019, p. 27). integrando o físico, o racional, o
emocional e o espiritual. Trata-se
2. AS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS de um convite a uma vida mais
A Igreja no Brasil, representada pela saudável, tranquila e harmônica.
CNBB, observou atentamente os princípios
emanados dos documentos do magistério e
atualizou seu plano pastoral, propondo um
caminho que contemple as novas diretri-
Vendas: (11) 3789-4000
zes da evangelização. No Documento 109 0800-164011
da CNBB, emergem as diretrizes gerais da
ação evangelizadora da Igreja no Brasil no paulus.com.br
período de 2019 a 2023. O Documento 109

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“OS GRUPOS DE CÍRCULOS BÍBLICOS JÁ CUMPREM O PAPEL DE SEREM
POLOS AGLUTINADORES DE PEQUENAS COMUNIDADES"

recolhe as vivências e reflexões dos bispos que podem nortear a ideia de formar pe-
em diálogo com padres, diáconos, pastorais quenas comunidades missionárias no âmbito
e todos os leigos e leigas que colaboram no paroquial. Trata-se de pequeno esboço no
processo de evangelização nacional. Nesse qual se apontam alguns princípios, pensan-
documento encontramos uma novidade que do muito mais na estruturação mais ampla
poderá contribuir como possível alternativa do que nas especificidades, normalmente a
para os tempos pós-pandemia que se avizi- cargo das múltiplas realidades existentes na
nham: as comunidades eclesiais missionárias. (arqui)diocese. A tabela, de nossa autoria,
detalha as linhas gerais da proposta, apenas
A vida fraterna em pequenas comunida- sugerindo alguns caminhos, como opções
des – abertas, acolhedoras, misericordio- para esse trabalho. As comunidades podem
sas, de intensa vida evangélica – constitui evidentemente escolher outras abordagens
fundamento sólido para o testemunho da que lhes sejam mais adequadas.
fé. [...] Pequenas comunidades oferecem
um ambiente humano de proximidade PROPOSTA DE DIVISÃO DE PEQUENAS
e confiança que favorece a partilha de COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
experiências, a ajuda mútua e a inser-
ção concreta nas mais variadas situações PARÓQUIA
(CNBB, 2019, p. 25; 29). Geralmente é organizada em várias comunidades
eclesiais. Continua a existir normalmente, rece-
Essas pequenas comunidades missioná- bendo novas comunidades menores.
rias podem servir, neste tempo de pande-
mia, para congregar as pessoas de acordo COMUNIDADES ECLESIAIS PAROQUIAIS
com o critério de proximidade, alargando Serão o ponto de partida para as novas comuni-
o campo de atuação da Igreja e propician- dades. Com base nessas comunidades eclesiais,
do uma evangelização mais perto de cada propõe-se a subdivisão em pequenas comuni-
pessoa. Assim, a nova organização eclesial dades missionárias. Pode-se usar a referência
nessas comunidades menores visa garantir das comunidades de base, tendo os círculos
que não sejam desrespeitados os critérios bíblicos como alicerce dessas novas comuni-
sanitários para conter o vírus e, ao mesmo dades menores.
tempo, permite que a Igreja possa estar mais
próxima de suas ovelhas. Uma possibilidade PEQUENAS COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
de implementá-las deve levar em conta a Organizadas com base em algumas famílias ou no
realidade local de cada paróquia, com suas grupo de círculo bíblico, se for o caso. Reúnem-
diversas comunidades. Devem-se ouvir as li- -se para celebrar, organizando a vida comunitá-
deranças, as pastorais, os ministros ordenados ria naquele pequeno núcleo de fé. Pressupõem a
e leigos, enfim, todos os envolvidos com a coordenação, a equipe de celebração, de dízimo,
ação evangelizadora paroquial. de catequese e outros serviços. Podem reunir-se
De maneira esquemática, apresentamos a nas casas, praças ou em um espaço alugado ou
seguir uma das possíveis formas ou estratégias cedido. Estão ligadas às comunidades eclesiais

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de origem, mantendo uma relação de comu- 3. UM CAMINHO
nhão com a paróquia. Por reunirem até 20 ou 30 Essa proposta cabe não somente para a or-
pessoas, favorecem a proximidade e um vínculo ganização da paróquia, mas também pode ser
mais próximo. adaptada para outros grupos, pastorais e mo-
vimentos. Por exemplo, temos, na proposta
VANTAGENS DESSAS NOVAS COMUNIDADES pastoral do diaconato permanente na arqui-
Criam laços e proximidade. Nesse novo forma- diocese de Belo Horizonte, um projeto que
to, pode-se viver a fé de maneira mais próxima e visa à constituição de pequenas comunidades de
estimula-se uma coerência maior entre fé e vida, vivência diaconal.A ideia é que tais fraternidades
com todos se conhecendo e sabendo de suas di- diaconais congreguem diáconos, esposas e voca-
ficuldades e desafios. São espaços para formação cionados numa forania ou cidade, reunindo-se
bíblica, litúrgica e pastoral. Oferecem uma estru- em pequenos grupos para oração, reflexão, for-
tura eclesial mais simples que favorece o encontro mação e convivência. Esse projeto foi iniciado
e a vivência da fé. logo após serem baixadas as regulamentações
sanitárias que permitiram a saída da situação de
O que importa, efetivamente, é que cada distanciamento social, em vigor no primeiro
comunidade eclesial possa descobrir como semestre de 2020. Portanto, são várias as possi-
fazer acontecer esse novo modelo de organi- bilidades que podem estar no bojo da proposta
zação das comunidades. A sugestão oferecida de pequenas comunidades missionárias. Por fim,
parte da experiência das comunidades de fica o chamado para que cada comunidade
base. Partimos do princípio de que, em tais ou grupo conheçam e discutam essa proposta
comunidades, essa dinâmica já está presente e possam encontrar o caminho mais adequa-
em seu modo de ser, em seu fazer cotidiano, do para que cada realidade particular realize a
marcado por relações próximas. Os grupos de evangelização da melhor maneira possível nestes
círculos bíblicos já cumprem o papel de se- tempos. O que deve ficar em relevo, sobretudo,
rem polos aglutinadores de pequenas comu- é o desejo de não desistir nem desaminar, tendo
nidades. Conhecemos algumas comunidades presente que o que nos espera como Igreja que
eclesiais nascidas de um grupo de pessoas que somos, peregrina nesta terra, é o encontro com
se reuniam nos círculos bíblicos para oração a própria humanidade, para com ela anunciar o
e para a reflexão sobre a Palavra de Deus. Cristo ressuscitado. O desafio final nos é dado
Daí surgiram novas comunidades, originárias pelo Evangelho de Lucas, que nos instiga a
desses grupos, as quais foram assumindo seu continuar o caminho: “Não tenha medo, pe-
papel na paróquia, numa perspectiva de rede queno rebanho, porque o Pai de vocês tem
de comunidades. prazer em dar-lhes o Reino” (Lc 12,32).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2014.


CELAM. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Lati-
no-americano e do Caribe (DAp). São Paulo: Paulus, 2008.
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília, DF: CNBB,
2019.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no
mundo atual. São Paulo: Paulus, 2019.

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Carlos Henrique Alves de Resende*

*Pe. Carlos Henrique Alves de Resende é sacerdote da


diocese de Divinópolis-MG, doutorando em Teologia
Sacramental no Pontifício Ateneu Santo Anselmo em Roma.
E-mail: carlos.henrique@diocesedivinopolis.org.br

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PADRE,
A GENTE
SABE
REZAR!

O presente artigo foi escrito


durante o auge da pandemia
do novo coronavírus no Brasil.
Expressa a preocupação pastoral
e litúrgica em tempo de isolamento
social, reforça a importância de cultivar
a verdadeira vida de oração na pequena
comunidade – a família. Valoriza o papel
do leigo e da leiga na vivência da igreja
doméstica; e motiva o uso das mídias
digitais como instrumento de catequese,
de aprofundamento de temas da fé e
“viralização” do Evangelho.
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“À LUZ DA IDEIA DE QUE A ‘TEMPESTADE DESMASCARA’, TEMOS A IMPRESSÃO
DE QUE MUITO DO QUE ESTAMOS VENDO, NO ESFORÇO DE CELEBRAR A FÉ NESTE
CENÁRIO, ESTEJA DESMASCARANDO UMA NÃO ASSIMILAÇÃO REAL E PROFUNDA
DAS INTUIÇÕES ILUMINADORAS DO CONCÍLIO VATICANO II.”

INTRODUÇÃO Esse desafio tem sido enfrentado des-


Repetindo as palavras do papa Fran- de o primeiro momento em que nossas
cisco, no momento extraordinário de assembleias foram impedidas de se reunir.
oração em tempo de epidemia realizado As iniciativas se multiplicaram, no desejo
no adro da basílica de São Pedro no dia de ajudar os fiéis a sentir a proximidade
27 de março de 2020: “fomos surpreendi- da Igreja. Todas elas são louváveis, pelo
dos por uma tempestade”. No cenário de esforço de tentar. Contudo, não sei se en-
enfrentamento à Covid-19, o isolamento tendemos bem o convite à criatividade.
social se apresentou como uma medida Vale nos perguntarmos: o que entendemos
necessária e urgente a fim de minimizar por ser criativos? Resisti a pensar sobre
os contágios. Do dia para a noite, fomos o assunto e, muito mais, escrever algo a
“jogados” no espaço virtual. Por mais que, respeito. Acreditava que, no meio da tem-
de certo modo, isso fizesse parte da rotina pestade, o que realmente interessava era a
de grande número de pessoas, tratava-se de pergunta: como sair dela? Contudo, temos
percebido que o período de turbulência
uma experiência complementar, diferente
está se alongando e se alongará ainda mais.
do que temos vivido nos últimos tem-
Diante de algumas realidades já vistas, não
pos, com o ambiente virtual tornando-se
resisti à tentação de pensar sobre elas. E
praticamente o único espaço de encontro
justifico: concordo que precisamos de “re-
com as pessoas.
médios” que cuidem da “dor espiritual de
A vivência da fé, em certa medida, tam-
nossa gente”; mas tenho receios, porque
bém se viu diante desse desafio. Não seriam toda medicação tem efeitos colaterais e
mais possíveis os encontros celebrativos. contraindicações – maiores ou menores.
E, tragicamente, tudo isso aconteceu bem À luz da ideia de que a “tempestade
no período mais solene de nossa vida li- desmascara”, temos a impressão de que
túrgica: as celebrações da Semana Santa, muito do que estamos vendo, no esforço
nossa Páscoa anual. de celebrar a fé neste cenário, esteja des-
O santo padre nos dizia, naquele co- mascarando uma não assimilação real e
movente momento de oração, que “a tem- profunda das intuições iluminadoras do
pestade desmascara nossa vulnerabilidade Concílio Vaticano II. A primeira pauta do
e deixa a descoberto as falsas e supérfluas concílio se debruçou sobre questões litúr-
seguranças com que construímos nossos gicas. Contudo, quando da reforma dos
programas, nossos projetos, nossos hábitos textos litúrgicos, sobretudo, sabemos que
e prioridades”. E nos exortava à “coragem a grande impostação conciliar era eclesio-
de abraçar todas as contrariedades da hora lógica e, por assim dizer, pastoral. Desse
atual, abandonando por um momento nos- modo, antes de pensar nas questões litúr-
sa ânsia de onipotência e possessão, para gicas, gostaria de resgatar alguns aspectos
dar espaço à criatividade que só o Espírito de nossa compreensão eclesial, reafirmados
é capaz de suscitar”. na escola conciliar.

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1. NOSSO POVO SE CONTENTA
SÓ EM VER?
Parto de um fato: já estou para celebrar Se você realmente
13 anos de ministério. Logo nos primei- me amasse
ros meses, no entusiasmo da vida paroquial,
recordo-me de uma ocasião em que fui à Jason Evert
capela do Santíssimo em dia de adoração
comunitária.Ali estava um grupo de senhoras
rezando. Confesso que, no olhar de um padre
novo, interessado em assuntos de liturgia, a
“reza” não era a mais organizada. Ao final,
tomei a iniciativa de dizer às senhoras ali
reunidas que iria lhes oferecer um livre-
to para rezarem melhor. Uma delas, na sua
simplicidade, deu-me naquela hora uma das
mais importantes aulas de teologia que já
tive, ao me responder: “Ô padre, a gente sabe
rezar!” Não foi uma resposta mal-educada,

Imagens meramente ilustrativas.


mas bela lição dada a um jovem padre acerca
de uma das significativas verdades eviden-
ciadas pelo Concílio Vaticano II: somos um
440 págs.

povo sacerdotal.
Será que não havíamos compreendido
bem a preciosa Constituição Pastoral sobre
a Igreja, chamada Lumen Gentium, na qual o
concílio nos ensinava que somos um povo Esta tradução do inglês da obra
sacerdotal (LG 10)? Será que nos esquece- If You Really Loved Me, escrita
por Jason Evert, apresenta 100
mos de que o sacerdócio comum dos fiéis
das perguntas mais comuns sobre
e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, namoro, amor e o significado do
embora se diferenciem essencialmente e sexo. Para o autor, a geração
não apenas em grau, ordenam-se mutua- atual está preparada para um
mente um ao outro, pois um e outro par- tipo de amor mais elevado
ticipam, a seu modo, do único sacerdócio do que aquele que o mundo
de Cristo (LG 10)? oferece. Algumas das perguntas
Pode ser que não estejamos tendo em vis- respondidas são: “Como
ta a profundidade do texto conciliar, quando encontrar um amor autêntico e
verdadeiro?”; “Como cuidar do
nossos bispos nos ensinaram que “os fiéis, in-
corpo?”; “Qual a opinião da
corporados na Igreja pelo batismo, pela par- Igreja sobre temas polêmicos?”.
ticipação no sacrifício eucarístico de Cristo,
fonte e centro de toda a vida cristã, oferecem
a Deus a vítima divina e a si mesmos jun-
Vendas: (11) 3789-4000
tamente com ela; assim, quer pela oblação, 0800-164011
quer pela sagrada comunhão, não indiscrimi-
nadamente, mas cada um a seu modo, todos paulus.com.br
tomam parte na ação litúrgica” (LG 11).

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“SERÁ QUE NOS ESQUECEMOS DE QUE O SACERDÓCIO COMUM DOS FIÉIS E O
SACERDÓCIO MINISTERIAL OU HIERÁRQUICO, EMBORA SE DIFERENCIEM ESSENCIAL
MENTE E NÃO APENAS EM GRAU, ORDENAMSE MUTUAMENTE UM AO OUTRO?”

Diante de certas iniciativas, impõem-se venhamos a ter uma série de problemas


algumas perguntas: será que não estamos com algumas das nossas ofertas, que tal-
esquecendo que os fiéis são a Igreja? O vez não contribuam para a edificação do
que entendemos por celebrar? O que en- Corpo de Cristo.
tendemos por Eucaristia? Um rito a ser
executado? Uma cerimônia a ser vista? 2. AFINAL, O QUE É EUCARISTIA?
Um alimento a ser digerido? Uma ex- Serão as práticas de devoção à Santíssima
periência mágica? Ou uma experiência Eucaristia, como carreatas ou até voos com
ritual que se confunde com uma realidade o Santíssimo, as melhores propostas? Serão
existencial? Talvez a resposta não seja por as propostas de oferecer aos fiéis a possi-
exclusão; e esse talvez seja um dos nossos bilidade da sagrada comunhão eucarística
equívocos. Ao mesmo tempo que a sagrada fora da missa ou, ao menos, de pequena
Eucaristia é um mistério a ser celebrado, celebração da Palavra de Deus alternativas
é um mistério a ser imitado. Ao mesmo salutares? Algumas práticas devocionais de
tempo que é um alimento divino, é um culto aos santos serão realmente as mais
ideal de vida que se impõe: a configuração indicadas para o momento? São questio-
a Cristo. Ao mesmo tempo que é um rito a namentos, não críticas. São perguntas que
ser vivido, é uma vida a ser testemunhada: parecem não ter respostas prontas hoje. Por
a vida cristã. isso vale, antes de qualquer iniciativa, por
Considerar um aspecto em detrimento mais bem-intencionada que seja, a per-
de outros sempre pode ser uma experiên- gunta pela legitimidade teológico-litúrgica
cia desastrosa, sobretudo neste tempo. Daí a do que nos propomos fazer. Ao contrá-
preocupação com efeitos colaterais daquilo rio do que muitos dizem, “liturgia não é
que temos oferecido ao nosso povo. terra de ninguém”. Liturgia é oração de
É preciso pensar algumas coisas: se mo- Cristo total, cabeça e membros, é a oração
tivamos nosso povo a simplesmente ver, da Igreja (SC 7). Vale visitar a Tradição e
pelos meios de comunicação, os atos litúr- perceber se o que estamos propondo tem
gicos, será que amanhã teremos argumen- sadio fundamento.
tos para motivá-los à vivência comunitária Devemos considerar o perigo da lin-
novamente? Talvez, neste mundo tão indi- guagem. Muitos colocaram nas portas das
vidualista, descubram a comodidade de ver igrejas cartazes do tipo: “Não teremos
de casa e julguem ter o mesmo efeito. E missa” ou até divulgaram: “As missas estão
sabemos que não tem. Será que motivá-los suspensas”; e ainda vimos expressões como
a serem meros espectadores seria o remédio “missas privadas”, “missas sem a presença
mais eficaz? Pode ser que acabem por se de fiéis”, “missas on-line”. Parece que, no
sentirem “detentores do controle remoto” fundo, ainda existem algumas compreen-
e reivindiquem o poder de escolher o que sões pré-conciliares: “ter missa”, “assistir
ver, sem nenhum compromisso de conver- à missa”, “receber a comunhão”, “tomar
são, sem nenhum vínculo de comunidade. a comunhão”. O conceito de Eucaristia,
Se a Eucaristia gera a Igreja, pode ser que aí, parece sempre apontar para o exterior,

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para algo “fora” de nós a que assistimos
ou que, de alguma forma, obtemos e do
qual nos apossamos, como se fôssemos fre- Não eu, mas Deus
quentadores de teatro ou consumidores, Biografia espiritual de Carlo Acutis
mas não para algo que somos chamados a Ricardo Figueiredo
viver e a nos tornar. Será que foi isso que
a Tradição genuína da Igreja nos ensinou?
Será que, desconsiderando a fundamenta-
ção bíblico-teológica do sacramento, não
estamos minimizando sua grandeza?
Não podemos esquecer que, quando
celebramos a sagrada Eucaristia, acima de
tudo nos reunimos como um povo, o povo
de Deus (LG 5). É o mistério de um corpo
que reúne seus membros para alimentar-
-se, a fim de se tornar mais plenamente
aquilo que é: um corpo. A assembleia que
se forma é um sacramento; é o primeiro
sinal, não é predeterminada ou seleciona-

Imagens meramente ilustrativas.


da, mas convocada pelo Espírito: essa é a
primeira matéria para celebrar. É preciso
o povo convocado – essa é exatamente a
88 págs.

primeira rubrica do Missal Romano para


a celebração eucarística. Povo esse que se
reúne em torno dos sinais do pão e do
vinho para ouvir e meditar a Palavra e
clamar ao Espírito que nos faça ser Cor- A obra, escrita por um sacerdote
po, assim como fez que o pão e o vinho português, conta a história de
o fossem (EE 23). Carlo Acutis, beatificado em
outubro deste ano. A Igreja,
através do Papa Francisco,
3. TEMOS UM CAMINHO SEGURO!
reconhece que o jovem Carlo
A Tradição da Igreja se firma sobre os Acutis, apesar de ter vivido
pilares da lex orandi, lex credendi, lex viven- apenas até os 15 anos, praticou
di. O modo como rezamos determina o as virtudes cristãs de modo
modo como cremos e vivemos. Por isso, heroico, o que permite que seu
o cuidado e a preocupação que devemos processo de beatificação dê
ter com o modo como rezamos. A liturgia mais um passo até a reconhecida
é grande escola de fé. Salvatore Marsili, aprovação pública do seu culto.
em sua ativa participação no movimento
litúrgico, já recordava que liturgia é teo-
logia. Ou seja, o que fazemos e o modo
Vendas: (11) 3789-4000
como fazemos expressam e ensinam uma 0800-164011
verdade de fé.
Muito tem se questionado se algumas paulus.com.br
das iniciativas vistas durante a pandemia

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“TALVEZ, COMO NUNCA, TENHAMOS HOJE A OPORTUNIDADE DE USAR AS MÍDIAS
COMO INSTRUMENTO DE CATEQUESE, DE APROFUNDAMENTO DE TEMAS E MESMO
DE ‘VIRALIZAÇÃO’ DO EVANGELHO ANUNCIADO E, SOBRETUDO, TESTEMUNHADO.”

realmente buscam o consolo dos fiéis. Será tro e o diálogo de Jesus e seus seguidores
que não visam simplesmente à manuten- com diversas pessoas (Mc 1,29; 2,15; 3,20;
ção da estrutura? O que é curioso, pois 5,38; 7,24)” (DGAE 73).
nestes tempos se fala justamente da neces- Talvez seja o tempo para cultivar, na
sidade de renovar a estrutura. Parece que pequena comunidade – a família, com
não vai funcionar bem transferir para o os vizinhos –, verdadeira vida de oração,
mundo virtual algumas experiências que enraizada na Palavra de Deus, tendo em
já vimos fracassar no mundo real. Será Jesus Cristo, o orante por excelência, e
que não estamos diante de uma teologia na Oração do Senhor, paradigma de toda
eucarística rasa, fragmentada, travestida de oração, o verdadeiro sustento. Pela oração
preocupação de cuidado? cotidiana, os membros da comunidade se
Desde o início da pandemia, o papa sentem consolados, redescobrem sua dig-
Francisco tem pedido aos pastores pro- nidade de filhos e filhas de Deus, tomam
ximidade com os fiéis. Em uma entre- consciência de que são colaboradores de
vista telefônica ao jornal La Repubblica, Deus na missão e são impelidos a sair ao
publicada na quarta-feira, 18 de março, encontro das pessoas e a praticar a mise-
ele sublinhava a necessidade de, durante ricórdia (DGAE 95).
o período de isolamento, procurar “uma
nova forma de nos aproximarmos uns dos 4. REDESCOBRINDO UM TESOURO
outros, numa relação concreta tecida de O momento nos desafi a a corajosamen-
atenção e de paciência”.  te ajudar nosso povo a viver o mistério
Na Igreja no Brasil, temos uma grande da presença real de Jesus Cristo que o
luz. Logo no objetivo geral das Diretrizes Concílio Vaticano II já protagonizava: “O
Gerais da Ação Evangelizadora (DGAE), nossos Senhor está presente na sua palavra, pois é
bispos nos convocavam a ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagra-
da Escritura. Está presente, enfim, quando
evangelizar no Brasil cada vez mais ur- a Igreja reza e canta, ele que prometeu:
bano, pelo anúncio da Palavra de Deus, ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em
formando discípulos e discípulas de Jesus meu nome, eu estou no meio deles’ (Mt
Cristo, em comunidades eclesiais missio- 18,20)” (SC 7). Nesse cenário, não seria,
nárias, à luz da evangélica opção prefe- pois, oportuno valorizar e oferecer pistas
rencial pelos pobres, cuidando da Casa para as celebrações da Palavra em famí-
Comum e testemunhando o Reino de lia como uma proposta mais segura? Não
Deus rumo à plenitude. poderíamos usar as mídias para orientar a
leitura orante da Palavra de Deus?
Logo, seria uma proposta oportuna, para O concílio já nos advertia que a liturgia
este momento de incertezas, considerar o é, simultaneamente, a meta para a qual se
que já nos havia sido indicado por nossos encaminha a ação da Igreja e a fonte de
bispos: “A casa, enquanto espaço familiar, onde promana toda a sua força (SC 10),
um dos lugares privilegiados para o encon- mas não esgota toda a ação da Igreja (SC 9).

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O tesouro da espiritualidade
e dos místicos
O Espírito Santo suscitou, ao longo dos séculos, numerosos
místicos e mestres de oração, em tradição ininterrupta, que são
um tesouro de valor inestimável para a Igreja.

Santa Teresa d’Ávila,


MÍSTICA E DOUTORA DA IGREJA
“Nada te perturbe, nada te espante,
Tudo passa, Deus não muda,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem, nada lhe falta:
Só Deus basta.”

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São João da Cruz,
MÍSTICO E DOUTOR DA IGREJA
“Em noite tão ditosa, e num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.”

Santa
Catarina de Sena,
MÍSTICA E DOUTORA DA IGREJA
“Jovens, se fordes aquilo que Deus quer,
colocareis fogo no mundo.”

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Santa Teresinha
do Menino Jesus,
MÍSTICA E DOUTORA DA IGREJA
“Para mim, a oração é um impulso do coração, um simples
olhar dirigido para o céu, um grito de agradecimento e de
amor, tanto do meio do sofrimento como do meio da alegria.
Em uma palavra, é algo grande, algo sobrenatural que me
dilata a alma e me une a Jesus.”

DISPONÍVEL DISPONÍVEL CD INSPIRADO NA VIDA E


TAMBÉM TAMBÉM OBRA DE SANTA TERESINHA
EM E-BOOK EM E-BOOK DO MENINO JESUS
Conheça outros títulos sobre o caminho
de espiritualidade e oração dos santos

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Não seria um caminho pensar a liturgia
como o exercício da função sacerdotal de
Cristo, em que os sinais sensíveis significam Um “santo” surfista
e – cada um à sua maneira – realizam a O servo de Deus Guido Schäffer
santificação dos homens (SC 7)? Desse
Ricardo Figueiredo
modo, não seria salutar perceber que, em-
bora os templos estejam fechados, a liturgia
é celebrada como desdobramento de um
mistério que exige consequências na vida
de quem crê?
Temos diante de nós o desafio de uma
Igreja que ultrapassa as paredes do tem-
plo e se faz pobre para os pobres (EG 198).
Talvez não seja a hora de, com coragem
profética, a Igreja assumir alguns gestos
e se fazer mais próxima dos pobres, mas
também, ao mesmo tempo, daqueles que
detêm os “meios de produção”, para se-
renar-lhes o coração e ajudá-los a fazer
uma experiência de fé que os leve a um

Imagens meramente ilustrativas.


cuidado maior com os irmãos, de modo
que se sintam chamados a abrir mão de
algumas seguranças econômicas, as quais
136 págs.

poderão ser reconstruídas?


Muitos ainda têm dúvida acerca do que
vem primeiro: a vida ou a economia. Não
seria o tempo de gastarmos nossas forças
e recursos no cuidado das pessoas? Não A obra, escrita por um sacerdote
seria um caminho propício favorecer ini- português, conta a história de
ciativas que promovam a vida solidária e a Guido Schäffer, médico e surfista
proximidade com os que sofrem? Mesmo brasileiro. Apesar do pouco tempo
de vida, Guido experimentou a fé
nas “missas transmitidas”, não precisaría- de forma intensa, a ponto de ser
mos superar a mera assistência/audiência, reconhecido pela Igreja como servo
a mera transmissão e o mero individua- de Deus, ou seja, ter seu processo de
lismo em rede? Não seria preciso buscar canonização aberto. O rapaz pode
formas que permitam verdadeiro encontro, se tornar o primeiro santo carioca e o
verdadeira escuta e verdadeiro diálogo com seu testemunho tem muito a contribuir
com uma juventude que aparenta ter
as pessoas que se conectam com as redes perdido o gosto pela vida.
digitais da Igreja? Não seria importante
provocar os fiéis a viver este momento
como um momento intenso de cultivo
Vendas: (11) 3789-4000
da espiritualidade, mas sem atribuir-lhe 0800-164011
um valor substitutivo?
Precisaríamos cuidar mais da forma da paulus.com.br
celebração a ser transmitida; ela é sempre

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“ação de toda a Igreja” (IGMR 5). Será serem conduzidas pela vaidade ou por uma
que basta apenas levar em conta a trans- teologia rasa.Talvez, como nunca, tenhamos
missão, sem se preocupar com o modelo hoje a oportunidade de usar as mídias como
apresentado? Talvez não estejamos bem instrumento de catequese, de aprofunda-
atentos ao Missal Romano, que prevê três mento de temas e mesmo de “viralização”
possibilidades para a celebração: a “missa do Evangelho anunciado e, sobretudo, tes-
com povo”, a “missa concelebrada” e a temunhado. Quem sabe não seja a hora de
“missa com assistência de um só ministro” apresentar a riqueza humana e espiritual
(IGMR 252). Portanto, no contexto em de nossa Igreja, por meio dos trabalhos de
que estamos, a Igreja propõe a celebração tantos grupos e pastorais?
desta última, entendida, de acordo com as Como já aconteceu em outros períodos
IGMR, como a “missa celebrada por um históricos, provisoriamente nosso povo vive
sacerdote, ao qual assiste e responde um só grande “jejum da comunhão eucarística”.
ministro” (n. 252), mas agora transmitida Não estamos, entretanto, privados da comu-
pelas mídias (as IGMR também deixam nhão com o Senhor. Seu Corpo santo nos
bem claro: “Não se celebre sem a assistência convoca. Não só na “branca hóstia” – com
de um ministro ou ao menos de algum fiel, a a qual os fiéis estão, de modo geral, agora
não ser por causa justa e razoável”, n. 254). impedidos de se encontrar –, mas também
Tenha-se claro, porém, que a oração do na força de sua Palavra e no irmão que nos
presbítero, ainda que com um só ministro estende a mão e precisa, mais do que nunca,
e mesmo em casos de justa causa, em que de nosso cuidado solidário.
ele se veja obrigado a rezar sozinho, será São João Paulo II nos recordava:
sempre a oração de toda a Igreja; portanto,
a oração de todo o povo, em comunhão o mistério eucarístico – sacrifício, pre-
com todo o povo. Não seria viável, onde sença, banquete – não permite redu-
possível, que, em vez de cada padre trans- ções nem instrumentalizações; há de
mitir sua missa, se reunissem pequenos ser vivido na sua integridade, quer na
grupos de presbíteros para fazê-lo? Não celebração, quer no colóquio íntimo
seria mais pedagógico? Não seria mais com Jesus recebido na comunhão. En-
testemunhal? tão a Igreja fica solidamente edificada,
Reapresentar o Ofício Divino não po- e exprime-se o que ela é verdadeira-
deria ser grande possibilidade para celebrar mente: una, santa, católica e apostólica;
a fé, como oração pública da Igreja, fonte povo, templo e família de Deus; corpo
de piedade e alimento da oração pessoal e esposa de Cristo, animada pelo Es-
(SC 90)? pírito Santo; sacramento universal de
salvação e comunhão hierarquicamente
5. NÃO BASTA SÓ FAZER ALGO, organizada (EE 61).
É HORA DE PENSAR NO QUE
BUSCAMOS Não podemos perder a sensibilidade para
Não sabemos por quanto tempo a situa- o fato de que nosso povo sabe rezar. Não
ção vai perdurar. O certo é que cabe fazer precisamos fazer para os fiéis simplesmente
deste tempo uma ocasião que nos ajude verem.Talvez seja mais eficaz ajudá-los, com
a voltarmos mais qualificados para nossas pistas, com provocações, a celebrar e viver
assembleias litúrgicas. Por isso, apresenta-se a força do mistério celebrado na igreja do-
o desafio de não deixar nossas iniciativas méstica, ou seja, em sua família.

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São perguntas... Perguntas que não de-
sejam diminuir ou desqualificar o esforço
de ninguém, e sim provocar a reflexão, Madre Teresa
Uma santa para os ateus e para
para que este tempo seja oportunidade os casados
de crescimento, seja verdadeiramente uma
oportunidade pascal. Um tempo que nos Raniero Cantalamessa
ajude a dar passos na tão sonhada “con-
versão pastoral”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENTO XVI, Papa. Exortação Apostólica


Pós-sinodal Sacramentum Caritatis: sobre
a Eucaristia fonte e ápice da vida e da
missão da Igreja. Disponível em: <http://
www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/

Imagens meramente ilustrativas.


apost_exhortations/documents/hf_ben-x-
vi_exh_20070222_sacramentum-caritatis.
html>. Acesso em: 1 jul. 2020.
72 págs.

BUGNINI, A. La riforma liturgica. 2 ed. Roma:


CLV/Edizioni Liturgiche, 1997.
CNBB. Diretrizes da Ação Evangelizadora da
Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília, DF:
Fruto das pregações realizadas
CNBB, 2019. (Documentos da CNBB,
pelo frei Cantalamessa na
n. 109).
Casa Pontifícia em 2003,
GRILLO, A. Liturgia, exercício do sacerdócio este livro se oferece como um
de Cristo, cabeça e membros, na SC e nos verdadeiro acompanhamento
demais documentos do Concílio Vaticano ao conhecimento do mistério do
sofrimento espiritual que Madre
II. In: CNBB. Liturgia, exercício do sacerdó-
Teresa viveu durante toda a sua
cio de Cristo, cabeça e membros. Brasília, DF:
vida, e que só seria levado a
CNBB, 2014. p. 8-25. público nos últimos anos. A santa
JOÃO PAULO II, Papa. Carta Encíclica Ec- de Calcutá viveu, de fato, a
clesia de Eucharistia: sobre a Eucaristia na experiência da “noite escura da
alma”, inserindo-se, assim, entre as
sua relação com a Igreja (EE). Disponível
grandes figuras da mística cristã
em: <http://www.vatican.va/holy_father/
de todos os tempos.
special_features/encyclicals/documents/
hf_jp-ii_enc_20030417_ecclesia_eucha-
ristia_po.html>. Acesso em: 1 jul. 2020.
Vendas: (11) 3789-4000
TABORDA, F. Fazei isto em meu memorial: 0800-164011
a Eucaristia como sacramento da unidade.
In: CNBB. A Eucaristia na vida da Igreja. São paulus.com.br
Paulo: Paulus, 2005. p. 42-87.

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ROTEIROS HOMILÉTICOS
Francisco Cornélio Freire Rodrigues*

TODOS OS SANTOS da humanidade. Por isso, como recorda o


1° de novembro papa Francisco, ao falar de santos e santas,
“não pensemos apenas em quantos já estão
Santidade: a vocação beatificados ou canonizados” (Gaudete et
da humanidade Exsultate, n. 6), mas vejamos a santidade
já agora, no povo simples e humilde que
I. INTRODUÇÃO GERAL se esforça cotidianamente para viver, com
A solenidade deste dia recorda que a dignidade e esperança, num mundo desa-
santidade é a verdadeira vocação da hu- fi ador. De fato, pelo dom de sermos filhos
manidade e, por isso, é acessível a todas as e filhas de Deus (2ª leitura), podemos dizer
pessoas. O caminho para alcançá-la con- que a santidade já está em nós.
siste em viver o programa de vida de Jesus,
expresso nas bem-aventuranças (Evange- II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
lho). Criado à imagem e semelhança de 1. I leitura: Ap 7,2-4.9-14
Deus (Gn 1,2), o ser humano é chamado A primeira leitura é tirada do Apo-
a assemelhar-se a ele também na santida- calipse de São João, o último livro do
de (Lv 19,2). Dirigido inicialmente a um Novo Testamento, escrito entre o final do
povo específico, Israel, esse chamado foi primeiro século e o início do segundo. É
estendido a toda a humanidade por Jesus obra de um profeta cristão, herdeiro de
Cristo. Por isso, nesta liturgia rendemos tradições ligadas ao apóstolo João, cujo
graças a Deus pela multidão incontável de nome adotou como pseudônimo (Ap 1,2).
homens e mulheres, de todas as nações da O nome Apocalipse não tem relação com
terra, que já alcançaram o Reino definitivo tragédias ou catástrofes, como às vezes se
(1ª leitura) e renovamos a esperança de pensa. Significa “revelação”: tirar o véu
também alcançarmos tal graça, não obs- que encobre uma realidade para torná-
tante as tribulações do presente. Isso nos -la conhecida com o uso de linguagem
enche de alegria e esperança, pois mostra simbólica, como é típico do gênero lite-
que a santidade não é reservada a heróis rário apocalíptico. Trata-se de um livro
ou fazedores de milagres, mas está ao al- de resistência e esperança, escrito para
cance de todas as pessoas, pois é o destino animar as comunidades cristãs da Ásia

*Pe. Francisco Cornélio Freire Rodrigues é presbítero da diocese de Mossoró-RN. Possui mestrado em Teologia Bíblica pela Pontificia Università San
Tommaso D’Aquino – Angelicum (Roma). É licenciado em Filosofia pelo Instituto Salesiano de Filosofia – Insaf (Recife) e bacharel em Teologia
pelo Ateneo Pontificio Regina Apostolorum (Roma). É professor de Antigo e Novo Testamentos na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte
(Mossoró-RN). E-mail: francornelio@gmail.com

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Menor, vítimas da cruel perseguição do
imperador romano Domiciano. Fazen-
do uso intenso de imagens e símbolos, o Diocesaneidade,
autor transmite esperança aos cristãos e, esponsalidade e
ao mesmo tempo, denuncia a crueldade incardinação
do poder opressor.
Inserido na seção dos “sete selos” (6,1- Vv.Aa.
8,1), o texto da leitura oferece uma ima-
gem esplêndida, que descreve a vitória
final de quem persevera na fidelidade
ao Senhor, apesar das muitas tribulações
que se apresentam aos cristãos enquan-
to vivem neste mundo. Num primeiro
momento, o texto se refere à situação
dos cristãos na vida presente (vv. 2-3):
são chamados de servos e se encontram
em plena provação, ameaçados por forças
destruidoras, mas possuem uma marca que
lhes garante força e resistência. A marca

Imagens meramente ilustrativas.


na fronte é um selo que representa o
batismo cristão, imagem muito utilizada
136 págs.

pela Igreja primitiva; simboliza a força do


Espírito Santo, transmitida no batismo, e
o jeito de ser cristão no mundo. Inicial-
mente, o número dos marcados ou eleitos
é contável, embora seja uma quantidade
Na obra, os autores apresentam
muito alta: 144 mil (v. 4). Esse número uma abordagem sobre o
simboliza a plenitude do povo de Israel caráter relacional entre Jesus,
(144 mil = 12 x 12 x 1.000); os rema- o presbítero e a Igreja, que
nescentes da Antiga Aliança, incluindo a define e configura a pessoa e o
grande maioria dos primeiros cristãos, ministério do padre. Os autores
são os primeiros beneficiados pela obra traduzem essa relação no âmbito
redentora de Cristo e, por isso, contados da diocesaneidade – a pertença
entre os eleitos, como prova da fidelidade e o amor que o presbítero
manifesta à sua diocese –, da
de Deus às suas promessas.
esponsalidade – o mergulho
Uma nova visão contempla a realidade no amor a Cristo e à Igreja – e
celeste em forma de ação litúrgica (vv. da incardinação – o lugar do
9-14): uma multidão incontável de elei- presbítero no coração da Igreja.
tos, gente de todos os povos da terra, de
todas as culturas, trajando vestes brancas
e trazendo palmas nas mãos, diante do
Vendas: (11) 3789-4000
trono e do Cordeiro. É a fraternidade uni- 0800-164011
versal consumada em Cristo, pois toda a
humanidade é contemplada pela sua obra paulus.com.br
de salvação. As vestes brancas (v. 9.13-14),

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paradoxalmente lavadas no sangue do Cor- o direito de sermos seus filhos e viver-
deiro, significam a vida nova conferida mos como tais ainda nesta vida (v. 1-2). A
pelo batismo, marcada pela alegria e pu- condição de filhos exige correspondente
reza; é a configuração a Cristo. As palmas coerência de vida, que consiste em asse-
significam a vitória (v. 9): quem passa pela melhar-se ao Pai, principalmente no jeito
tribulação e resiste é vitorioso. A grande de amar. Ainda neste mundo, os cristãos
tribulação significa as dificuldades que os devem refletir na própria vida a semelhança
cristãos enfrentam para pôr em prática o com Deus, cujo parâmetro é o próprio
programa das bem-aventuranças, e o san- Jesus, o Filho. A santidade é isso. O que,
gue do Cordeiro sintetiza a obra redentora porém, ainda é parcial só se tornará pleno
de Cristo, cujo ápice é sua paixão, morte quando Jesus se manifestar definitivamente
e ressurreição, da qual participamos pelo na parusia. Naquele momento, a seme-
batismo (v. 14). lhança com ele será plena e seremos puros
A imagem predominante no texto é como ele mesmo é (v. 3). Como resposta
uma ação litúrgica celeste, cuja assembleia, ao amor recebido, devemos nos esforçar
formada pela multidão de eleitos, louva para nos assemelharmos a ele o máximo
a Deus por poder contemplá-lo definiti- possível ainda neste mundo, vivendo e
vamente e por ter sentido a sua presença amando à sua maneira.
quando ainda padecia em meio às prova-
ções do mundo. 3. Evangelho: Mt 5,1-12a
A liturgia nos propõe a leitura das
2. II leitura: 1Jo 3,1-3 bem-aventuranças do Evangelho de Ma-
A primeira carta de João, da qual é teus. Esse texto, que introduz o discurso
tirada a segunda leitura, é mais uma re- da montanha (Mt 5-7), é considerado o
flexão teológica em forma de homilia coração do Evangelho de Mateus e o
do que uma carta propriamente dita. De núcleo essencial de todo o ensinamento
fato, de todos os escritos do Novo Testa- de Jesus. Na verdade, mais do que um
mento classificados como epístolas, esse ensinamento, as bem-aventuranças são
é um dos que têm menos características uma síntese da vida de Jesus, pois as si-
do gênero epistolar. A data e os destina- tuações que ele apresenta como causa
tários primeiros não são conhecidos com de felicidade são aquelas que ele mes-
exatidão; é certo, no entanto, que é um mo experimentou e viveu. Por isso, as
escrito posterior ao Quarto Evangelho e bem-aventuranças não são uma doutrina,
dirigido a grupos cristãos que já conhe- mas um programa de vida; descrevem a
ciam o referido Evangelho, provavelmente maneira de viver de Jesus e o que ele
de comunidades da Ásia Menor, onde sur- propõe aos cristãos e cristãs de todos os
giam ideias e doutrinas que ameaçavam a tempos como ideal de vida.
unidade da fé cristã. Em algumas passagens, Encantador do ponto de vista estético,
parece funcionar como aprofundamento esse é um texto desafi ador, porque convida
de temas que não ficaram muito claros os cristãos a adotar um estilo de vida que
no Evangelho, como o trecho lido hoje, contraria o que muitas sociedades esta-
que trata da filiação divina. beleceram como critérios de felicidade
O texto começa com uma notícia que e bem-estar, como o acúmulo de bens,
deve ser motivo de alegria para todos: o a vida cômoda e o prestígio social. Jesus
amor de Deus é tão grande, que nos deu anuncia que são felizes aquelas pessoas que

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eram tratadas como infelizes e desgraçadas.
Por isso, trata-se de mensagem altamente
revolucionária e de consequências trans- Atos Apócrifos
formadoras, cujo resultado é a construção de André
de um mundo ao revés da ordem estabe- Jonas Machado
lecida. À medida que esse ideal de vida
é assimilado pelas pessoas, o Reino dos
céus (Reino de Deus) se manifesta nes-
te mundo e as estruturas de pecado são
desmascaradas.
Como o espaço aqui não é suficiente
para comentar e refletir sobre cada uma
das bem-aventuranças, optamos por con-
siderá-las em seu conjunto. Elas cons-
tituem um caminho de oito etapas (v.
1-10), cuja meta é a santidade, ou seja, a
configuração a Jesus. Encontramos então
oito bem-aventuranças, embora alguns

Imagens meramente ilustrativas.


estudiosos considerem nove, em virtude
de a expressão “bem-aventuranças” (em
88 págs.

grego, makarioi) aparecer nove vezes no


texto. De acordo com a maioria dos exe- CONFIRA
getas, porém, a nona ocorrência (v. 11) já VERSÃO
não é uma nova bem-aventurança, mas E-BOOK
uma recapitulação e consequência das
oito anteriores: quem percorre o cami-
Embora oficialmente rejeitados,
nho de santidade proposto por Jesus nas
os Atos de André, datados do
bem-aventuranças será, inevitavelmente, século II, ilustram como certos
perseguido. A perseguição é, portanto, grupos cristãos antigos pensavam
o critério de verificação da fidelidade e viviam a sua fé. Como fonte
a Jesus. de estudo, nos desafiam a uma
melhor avaliação da história
III. PISTAS PARA REFLEXÃO do cristianismo das origens,
Ressaltar a solenidade de hoje como percebendo o quanto essa
motivo de alegria e esperança para toda a história, como a concebemos,
é reducionista e parcial, uma
humanidade. Mais do que a recordação dos
vez que nos foi contada de uma
méritos na vida dos santos e santas – o que perspectiva posterior, aquela das
é importante, pois são exemplos concretos relações da Igreja cristã com os
de adesão e fidelidade aos propósitos de poderes imperiais.
Deus –, essa festa é uma declaração solene
de que a vivência do Evangelho de Jesus
Vendas: (11) 3789-4000
é viável. Recordar que fomos marcados 0800-164011
por Deus, tanto pela condição de ser-
mos sua imagem e semelhança quanto paulus.com.br
pelo privilégio de sermos seus filhos pelo

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batismo. É necessário, no entanto, manifes- II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
tar a marca de Deus em nós com o teste- 1. I leitura: Sb 6,12-16
munho cotidiano do seu amor, pondo em A primeira leitura é tirada do livro da
prática o programa das bem-aventuranças. Sabedoria (obra atribuída ao rei Salomão
A imagem esplêndida da liturgia celestial mediante o fenômeno literário da pseu-
(1ª leitura) encoraje os cristãos e cristãs de donímia), cujo autor real foi um sábio
nossos tempos a perseverar na prática das judeu, profundo conhecedor da cultura
bem-aventuranças com fidelidade, mesmo grega e das tradições judaicas, que viveu
diante das inúmeras tribulações que os na cidade de Alexandria do Egito.Trata-se
tempos atuais apresentam. do último livro do Antigo Testamento a ser
escrito, provavelmente já no final do séc.
O roteiro de Finados encontra-se no site: I a.C., numa época de grande influência
www.vidapastoral.com.br da cultura grega sobre as novas gerações
de judeus. Os valores e tradições de Israel,
32º DOMINGO DO TEMPO COMUM incluindo a fé monoteísta, corriam sérios
8 de novembro riscos de desaparecer, diante do fascínio
que o pensamento grego provocava nas
Vigiar com sabedoria pessoas, sobretudo na juventude. A atri-
e esperança buição da autoria a Salomão foi feita para
conferir prestígio e autoridade à obra.
I. INTRODUÇÃO GERAL Na Bíblia, sabedoria é, acima de tudo,
O tema central desta liturgia é a vigilân- a arte de viver bem – nisso consiste a
cia. Aliás, esse é o tema predominante em felicidade – e depende essencialmente da
toda a fase conclusiva do ano litúrgico, a reflexão e observância da Lei, enquanto
qual já estamos vivenciando. Sabendo que expressão da vontade de Deus. Para tornar
o Senhor virá, devemos nos preparar bem esse ensinamento mais atrativo, o autor
para recebê-lo com sabedoria e prudência. É descreve a sabedoria de maneira inova-
importante, no entanto, que essa preparação dora, utilizando até mesmo categorias do
não seja ocasional, até porque ninguém sabe pensamento grego.
qual será o dia ou a hora. Logo, a preparação O trecho lido neste domingo pertence
deve fazer parte do cotidiano de todas as à segunda parte da obra (Sb 6-9), consi-
pessoas, e é o próprio Deus quem oferece derada o coração do livro. Nele, o autor
à humanidade os meios necessários, como apresenta a sabedoria como algo belo e
o dom da sabedoria, acessível em todos os atrativo, que se deixa encontrar facilmente
momentos e em todos os lugares; a única exi- por aqueles que a buscam. Com isso, ele
gência para recebê-la é o desejo de possuí-la, contrapõe-se à mentalidade grega – que
trazendo como primeiro fruto a prudência concebia o acesso à sabedoria como re-
(1ª leitura).Vigia bem quem tem esperança sultado de árdua atividade do intelecto
– e nós, cristãos, a temos – e não alimenta – e ao pensamento conservador de Israel,
preocupações desnecessárias (2ª leitura). En- que condicionava a aquisição da sabedoria
fim, a verdadeira vigilância consiste em ser aos anos vividos, ou seja, à experiência de
previdente, mantendo aceso o programa de vida, o que só se alcançava em grau satis-
vida de Jesus, expresso nas bem-aventuranças fatório na velhice. Temos, portanto, uma
e representado nesta liturgia pelo óleo das perspectiva inovadora. As duas primeiras
jovens previdentes (Evangelho). imagens empregadas para descrever a sa-

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bedoria são qualidades da luz e de uma carta e, por sinal, aborda um tema bastante
planta que não seca (v. 12) – o que evoca delicado, gerador de muitos dúvidas e in-
atração e beleza – e a facilidade de en- compreensões nos tessalonicenses, o qual
contrar. Temos, assim, logo no início, um Paulo procurou esclarecer: a parusia, ou
ensinamento muito importante: é preciso seja, a segunda vinda do Senhor e suas con-
amar e desejar a sabedoria, para obtê-la, sequências para os cristãos vivos e mortos.
mas ela permanece sempre como dom de A pregação sobre a segunda vinda do
Deus, de modo que é ela mesma quem se Senhor suscitou muitas inquietações nas
oferece (v. 13). primeiras comunidades cristãs, e em Tes-
A sequência do texto é apenas confir- salônica parece que a situação se tornou
mação do que se diz no início (v. 14.16): é ainda mais preocupante, pelo menos entre
necessário que o ser humano deseje cons- as comunidades evangelizadas por Paulo.
tantemente a sabedoria, pois dela depende Eram frequentes as perguntas sobre quando
a boa condução da vida; e ela não está aconteceria, como seria e quais os desdo-
distante: basta desejá-la para obtê-la, uma bramentos desse evento. Na falta de res-
vez que está em todo lugar – na porta da postas concretas, muitos o imaginavam à
casa e até nas estradas. O encontro com sua maneira e espalhavam suas concepções.
ela, no entanto, não é mérito humano, Circulava a ideia de que a vinda do Senhor
mas dom de Deus, o qual não decepciona seria imediata, e aqueles que esperavam
aqueles que a buscam. Tendo encontrado estar vivos no momento se preocupavam
a sabedoria, o ser humano é chamado a com os familiares e amigos cristãos que já
meditar e refletir sobre ela, para alcançar tinham morrido, com medo de que não
a perfeição da prudência (v. 15), o seu fossem beneficiados pelo retorno do Se-
primeiro fruto. Este o principal ponto de nhor (v. 15). Paulo os tranquiliza, ensinan-
encontro da leitura com a sequência da do que aqueles que morreram antes serão
liturgia deste dia: a prudência como vir- os primeiros a ressuscitar com Cristo (v.
tude que torna o ser humano vigilante na 16). Após o resgate dos que morreram é
sua relação com Deus, atento aos sinais que os vivos serão arrebatados com eles
dos tempos e acontecimentos da história. para os céus, de modo que o encontro
Por isso, a busca pela sabedoria é indis- definitivo com o Senhor será igual para
pensável, de modo que desejá-la é desejar todos (v. 17).
o próprio Deus. Portanto, Paulo recomenda que não
devemos alimentar preocupações desne-
2. II leitura: 1Ts 4,13-18 cessárias. Para quem tem esperança – e
A liturgia retoma a leitura da primeira nós temos –, é suficiente a certeza de que
carta aos Tessalonicenses, iniciada há al- Cristo ressuscitou e, por isso, ressuscita-
guns domingos e interrompida no domin- remos com ele (v. 13-14). Logo, devemos
go passado, para a solenidade de Todos os esperar seu retorno definitivo, vivendo o
Santos. Até então, tivemos a oportunidade que Jesus viveu e ensinou. Ser vigilante é,
de ler somente os aspectos introdutórios acima de tudo, viver à maneira de Jesus,
desse que é o escrito mais antigo do Novo expressão máxima da sabedoria de Deus.
Testamento, cuja redação se deu provavel-
mente no ano 51 d.C., quando Paulo se 3. Evangelho: Mt 25,1-13
encontrava em Corinto. O texto lido nesta O Evangelho deste e dos dois pró-
liturgia já faz parte da seção doutrinal da ximos domingos é tirado do “discurso

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escatológico” (Mt 24-25), o último dos como as boas obras, os carismas pessoais,
cinco grandes discursos que Mateus atri- os dons do Espírito Santo. É inegável que
bui a Jesus em seu Evangelho, escrito para se trata de algo essencial – pois quem não
encorajar os cristãos da sua comunida- o tem fica fora do banquete e, portanto,
de diante das situações de perseguições, do Reino – e, ao mesmo tempo, pessoal
incertezas, desânimo e diminuição do e intransferível. Considerando o conjunto
fervor na vivência da fé. Diante disso, o do Evangelho de Mateus, o mais provável é
evangelista pede uma atitude de vigilân- que o óleo signifique as bem-aventuranças,
cia, recordando palavras do próprio Jesus, como a carta de identidade do discipulado
que garantiu voltar, sem revelar nem o e critério de pertença a Jesus e seu Reino.
dia nem a hora. É exatamente por isso
que a comunidade deve vigiar sempre, III. PISTAS PARA REFLEXÃO
para não ser surpreendida, como ensina É importante recordar o espírito de
a parábola de hoje. vigilância como uma necessidade para
Para compreender bem a parábola, é a vida cristã, sem, no entanto, provocar
necessário entender como era realizada medo nas pessoas. Chamar a atenção para
uma festa de casamento conforme os cos- que preocupações desnecessárias não
tumes do povo judeu no tempo de Jesus. atrapalhem o que é essencial na vida cristã.
Após a fase da promessa, que durava um Evidenciar a relação entre as leituras,
ano, o casamento era festejado e consu- incluindo o salmo, cujo refrão é muito
mado. No dia marcado, o noivo ia com significativo para alimentar a vigilância
seus amigos até a casa da noiva. Em sua como desejo de Deus. Diante das escolhas
casa, a noiva reunia suas melhores amigas que devem ser feitas ao longo da vida,
para esperar o noivo, e elas deveriam é importante sabedoria e prudência
levar lâmpadas. para escolher o que é edificante para a
Após a chegada do noivo, a noiva se implantação do Reino de Deus entre nós.
despedia dos seus pais, deixava sua casa
e ia para a casa do noivo, ao seu lado, 33º DOMINGO DO TEMPO COMUM
onde acontecia a festa. Formava-se, assim, 15 de novembro
o cortejo nupcial da casa da noiva para a
casa do noivo, onde acontecia o banque- Vigiar é fazer
te. Esse rito acontecia sempre à noite, de crescer os dons de Deus
modo que o cortejo era iluminado pelas
lâmpadas que as amigas da noiva levavam. I. INTRODUÇÃO GERAL
Sem essa explicação, o sentido da parábola Chegamos ao penúltimo domingo
passaria despercebido. do ano litúrgico, e o tema em evidência
O noivo da parábola é Jesus, e a noiva continua a ser a vigilância, apresentada
é a comunidade cristã. Também as dez nesta liturgia como empenho e respon-
jovens representam a comunidade, com sabilidade de viver constantemente em
a diversidade cultural e ministerial que a sintonia com a vontade de Deus, fazendo
compõe. A diferença de postura das jo- frutificar os dons que ele confiou, como
vens – previdentes e imprevidentes – é ensina o Evangelho. Isso exige disposição
um alerta sobre o risco de viver a fé com e coragem para correr riscos pelo Reino,
superficialidade. Sobre o significado do dedicando-se ao bem do próximo, como
óleo, há uma pluralidade de hipóteses, fez Jesus – aquele que “fez o bem por onde

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passou” (At 10,38) – em toda a sua vida
terrena. A mulher diligente da primeira
leitura é um exemplo concreto da vigi- O diaconato
lância ativa que deve caracterizar a vida permanente
dos cristãos. Ela praticamente antecipa o Perspectivas teológico-pastorais
convite de Paulo na segunda leitura para
que os cristãos vivam como filhos da luz. Valter Maurício Goedert

II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS


1. I leitura: Pr 31,10-13.19-20.30-31
O livro dos Provérbios, do qual é tirada
a primeira leitura, é grande antologia de
máximas e poemas sapienciais que com-
preende um período de aproximadamente
sete séculos de produção literária (do séc.
X ao séc. III a.C.). É o mais expressivo
monumento da literatura sapiencial de toda
a Bíblia. Foi atribuído ao rei Salomão (Pr
1,1) – principal referência da sabedoria de

Imagens meramente ilustrativas.


Israel – mediante o fenômeno da pseu-
donímia, sendo, no entanto, obra de autores
diversos e de diferentes épocas. O texto
192 págs.

da leitura compreende um conjunto de


fragmentos do poema conclusivo do livro
(Pr 31,10-31) que faz o elogio da mulher
virtuosa, a qual pode ser considerada tam-
bém imagem da sabedoria personificada e
modelo para todo ser humano, indepen- A obra é uma reedição da que foi
lançada pelo autor há 18 anos e
dentemente de gênero.
trata da grande importância do
A imagem da mulher como modelo desenvolvimento do diaconato
para todo o agir humano faz desse texto permanente no Brasil. A atual
um dos mais surpreendentes da literatura edição foi revisada e conta com
sapiencial, na qual em geral predomina bibliografia atualizada. Na
uma imagem muito negativa da mulher, visão do autor, a restauração do
com raros elogios à beleza física. Aliás, essa ministério diaconal, na verdade,
mentalidade depreciativa ainda aparece nasce da exigência de conferir
no início do texto, com uma pergunta ordens sagradas àqueles que,
na prática, já exercem funções
que insinua ser rara uma mulher virtuo-
correspondentes a tais ordens.
sa e com a comparação dela a objetos,
embora reconheça sua superioridade (v.
10). A novidade aparece logo a seguir,
Vendas: (11) 3789-4000
quando começa a sequência de elogios às 0800-164011
suas virtudes: é digna de confi ança e dili-
gente, sendo motivo de alegria e orgulho paulus.com.br
para o marido e toda a família (v. 11-12).

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É trabalhadora, sabe ocupar bem seu tem- pena esforçar-se, uma vez que, dentro de
po, dando conta de todas as necessidades da poucos dias, tudo seria consumado com
casa (v. 13.19). Tem um coração generoso; a volta do Senhor.
comove-se diante das necessidades dos po- Preocupado com a situação, Paulo
bres, estendendo suas mãos para ajudá-los procura resolvê-la, como mostra a leitu-
(v. 20). Por último, o autor cita a maior das ra, esclarecendo, em primeiro lugar, que
virtudes da mulher: o temor do Senhor, ninguém sabe o dia nem a hora. Para isso,
que não é medo, mas a disponibilidade faz uso de algumas imagens a fim de ilus-
total para fazer sua vontade. Quem possui trar a explicação. O dia do Senhor será
essa virtude, como a mulher descrita até como um ladrão que não avisa quando
aqui, sabe valorizar o que é essencial, sem vem, é imprevisível e deseja exatamente
preocupar-se com as aparências e com o pegar a todos de surpresa (v. 1-2). Por
que é passageiro, como a beleza física, por isso, é necessário vigiar constantemente
exemplo (v. 30). para não ser surpreendido; não se devem
Quem vive à maneira dessa mulher alimentar falsas seguranças, pois esse dia
merece louvor de fato (v. 31), pois faz será como as dores de parto da mulher
a autêntica vigilância: dedicação total ao grávida, que surgem de repente (v. 3). É
próximo, especialmente aos mais necessi- necessário preparar-se bem para não ser
tados, e temor a Deus. Além disso, como é surpreendido, vivendo como filhos da luz
agradável a Deus toda pessoa que o teme e e filhos do dia (v. 5), o que significa vi-
pratica o bem (cf. At 10,34-35), e a mulher ver empenhados em fazer a vontade de
é descrita com essas características, logo seu Deus e praticar o bem constantemente,
comportamento é paradigma para todos sem preocupações secundárias.
os seres humanos. É esse o agir dos filhos A quem vive à maneira de Jesus, pondo
da luz, antecipando a segunda leitura. os dons recebidos à disposição de todos, a
quem se dedica somente à prática do amor,
2. II leitura: 1Ts 5,1-6 não importa o dia nem a hora do retorno
Esta liturgia conclui a leitura da pri- do Senhor. Quem deve preocupar-se são os
meira carta aos Tessalonicenses, iniciada orgulhosos, os prepotentes, os coniventes
há cinco domingos. O tema tratado no com a violência, os propagadores de men-
presente texto é o dia do Senhor. Havia tiras, enfim, quem faz opções contrárias ao
muitas tensões nas primeiras comunidades Evangelho de Jesus. A vigilância perfeita,
cristãs, especialmente naquela de Tessa- portanto, é viver a cada dia o que Jesus
lônica, em relação à parusia, ou seja, ao ensinou, fazendo o bem a todos.
retorno glorioso de Jesus. A permanência
de Paulo na comunidade foi muito curta, 3. Evangelho: Mt 25,14-30
sem tempo suficiente para aprofundar os O Evangelho deste domingo corres-
temas mais complexos da fé cristã, dei- ponde a mais uma parábola do “discur-
xando os tessalonicenses com muitas dú- so escatológico” do Evangelho segundo
vidas e dando margem a interpretações Mateus (Mt 24-25). Trata-se da “parábola
equivocadas. Imaginavam que o dia do dos talentos”, localizada entre a parábola
Senhor seria imediato; por causa disso, das dez jovens (Mt 25,1-13) e a cena do
houve gente que deixou até de trabalhar julgamento final (Mt 25,31-46). A comu-
(2Ts 3,11), achando que já não valeria a nidade de Mateus vivia um momento de

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crise, com certo desânimo na vivência das terceiro servo de “mau”, mesmo sem ter
bem-aventuranças, núcleo central da men- cometido nenhum ato ilícito, mas apenas
sagem cristã. Os cristãos esperavam um porque foi omisso (v. 26). Com efeito, na
retorno imediato do Senhor e, como isso lógica do Reino, lógica que a comunidade
não acontecia, começaram a desanimar, cristã deve assumir, não é preciso cometer
abandonando a fé ou vivendo-a de modo delitos para ser tratado como mau; basta
superficial. Com essa parábola, o evangelis- ser omisso, indiferente e medroso. Não é
ta quer animá-los, mostrando que a espera suficiente não fazer o que é mau; basta
não é um tempo perdido. Pelo contrário, deixar de fazer o bem para ficar fora da
é o tempo oportuno para a comunidade comunidade e, consequentemente, do Rei-
fazer crescer e multiplicar os dons que o no. A punição excessiva é apenas um alerta
Senhor lhe confiou. para o perigo de não assimilar a lógica do
Conta o texto a história de um homem Reino; as consequências serão uma vida
que viajou para longe e deixou seus bens sem sentido, marcada pelo desespero, sem
nas mãos de três empregados, distribuindo perspectiva alguma de futuro (v. 30).
a cada um conforme as capacidades de O tempo prolongado entre a partida
administrar sua fortuna (v. 14-15). A quan- e o retorno do patrão significa o tempo
tidade diferenciada de bens recebidos por entre a ressurreição e a segunda vinda de
cada um pode ser alusão à diversidade de Jesus. A autêntica vigilância não é espera
dons e carismas existentes na comunidade. passiva, mas é atitude, é serviço em prol
Talento era uma medida usada para pesar do Reino, por meio da multiplicação dos
metais preciosos como ouro e prata; um dons confi ados pelo Senhor à comuni-
talento equivalia a aproximadamente 30 dade. Quem pensa apenas em conservar
quilos de ouro, o que correspondia a 6 a doutrina, os costumes e tradições, trai
mil denários, e um denário, por sua vez, a confi ança depositada pelo Senhor. O
era o salário de um dia de trabalho braçal Reino exige decisão, ousadia, criatividade
(Mt 20,2). Assim, até mesmo aquele que e liberdade para o uso dos dons recebidos.
recebeu apenas um talento ainda recebeu Ser vigilante é, portanto, não ter medo
grande fortuna. Isso revela a benevolência de arriscar, é pôr-se a serviço da comu-
e a liberalidade do Senhor, bem como nidade, expondo os dons recebidos apesar
a perenidade dos bens que ele confia à dos riscos.
comunidade.
Na prolongada ausência do dono, dois III. PISTAS PARA REFLEXÃO
dos empregados trabalharam e se esforça- Apresentar o tema da vigilância, rela-
ram até duplicar o que tinham recebido cionando as três leituras; enfatizar a ne-
(v. 16-17). Quer dizer que não tiveram cessidade de cada um(a) dar o melhor de
medo de arriscar, foram ousados e criativos. si na construção de um mundo melhor.
O terceiro, no entanto, pensou apenas na O esforço contínuo na prática do bem é a
conservação: escondeu o talento no chão melhor maneira de vigiar e esperar o dia
(v. 18). Ao retornar da viagem, o patrão do Senhor. Recordar tantas mulheres que
fez o acerto de contas: recompensou os se esforçam, além das possibilidades, para
empregados que multiplicaram os talentos dar o melhor de si a seus filhos; rezar por
e puniu aquele que apenas o conservou elas e pelas mulheres vítimas da violência
(v. 19-28). Além disso, o patrão chamou o doméstica.

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ROTEIROS HOMILÉTICOS
Aíla L. Pinheiro de Andrade**
NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, to. Na Antiguidade, a principal função do
REI DO UNIVERSO rei era realizar julgamentos com base nos
22 de novembro quais implantava a justiça, absolvendo os
inocentes e castigando os culpados. Desse
Todos os povos da terra modo, a harmonia se instaurava na socie-
estarão reunidos diante dele dade. Jesus usa essa linguagem da época
como metáfora para indicar que o Reino
I. INTRODUÇÃO GERAL de Deus é justiça. A tarefa de Jesus, no fim
Esta solenidade não tem por tema cen- dos tempos, é indicada pelos termos “Filho
tral o poder de Deus, como muitos pensam. do Homem”, “rei” (sentado no trono) e
Celebrar Cristo Rei do Universo significa, “pastor”. Em primeiro lugar, ele nos mostra,
antes de tudo, a universalidade da salvação, pela parábola, que a separação será realizada
ou seja, a boa notícia de que ela é ofere- apenas no final. Para elucidar isso, compõe
cida a todos e de que Deus não faz acep- sua narrativa com imagens muito comuns
ção de pessoas. Celebrar a realeza de Jesus naquela época. De fato, na região onde Jesus
significa que a realidade por ele semeada morava, os pastores cuidavam de ovelhas
(pequena qual semente de mostarda) vai e cabras ao mesmo tempo. Os rebanhos
se plenificar e dar frutos que podem ser eram mesclados. Somente ao cair da tarde
usufruídos por todos. O objetivo de Deus os pastores separavam os animais, porque as
sempre foi se manifestar a todos como Pai ovelhas suportam melhor o frio da noite,
amoroso que perdoa incondicionalmente, e as cabras tinham necessidade de dormir
que “faz nascer o sol sobre os bons e os num abrigo, do contrário ficavam doentes.
maus” (Mt 5,45) e deseja dar a todos a Com essa breve parábola, Jesus está afir-
vida plena. No entanto, apenas quando mando que a separação entre pessoas boas
acreditarmos realmente que seu amor in- e más será feita somente no fim dos tempos,
condicional deve ser revelado a todos, a à semelhança da separação do rebanho, feita
cada tradição e cultura – e que os povos no fim do dia. Este é o primeiro ponto do
necessitam receber a revelação divina por ensinamento desse Evangelho.
meio de sua própria sensibilidade para o Um segundo ponto é que, tanto no
transcendente –, poderemos ser cristãos mundo quanto na Igreja, convivem mis-
menos soberbos e mais humildes. Quando turados os que praticam o bem em favor
isso acontecer, Cristo será, de fato, sobe- dos sofredores e excluídos e aqueles que
rano em nossa vida. nada fazem pelas pessoas mais necessitadas.
Portanto, não podemos passar uma linha no
II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS chão e dizer que, deste lado, o da Igreja,
1. Evangelho (Mt 25,31-46) estão os que ajudam e, do outro lado, fora
O Evangelho se inicia com uma parábola da Igreja, estão os que não se sensibilizam
para indicar a chegada definitiva do Reino pela dor do outro. Essa constatação de Jesus
de Deus. A menção ao Filho do Homem deveria deixar os cristãos menos arrogantes
significa a volta de Jesus e o julgamen- e mais humildes. No mundo, convivem os
**Ir. Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj, graduada em Filosofia e em Teologia, cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica pela Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje (MG). Atualmente, leciona na pós-graduação em Teologia na Universidade Católica de Pernambuco –
Unicap. E-mail: aylanj@gmail.com

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opressores e os oprimidos, os que acumulam
muitas riquezas e os que passam fome. No
mundo também estão aqueles que dão a Solidários na doença
vida em favor de um mundo melhor e o Subsídios para os doentes e agentes
da pastoral da saúde
fazem sem nenhuma motivação religiosa.
Essa mistura permanecerá até o fim dos Leocir Pessini
tempos, quando todos estarão diante do
Filho do Homem, que reinará sobre todas as
nações. Somente aí se dará a separação, não
entre os que são cristãos e os que não são
cristãos, mas entre os que praticam o bem e
os que não o praticam. A bem-aventurança
do Reino é vivenciada por aqueles que
compartilham a vida: alimentam o faminto,
acolhem o peregrino, ajudam o enfermo
etc. O contrário, a condenação, é vivida
por aqueles que se fecham no egoísmo,
estejam estes dentro ou fora da Igreja. A

Imagens meramente ilustrativas.


surpresa nesse tipo de julgamento é grande,
pois tanto os que praticaram o bem quanto
os que não o praticaram têm uma reação
120 págs.

de espanto com o veredicto do rei, já que


ambos os grupos esperavam que a separação
fosse feita entre religiosos e não religio-
sos, crentes e descrentes. Isso mostra que o
O livro reúne as orações mais
Reino de Deus é muito diferente do que populares utilizadas no trabalho
geralmente se pensa. É um Reino de amor pastoral para rezar com e pelo
e de partilha, no qual não há lugar para o doente, tocando o coração que
egoísmo, a intolerância, a indiferença etc. enfrenta o grande desafio de
dar um sentido à experiência
2. I leitura (Ez 34,11-12.15-17) do encontro com a doença, o
Na época do profeta Ezequiel, o povo sofrimento e a morte. Além das
da Bíblia estava espalhado entre várias na- orações, a obra apresenta quatro
reflexões, que colocam a pessoa
ções na vastidão do Império Babilônico.
de frente com a palavra de vida
O texto compara essa situação com um que convoca para a solidariedade.
rebanho disperso durante uma tempes- É um instrumento válido também
tade “num dia de nuvens e escuridão”. para quem trabalha como
No entanto, da mesma forma que um profissional da saúde.
pastor reúne as ovelhas após a tempestade,
Deus vai reunir seu povo novamente na
terra que lhe deu por herança. Como um
Vendas: (11) 3789-4000
bom pastor, Deus irá recolher e contar o 0800-164011
“rebanho” para que todos possam estar
seguros sob sua proteção e cuidados. Eze- paulus.com.br
quiel afirma que o Senhor vai lidar com

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as ovelhas de acordo com a necessidade totalidade da colheita. Da mesma forma, a
de cada uma: “procurar a ovelha perdida, ressurreição de Jesus garante nossa própria
reconduzir a extraviada, enfaixar a da per- ressurreição, já que Cristo nos represen-
na quebrada, fortalecer a doente e vigiar ta em sua oferta ao Pai. A segunda figura
a ovelha gorda e forte”, para que esta tirada do Antigo Testamento é a de Adão.
última não seja presa fácil das feras. Essas Paulo faz uma analogia entre dois homens
imagens evocam a justiça e o cuidado de representativos. O primeiro Adão representa
Deus para com seu povo. todas as pessoas que vivem em um mundo
Continuando a comparação com a rea- caracterizado por egocentrismo, pecado e
lidade pastoril daquela época, o profeta nos morte. Isto é, o primeiro Adão representa
mostra a soberania de Deus, ao conduzir um modo de viver da humanidade. Em
seu povo ao longo da história. O Senhor Cristo, novo Adão, o Pai realiza nova criação.
está empenhado em instaurar uma nova Por meio de Cristo ressuscitado, a huma-
ordem das coisas, na qual a equidade estará nidade será vivificada na ressurreição final.
em oposição à situação injusta do passado. Como o novo Adão é também criador e
As injustiças sociais vão desaparecer, por- inaugurador de nova humanidade, de novo
que o Senhor vai atender às necessidades modo de viver, essa nova criação começou
de cada ovelha. A situação de opressão é em sua morte e ressurreição e terá sua con-
representada pelo que acontece entre os sumação no fim dos tempos.
animais do rebanho: os animais mais fortes O reinado de Cristo, isto é, a era do Mes-
chifram os mais frágeis, empurrando-os sias, teve início com a ascensão de Jesus e
para longe do alimento. Foi algo seme- sua exaltação à direita de Deus. A expressão
lhante a isso que fizeram os líderes de “é preciso que ele reine” indica que Cristo
Israel com os pobres e necessitados. No deve continuar a reinar até o final, quando
antigo estado de coisas, os mais fortes e os todos os adversários do Reino de Deus
mais poderosos abusaram da sua situação forem destruídos, pois a vinda de Cristo
privilegiada para desprezar os direitos dos vai aniquilar o pior dos poderes, a morte.
mais fracos. Por isso, o profeta afirma que O triunfo sobre a morte se dará mediante
Deus vai fazer “justiça entre uma ovelha a ressurreição de todos os que pertencem
e outra, entre carneiros e bodes”. ao Cristo. Isso significa que o fim último
da caminhada do crente é a participação
3. II leitura (1Cor 15,20-26.28) no Reino de Deus, na vida plena, para a
Na segunda leitura, Paulo está explican- qual somos criados e recriados.
do aos coríntios o significado da ressurrei-
ção de Cristo para os cristãos. Ela é o resul- III. PISTAS PARA REFLEXÃO
tado da poderosa intervenção do Pai, por As leituras apontam para o fim dos
meio da qual se realiza a vitória de Cristo tempos, pois somente aí o Reinado de
sobre a morte. A fim de melhor explicar Deus, isto é, sua soberania, se estenderá
as consequências advindas da ressurreição sobre toda a humanidade. Contudo, elas se
de Cristo, Paulo emprega duas figuras re- referem muito mais ao presente da história
tiradas do Antigo Testamento. A primeira do que ao fim dos tempos: trata-se mais de
delas é a prática de ofertar as primícias a quem somos e de como deveríamos agir
Deus. “Primícias” é termo que descreve os do que de uma descrição de como será no
primeiros frutos (Lv 23,10-14), os quais final de nossa vida. Aquilo que viveremos
eram ofertados a Deus e representavam a no futuro após a morte, ou seja, na vinda

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de Jesus, depende do nosso modo de viver seu imenso amor. Realizar uma reforma
agora. É nosso modo de viver no aqui e íntima é a melhor atitude na espera pelo
agora que define a bem-aventurança ou a Senhor que vem. A decisão é nossa e po-
maldição futura no fim dos tempos. Pode- demos contar com o auxílio de Deus, que
mos viver à maneira do antigo Adão ou do renova nosso coração.
novo Adão. Podemos viver como aqueles
que usufruem do triunfo de Cristo sobre II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
o pecado e a morte ou como aqueles que, 1. Evangelho (Mc 13,33-37)
mesmo dentro da Igreja e aparentando No Evangelho, Jesus, no final de seu mi-
santidade, vivem submissos ao egoísmo e nistério terrestre, dá instruções a respeito de
ao pecado. Hoje poderíamos atualizar as como se deve viver a espera pela sua nova
palavras de Jesus da seguinte forma: mal- vinda. Suas orientações são direcionadas
ditos todos aqueles que reduzem a religião sobretudo aos discípulos (v. 33), mas não ex-
somente a dogmas e ritos e não ensinam clusivamente a eles, pois querem alcançar a
que religião verdadeira é partilhar a vida. todos (v. 37): “O que vos digo, digo a todos:
Estes estão em conluio com todos aqueles Vigiai!” Isso significa que especialmente à
que empobrecem e arrebatam os direitos Igreja Jesus deixou a tarefa do serviço e da
fundamentais de seus irmãos, porque estão vigilância, à maneira de servos e de porteiros
contra a única lei do Reino: o amor. do Reino de Deus. Vigiar, porém, não faz
dos discípulos de Jesus meros servos à mer-
1º DOMINGO DO ADVENTO cê dos caprichos de um amo imprevisível
29 de novembro nem, muito menos, vigias à espreita para
dominar os vigiados. A Igreja, comunidade
Convertei-nos, para que dos seguidores de Jesus, é companheira de
sejamos salvos todas as pessoas nos caminhos da história,
é companheira do Mestre, que a precedeu
I. INTRODUÇÃO GERAL como dom generoso e lhe deu o mandato
Na liturgia deste domingo, celebramos de levar a termo sua missão de instaurar
a certeza de que “o Senhor vem”. As lei- o Reino de paz e fraternidade. Vigiar é a
turas são muito ricas de elementos por atitude de quem está sob a escuridão da
meio dos quais recebemos orientações noite, à espera da aurora do grande dia do
concretas sobre como viver a espera pela Senhor, da vinda de Cristo, que a liturgia
vinda do Senhor. enfatiza mediante o termo Advento.
O cristão, antes de tudo, deve conformar Os tempos atuais, no dizer de Jesus a seus
sua vida à de Cristo, o que significa romper discípulos, são como uma noite. A expressão
com o pecado e fazer a vontade de Deus, “à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao
viver em atitude constante de conversão. amanhecer” (v. 35) são os quatro momentos
No entanto, tal atitude só é possível se nos nos quais se dividia a noite na Antiguidade:
reconhecermos pecadores, se olharmos me- desde o pôr do sol, à meia-noite, ao cantar
nos para os pecados dos outros e tomarmos do galo, ao amanhecer. É noite de espera e
a firme decisão de levar a sério a vontade de esperança de tempos melhores; estamos
de Deus em relação a nós. Ele sempre nos no meio da noite, antes da aurora da pleni-
perdoa; portanto, necessitamos levar a sério tude da redenção. A esperança vem do fato
o perdão que recebemos e nos tornar dig- de que o Senhor esperado é o mesmo que se
nos de sua misericórdia, agradecidos pelo ofereceu por nós. O vigia é aquele que fica

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atento no serviço, enquanto os outros es- abertos” simboliza a presença divina no meio
tão desatentos e inertes, em sono profundo. do povo. O Deus de Israel, porém, é um
Por isso, vigiar foi a última recomenda- Pai cheio de amor e de misericórdia, que
ção de Jesus, ao concluir seu ministério garante sua intervenção salvadora ao longo
terrestre. O vigia também deve enfrentar, da história e sempre se mostra disposto a
com coragem e determinação, todas as libertar seu povo do pecado, dando-lhe um
adversidades que podem surgir durante a coração renovado, capaz de amar.
noite. Significa permanecer firme na es-
perança, animado pela certeza de que o 3. II leitura (1Cor 1,3-9)
Senhor vem. Portanto, o Advento, o período Na segunda leitura, Paulo faz uma sau-
da espera, é tempo do compromisso com dação inicial, na qual usa duas palavras car-
a construção do Reino. É tempo que nos regadas de significado, indicativas do que a
pede compromisso com a conversão, para Igreja em Corinto necessitava urgentemente:
que o Senhor não nos pegue de surpresa, “graça e paz”. À saudação tradicional entre
negligenciando suas ordens. os judeus, “paz” (shalom), o apóstolo acres-
centa “graça”, porque se deu conta de que a
2. I leitura (Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7) Igreja em Corinto necessitava de ambas. O
A primeira leitura é uma oração do pro- problema fundamental era que os coríntios
feta, que intercede pelo povo em vista da não respondiam corretamente à iniciativa da
condição lamentável em que este se encon- graça de Deus e, portanto, não usufruíam de
trava: com o coração endurecido, longe dos verdadeira paz. A graça de Deus se manifesta
caminhos do Senhor. O profeta apela, então, nos dons espirituais, os quais não têm um fim
para o caráter paternal de Deus. A expressão em si mesmos, mas motivam à gratuidade.
“tu és nosso Pai” aparece duas vezes nessa Paulo sabia que o problema dos coríntios
passagem (63,16; 64,7). Deus é o Pai de Israel não era a falta de dons espirituais, mas a
não simplesmente porque criou esse povo, imaturidade daquela comunidade em relação
mas também por tê-lo redimido.A redenção aos dons, pois seus membros pensavam que,
proporciona a participação em uma vida que por meio destes, pudessem prever a segunda
se insere no amor e no projeto de Deus; vida vinda de Cristo. Em contraposição a esse
que não pode ser reduzida meramente a tipo de pensamento, Paulo chama a atenção
seu aspecto físico-biológico. O profeta pede para o testemunho que deve ser dado sobre
uma teofania, uma manifestação que abale as Cristo, para que esperem com perseverança
montanhas, consideradas como colunas da o momento da revelação final do Senhor e,
terra. Na intenção do profeta, essa manifes- enquanto a esperam, se mantenham irre-
tação teria de ser um fenômeno tão visível e preensíveis. Com efeito, Deus é fiel às suas
imponente como nunca fora visto ou ouvido promessas, e assim devem ser todos aqueles
antes; manifestação mais maravilhosa que os que estão em comunhão com ele por in-
acontecimentos no Sinai, para ser lembrada termédio de Cristo.
como algo estupendo em favor daqueles que
esperam por Deus. O profeta expressa enfa- III. PISTAS PARA REFLEXÃO
ticamente esse desejo, mesmo estando ciente O contexto atual é marcado por vio-
da falta de mérito do povo para receber tal lência e ganância desmedidas. Os segui-
revelação da parte de Deus. Na percepção dores de Jesus não estão isentos de sofrer
do profeta, os corações endurecidos parecem as consequências de viver em um mundo
ter fechado os céus, pois a expressão “céus que se configura desse modo. Da mesma

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forma como aconteceu com o Mestre, os
seguidores de Cristo serão entregues nas
mãos das grandes potências deste mundo, Formação permanente
mas, superando todo medo, devem anun- Acreditamos realmente?
ciar o Evangelho incessantemente. Jesus
Amedeo Cencini
confiou a seus discípulos a vigilância em
relação ao Reino. A comunidade cristã é,
para os valores do Reino, o que um vi-
gilante é para um banco, uma residência,
uma loja. Grande é nossa responsabilidade,
e devemos estar atentos para que o Senhor
não nos surpreenda negligenciando a ta-
refa confi ada. Esses valores são vigiados e
protegidos quando são postos em prática
pela Igreja. Isso significa que o Reino não
é expandido por meio da pompa e das
glórias deste mundo, ao contrário: bus-
cando ser semelhantes ao Cristo, sendo
considerados pelo mundo como fracos e

Imagens meramente ilustrativas.


perdedores, os cristãos protegerão os va-
lores do Reino. Os evangelizadores são
136 págs.

ameaçados à semelhança de seu Mestre,


mas continuarão a oferecer o testemunho
de vida em um mundo que insiste em
persegui-los. Em resumo, uma conversão
contínua é necessária, pois, se o vigilante A obra não tem a pretensão
entra em acordo com o ladrão, então já de construir uma teoria da formação
permanente, mas procura oferecer
será tão infrator quanto ele. Não podemos
uma simples contribuição para seu
fazer acordo com o mundo, com a ganân- esclarecimento na mente e
cia, com a corrupção, com a intolerância e no coração de quem decidiu
a busca desenfreada pelo poder.Vigiemos! seguir o Mestre num caminho que
jamais termina (padres, bispos etc.).
2º DOMINGO DO ADVENTO Além da pergunta do título, quer
6 de dezembro responder outras como: “Em que
consiste a formação permanente?”;
“Consideramos que ela seja
Consolai, possível nas circunstâncias atuais?”;
consolai o meu povo “Estamos vivendo-a de
alguma forma?”.
I. INTRODUÇÃO GERAL
As leituras desta celebração têm duas
tônicas complementares: conversão e con-
Vendas: (11) 3789-4000
solação. Deus está empenhado em nos 0800-164011
conduzir para um mundo novo ou reali-
dade nova. Tal constatação nos consola e paulus.com.br
nos enche de esperança, porque significa

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que não ficaremos para sempre sofrendo ou seja, do mais apto, o batismo será com o
as consequências do egoísmo e há solu- Espírito Santo e com fogo. Esse que virá –
ção para o problema do mal, que um dia a saber, o Cristo – é que irá realizar a obra
terá fim. No entanto, o mundo novo que de Deus para a qual João está preparando
nos é oferecido por Deus somente poderá as pessoas. João Batista está seguro de que
acontecer quando o ser humano fizer uma a vinda do Cristo trará consigo o fim dos
reforma íntima. Isso exige que estejamos tempos. Por isso, o profeta estabelece um
sempre inseridos numa dinâmica de con- movimento final de conversão, antes do
versão, de transformação do homem velho fim iminente. Ele expõe aos seus ouvintes
em nova criatura; que nos empenhemos aquilo que considera ser a última oportu-
em pôr em prática a vontade de Deus e nidade de conversão, porque, no seu modo
caminhemos na fidelidade. de pensar, já não haverá nenhuma outra
oportunidade. Dessa forma, João fica na
II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS fronteira entre o deserto e a Terra Prome-
1. Evangelho (Mc 1,1-8) tida, abordando todos os habitantes de Je-
A liturgia deste domingo nos oferece um rusalém e da Judeia, como um personagem
texto que enfatiza a identidade de João Ba- do fim dos tempos, e oferecendo oportu-
tista como mensageiro de Deus e iniciador nidade de conversão, antes da chegada do
do caminho de Jesus. Portanto, quem quiser Cristo, a cada um daqueles que vêm ali e
celebrar bem o nascimento de Jesus deve confessam seus pecados. João nos convida
passar por João Batista, entendendo o ob- a acolher o Cristo libertador, que nos dá o
jetivo de sua vinda antes do Cristo. A figura Espírito Santo para gerar vida nova ao nos
de João no deserto insere-se no advento do introduzir na dinâmica do mundo novo
Evangelho e do cristianismo, à semelhança que está por vir, na dinâmica do amor.
da passagem do povo pelo deserto duran-
te 40 anos, a qual antecipou o nascimento 2. I leitura (Is 40,1-5.9-11)
de Israel como povo consagrado a Deus. A primeira leitura nos garante que o
O deserto é lugar de provação intensa ou Deus de Israel é soberano na história do
tentação, mas também evoca o caminho do mundo, embora algumas situações possam
retorno, conforme as palavras de Is 40,3. Por ofuscar essa certeza. Na época em que esse
isso, o Evangelho deste dia apresenta João texto bíblico foi escrito, o povo de Deus
não apenas batizando, mas também procla- passava por tempos de incerteza. Via-se a
mando um batismo de arrependimento e de sucessão do Império Babilônico pelo Im-
conversão. O verbo “proclamar” indica que pério Persa, ou seja, o povo continuava sob
o batismo realizado por João não é mero a dominação estrangeira e não sabia se os
ritual, mas evento de salvação que ele veio novos senhores seriam piores ou melhores
proclamar. Por isso, também, João não batiza que os anteriores, situação que trazia uma
em qualquer lugar, mas no rio Jordão, entrada onda agitada de preocupações. Então o
para Israel, à semelhança dos hebreus quando profeta introduz a boa-nova da redenção
foram libertados da escravidão do Egito e, (v. 1-11); a mensagem de Deus para o seu
atravessando o deserto, entraram na Terra povo é de consolo, porque chegou o tempo
Prometida através do mesmo rio. de redenção. Seu convite é que aceitem a
Marcos relata que o batismo de João salvação que Deus oferece. O profeta faz
era com água e tinha como objetivo a esse convite por meio de um anúncio de
conversão. Com a chegada do mais forte, esperança; garante a fidelidade de Deus e

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a vontade divina de conduzir o povo para A expressão “céus e terra” serve para
a liberdade e a paz. Uma imagem muito resumir toda a criação, por isso “novos
comum na época é usada, relacionada à céus e nova terra” significam apenas nova
forma pela qual se faziam as preparações criação. O autor quer mostrar que have-
para a viagem de um rei: os vales nivelados, rá “nova terra onde habitará a justiça”.
os montes e colinas abaixados, o caminho Ele não está interessado em apresentar
torto endireitado (v. 4). A voz proclama um mapa dos eventos futuros, e sim em
que Deus vem para levar seu povo da es- apontar para a esperança na transformação
cravidão para a liberdade, da Babilônia para do nosso presente. Essa leitura nos convida
Jerusalém, ao longo de um percurso através a uma espera produtiva e transformadora
do deserto. Deus será como um pastor à do nosso comportamento. O texto bíblico
frente do rebanho, irá atravessar o deserto nos exorta à conversão contínua e à trans-
à frente de seu povo, que retorna do exílio formação do mundo egoísta em Reino de
babilônico para Jerusalém. fraternidade e paz.

3. II leitura (2Pd 3,8-14) III. PISTAS PARA REFLEXÃO


A segunda leitura nos adverte de que As leituras enfatizam o consolo por
não podemos ignorar que o Senhor é eter- Deus ser eterno e agir sempre em favor
no e de que não existe o aparente atraso de seu povo, mas, ao mesmo tempo, pedem
da segunda vinda de Cristo. A expressão que nos dispamos dos hábitos do como-
“um dia é como mil anos e mil anos é dismo, da indiferença, do egoísmo e da
como um dia” (v. 8) é tirada do Sl 90,4 e autossuficiência e aceitemos, outra vez,
não se refere a um milênio como período deixar-nos guiar por Deus. É tempo de
histórico, mas simplesmente ao fato de conversão. Não estamos nos preparando
que o tempo não afeta o Senhor, porque apenas para o Natal, em 25 de dezembro.
ele é eterno. Esse aparente atraso em seu Estamos nos preparando para a segunda
retorno, na verdade, deve ser interpretado vinda de Jesus e para o mundo novo que
como prova de sua paciência conosco. É ele trará consigo. A celebração do nasci-
sua vontade que ninguém pereça, mas os mento de Jesus é sinal que aponta para o
pecadores mudem de atitude. A aparen- Reino definitivo, e somente participare-
te descrição do fim dos tempos, como mos dessa nova criação se mudarmos nosso
se todas as coisas fossem desintegrar-se, modo de viver agora.
não deve nos meter medo. O autor não
está querendo afirmar que tudo vai se 3º DOMINGO DO ADVENTO
acabar com o fogo. Ele usa o símbolo 13 de dezembro
do fogo porque era o principal elemento
purificador dos metais na Antiguidade. Era Meu espírito se alegra em
pelo fogo que se mostrava o valor de um Deus, meu Salvador
metal precioso, como a prata e o ouro. Da
mesma forma, é nos períodos das maiores I. INTRODUÇÃO GERAL
provações que se mostra a grandeza de No passado, assim como hoje, as pessoas
nossa fé e santidade. Portanto, devemos viviam em situação de miséria, violên-
considerar nossa vida e santidade como cia, guerra e muitos outros sofrimentos.
metal precioso, enquanto esperamos dili- Por meio de diversas pessoas, Deus ga-
gentemente a vinda do Senhor. rantiu que amava seu povo, que não o

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abandonaria nos sofrimentos e dificulda- ou não de acordo com a doutrina. Além
des e que tinha um plano segundo o qual disso, era dever dos líderes judeus, perante
o mal chegaria ao fim. Por isso, as leitu- as autoridades romanas, a manutenção da
ras desta liturgia nos chamam a atenção paz na Judeia, pois, caso contrário, eles
para a alegria alicerçada na garantia de corriam o risco de perder sua posição de
que Deus nos ama e nos propõe ajudá-lo autoridade. João era uma daquelas pessoas
na construção do seu Reino de amor e que atraíam multidões, o que o tornava
paz. Deus espera nosso consentimento e suspeito de provocar uma revolução. Ele,
nosso empenho nesse empreendimento ao final, identifica-se, recorrendo a uma
de edificação da fraternidade, da justiça, citação do profeta Isaías (Is 40,3). Confessa
do amor e da paz. Portanto, nossa alegria não ser nem o Cristo nem o profeta, mas
é real, mesmo quando passamos por pro- apenas uma voz conclamando as pessoas
blemas e dificuldades, porque se baseia no a se prepararem para a vinda de Cristo. É
amor de Deus por nós e na sua ação na aqui que a missão do precursor tem a ver
história, sempre presente em nossa vida, conosco, hoje, ao nos prepararmos para o
assegurando sua fidelidade e realizando Natal e para a segunda vinda de Cristo. É
seu Reino, que em breve se plenificará. necessário prepararmos o caminho, isto é,
remover todos os obstáculos que impedem
II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS a marcha da ação de Cristo em nossa vida.
1. Evangelho (Jo 1,6-8.19-28) Os fariseus também queriam saber com
O Evangelho deste dia afirma que João que autoridade João exigia batismo para
Batista foi “enviado por Deus”. Essa ex- os judeus. João responde, marcando nítido
pressão, frequentemente utilizada no An- contraste entre ele e seu sucessor: deixa de
tigo Testamento, aqui significa que a mis- lado a questão do batismo e aponta para
são do precursor não é humana, mas está o Cristo, desconhecido deles. Estabelece a
alicerçada na vontade de Deus. Após essa grandeza daquele que está chegando, em
afirmação sobre João Batista, o Evangelho comparação à indignidade pessoal do pre-
faz clara distinção entre ele e Jesus. João cursor, usando uma imagem do cotidiano
veio como testemunha, o que indica o daquela época. O escravo tinha a tarefa
propósito da missão que Deus lhe conferiu. de desatar a sandália de seu dono, mas
A afirmação de que o Batista veio para “dar nem disso João se sente digno. Assim, o
testemunho da luz” define mais especifica- Batista rejeita categoricamente qualquer
mente sua missão. O texto esclarece que a pretensão de grandeza. Somos convidados
luz era o Verbo, o Filho de Deus. “Para que a nos situarmos na mesma atitude de João
todos cressem por meio dele” indica que Batista: dar a oportunidade ao mundo atual
o propósito da missão de João é despertar de acolher e de “conhecer” Jesus, “aquele”
a fé nas pessoas. Fé que é muito mais que que o Pai enviou. O Cristo é o único que
mero sentimento, pois exige mudança de tem uma proposta de vida plena para a
pensamento e testemunho de vida. O re- humanidade.
lato evangélico continua com a vinda de
uma delegação oficial dos fariseus, enviada 2. I leitura (Is 61,1-2a.10-11)
de Jerusalém para investigar o Batista. Os A primeira leitura anuncia um tempo
fariseus insistem em saber sua identidade e novo, de vida plena. No contexto em que
a natureza de sua missão, ou seja, queriam foi escrito esse texto, havia muita desi-
ter certeza de sua ortodoxia, se ensinava gualdade social, muitos passavam fome,

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outros eram presos por causa do empo-
brecimento derivado de grandes dívidas
causadas pelo aumento dos impostos. É Aos sacerdotes
nesse contexto que se levanta a voz do Papa Francisco
profeta, conclamando à criação de uma
cultura de solidariedade, que se expresse,
antes de tudo, em ajuda direcionada aos
mais necessitados. Contra aquele estado
de coisas, eleva-se a ação libertadora do
Servo mencionado pelo profeta: “O Es-
pírito do Senhor Deus está sobre mim,
porque o Senhor me ungiu e me enviou:
para evangelizar os oprimidos; para curar
os corações quebrados (as feridas da alma);
para proclamar a libertação aos presos e a
abertura do cárcere aos prisioneiros; para
proclamar o Ano da Graça do Senhor; para
confortar o aflito”.
O termo “para” indica o propósito

Imagens meramente ilustrativas.


messiânico da missão do Servo, que não
é somente exigir dos outros que o façam,
mas fazê-lo como um delegado de Deus
88 págs.

e portador da salvação divina, porque ele


foi ungido pelo Espírito criador e salvador.
O “Ano da Graça” será o tempo defini-
tivo, a plenitude da liberdade criadora de A obra reúne textos do Papa
Francisco: a “Carta aos
Deus, a qual, para nós, cristãos, acontece
presbíteros”, escrita por ocasião
com Jesus Cristo. Essa missão do Servo dos 160 anos da morte do Cura
foi plenificada por Jesus; ele nos tirou do d’Ars, e as homilias proferidas
cárcere do egoísmo e, portanto, cabe-nos nas missas do Crisma, entre os
levantar nossa voz em favor do sofredor anos de 2013 e 2019. São
para que a vida e a missão de Jesus tenham textos de riqueza espiritual e
efeito em nossa época. teológica, e profunda beleza
poética. Na primeira dessas
3. II leitura (1Ts 5,16-24) homilias, por exemplo, o Santo
Padre semeia uma metáfora que
Na segunda leitura, Paulo apresenta o
permeará todo o seu ministério
cristianismo não como um conjunto de petrino: a imagem do “pastor
obrigações, mas como um modo de vida com o cheiro das ovelhas”.
orientada para Deus na alegria, na oração e
na ação de graças. Na vida orientada para
Deus, o discernimento é um passo neces-
Vendas: (11) 3789-4000
sário para lidar com o inevitável risco de 0800-164011
falsos carismas. Por isso, o apóstolo, logo
a seguir, põe-se de guarda contra cren- paulus.com.br
ças ingênuas ou manifestações espirituais

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fantasiosas. Hoje, tanto quanto no tempo que, por meio de nós, possa demonstrar
de Paulo, cresce cada vez mais a busca por seu amor e seu cuidado a cada sofredor.
supostos carismas extraordinários. Paulo Isso nos dá responsabilidade.
chama a atenção para que se tome cuidado
com certos tipos de profecias. 4º DOMINGO DO ADVENTO
Em última análise, Deus é o autor de 20 de dezembro
todos os dons concedidos aos cristãos. E
nossa santificação não é apenas desejo de Conosco está o
Deus, mas é obra divina em nós. Assim, a Senhor Deus de Israel
fidelidade de Deus às suas próprias pro-
messas garante que ele mesmo plenificará I. INTRODUÇÃO GERAL
em nós aquilo a que fomos chamados, a O projeto de vida plena, anunciado no
santidade. Deus está comprometido com Antigo Testamento, com a encarnação do
a humanidade e, por grande que seja a Verbo se torna uma realidade concreta,
fragilidade humana, maior é a fidelidade embora ainda não terminada. Deus nunca
de Deus. Então podemos nos perguntar: abandonou seu povo nem as promessas que
que atitude se deve assumir enquanto se lhe fez. Ao contrário, ao longo da histó-
espera pelo Senhor? Que tipo de comu- ria, preparou a humanidade para a vinda
nidade vive fervorosamente a espera pelo do Salvador e, com ele, a instauração de
Senhor? seu projeto de amor. Isso significa que a
história universal não é caótica, não está
III. PISTAS PARA REFLEXÃO fora de controle, pois Deus governa os
Nossa época é marcada por uma mul- acontecimentos, os quais servem ao seu
tidão de seres humanos que vivem numa propósito de revelar-se ao mundo. Deus
situação intolerável de carência de bens, se utilizou de todos os eventos da história
de dignidade, de liberdade, de justiça, para, por meio deles, vir ao encontro do
que não têm acesso aos bens essenciais ser humano. Esteve sempre conosco, fa-
(educação, saúde, trabalho, moradia), que zendo alianças, oferecendo-nos um modo
não têm vez nem voz, que são explorados alternativo de viver: em vez de egoísmo
por sistemas econômicos geradores de ex- e violência, o amor e a paz. Deus sempre
clusão, alienação e miséria. Isso tudo nos nos apontará um caminho para a vida e a
causa profunda tristeza. Deus, contudo, liberdade verdadeiras.
não abandona essa multidão, espalhada
pelo mundo, à miséria e ao sofrimento. II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Ele tem um projeto de vida para cada 1. Evangelho (Lc 1,26-38)
ser humano esmagado pelo egoísmo, pela O Evangelho desta liturgia nos diz que
violência e pela omissão de muitos. Não é Maria dialogou com Deus por meio de
indiferente, não pactua com a exclusão, o Gabriel e mostra que Deus não se impõe,
racismo, o terrorismo, o tráfico de drogas, não subjuga, mas dialoga, busca um inter-
o imperialismo, a prepotência. Deus ama locutor humano e necessita da palavra de
e se faz próximo de cada sofredor. Sua Maria, uma mulher, para que seu Filho
graça e seu amor dão forças para vencer o nasça. Nesse momento decisivo, a mulher
desânimo, o frio da noite, o calor do dia, tem de agir como sujeito, quer dizer, com
o estômago vazio e as forças da morte. Isso autonomia. Da palavra da mulher depende
nos traz alegria. Ele conta conosco para a Palavra de Deus, e, nessa linha, no final

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do Advento, descobrimos Maria como uma Somente dessa forma, com a colaboração
mulher autônoma, amorosa, livre e deter- ativa, se podem compreender e cumprir
minada, capaz de pôr sua vida a serviço de as esperanças de Israel. A concretização
Deus. Ele lhe pede um compromisso que do projeto de Deus somente é possível
ela deve assumir de forma pessoal, sem a quando as pessoas dizem “sim” a Ele. Foi
consulta ou a permissão de um homem, assim desde os tempos antigos de Israel,
seja pai, irmão ou marido. É a mulher foi assim com Maria e com os discípulos
(antes foi Eva, agora é Maria) quem de- de Jesus, e é assim conosco hoje.
cide. Isso é muito significativo, porque a
história de Israel foi narrada segundo a 2. I leitura (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16)
perspectiva de que Deus agia, geralmen- A primeira leitura nos mostra que o rei-
te, por meio do sexo masculino, com o nado de Davi havia se consolidado e nas
qual fazia alianças. Agora, Deus rompe essa suas fronteiras prevalecia a paz. O rei tinha
supremacia do homem, expressando seu seu palácio, tudo parecia ter se estabilizado,
mistério por intermédio da fé e da acolhida mas a arca da Aliança continuava em um
de Maria à sua proposta. Maria compreen- santuário provisório. O relato afirma que
de o que Deus está propondo e por isso Davi considerou esses fatos e confiou ao
pergunta. Não resiste, não procura apoio profeta Natã suas intenções de construir um
em ninguém, simplesmente expressa sua templo para abrigar a arca. Natã aprovou,
dificuldade diante daquela proposta. Ela em caráter provisório, as intenções do rei,
se sabe autônoma diante de Deus e, com até que houvesse a confirmação definitiva
base em sua própria solidão e autonomia, da vontade divina. Então aconteceu um giro
lhe responde. O anjo dialogou a sós com inesperado: Deus se manifestou por meio
Maria, considerando-a como portadora do profeta Natã, afirmando que não seria
da esperança messiânica. Isso rompe com Davi quem lhe edificaria uma casa (um tem-
o messianismo de tipo masculino, que plo); ao contrário, seria Deus quem ergueria
se expressa numa visão segundo a qual uma casa (dinastia) para Davi. Isto é, com
o masculino é privilegiado por causa de essa profecia, o Senhor prometia a Davi a
seu poder de engendramento e por sua continuidade do reino por meio de seus
capacidade de imposição e violência. Esse descendentes.Trata-se de aliança entre Deus
messianismo está vinculado à figura de um e a descendência davídica, firmada mediante
rei triunfante, com insígnias de poder e a fórmula: “Eu serei para ele um pai e ele
guerra. O anjo, contudo, não se dirige ao será meu filho”. É possível vislumbrar, nas
homem, e sim à mulher, Maria, que não entrelinhas desse relato, um descendente de
aparece em confronto com ninguém. O Davi no qual se realizarão todas as nuances e
messianismo proposto aqui é bem diferente pormenores contidos no oráculo proferido
do messianismo de cunho masculino, pois, por Natã. Um filho de Davi por meio do
em vez da violência humana, é por pura qual Deus oferecerá ao seu povo a estabi-
graça de Deus e pela ação de uma mulher lidade, o bem-estar e a paz. Esse oráculo e
que emerge o Messias no mundo. Foi por- essa aliança realizam-se em Jesus.
que Deus não lhe impôs nenhum tipo de
tarefa, pediu permissão, dialogou com ela, a 3. II leitura (Rm 16,25-27)
chamou livremente, que ela pôde respon- Esse texto é o resultado de uma re-
der: “Eis a serva, faça em mim, com meu flexão teológica longa e profunda, levada
consentimento, aquilo que me foi dito”. a termo no seio da comunidade cristã.

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Os três versículos nos mostram grande los. Essa promessa alimentou a fé de Israel
verdade: o fio condutor da história humana durante vários séculos. Hoje, nesta festa
é, sem dúvida, o projeto salvífico de Deus, da luz, a esperança que animou o povo
escondido desde toda a eternidade, ago- da Aliança torna-se realidade. A luz das
ra revelado em Cristo e proclamado pela nações, o Filho de Deus, manifestou-se na
Igreja a todos os povos. O plano de Deus humildade; não veio como um guerreiro
é um grande “mistério” desde a criação do poderoso, mas na fragilidade de um recém-
mundo. No passado de Israel, os profetas -nascido. Nesta noite a fé cristã celebra
vislumbraram alguns sinais do que Deus sua primeira vinda, enquanto esperamos
estava por fazer; foi, porém, em Jesus que sua manifestação gloriosa, quando o dia
esse projeto se manifestou de forma clara e eterno chegar.
definitiva. Resta-nos a missão de anunciá-
-lo durante o tempo que falta até a volta II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
de Jesus; nisso consiste o seguimento e a 1. Evangelho (Lc 2,1-14)
fidelidade da Igreja em resposta à eterna A promessa feita ao povo de Israel agora
fidelidade de Deus. se realiza. E é em Belém, cidade de Davi,
que se desencadeia a história da salvação. A
III. PISTAS PARA REFLEXÃO imagem do Salvador deitado numa man-
No mundo existe violência, injustiça, jedoura tem um sentido profundamente
opressão, exploração... As Sagradas Escritu- teológico. Na manjedoura, como na cruz,
ras testemunham, contudo, que Deus con- o enfoque é o despojamento de Jesus, o
duz a história humana e a direciona para fato de estar à mercê da acolhida ou da
um porto seguro, de acordo com seu proje- rejeição por parte das pessoas.
to de amor. As promessas que Deus fez no Outro fato importante é o lugar de seu
passado foram suficientes para que Israel nascimento. É estranho que não houvesse
mantivesse firme sua fé durante milênios; lugar para José e Maria (v. 7), já que, no
hoje, essas promessas se concretizam em Oriente, a hospitalidade era sagrada, princi-
Jesus. Portanto, temos maiores e melhores palmente para uma mulher que dava sinais
razões para não temer o futuro do mundo. da proximidade do parto. Por isso, a frase
Os desafios que os acontecimentos atuais “não havia lugar para eles” deve ter um
lançam à nossa fé e perseverança devem valor teológico, a saber: a sombra da cruz
firmar nosso desejo para o acolhimento se projeta sobre os primeiros dias da vida
desse rei em nosso coração e em nossa de Jesus, pois também não tinha onde ser
vida, pois ele é Emanuel, Deus-conosco. sepultado. Se, por um lado, ele não tem
Digamos-lhe “sim”, a exemplo de Maria. lugar para nascer, por outro, é acolhido pe-
los pastores, acontecimento que é o cume
NATAL DO SENHOR  MISSA DA NOITE teológico desta seção (v. 11). A promes-
24 de dezembro sa divina tinha sido feita a pastores como
Abraão, Jacó, Moisés, Davi etc. Agora, Deus
O povo que andava estava cumprindo sua promessa e, por isso,
nas trevas viu grande luz o anúncio aos pastores tem caráter de evan-
gelho, que quer dizer “boa notícia”. O sinal
I. INTRODUÇÃO GERAL (v. 12) dado pelos anjos aos destinatários da
As profecias descreveram o Messias boa-nova não é o fato de o Menino estar
prometido com várias linguagens e títu- envolto em faixas, pois isso acontecia com

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todo recém-nascido (cf. Ez 16,4), para que
ficasse aquecido e protegido de doenças; o
sinal é que o menino está em uma man- Testemunhos de vida
Para refletir e partilhar
jedoura – ou seja, há aqui uma alusão à
Eucaristia (pão do céu). Esse sentido pode Luiz Miguel Duarte
ser reforçado pelo nome da cidade, Belém,
em hebraico Baith-lehem, casa do pão. Dessa
forma, o “sinal” não é para que encontrem
o Menino, mas uma garantia da comuni-
cação sobrenatural a respeito dele (cf. Ex
3,12). A narrativa termina com um hino
de glória (v. 14). Esse cântico significa que
o anúncio da boa notícia encontra eco no
céu. A liturgia celeste se une à comunidade
cristã para celebrar o mistério. A paz a que
se refere o hino é uma das expressões mais
usadas para falar da salvação esperada no
tempo do Messias (cf. Is 9,5-6). O cântico

Imagens meramente ilustrativas.


manifesta que a humanidade é amada por
Deus e por isso o Salvador nos foi dado;
Jesus é o dom do Pai.
96 págs.

2. I leitura (Is 9,1-6)


Zabulon e Neftali foram as primeiras ci-
dades do Reino de Israel a serem atingidas
pela invasão do grande império estrangeiro O livro conta com 70 relatos de
que deportou parte de sua população. Por pessoas reais, seres humanos de
isso, as profecias afirmavam que Deus de- fé profunda e gestos heroicos.
volveria a essas cidades sua antiga glória. As narrações são breves e estão
As trevas que pairavam sobre aquela região classificadas por temas, como
perdão, paz, amor. Servem
seriam dissipadas quando um rei futuro
para meditação pessoal, mas
inaugurasse uma etapa definitiva de justiça foram pensadas principalmente
e paz. A esse rei ideal foram atribuídas a para o diálogo em grupo; por
sabedoria de Salomão, a honra de Davi e isso, cada texto é seguido de
a religiosidade dos patriarcas e de Moisés. algumas perguntas. Assim,
Ele seria a condensação das virtudes de seu podem enriquecer encontros de
povo. Um grande acento foi posto na sua catequese, grupos de jovens,
sabedoria, critério exigido dos governan- reuniões de casais, entre outros.
tes de Israel, garantia de bem-estar para a
comunidade. As expectativas messiânicas
apontavam para um rei davídico ideal e,
Vendas: (11) 3789-4000
por isso, a Igreja primitiva viu no início 0800-164011
do ministério de Jesus na Galileia – região
onde ficavam aquelas cidades – a realização paulus.com.br
das antigas profecias.

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3. II leitura (Tt 2,11-14) portante que nos trazem as leituras desta
Esse texto é o coração da carta a Tito liturgia é o desapego, a renúncia. Nosso
e corresponde à tática de fundamentar a Salvador nasceu numa manjedoura e mor-
práxis cristã nos alicerces sólidos da fé. Em reu numa cruz. Isso expressa o modo in-
primeiro lugar, está o amor de Deus, que tegral como viveu sua vida. Não procurou
comunicou a graça da salvação a todos honrarias nem benefícios próprios. Não se
os seres humanos. Em seguida, sublinha apegou à sua condição de Filho de Deus,
a esperança da manifestação gloriosa de mas viveu a total entrega de si, de sua vida,
Cristo. Finalmente, recorda a redenção dos sem esperar das pessoas reconhecimento
pecados por meio da oferta de Cristo. Por algum. Viveu à mercê da acolhida ou da
todos esses fatores, estamos capacitados rejeição delas.Viveu livremente sua entrega
para toda a boa obra que nos configura de vida, sua doação ao outro. A encarnação
a Cristo e nos põe a caminho da vida de Jesus Cristo vem nos ensinar que a vida
eterna. O autor da carta vê a salvação humana é puro dom de Deus e, como tal,
como fruto de uma manifestação da gra- deve ser recebida e vivida como entrega
ça de Deus (v. 11). Essa manifestação é de si. Somente dessa forma podemos curar
a vitória de Cristo, a ressurreição, e nos o mundo do egoísmo, grande mal que
ensina a viver de acordo com o dom da desfigura o ser humano.
vida plena, renunciando a todos os “va-
lores” da morte. Ensina também a esperar NATAL DO SENHOR  MISSA DO DIA
a manifestação gloriosa do “grande Deus 25 de dezembro
e nosso Salvador Jesus Cristo” (v. 13). As
expressões “grande Deus” e “nosso Salva- O Verbo se fez carne
dor” eram próprias dos cultos aos deuses e habitou entre nós
e aos imperadores romanos. Aqui elas são
direcionadas a Cristo, mostrando a fé da I. INTRODUÇÃO GERAL
comunidade cristã como contestação ao A liturgia deste dia realça não apenas
império romano. O v. 14 dá um conteúdo o nascimento de Jesus, mas também sua
prático, mais que pedagógico, à redenção origem divina. Aquele que estava presente
trazida por Cristo. Ele se entregou por na criação do mundo veio até nós para nos
nós e, assim, nos salvou da iniquidade, tornar filhos de Deus. Essa vinda já tinha
purificando para si um povo escolhido e sido anunciada pelos servos de Deus du-
zeloso nas boas obras. rante a Primeira Aliança. Agora, por meio
do Verbo eterno feito existência humana,
III. PISTAS PARA REFLEXÃO Deus nos fala definitivamente e efetiva sua
O nascimento de Jesus nos ensina, pri- presença soberana na humanidade. Jesus
meiramente, a grande benevolência de não é apenas mais um mensageiro de boas
Deus, que envia seu Filho ao mundo como notícias; ele mesmo é o Evangelho de
dom. É importante resgatar esse aspecto Deus, ele é a salvação prometida.
nos tempos atuais, pois as pessoas quase
já não experimentam o valor da gratui- II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
dade. Vive-se numa corrida desenfreada 1. Evangelho (Jo 1,1-18)
pelo bem-estar pessoal, em que as relações João está descrevendo um novo co-
são baseadas na troca, e não na gratuidade meço. Se o livro do Gênesis registra a
da entrega de si. Outro ensinamento im- primeira criação, o primeiro versículo

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do Evangelho de João descreve a nova a obscuridade. “Trevas” é termo metafóri-
criação. Em ambas as ocasiões, o agente co que, no Quarto Evangelho, se refere a
da obra criadora é o próprio Verbo (ou tudo o que se opõe à mensagem de Jesus;
Palavra) de Deus. “Palavra” e “luz” são é a obscuridade moral e espiritual. Por
duas formas de falar da mesma realidade, isso, o tema da primeira parte do Quarto
a saber: Deus entrou na história humana Evangelho é a fé e seu contrário, a incre-
para reconduzi-la à plenitude. dulidade (como resultado da influência
A Palavra (ou o Verbo) se fez carne (v. das trevas). A totalidade da missão de Jesus
14). Na mentalidade hebraica, a palavra foi uma espécie de conflito entre a luz e
é o meio pelo qual alguém se revela ou as trevas, culminando no Getsêmani e na
expressa seus pensamentos e vontade. No cruz. Por isso, o verbo “vencer” cabe bem
Antigo Testamento, o termo “carne” cer- nesse contexto. A luz brilha nas trevas e as
tamente não tem conotação pejorativa, trevas não tinham poder para detê-la (v.
não é a antítese de Deus; representa, antes, 5), muito menos para vencê-la.
tudo o que é transitório, mortal e imper-
feito e, à primeira vista, incompatível com 2. I leitura (Is 52,7-10)
Deus (cf. Is 40,6-8). Dessa forma, a Pala- O profeta elogia a atividade de alguém
vra de Deus se opõe à carne. Conforme que traz uma mensagem de salvação; o
o evangelista João, a melhor forma pela mensageiro vem correndo e gritando, en-
qual Deus se expressou foi na existência quanto atravessa os picos das montanhas:
humana de Jesus. Nele, o que Deus é e “Teu Deus reina!” As sentinelas que estão
o que ele espera da humanidade foram de guarda nas muralhas de Jerusalém co-
revelados. Jesus é o Verbo, o ser de Deus meçam a vislumbrar o mensageiro.
narrado em uma vida humana. Em vez Ele se antecipa à caravana dos exilados
de conceber uma força impessoal ou um que voltam à terra natal. Metaforicamente,
princípio abstrato e distante da situação Deus é descrito como um rei vencedor
humana, João utiliza o termo “Verbo” no que, com seu exército, volta da guerra para
sentido muito pessoal de um Deus que a terra da promessa. O grito do mensa-
ama, se compadece e se identifica com geiro alerta para o fato de que Deus saiu
os seres humanos, tomando sobre si sua vitorioso. As sentinelas, em uníssono, re-
natureza e sofrendo uma morte vergo- petem o grito do mensageiro e exortam
nhosa com o fim de prover um meio para as ruínas da cidade a se unirem ao coro
a reconciliação do ser humano com seu com gritos de júbilo, porque o Senhor
Criador. resgatou seu povo, que estava sob o poder
A luz veio ao mundo (v. 9). O Antigo do dominador estrangeiro. Aos poucos, a
Testamento se refere a Deus como a fonte notícia da restauração de Sião (Jerusalém)
da luz e da vida em várias passagens. O vai se espalhando pelo reino inteiro e por
salmista indica que Deus é a fonte da vida e todas as nações.
da luz (Sl 36,9). João, seguindo o conceito
do salmista, afirma que o Verbo é a vida e a 3. II leitura (Hb 1,1-6)
luz dos seres humanos. O termo “mundo” Fundamental para a carta aos Hebreus
nesse texto significa o mundo humano e é o fato de que Deus se revelou constan-
seus assuntos, o qual, concretamente, está temente ao longo da história, dando-se a
submetido ao pecado e às trevas. A função conhecer para que o ser humano o amasse.
da luz é basicamente combater ou vencer Agora, porém, por meio de seu Filho, Deus

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fez sua revelação final, definitiva e superior III. PISTAS PARA REFLEXÃO
a tudo o que foi revelado anteriormente. O Natal e a Páscoa são as duas grandes
Os primeiros versículos mencionam al- solenidades do calendário litúrgico. Uma
guns contrastes entre o que foi revelado remete à outra. Não se pode falar do Natal
no passado e o que está sendo mostrado sem mencionar a Páscoa, pois, na cruz, a
agora por meio do Filho. Primeiramen- encarnação de Jesus aparece de forma mais
te, aquelas revelações eram parciais, “em concreta. A “prova” de que Jesus se encar-
muitos fragmentos”, literalmente falando. nou é sua morte. E uma morte infligida
A revelação efetivada pelo Filho é com- por aquilo que ele viveu. Isso nos remete
pleta. Também há uma oposição entre a nova reflexão sobre seu nascimento. Jesus
o outrora e o hoje; ou seja, aquilo que veio ao mundo para plenificar a criação de
é revelado pelo Filho será sempre atual, Deus. Para resgatar o ser humano do poder
nunca estará ultrapassado, jamais dará lugar das trevas e reconduzi-lo à luz, mediante
a nenhuma outra revelação, porque não uma vida nova, ressuscitada. A Páscoa é a
há um mensageiro superior ao Filho, o celebração dessa vitória da luz sobre as
qual é a “expressão do ser” do Pai. Com trevas. Por isso, já no Natal celebramos a
essa afirmação, Hebreus enfatiza a cor- ressurreição.
respondência exata entre a natureza do
Filho e do Pai, porque o termo grego ali SAGRADA FAMÍLIA: JESUS, MARIA E JOSÉ
empregado significa algo semelhante a um 27 de dezembro
carimbo que deixa impresso no papel a
figura que traz em alto-relevo. As revela- Feliz quem ama o Senhor
ções nos tempos antigos vieram de muitas e anda em seus caminhos!
maneiras, a atual veio de um único modo,
por meio de Jesus Cristo. Aquelas foram I. INTRODUÇÃO GERAL
muitas, a última é única. Com o vocábulo A liturgia desta festa põe em relevo o
“profetas”, o autor de Hebreus se refere fato de que o Filho se inseriu na humani-
a todas as pessoas da Antiga Aliança que dade, numa família e, portanto, não é um
transmitiram às gerações seguintes a fé mito. Ele fez o mesmo caminho de cada ser
de Israel. humano: pertenceu a um lar, a uma pátria
Nenhuma dessas pessoas realizou a obra e a uma cultura. Os percalços vividos pela
de Jesus Cristo, a saber: possibilitar nosso família de Jesus não são muito diferentes
acesso à presença de Deus. Ao oferecer dos que são experimentados por muitas
sua própria vida a Deus, Jesus realizou pessoas ainda em nossos dias. A família é
a purificação dos pecados de toda a hu- a base dos valores; as atitudes de José e de
manidade, tornando possível nossa apro- Maria se tornam modelo de vida para os
ximação ao trono da graça. A inclusão da pais e mães hoje, animando-os a percorrer
obra de redenção na descrição de Cristo sua trajetória em atenção à vontade divina.
como agente de Deus na criação e na Os demais textos são um desdobramento
revelação definitiva indica a unidade bá- do quarto mandamento da Lei de Deus.
sica entre esses dois eventos. Aquele que
estava presente na criação é o mesmo a II. COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
nos purificar dos pecados no momento 1. Evangelho (Lc 2,22-40)
da ascensão, quando penetra o Santo dos A sagrada família chega ao templo de
Santos no céu. Jerusalém para os ritos de purificação da

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mãe e a apresentação do recém-nascido.
Jesus é apresentado no templo porque
ele é primogênito, e os ritos próprios da Envelhecimento ou
apresentação celebravam a libertação dos longevidade?
primogênitos dos hebreus no Egito e a
Elizabeth Frohlich Mercadante e
passagem da escravidão para a liberdade Vera Maria Antonieta Tordino Brandão
(Ex 13,11ss). Coisas extraordinárias são
ditas a respeito do menino pelo velho Si-
meão. Também uma viúva chamada Ana
fala sobre o menino a toda a gente. José
e Maria se admiram com essas palavras e
gestos.Temos aqui a sagrada família diante
de Deus, no templo de Jerusalém, para
concluir o tempo da promessa feita a Is-
rael e iniciar o tempo da salvação e da
divulgação da pessoa e da mensagem de
Jesus. Esse relato nos faz pensar sobre o
papel atual da família. Nem sequer esta-
mos seguros para definir o que vem a ser a

Imagens meramente ilustrativas.


família hoje. A família passa por uma crise
de identidade, e mesmo assim ela ainda é
120 págs.

uma das poucas instituições pelas quais


alguém ainda se disporia a morrer. Já não
pela pátria, pela Igreja ou por qualquer
instituição as pessoas arriscariam a própria
vida, mas sim por seus familiares. A crise na A obra procura mapear caminhos
família é, em parte, derivada das modernas para a compreensão do tema,
concessões que transferem para outrem analisando conceitos, ouvindo
as responsabilidades que são dos pais e teóricos, profissionais e idosos,
dos filhos. levantando questões, buscando
articular essas muitas vozes
Muitas crianças são órfãs de pais vivos,
que falam sobre o processo
passam o dia nas praças e nos sinais de vital e instigando uma reflexão
trânsito, quando seus pais deveriam cuidar crítica ante uma das questões
para que estivessem na escola, com acesso fundamentais do ser humano:
à educação e ao aprendizado sobre cida- envelhecer e “longeviver”.
dania. Outras são entregues aos avós, que,
apesar da velhice e das enfermidades, têm
de assumir a responsabilidade pelos netos.
Da mesma forma, filhos abandonam os
pais idosos em asilos e abrigos filantró-
picos, pois não aprenderam o significado
Vendas: (11) 3789-4000
do mandamento de honrar pai e mãe. A 0800-164011
família estável, fundamentada no amor
do casal, o qual acolhe os filhos como paulus.com.br
dons de Deus, é a única viável e possível.

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Somente o amor fiel e verdadeiro entre o não é necessário. Cristo nos deu o exem-
casal pode acolher e educar os filhos como plo quando decidiu nascer numa família,
verdadeiros seres humanos, na transmissão e nós nos sentimos motivados pela ação
dos valores que nos foram legados por do Espírito Santo a conformar nossa vida
Cristo. Além disso, a verdadeira família à vida de Cristo.
não é fechada em si mesma, mas age em
interação com outras famílias, formando 3. II leitura (Cl 3,12-21)
comunidades que difundem a responsa- O texto da segunda leitura faz uma
bilidade e o cuidado de uns para com os descrição da vida na comunidade cristã
outros. Por meio da interação comunitária dos primórdios. O emprego dos termos
também se corrigem posturas retrógradas “eleito, santo, amado”, que antigamente
e egoístas, fazendo que o bem progrida na se referiam a Israel, sublinha o fato de que
sociedade humana. Seria bom dizer sobre a os cristãos estavam conscientes de formar
família o mesmo que é dito sobre Jesus no nova comunidade como povo de Deus,
texto do Evangelho desta liturgia: “crescia e isso devia se refletir em suas mútuas
e tornava-se forte, cheio de sabedoria e relações. Segue-se uma lista de virtudes
da graça de Deus”. que destacam a transformação interna
necessária para adquirir um novo com-
2. I leitura (Eclo 3,3-7.14-17a) portamento, uma vida nova conformada à
A fidelidade para com o Deus da Alian- de Cristo: humildade, mansidão, paciência
ça exige o amor ao próximo. Isso implica etc. A expressão “uns aos outros”, repetida
numerosas exigências éticas. Entre elas, duas vezes (v. 13.16), sublinha que as res-
o livro do Eclesiástico faz referência ao ponsabilidades são mútuas. A obediência
amor que deve ser dispensado ao pai e à ao Senhor será demonstrada por meio
mãe. O texto proclamado nesta leitura é do modo como as responsabilidades co-
um comentário ao mandamento de Ex munitárias e familiares são assumidas por
20,12. Não há desculpa alguma para o não todos como testemunho para o mundo.
cumprimento dessa norma. Na época em O elenco das regras familiares acentua
que o livro do Eclesiástico foi escrito, as muito mais as responsabilidades do que os
motivações para seguir determinada norma direitos de cada um. Isso é um testemunho
se baseavam num elenco de recompensas e para nossa época, na qual as pessoas geral-
de castigos decorrentes do cumprimento mente põem a exigência dos direitos em
ou não do mandamento. Por isso, o texto primeiro lugar, seja no ambiente eclesial
adverte que Deus não atenderá às orações ou familiar.
de quem não cuidar dos próprios pais. Da
mesma forma, enumera as vantagens para III. PISTAS PARA REFLEXÃO
aqueles que dão especial atenção ao pai O presidente da celebração deverá
e à mãe. A recompensa para quem hon- destacar alguns problemas da família na
rasse pai e mãe seria uma vida longa e atualidade sem, contudo, cair no sermão
próspera, porque naquela época as pessoas moralista e ofensivo. Não se trata de men-
ainda não tinham clareza sobre a ressurrei- cionar assuntos polêmicos, mas de orientar
ção dos mortos; portanto, a longevidade as famílias nas luzes do Espírito Santo.
e a prosperidade eram o que de melhor Destacar que Jesus está empenhado em
poderia acontecer a uma pessoa. Para o resgatar o valor da família, pois ele mesmo
cristão, esse elenco de bênçãos e castigos quis pertencer a uma.

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PASTORAL
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AGENDAS E CALENDáRIOS
PAULUS 2021

1 2 3 4 5 6 7

NOVIDADE

8 9 10 11 12 13 14 15 16

NOVIDADE

17 18 19 20 21 22 23 24

CALENDÁRIOS Ano Litúrgico Dia a dia com o Evangelho 19 Menina


1 Mesa –Jovens 8 Clássico 12 Devocional Jesus – Brochura/Espiral 20 Capa Luxo – Feminina
2 Mesa – Tradicional 13 Devocional Maria – Brochura/Espiral 21 Capa Luxo – Masculina
AGENDAS
3 Mesa – O Pequeno Príncipe 14 Devocional São Marcos – Brochura/Espiral 22 Dia a dia com Maria
9 De planejamento
4 Variedades 10 Dia a dia com a 15 Clássica 1 – Brochura DIA A DIA COM O EVANGELHO
5 Bíblico catequese 16 Clássica 2 – Brochura 23 Livro – Brochura
6 Parede – Paisagem 11 Meu Planner 17 Floral 1 – Brochura 24 Livro – Bolso
7 Parede – Santos 18 Floral 2 – Brochura

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