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março-abril de 2023 – ano 64 – número 350

CUIDAR DE QUEM
TEM FOME
Campanha da Fraternidade 2023
“Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16)
Mateus, o Evangelho
da justiça do Reino

O ano de 2023 é dedicado, na liturgia, ao Evangelho segundo Mateus, o


qual testemunha o esforço da Igreja primitiva de manter-se fiel a Jesus de
Nazaré e ao Reino dos Céus anunciado por ele. Para celebrar bem o ano
litúrgico, preparamos obras que ajudarão você a estudar esse Evangelho
e adentrar na proposta do Reino. Confira!

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Prezadas irmãs,
prezados irmãos, graça e paz!
Na calçada, algo parecido com corpo de Mas tem seguidores ávidos, ocos igualmente,
gente. Enrolado com uns panos imundos. sem coração e vazios de pensamento.
Move-se. Treme. Se geme, não se ouve. Está Aquele corpo é um corpo de fome. Nin-
encurvado. O cobertor é curto. Temperatura guém sabe seu nome. É a estatística dos 19
baixa. Chão frio. A vida é fio. E o corpo? Está milhões de brasileiros que vivem em privação
frio, com certeza. extrema de alimentos. Aquele corpo faz parte
Avenida movimentada. É o centro e o do retrato da população brasileira, em que mais
símbolo do poder econômico do país. Gente da metade (55,2%) não faz três refeições ao dia.
importante passa por ali. Parece até desfile de Aquele corpo é uma multidão de dor. Como
moda. Também se assemelha a formigueiro disse a escritora e favelada Maria Carolina de
assanhado. Jesus: “A tontura da fome é pior do que a
Ouvem-se os “toc-toc” de sapatos.Todos do álcool. A tontura do álcool nos impele a
têm pressa. Uns vão, outros vêm. Os prédios cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi
ostentam poder.Tão altos.Tudo muito limpo. que é horrível ter só ar dentro do estômago”.
Há torres querendo alcançar os céus. Baru- Aquele corpo é um soco no abdome. A fome
lho. Muito barulho. Pessoas saem de sob o é um escândalo que viola os direitos humanos.
chão. É a estação do metrô. O movimento Aquele corpo é parte do aumento acacha-
é intenso. pante da população em situação de rua (são
O sol ainda não apareceu. Dia enevoado. mais de 221.869 mil irmãos nossos vivendo
As lojas abrem-se. Suas vitrines são sedutoras. totalmente destituídos de sua dignidade, na
Anúncios, letreiros luminosos. Tudo é movi- cidade e sem um lugar no mundo).
mento. Apesar do dia embaçado, a avenida não
Aquele corpo é o corpo de Cristo e nos
perde seu brilho.
faz recordar sua ordem:“Dai-lhes vós mesmos
Semáforos. Carros velozes, indo e vindo.
de comer” (Mt 14,16). Os discípulos, outrora,
Seus vidros são escuros, não se vê quem lá den-
procuraram desculpas. Jesus os acordou para
tro está. Aqui fora não é diferente. Ninguém
não perderem a hora de fazer o bem. Quem
se vê. Pelo menos é o que parece. A sensação
está com fome não pode esperar.
que se tem é de aglomeração solitária. Tro-
peçam uns nos outros; no entanto, o clima é Que nosso proceder esteja impregnado de
de indiferença. humanidade, assim como foram as atitudes de
O tempo fica mais escuro. No muro, a fra- Jesus. O Senhor da vida nos dê um coração
se: “Mais amor, por favor!” Começa a garoar. compassivo e reacenda em nós a chama da
Apressam-se os passos. Abrem-se grandes e solidariedade, para que nossa mente seja capaz
pequenos guarda-chuvas, quase todos escuros. de senso crítico diante da realidade, a qual nos
O dia segue agitado. E o corpo? Ah, o corpo. pede compromisso; afinal, é tarefa nossa traba-
Permanece ali. Ninguém se deu conta dele. lhar pelo Reino de Deus. Enquanto houver um
É mais um ser humano que deixa de existir irmão nosso passando fome, é urgente nossa
aos olhos da multidão apressada. ação. A fome é violência, é crime. Combatê-
Aquele corpo não derruba bolsa de valo- -la é a certeza de que a alegria do céu se faz
res, não influi na cotação do dólar, não deixa presente já no hoje de nossa história.
o mercado nervoso. O mercado é um ente
invisível melindroso. Ele fica nervoso quando Boa leitura!
aquele 1% mais rico entre os brasileiros teme Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
lucrar menos. Mercado é feito ídolo, é oco. Editor

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 1


Sumário
CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2023:
CUIDAR DE QUEM TEM FOME...................................................... 4
Patriky Samuel Batista
Revista bimestral para sacerdotes
e agentes de pastoral
Ano 64 - No 350 DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
março-abril de 2023
E DIREITOS HUMANOS....................................................................... 16
Elvis Rezende Messias

O EVANGELHO DE MATEUS NA DINÂMICA


© PAULUS – 2023
Pia Sociedade de São Paulo
DO ANO LITÚRGICO – CICLO A................................................... 26
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ISSN – 0507-7184 YOUCAT: A COLEÇÃO QUE ATRAIU OS JOVENS
Jornalista responsável PARA O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA......................... 32
Valdir José de Castro, ssp Altierez dos Santos
Direção editorial
Darlei Zanon, ssp ROTEIROS HOMILÉTICOS.................................................................. 40
Editor Celso Loraschi e Johan Konings (in memoriam)
Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp

Redação
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Conselho editorial
Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp
Darci Luiz Marin, ssp
Paulo Sérgio Bazaglia, ssp
Darlei Zanon, ssp
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Patriky Samuel Batista*

*Pe. Patriky Samuel Batista é subsecretário adjunto geral da CNBB e especialista em Teologia Pastoral pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (Faje), em Belo Horizonte-MG. E-mail: patrikysb@yahoo.com.br

CAMPANHA DA
FRATERNIDADE 2023
Cuidar de quem tem fome
4 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350
Sensibilizar a sociedade e a Igreja para enfrentar
o flagelo da fome. Pela terceira vez, a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aborda um triste
cenário que afeta a vida de milhões de brasileiros e
brasileiras. É tempo de cuidar de quem tem fome e
refletir sobre os paradoxos e contrastes de um país
chamado de celeiro do mundo, enquanto nele crescem
os números do desperdício e se multiplicam os que têm
fome e sede de justiça. A solução para a superação desse
triste contexto está no exercício da fraternidade, da
prática do amor que Cristo nos ensinou.

INTRODUÇÃO mesmos, são capazes de nos ajudar a encontrar


Facilmente recordamos que, no início da um novo rumo para a humanidade. Eis a grande
pandemia sanitária da covid-19, quando a nor- pergunta que emerge dessa realidade: O que
malidade da rotina mundial foi interrompida, aconteceu conosco? O que acontecerá se não
surgiu uma tentativa de narrativa no sentido recuperarmos o mandamento do amor dado
de apontar razões de esperança, enquanto o por Jesus Cristo – amor que se concretiza em
número de vítimas crescia assustadoramen- gestos de compaixão, proximidade e cuidado
te. Já não podíamos viver como antes. Era – e, com ele, o compromisso com os pobres?
preciso um novo normal. Como seria a vida É preciso conversão, vivida à luz da fé pascal,
no pós-pandemia? Uma vez que havíamos que nos ajude a encontrar um novo rumo para
percebido que estávamos todos interligados, a humanidade. E não somente encontrar, mas
cabia à humanidade sair melhor daquela crise. também percorrer juntos esse caminho sem
Hoje, passados cerca de três anos do início perder a sensibilidade e a compaixão, sobretudo
da pandemia, percebemos que as coisas não por quem passa fome.
caminharam na direção imaginada. De um lado, Diante do drama da fome, é urgente recu-
contemplamos o crescente aumento de doenças perar a paixão compartilhada por uma comu-
emocionais, a crise migratória, a proliferação da nidade de pertença e de solidariedade à qual
violência e das guerras; de outro, multiplicam-se saibamos dedicar tempo, esforços e bens. Eis o
polarizações, a ausência de diálogo, a crescente caminho apresentado pelo papa Francisco na
indiferença e, principalmente, o escândalo da Fratelli Tutti (FT 36). Nessa encíclica, o papa
fome, que, com maior intensidade, volta a fi- ainda chama a atenção para as consequências
gurar como triste realidade em nosso país e no de um estilo de vida consumista, que faz que
mundo. Em muitos aspectos, retrocedemos. Es- o princípio do “salve-se quem puder” seja
ses são alguns dos inúmeros desafios do tempo rapidamente traduzido no lema “todos contra
presente que clamam a presença dos homens todos”, e isso será pior do que a pandemia
e mulheres de boa vontade. Tal cenário nos (FT 36). “A obsessão por um estilo de vida
chama a atenção para um importante dado: não consumista, sobretudo quando poucos têm
existem respostas fáceis para desafios comple- possibilidades de mantê-lo, só poderá provocar
xos. Nem sempre os dramas humanos, em si violência e destruição recíproca” (LS 204).

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“DIANTE DO DRAMA DA FOME,
É URGENTE RECUPERAR A PAIXÃO
COMPARTILHADA POR UMA
COMUNIDADE DE PERTENÇA E DE
SOLIDARIEDADE À QUAL SAIBAMOS
DEDICAR TEMPO, ESFORÇOS E BENS.”

Em 2023, a CNBB promove a 59ª edição Fruto da indiferença e da desigualdade


nacional da Campanha da Fraternidade, pon- social, tal como as demais formas de pobreza,
do em evidência o tema da fome. Fraternida- a fome existe também porque muitas pessoas
de e fome:“Dai-lhes vós mesmos de comer” deixaram de olhar para seu semelhante. Parece
(Mt 14,16). Com o intuito de sensibilizar a que naturalizamos a fome e normatizamos
sociedade e a Igreja para enfrentar o flagelo a indiferença. A fome é triste realidade que
da fome por meio de compromissos que atualmente temos diante dos olhos. É impos-
transformem essa situação à luz do Evange- sível não perceber o grito de muitos irmãos e
lho de Jesus Cristo, a CF ergue pela terceira irmãs que não sabem se hoje, enquanto refle-
vez sua voz, chamando nossa atenção para a timos sobre o tema, terão algo para comer. Os
assustadora realidade da carência de alimen- noticiários, as pesquisas, os dados e estatísticas,
tação vivida por uma multidão de irmãos e os inúmeros diagnósticos, a mídia em geral,
irmãs, e nos provoca a encontrar respostas as redes sociais, os irmãos e irmãs que pedem
criativas para a superação desse cenário. É auxílio nos semáforos das grandes cidades e
tempo de cuidar de quem tem fome. o aumento das pessoas em situação de rua
denunciam que algo não vai bem.A fome vai
1. A FOME É REAL além dos números e das estatísticas. Ela tem
Os números da fome no Brasil estão em nome, rosto e história. É a sobrevivência e a
rápida ascensão, um triste reflexo do contexto dignidade humana que estão em perigo. É a
de degradação social e de retrocessos insti- dignidade humana que está ameaçada.
tucionais, acentuados pelas consequências da Constituindo uma necessidade natural
pandemia, que levaram ao empobrecimento e um poderoso instinto de sobrevivência,
da sociedade brasileira. Segundo o Inquérito a fome possui uma dimensão social que
nacional sobre insegurança alimentar no contexto da precisa ser enfrentada. Sem alimento, não
pandemia da covid-19 (https://olheparaafome. há desenvolvimento. Sem nutrição, os dons
com.br), em 2022, no Brasil, 33,1 milhões de e talentos não se desenvolvem. Sem comi-
pessoas não tinham o que comer (https:// da, não há vida. A fome subtrai as energias
www.oxfam.org.br/especiais/olhe-para-a- dispensadas em favor de um mundo mais
-fome-2022/). Eram 14 milhões a mais de justo e solidário. Fere a dignidade humana
brasileiros com fome em pouco mais de um e desfigura a imagem e semelhança de Deus.
ano; mais da metade (58,7%) da população A fome é também um escândalo, afirma
brasileira convivendo com a insegurança o papa Francisco, e um crime contra os di-
alimentar em algum grau (leve, moderado, reitos humanos:
grave). O Brasil regrediu para um patamar
equivalente ao da década de 1990, com muitos Produzimos comida suficiente para todas
brasileiros incapazes de se alimentar adequa- as pessoas, porém muitas ficam sem o pão
damente. Isso significa que seis de cada dez de cada dia. Isso “constitui um verdadeiro
pessoas (125 milhões da população brasileira) escândalo”, um crime que viola direitos
não conseguem acesso pleno à alimentação. humanos básicos. Portanto, é um dever

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de todos extirpar essa injustiça mediante
ações concretas e boas práticas, e mediante
políticas locais e internacionais ousadas
(FRANCISCO, 2021, tradução nossa).
O amante, o
amado e o amor
Para a humanidade, a fome não é só uma
José Lisboa Moreira de Oliveira
tragédia, mas também uma vergonha, insiste o
papa Francisco. Em grande parte, é provocada
por uma distribuição desigual dos frutos da
terra, à qual se aliam a falta de investimentos
no setor agrícola, as consequências das mu-
danças climáticas e o aumento dos conflitos
em várias regiões do planeta. Como se isso
não bastasse, descartam-se toneladas de ali-
mentos. Diante dessa realidade, não podemos
permanecer insensíveis ou paralisados. Somos
todos responsáveis (FRANCISCO, 2020b).
No horizonte da fé, as palavras de São Ba-

Imagens meramente ilustrativas.


sílio nos ajudam a refletir sobre esse cenário:

O pão que para ti sobra é o pão do faminto.


136 págs.

CONFIRA
A roupa que guardas mofando é roupa de VERSÃO
quem está nu. Os sapatos que não usas são E-BOOK
os sapatos dos que andam descalços. O di-
nheiro que escondes é o dinheiro do pobre. A obra é indicada a
As obras de caridade que não praticas são todos os que querem viver
outras tantas injustiças que cometes. Quem intensamente a comunhão
acumula mais que o necessário pratica cri- com a Trindade, a qual nos
me (SOBRE CARIDADE..., 1999). convoca e nos reúne na
grande assembleia (ekklesía)
daqueles que são chamados
2. AS CONTRADIÇÕES DO ao amor. Pode ser muito útil
“CELEIRO DO MUNDO” também para os cursos de
Durante a era Vargas (1935-1947), surgiu graduação das faculdades
um slogan que incentivou o avanço das fron- de Teologia.
teiras agrícolas, processo que se concretizou
no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970:
Aponte a câmera do
“Brasil, celeiro do mundo”. Hoje esse é um seu celular e confira a
fato em plena consolidação. O Brasil é um degustação do livro!
dos principais produtores/exportadores de
alimentos do mundo. São, em média, 43 mi-
lhões de hectares destinados à agricultura e à
Vendas: (11) 3789-4000
pecuária. Com base nos resultados alcançados 0800-0164011
pelo agronegócio nacional já no início dos anos
2000, mais precisamente entre 2003 e 2004, o paulus.com.br
relatório mundial de commodities divulgado pela

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Conferência das Nações Unidas sobre Comér- de até R$ 78 bilhões no valor bruto da pro-
cio e Desenvolvimento (Unctad) já constatava dução agrícola. No que diz respeito a políticas
que o Brasil possuía todas as condições para públicas para a agricultura familiar, mesmo nos
se tornar o principal produtor/exportador de melhores momentos do país, os investimentos
produtos agrícolas em doze anos. sempre foram insuficientes (https://www.cor-
Segundo dados da Confederação da Agri- reiobraziliense.com.br/economia/2020/09/
cultura e Pecuária do Brasil (CNA), a soma 4878333-desigualdades-no-campo.html).
de bens e serviços gerados no agronegócio A agricultura familiar possui um valor
chegou, em 2020, a R$ 1,98 trilhão ou 27% que vai além das comparações com as ou-
do PIB brasileiro. Entre os segmentos, a maior tras modalidades da produção de alimentos.
parcela é a do ramo agrícola, que corres- Seu valor é indiscutível! Segundo dados do
ponde a 70% desse valor (R$ 1,38 trilhão), IBGE (2017), 77% dos estabelecimentos
enquanto a pecuária corresponde a 30% ou rurais no Brasil – ou seja, 3,9 milhões de
R$ 602,3 bilhões (https://cnabrasil.org.br/ propriedades – são classificados como de
cna/panorama-do-agro). O valor bruto da agricultura familiar e correspondem a 23%
produção (VBP) agropecuária alcançou R$ da área de todos os estabelecimentos rurais
1,10 trilhão em 2020, dos quais R$ 712,4 do país. Transformando as informações do
bilhões na produção agrícola e R$ 391,3 Censo de 2017 em valores, conclui-se que
bilhões no segmento pecuário. Por fim, em R$ 107 bilhões provêm desse sistema de
maio de 2022, as exportações brasileiras totais produção, o que equivale a 23% de toda a
apresentaram elevação de 13,2% em relação produção agropecuária brasileira (https://
ao mesmo mês de 2021. Contribuíram para o www.conab.gov.br/agricultura-familiar/
resultado positivo as exportações de produtos boletim-agricultura-familiar).
do agronegócio (+13,8%) e dos demais setores É preciso apoiar a agricultura familiar, que
(+12,5%). Nesse mesmo mês, o superávit da pode cumprir um papel importante para a
balança comercial do agronegócio foi de US$ superação da miséria e da fome. Para isso,
13,6 bilhões, enquanto o déficit dos demais deve-se incentivar a produção de alimentos
produtos foi de US$ 8,6 bilhões; com isso, o de formas sustentáveis. Os pequenos produtores
saldo da balança comercial total do Brasil foi têm acesso a apenas 14% de todo o financiamento
superavitário em US$ 4,9 bilhões (https:// disponível para a agricultura e se concentram em
cnabrasil.org.br/publicacoes/boletim-do-co- apenas 23% das terras agriculturáveis no país.
mercio-exterior-do-agronegocio-3). A Organização das Nações Unidas para
O mesmo não pode ser dito da agricultura Agricultura e Alimentação (FAO), em um
familiar no Brasil, a qual é a base da alimentação levantamento realizado em 2014, estimou
da população e carrega em si a responsabilidade que as propriedades inferiores a um hectare
de colocar alimentos na mesa dos brasileiros de terra correspondiam a 72% de todas as
e proporcionar renda às famílias do campo.
É a agricultura familiar que garante 70% dos
alimentos que chegam à mesa dos brasileiros;
“O BRASIL REGREDIU PARA UM
apesar disso, ela sofre a ausência de incentivos
e enfrenta dificuldades, como a falta de co- PATAMAR EQUIVALENTE AO DA
nectividade, o acesso limitado ao crédito, o DÉCADA DE 1990, COM MUITOS
fechamento das escolas no campo, entre outros. BRASILEIROS INCAPAZES DE SE
Apenas com investimento em conectividade ALIMENTAR ADEQUADAMENTE.”
e inclusão digital, o país poderia dar um salto

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propriedades do mundo e apenas 8% dessas
se destinavam à agricultura (https://www.
politize.com.br/agricultura-familiar/). A vida consagrada
Como podemos constatar, ainda vivemos no Código de Direito
em um país com profundas desigualdades
sociais. De um lado, a cada ano batemos re- Canônico
cordes de produção de grãos; de outro, são D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
milhões em situação de fome e inseguran-
ça alimentar. O que então nos falta? Real
compromisso e envolvimento para superar
os desafios que favorecem a miséria e a fome.
É preciso lavar os olhos com as lágrimas de
quem passa fome para ver a realidade, muitas
vezes camuflada, que oculta inúmeras contra-
dições.Ver, compadecer e cuidar. Para tanto, é
preciso cultivar um coração que se converta
ao Evangelho e seja capaz de olhar com sin-
ceridade as necessidades do outro, aprender
a repartir, para que ninguém viva com fome

Imagens meramente ilustrativas.


ou tenha de recorrer ao lixo para sobreviver
com aquilo que foi desperdiçado de nossas
mesas. Educar para não desperdiçar e repar-
304 págs.

tir é compromisso de fraternidade. Como CONFIRA


VERSÃO
é possível que alguém passe fome dentro
E-BOOK
do celeiro do mundo? São contrastes que
desafiam os discípulos missionários de Jesus Após fazer um apanhado
Cristo. É ele quem nos diz:“Eu vim para que histórico sobre a vida
todos tenham vida em plenitude” (Jo 10,10). consagrada na Igreja, a
É ele quem nos diz, ao ver a multidão dos que obra apresenta as normas
passam fome: “Eles não precisam ir embora. processuais, tanto em sua
Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16). dimensão técnica quanto
Além desses contrastes, vivemos triste pastoral, que regem os
institutos de vida consagrada
realidade: o desperdício de alimentos. Cer-
e as sociedades de vida
ca de 1/3 de toda a produção de alimentos apostólica.
é desperdiçada em todas as etapas, ou seja,
30% de tudo o que é produzido no planeta
Aponte a câmera do
é totalmente descartado. E quando chegam seu celular e confira a
para os consumidores aqueles alimentos que degustação do livro!
não possuem uma “boa estética”, são rejei-
tados, ainda que possuam o mesmo valor
nutricional. Isso sem mencionar a quantidade
Vendas: (11) 3789-4000
de alimento pronto para consumo que vai 0800-0164011
para o lixo todos os dias em nossas casas e
também nos restaurantes. Nesse sentido, o paulus.com.br
papa Francisco afirma que

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“É PRECISO APOIAR
A AGRICULTURA FAMILIAR,
QUE PODE CUMPRIR UM
PAPEL IMPORTANTE PARA
A SUPERAÇÃO DA MISÉRIA
E DA FOME.”

a comida que se descarta é como se fos- forte: o Filho do Homem se identifica com
se roubada da mesa de quem é pobre, aqueles que passam fome. Cuidar de quem
de quantos têm fome! Convido todos a tem fome é cuidar do próprio Cristo.
refletir sobre o problema da perda e do Um dos princípios da caridade cristã afir-
desperdício de alimentos, para encontrar ma que ela é uma virtude pela qual amamos
caminhos e modos que, enfrentando se- a Deus sobre todas as coisas, por ele mesmo,
riamente tal problemática, sejam veículo e ao próximo como a nós mesmos, por amor
de solidariedade e de partilha com os de Deus. Ao mesmo tempo, quanto mais o
mais necessitados (FRANCISCO, 2013). ser humano faz o bem, mais livre se torna.
Não há verdadeira liberdade senão no serviço
De fato, é urgente cuidar de quem tem do bem e da justiça (CIC 1733).
fome e promover a superação das estruturas Os pobres, quando amados e acompa-
que a estabelecem. Como recorda São João nhados a partir de uma experiência de fé
Crisóstomo:“Não me digais que é impossível por parte de quem cuida, são reconhecidos
cuidar dos outros. Se sois cristãos, o impos- verdadeiramente como irmãos. Eis aqui a
sível é que não cuideis” (CRISÓSTOMO, identidade de uma autêntica opção pelos po-
1862, p. 961-962). bres, que brota do Evangelho. Optar por eles
tem consequência na vida de fé de todos os
3. CUIDAR DE QUEM TEM FOME cristãos, chamados a possuir o mesmo sentir
Dar de comer a quem tem fome é a pri- e pensar de Cristo Jesus (Fl 2,5). Por isso,
meira obra de misericórdia corporal. Faz afirma o papa Francisco,“desejo uma Igreja
parte da identidade cristã. É compromisso pobre para os pobres. Eles têm muito a nos
com a vida, caminho seguro para a salvação. ensinar” (EG 198). Assim, qualquer tentativa
O Evangelho segundo Mateus afirma que, de utilizar os pobres a serviço de interesses
quando o Filho do Homem vier em sua gló- pessoais ou políticos está totalmente fora da
ria, as nações da terra serão reunidas diante proposta do Evangelho. Apenas com base
dele e ele mesmo separará uns dos outros em uma proximidade real e cordial é que
(Mt 25,31-46). Nesse dia, receberão o Reino podemos acompanhá-los adequadamente.
como herança aqueles que lhe deram de Isso fará que realmente os pobres, sobretudo
comer quando estava com fome; aqueles que aqueles que passam fome, se sintam, em cada
lhe deram de beber quando estava com sede; comunidade cristã, como se estivessem em
que o receberam em casa quando forasteiro; sua própria casa (EG 199).
que o vestiram quando estava nu; aqueles que Na mensagem para a Quaresma de 2021,
dele cuidaram quando estava doente e que o papa Francisco afirmou que, a partir do
o visitaram quando estava preso (Mt 25,36). “amor social”, é possível avançar para uma
Mas como isso foi possível? Eis a pergunta civilização do amor. “Com seu dinamismo
que lhe fizeram: “Senhor, quando foi que universal, a caridade pode construir um
te vimos com fome e te demos de comer?” mundo novo, porque não é um sentimen-
(Mt 25,37).Aqui há uma identificação muito to estéril, mas o modo melhor de alcançar

10 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


vias eficazes de desenvolvimento para to- Também em 1975, São Paulo VI, em sua
dos” (FRANCISCO, 2020c). Realmente a mensagem para a vivência da CF, afirmou:
caridade é um dom “que dá sentido à nossa
vida e graças ao qual consideramos quem Até o fim dos tempos, os pobres estarão
se encontra na privação como membro da “com” Jesus. Eles são seus parceiros, seus
nossa própria família, um amigo, um irmão” companheiros, seus irmãos e irmãs. O
(ibid.).Alguém que é convidado a sentar-se à cristão, precisamente por ser cristão, deve
mesa conosco, e não a ser servido na soleira colocar-se ao lado dos desprovidos. Deve
da casa dos cristãos. pôr o melhor do seu empenho em assis-
São inúmeras as iniciativas de cuidado ti-los nas suas necessidades mais urgentes.
para com os pobres e famintos desempenha- Não pode fugir de comprometer-se para
das pela Igreja no Brasil, tais como associa- ajudá-los pelos meios ao seu alcance, para
ções, grupos juvenis, pastorais, movimentos a edificação de um mundo melhor, de
e serviços paroquiais, que põem em ação a um mundo mais justo.
ordem de Jesus Cristo: “Dai-lhes vós mes-
mos de comer” (Mt 14,16). Nesse sentido, a Em 1985, o tema volta pela segunda vez.
CF-2023 é uma ocasião para recuperarmos Novamente estávamos às portas de um Con-
tais iniciativas e promovê-las a fim de que gresso Eucarístico Nacional, que teve lugar
o anúncio do Evangelho seja acompanhado em Aparecida, com o lema “Pão para quem
por gestos de fraternidade, fomentando a tem fome”. O objetivo da campanha era
solidariedade guiada pela fé. claro: contribuir para motivar a comunidade
Em 2023, pela terceira vez, a fome é tra- cristã a assumir sua responsabilidade ante a
tada pela Igreja no Brasil na Campanha da situação de fome existente no Brasil. Em sua
Fraternidade. A primeira foi em 1975, com mensagem para a CF-1985, São João Paulo
o tema “Fraternidade é repartir” e o lema II exortava-nos a viver a campanha com as
“Repartir o pão”. Era o ano do Congresso seguintes palavras:
Eucarístico Nacional de Manaus. Naquela
ocasião, o grande objetivo era promover a Vede, irmãos! Nunca a humanidade dis-
fraternidade entre os brasileiros, desde os que pôs de tantos bens e possibilidades, como
conviviam na mesma comunidade local até hoje. No entanto, uma imensa parte dos
os distantes, dos quais eram conhecidas só as habitantes da terra, irmãos na humani-
carências. Essa fraternidade deriva do amor dade, é atormentada pela fome e miséria.
a Deus, Pai comum, e do exemplo heroico Fome no mundo e fome no Brasil! Sem
de Cristo, morto por todos.Trata-se de fra- deixar de reconhecer a complexidade do
ternidade afetiva e efetiva, que tem inúmeras problema, pode-se perguntar: terá esta
formas de expressão e deve levar a atitudes tragédia de tantos irmãos nossos explica-
concretas e sinceras. Fraternidade é repartir. ção somente nas calamidades naturais, ou
Nos textos dessa campanha, foram apre- também obras ou omissões comodistas,
sentadas algumas propostas de reflexão para egoístas, dos homens contribuem para
cada um dos domingos do tempo quaresmal, agravá-las?
atualmente ainda pertinentes: é preciso refle-
tir sobre o pão que nutre o corpo; o pão da Agora, em 2023, logo depois do 18º Con-
cultura; o pão da amizade; o pão da Palavra gresso Eucarístico Nacional – realizado em
de Deus e o pão da vida eterna, que devem Recife, de 11 a 15 de novembro de 2022, sob
ser partilhados hoje. o tema “Pão em todas as mesas” –, a Igreja

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“A CAMPANHA DA FRATERNIDADE
2023 É UMA OCASIÃO PARA
RECUPERARMOS TAIS INICIATIVAS
E PROMOVÊ-LAS A FIM DE QUE O Durante a pandemia, a Ação Solidária
ANÚNCIO DO EVANGELHO SEJA Emergencial da Igreja no Brasil “É Tempo de
ACOMPANHADO POR GESTOS DE Cuidar” promoveu diversas iniciativas de so-
FRATERNIDADE, FOMENTANDO A lidariedade local, também contribuindo para
SOLIDARIEDADE GUIADA PELA FÉ.” organizar o serviço da caridade em diversas
comunidades eclesiais missionárias. Assim,
a Campanha da Fraternidade de 2023 vem
no Brasil enfrenta pela terceira vez o flage- para dar continuidade a esse belo serviço
lo da fome, com o lema que é uma ordem à vida, no desejo de atualizar o sonho das
de Jesus aos seus discípulos: “Dai-lhes vós primeiras comunidades:“Entre eles ninguém
mesmos de comer” (Mt 14,16). É vocação, passava necessidade” (At 4,34).
graça e missão da Igreja obedecer a Jesus e
cumprir sua ordem. 4. “DAI-LHES VÓS MESMOS DE COMER”
Os bispos do Brasil desejam, com esta Sugestivo e provocante é o lema escolhi-
campanha, ajudar-nos a desvelar as causas do para a CF-2023. Estamos no contexto
estruturais da fome no Brasil, bem como do primeiro milagre dos pães. Ao cair da
identificar as contradições de uma econo- tarde, os discípulos se aproximam de Jesus e
mia que mata pela fome. Para isso, é preciso lhe oferecem um inusitado conselho: “Este
aprofundar o conhecimento e a compreen- lugar é deserto e a hora já está adiantada.
são das exigências evangélicas e éticas de Despede as multidões, para que possam ir
superação da miséria e da fome, acolher aos povoados comprar comida!” (Mt 14,15).
o imperativo da Palavra de Deus, que nos Também nós estamos sujeitos a esta mesma
conduz ao compromisso e à corresponsa- tentação: despedir quem está com fome. Não
bilidade fraterna, e investir esforços con- tê-los diante dos olhos, para não abrigá-los
cretos em iniciativas pessoais, comunitárias em nosso coração. Não há expressão mais
e sociais que levem à superação da misé- direta e impactante do que esta: “Eles não
ria e da fome no Brasil. Além disso, faz-se precisam ir embora” (Mt 14,16a).Ainda hoje
necessário estimular iniciativas no âmbito parecem ecoar em nossos ouvidos estas pa-
da agricultura familiar agroecológica e na lavras, em face da multidão de famintos que
produção de alimentos saudáveis; reconhe- temos diante dos olhos: “Eles não precisam
cer e fomentar iniciativas conjuntas entre ir embora”. É missão do discípulo de Jesus
as comunidades de fé e outras instituições dar de comer, fazendo da própria existência
da sociedade civil organizada; mobilizar a alimento, oferta de vida e cuidado, tal como
sociedade para que haja sólida política de fez o Mestre.
alimentação no Brasil, garantindo que todos Com os cinco pães e os dois peixes ofe-
tenham vida. recidos, aprendemos que aquilo que, em
Não podemos nos esquecer de que a nossas mãos, não seria suficiente para uma
superação da miséria e da fome foi também família se torna milagre nas mãos do Se-
objeto da reflexão dos bispos brasileiros na nhor. Aqui compreendemos que a solução
sua 40ª Assembleia Geral, em abril de 2002, para o problema da miséria e da fome não
quando, ao celebrar seu jubileu de ouro, a está na quantidade de recursos financeiros
CNBB publicou o documento intitulado que possuímos. Caso fosse essa a solução,
Alimento, dom de Deus, direito de todos, lan- o Senhor teria multiplicado algumas moe-
çando com ele um mutirão nacional de das que, com certeza, alguém ali trazia. Aos
superação da miséria e da fome. olhos dos incrédulos, seria ótima solução:

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multiplica-se o dinheiro e cada um come
o que quiser, onde quiser, fazendo o que
quiser com as sobras. Casa comum ou
A solução está em oferecer a Deus o que globalização da
temos e somos, promover a fraternidade, sen-
tar-nos como irmãos e partilhar os dons indiferença?
recebidos do Senhor. É preciso aprender a Paulo César Nodari
oferecer desde nossa pobreza.“Todos come-
ram e ficaram saciados, e dos pedaços que so-
braram recolheram ainda doze cestos cheios”
(Mt 14,20). Como bem nos recorda Santo
Ambrósio, “aquilo que o amor faz, o medo
jamais poderá realizá-lo” (DAVIDSON,
2022, tradução nossa). Que nosso amor a
Deus e ao próximo nos faça solidários na
partilha de tudo aquilo que somos e temos.

5. FOME DE DEUS, SIM; FOME DE PÃO, NÃO

Imagens meramente ilustrativas.


Se ninguém sofresse com os males da
fome, será que estaríamos todos saciados? Na
verdade, há uma sede de Deus que habita CONFIRA
160 págs.

o coração de cada pessoa. Com o salmista, VERSÃO


rezamos: “Minha alma tem sede de Deus e E-BOOK
deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de
ver a face de Deus?” (Sl 42,3). Não há como O livro apresenta cinco ensaios
não lembrar as palavras do Divino Mestre: com reflexões sobre grandes
“Então o rei lhes responderá: ‘Em verdade desafios éticos e políticos de nosso
tempo, motivadas, especialmente,
vos digo, todas as vezes que fizestes isso a cada pelas cartas encíclicas Laudato
um destes mínimos dos meus irmãos, foi a Si’ (2015) e Fratelli Tutti (2020),
mim que o fizestes!’” (Mt 25,40). Um modo do papa Francisco. O objetivo
de ver a face de Deus é também reconhe- principal é levar as pessoas
cê-la em cada irmão e irmã, especialmente a refletir acerca de temas
naqueles que passam fome. Olhe as pessoas importantes, destacados nesses
dois documentos pontifícios.
do seu lado! São elas a quem deve amar.
O pão que sustenta o corpo deve ser
acompanhado pelo pão que nutre a alma. Aponte a câmera do
Por ocasião da beatificação do Pe. Antônio seu celular e confira a
degustação do livro!
Chevrier, em 4 de outubro de 1986, São
João Paulo II afirmou aos Padres do Prado
que “os pobres têm o direito de que se lhes
fale de Jesus Cristo. Têm direito ao Evan-
Vendas: (11) 3789-4000
gelho e à totalidade do Evangelho”. Conta 0800-0164011
a história que, durante a visita apostólica ao
Brasil em 1980, São João Paulo II viu, em paulus.com.br
meio à multidão, um cartaz com os dizeres:

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 13


“Santo padre: o povo passa fome”. Ele não Não se pode correr o risco de ouvir do
se conteve e de imediato exclamou: “Fome Senhor: “Eu tive fome e não me destes de
de Deus, sim, fome de pão, não”. Eis nosso comer” (Mt 25,42). É preciso empenho
desejo, também expresso naquela oração co- pessoal, comunitário e eclesial, social e po-
nhecida de muitos brasileiros: “Senhor, dai lítico, para superar a fome em nosso país.
pão a quem tem fome e fome de justiça a Os padres do Concílio Vaticano II nos re-
quem tem pão”. cordaram: “Como são tantos os que sofrem
de fome no mundo, o Sagrado Concílio
CONCLUSÃO exorta todos, particulares ou autoridades,
Não é normal alguém passar fome. Não a que se recordem daquela frase dos Padres
podemos agir com indiferença, uma vez que da Igreja: ‘Alimenta o que morre de fome,
nos alimentamos daquele que é o pão da porque, se não o alimentaste, mataste-o’”
vida. Já nos alertava São João Crisóstomo: (GS 69). O Texto-base da CF-2023 nos apre-
senta diversas iniciativas para pôr em prática
Tu vais participar da Eucaristia? Então, as indicações da campanha deste ano. São
não humilhes teu irmão. Não desprezes ações no âmbito pessoal, comunitário e so-
o faminto... Quê? Tu fazes memória de cial. Inspirado por estas e outras sugestões,
Cristo e desprezas o pobre? Tu não ficas somos chamados a voltar nosso olhar para
horrorizado? Bebeste o sangue do Senhor cada comunidade de fé e aí contribuir para
e não reconheces teu irmão? Ainda que a superação desse cenário à luz da fé em
o tenhas desconhecido antes, deves reco- Cristo Jesus.
nhecê-lo nesta mesa... Tu, que recebeste
o pão da vida, não faças obra de morte REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(SOBRE CARIDADE..., 1999).
BENTO XVI, Papa. Caritas in Veritate: Carta
Dar de comer a quem tem fome é um Encíclica sobre o desenvolvimento humano
imperativo ético para toda a Igreja, resposta integral na caridade e na verdade. [Vati-
aos ensinamentos de solidariedade e par- cano]: Libreria Editrice Vaticana, 29 jun.
tilha do Senhor Jesus. Assim nos exorta o 2009. Disponível em: https://www.vatican.
papa Bento XVI (2009, n. 27). Além disso, va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/
documents/hf_ben-xvi_enc_20090629_ca-
eliminar a fome no mundo tornou-se um
ritas-in-veritate.html. Acesso em: 13 out.
objetivo a alcançar para preservar a paz e a
2022.
subsistência da terra.
Um compromisso que não pode ser es- CATECISMO da Igreja Católica. [Vaticano]:
quecido nesse processo de superação da fome Libreria Editrice Vaticana, 2005. Disponí-
é o envolvimento direto na elaboração de vel em: https://www.vatican.va/archive/
políticas públicas, preferencialmente polí- cathechism_po/index_new/prima-pagi-
na-cic_po.html. Acesso em: 13 out. 2022.
ticas de Estado. A Emenda Constitucional
nº 64 inclui a alimentação entre os direitos CNBB. Fraternidade e fome: texto-base da CF-
estabelecidos pela Constituição Federal com 2023. Brasília, DF: Edições CNBB, 2022.
aplicação imediata, já que compõe as garan- CRISÓSTOMO, S. J. Homilia 2 sobre Lázaro.
tias e direitos fundamentais de cada cidadão, In: CRISÓSTOMO, S. J. Patrologia grega.
protegendo, assim, as políticas públicas que Paris: Garnier Frates, 1862. (v. 48). Disponí-
asseguram alimentação a milhões de bra- vel em: http://patristica.net/graeca/#t047.
sileiros (Constituição Federal, art. 5º, §1º). Acesso em: 13 out. 2022.

14 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


DAVIDSON, Ivor J. (ed.). Ambrose De officiis,
volume two: commentary. Oxford: Oxford
University Press, 2022.
FRANCISCO, Papa. Mensaje para la pre-cum- Concílio
bre sobre los sistemas alimentarios de la ONU.
[Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana, 26 jul.
Vaticano II
2021. Disponível em: https://www.vatican. Rodrigo Coppe Caldeira (org.)
va/content/francesco/es/messages/pont-
-messages/2021/documents/20210706-mes-
saggio-sistemi-alimentari.html. Acesso em:
13 out. 2022.
FRANCISCO, Papa. Fratelli Tutti: Carta Encíclica
sobre a fraternidade e a amizade social (FT).
Brasília, DF: Edições CNBB, 2020a.
FRANCISCO, Papa. Mensagem para o dia mun-
dial da alimentação 2020. [Vaticano]: Libreria
Editrice Vaticana, 16 out. 2020b. Disponível
em: https://www.vatican.va/content/fran-
cesco/pt/messages/pont-messages/2020/
documents/papa-francesco_20201016_vi-

Imagens meramente ilustrativas.


deomessaggio-giornataalimentazione.html.
Acesso em: 13 out. 2022.
256 págs.

FRANCISCO, Papa. Mensagem para a Quaresma


2021. [Vaticano]: Libreria Editrice Vaticana,
11 nov. 2020c. Disponível em: https://www.
vatican.va/content/francesco/pt/messages/ A obra reúne ensaios de
lent/documents/papa-francesco_20201111_ teólogos(as) de renome
messaggio-quaresima2021.html. Acesso em: internacional que versam sobre
13 out. 2022. a organização e a recepção
do Concílio Vaticano II – evento
FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: Carta Encíclica mais significativo da Igreja
sobre o cuidado da casa comum (LS). Brasília, nas últimas décadas –,
DF: Edições CNBB, 2015.
especialmente na América
FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: Exorta- Latina. Os textos apresentam as
ção Apostólica sobre o anúncio do Evangelho potencialidades do Concílio e
no mundo atual (EG). Brasília, DF: Edições os desafios que a Igreja tem à
CNBB, 2014. sua frente.
FRANCISCO, Papa. Audiência geral. [Vaticano]:
Libreria EditriceVaticana, 5 jun. 2013. Dispo- Aponte a câmera do
nível em: https://www.vatican.va/content/ seu celular e confira a
francesco/pt/audiences/2013/documents/ degustação do livro!
papa-francesco_20130605_udienza-generale.
html. Acesso em: 13 out. 2022.
SOBRE CARIDADE, pobreza e justiça social. Vendas: (11) 3789-4000
Veritatis Splendor, 5 set. 1999. Disponível em: 0800-0164011
https://www.veritatis.com.br/sobre-carida-
de-pobreza-e-justica-social/. Acesso em: 20 paulus.com.br
out. 2022.

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Elvis Rezende Messias*

*Elvis Rezende Messias é licenciado em Filosofia pela UEMG, bacharel em Teologia pela UCDB, mestre em Educação pela Unifal-MG,
especialista em Doutrina Social da Igreja pela PUC-GO e em Filosofia pelo Claretiano. Atualmente faz doutorado em Educação pela Uninove
(bolsista Capes). É docente pesquisador e vice-diretor da UEMG-Campanha. É autor do livro O Evangelho social: manual básico de Doutrina
Social da Igreja (Paulus, 2020), em parceria com dom Pedro Cunha Cruz. E-mail: elvismessias.prof@gmail.com
(O presente artigo traz e complementa excertos de versão publicada em Fadiva – Revista Jurídica, Varginha/MG, v. 5, p. 58-67, 2019.)

DOUTRINA SOCIAL
DA IGREJA
E DIREITOS HUMANOS

16 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


Apresentamos aqui uma visão da Introdução
Doutrina Social da Igreja sobre “Direitos humanos é coisa para defender
os direitos humanos, que têm bandido!” “Direitos humanos só se forem
para humanos direitos!” Afirmativas como
sido alvo de profundos ataques essas têm se tornado comuns ultimamente
nestes tempos difíceis que estamos na boca e no imaginário de alguns cidadãos,
vivendo. Aos católicos, faz-se tidos como “gente de bem” e “defensores da
moral e dos bons costumes”.Tem aconteci-
necessário superar afirmativas do um trabalho consideravelmente forte de
depreciativas dos direitos humanos. descrédito por parte de alguns grupos rea-
Nesse sentido, o ensino social cionários, que parecem ignorar as conquistas
da Igreja, com sua perspectiva e a verdadeira lógica inerente aos chamados
direitos humanos.
teológico-antropológica, é Ninguém nega que é importante ser
importante auxílio para uma “gente de bem” nem que há algo de bom
compreensão integral da dignidade em defender certa “moral e bons costumes”,
mas não é aceitável que as afirmativas acima
humana e da justa defesa de seus sejam tidas como bons exemplos do que é
direitos fundamentais. ser “gente de bem” e portadora de “bons
costumes”.
A “moral” não é uma coisa boa por si
mesma, já que pode ser considerada como a
forma de conduta específica de determinada
realidade grupal, que faz leituras particulari-
zadas do que entende ser “bom” e “melhor”
para a humanidade e para a sociedade. Ora,
é absolutamente possível que determinado
povo defenda com todo vigor sua morali-
dade, o que não significa, porém, que isso
seja considerado algo verdadeira e/ou uni-
versalmente bom. Por exemplo, pode ser que
faça parte da moral e dos “bons” costumes
de determinado povo amputar o clitóris das
meninas, mas não quer dizer que isso seja
uma coisa realmente boa do ponto de vista
ético, de um ponto de vista mais univer-
sal, compartilhado pela maioria dos povos.
Nem tudo que é tido como moralmente
aceitável por um grupo social é, realmente,
aceitável do ponto de vista da dignidade
humana integral.
Desse modo, antes de veicular a necessi­
dade de defender “a moral e os bons costu-
mes”, é preciso ter claro o que tais defen-
sores entendem por “moral” e por “bons

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“O ser humano é digno,
sobretudo, pelo que ele é,
e não, redutivamente, pelo que
armamentista nuclear, contém “uma primei-
ele faz ou deixa de fazer.” ra aprofundada reflexão da Igreja sobre os
direitos; é a encíclica da paz e da dignidade
humana” (CDSI 95). Após sessenta anos da
costumes”, assim como questionar qual con- publicação da encíclica, desde então, a Igreja
cepção de ser humano determinado povo ou reconhece a proclamação dos direitos huma-
grupo têm em mente ao categorizar o que nos, sobretudo o texto de 1948 da ONU –
deve e o que não deve ser considerado como Declaração Universal dos Direitos Humanos –,
“gente de bem”. Do mesmo modo, quando como “um dos mais relevantes esforços para
se diz que “direitos humanos só servem se responder, de modo eficaz, às exigências im-
forem para humanos direitos”, é preciso ter prescindíveis da dignidade humana” (CDSI
claro o que se pode entender por “direitos 152, destaque nosso).
humanos” e por “humanos direitos”.
A situação se torna ainda mais preocu- Heinrich Denzinger e Peter Hünermann
pante quando tais discursos são proferidos (2015) afirmam que com a Pacem in Terris
e disseminados por “gente de bem” perten- “os direitos da pessoa humana são, pela
cente a alguma denominação religiosa, até primeira vez, fundados e reconhecidos
sob a justificativa de uma pretensa teologia. no seu conjunto, a partir dos princípios
A fim tratar da questão, tomaremos a dis- cristãos, pelo magistério eclesial” (2015,
cussão sobre os direitos humanos com base p. 887), e acrescentam que um exemplar
nas compreensões teológicas que a Doutrina da encíclica foi enviado aos membros da
Social da Igreja católica tem sobre o tema, ONU pelo papa “em sinal de solidarie-
com o intuito de trazer luzes que desman- dade” (MESSIAS, 2021, p. 41).
telem visões e discursos preconceituosos e
segregadores. Como a afirmativa acima denota, todo
o fundamento dos direitos humanos – que
1. Doutrina Social da Igreja, antropologia são, então, devidamente reconhecidos como
teológica e direitos humanos algo bom pela Igreja – está na inalienável e
O tema dos direitos humanos não é ig- integral dignidade da pessoa humana. E onde
norado nem rechaçado pela Igreja. Ao con- se encontra a raiz de tal dignidade, segundo o
trário, é tomado como importante avanço da ensinamento social católico? No fato crucial
reflexão humana contemporânea, sobretudo de que o ser humano é realidade criada à
após as atrocidades desumanas que marca- imagem e à semelhança de Deus – imago Dei
ram, em muitos aspectos, o século XX. No (Gn 1,26-27). Ora, “a Igreja vê no homem,
importante Compêndio da Doutrina Social da em cada homem, a imagem viva do próprio
Igreja (CDSI), publicado no ano de 2004 Deus. [...] Portanto, ‘por ser à imagem de
pelo então Pontifício Conselho “Justiça e Deus, o indivíduo humano tem a dignidade
Paz”, há uma parte que trata exclusivamente de pessoa: ele não é apenas uma coisa, mas
do tema dos direitos humanos: capítulo III, alguém’” (CDSI 108-109).
parte IV. Aqui há algo de fundamental para a com-
O papa São João XXIII foi bastan- preensão cristã dos direitos humanos: por
te importante para o desenvolvimento da sua origem em Deus, a dignidade humana
reflexão eclesiástica nesse aspecto, pois sua é identificada e está configurada em uma
encíclica Pacem in Terris, publicada em 1963 dimensão profundamente ontológica; ou seja,
em um contexto de expansão da corrida o ser humano é digno, sobretudo, pelo que

18 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


ele é, e não, redutivamente, pelo que ele faz
ou deixa de fazer. Sua condição imperdível
de pessoa humana, criada à imagem de Deus YOUCAT:
e chamada por esse mesmo Deus à comu-
nhão com ele e com as outras pessoas em
Catecismo jovem
sociedade (CDSI 108), é suficiente para o da Igreja Católica
reconhecimento de sua dignidade. Isso é fun- Fundação Youcat
damental, como dissemos, porque nos ajuda
a entender que, ainda que uma pessoa resolva
enveredar pelo caminho da delinquência, sua
dignidade ontológica permanece e, como
tal, é merecedora de defesa e promoção, pois
não se trata de uma realidade meramente
concedida pelos Estados ou decidida por
assembleias. Por consequência, em uma pers-
pectiva sociojurídica, é reconhecido, então, o
fato de que os direitos humanos são respostas
às necessidades naturais do ser humano, e não
uma concessão institucional. O Estado está

Imagens meramente ilustrativas.


obrigado a reconhecer a existência natural
de tais direitos e a respeitá-los, servi-los e
promovê-los por meio do seu direito posi-
304 págs.

tivo. Diz o Compêndio:

Nos direitos humanos estão condensadas


as principais exigências morais e jurídi-
cas que devem presidir à construção da
comunidade política. Tais direitos cons-
tituem uma norma objetiva que está na Livro destinado aos jovens para
que compreendam melhor o
base do direito positivo e que não pode
Catecismo da Igreja Católica.
ser ignorada pela comunidade política, Elaborado em forma de conversa,
porque a pessoa lhe é ontológica e teleo- possui uma linguagem dinâmica,
logicamente anterior: o direito positivo com 527 perguntas e respostas
deve garantir a satisfação das exigências que exprimem a fé.
humanas fundamentais (CDSI 388).

Nesse sentido, conforme nossa provo-


cação na introdução deste artigo, o que se
entende por “ser humano” é orientador
para o que se pretende entender sobre seus
direitos e balizador das atividades jurídi-
Vendas: (11) 3789-4000
cas. Ao contrário do que tem sido dito por 0800-0164011
aí, os direitos humanos não são realidades
exclusivas de “humanos direitos”, mas tão paulus.com.br
somente de “humanos”, desse ser humano

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que – mesmo em diversas situações de des- sociais, para os quais não se pode en-
vio de conduta social, mesmo em situações contrar boa solução se não se tutela o
que atentem contra o princípio fundamental caráter transcendente da pessoa humana
do bem comum – mantém sua dignidade plenamente revelada na fé (CDSI 527).
ontologicamente preservada.
Sobre isso, o Catecismo da Igreja Católica Nessa mesma perspectiva, são também
(CIC), na atual redação do número 2.267 elucidativas as reflexões de autores cristãos.
publicada como Rescriptum pela Congregação Jacques Maritain (1967, p. 12), por exemplo,
para a Doutrina da Fé em 2018, no contex- sustenta que,“por mais indigente e esmagada
to da inadmissibilidade do recurso à pena que seja, uma pessoa é, como tal, um todo,
de morte, por exemplo, como instrumento e como pessoa ela subsiste de maneira in-
de salvaguarda do bem comum, oferece-nos dependente”. E Bartolomeu Sorge (2018),
uma reflexão fundamental.Ali se afirma cla- por sua vez, afirma:
ramente que “hoje vai-se tornando cada vez
mais viva a consciência de que a dignidade da O Evangelho ensina que o homem vale
pessoa não se perde, mesmo depois de ter come- pelo que é e não pelo que tem ou pelo
tido crimes gravíssimos” (CIC 2.267). Isso faz que faz. O homem merece amor e res-
parte do núcleo da antropologia teológica peito porque vive, não porque possui. A
católica e ilumina todo o horizonte de sua sua dignidade está ligada ao fato de que
ação pastoral. Um católico não pode perder é pessoa. Portanto, desde o momento em
esse horizonte de fé ao abordar qualquer que se acende a primeira centelha da vida
questão social, como é o caso da temática no seio da mãe, até o momento da morte
dos direitos humanos. A doutrina da Igreja física, toda pessoa conservará sempre a sua
oferece uma visão integral do ser humano, honorabilidade, mesmo se for pobre ou
anunciando a dignidade inviolável de toda enferma, mesmo se erra ou é delinquente.
e cada pessoa, introduzindo as realidades do A pessoa humana não perde nunca a sua
trabalho, da economia, da política e do direito grandeza nativa e ninguém lha pode tirar
em uma perspectiva original que ilumina (SORGE, 2018, p. 27).
os autênticos valores humanos (CDSI 522).
Donde se pode afirmar: Desse modo, percebamos que a Doutrina
Social da Igreja reflete que é indispensável
A ação pastoral da Igreja no âmbito social sólida antropologia para a elaboração de uma
deve testemunhar, antes de tudo, a verdade consistente teoria do direito. O princípio an-
sobre o homem. A antropologia cristã tropológico à luz do qual a proposta reflexiva
permite um discernimento dos problemas da Igreja se desenvolve não é o pessimista,
como se o ser humano fosse uma realidade
de natureza ruim, egoísta e predatória. Ao
contrário, a antropologia que é eclesiologi-
“A doutrina da Igreja oferece camente construída está solidamente emba-
uma visão integral do ser sada na vertente teológica, uma vez que seu
humano, anunciando a viés hermenêutico privilegia uma verdade
dignidade inviolável de transcendente sobre o ser humano: a teologia
da criação é posta como a base potencia-
toda e cada pessoa.” lizadora indispensável para a compreensão
antropológica e social.

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O livro do Gênesis nos propõe algumas especialmente no campo da ética,“as regras
linhas mestras da antropologia cristã: a políticas, econômicas e institucionais (cuja
inalienável dignidade da pessoa huma- importância ninguém nega) sozinhas não
na [...], a sociabilidade constitutiva do bastam, se faltar a atenção ao componente
ser humano [...], o significado do agir humano e humanizante [...]. Prova disso é
humano no mundo [...]. Esta visão da a persistência de graves situações de subde-
pessoa humana, da sociedade e da história senvolvimento no mundo” (SORGE, 2018,
é radicada em Deus e é iluminada pela p. 51).
realização do seu desígnio de salvação
(CDSI 37). 2. Direitos e deveres: a pedra de toque
do bem comum
Ora, falamos aqui, exatamente, de “direi- À luz, então, dessa complementaridade
tos humanos”. Grosso modo, pode-se en- entre direito e antropologia, entre aspecto
tender o termo “direitos” como algo que se civil e aspecto ontológico, ambos sob o viés
refere à ideia de justiça ou mesmo que deriva paradigmático da teologia, a Doutrina Social
dessa ideia, enquanto desejo do ser humano da Igreja compreende também que “intima-
em sua dimensão intersubjetiva, relacional, mente conexo com o tema dos direitos é o
e o termo “humanos” como derivado da tema dos deveres do homem” (CDSI 156),
ideia de humanidade, como sinal de distin- evocando “a recíproca complementaridade”
ção específica daquilo que o ser humano é, entre eles.
seja pelo aspecto da racionalidade, da cria- Em sua encíclica Pacem in Terris, São João
tividade, da sociabilidade, da dimensão da XXIII ensina que é justamente da consciên-
consciência etc. cia da dignidade da pessoa humana que se
Partindo da ideia de justiça – segundo a depreendem vários de seus direitos e faz um
qual é preciso reconhecer o que uma pessoa grande elenco desses direitos humanos:
é e dar-lhe aquilo que lhe é próprio, seja de
modo distributivo ou corretivo –, bem como a) o direito à existência e a um digno
da noção de humanidade, como condição padrão de vida (PT 11); b) os direitos
específica de cada ser humano, reconhecido que se referem aos valores morais e
como ser racional e social, divinamente cria- culturais, como à boa fama, liberdade
do à imagem de seu próprio Criador, então de pesquisa, liberdade de manifesta-
também se pode compreender que os direitos ção do pensamento, cultivo da arte,
humanos são a solicitação de que seja realizado, informação pública verídica (combate
na dimensão histórico-temporal, aquilo que o ser às fake news), direito de instrução de
humano é em sua realidade mais profunda e de base, de formação técnica, profissional
que sejam reconhecidas e dadas a ele as con- e de acesso aos estudos superiores (PT
dições efetivas de desenvolvimento integral 12-13); c) o direito à fé pessoal e pú-
de sua própria humanidade. blica, de liberdade religiosa (PT 14);
Há aqui, como se pode notar, uma com- d) o direito à liberdade na escolha do
plementaridade entre a noção que entende, próprio estado de vida, ao matrimô-
do ponto de vista do direito, o ser humano nio livremente contraído, à primazia na
como cidadão e a noção que entende, do educação dos filhos na perspectiva do
ponto de vista antropológico, o ser humano bem comum (PT 15-17); e) os direitos
como pessoa. Como diz Sorge (2018), situan- inerentes ao campo econômico, com
do a discussão da legalidade jurídico-política marcante senso de responsabilidade

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“Em sua encíclica Pacem in
Terris, São João XXIII ensina que
é justamente da consciência da
dignidade da pessoa humana que se
depreendem vários de seus direitos.”
social, como à livre iniciativa, ao traba- dignidade humana, e que deve ser
lho justo, devidamente desenvolvido sempre superior a qualquer coação,
sob condições dignas e dignamente imposição externa, medo, dado que
remunerado, “condizente com a dig- “uma convivência baseada unicamen-
nidade humana” (PT 20), à proprieda- te nas relações de força nada tem de
de e sua função social (PT 18-22); f) humano” (PT 34-35); e) reconhecer
direito de reunião e associação, oriun- os próprios direitos e deveres quanto
do da sociabilidade natural da pessoa os dos demais, deixando-se “conduzir
(PT 23-24); g) direito de emigração por um amor que sinta as necessida-
e de imigração, posto que o “fato de des alheias como próprias”, buscando
alguém ser cidadão de um determi- a comunhão (PT 35); f) considerar
nado país” não lhe tira “o direito de “a convivência humana como rea-
ser membro da família humana, ou lidade eminentemente espiritual”,
cidadão da comunidade internacional” transpondo reducionismos antropo-
(PT 25); direitos de caráter político, lógicos, abrindo-se ao dom do ou-
como a participação ativa na vida pú- tro, reconhecendo valores de ordem
blica e ao bem comum, dado que a transcendente (comunhão, igualdade
pessoa é o sujeito, o fundamento e o de dignidade, verdade, justiça, amor,
fim da vida sociopolítica, e o direi- liberdade...) como basilares para a ar-
to de segurança jurídica contra todo ticulação da convivência humana pa-
juízo arbitrário (PT 27) (MESSIAS, cífica e condigna ao ser humano (PT
2021, p. 53-54). 36-37) (MESSIAS, 2021, p. 54-55).

Segundo o papa, o reconhecimento desses Como se vê, é dever fundamental reco-


direitos impõe o consequente reconheci- nhecer que os outros também são sujeitos
mento da sua relação indissolúvel com os de direitos, a fim de que se alcance aquilo
deveres. E apresenta também um elenco do que os direitos humanos, em nível social,
que podemos chamar de deveres humanos: pretendem alcançar: o bem comum, que é
sinal claro de nosso chamado divino à co-
a) reconhecer a dignidade integral da munhão, tanto com o Criador quanto com
pessoa do outro, da reciprocidade de os irmãos em sociedade (CDSI 108-110),
direitos e deveres entre pessoas diver- desenvolvendo integralmente nossa própria
sas (PT 30); b) o dever de colaboração humanidade (CDSI 164). Assim ensina o
mútua e de promover o bem comum Compêndio:
(PT 31); c) envidar todos os esforços
para que cada pessoa disponha dos A comunidade política persegue o bem
bens indispensáveis à sua subsistên- comum atuando com vista à criação de
cia (PT 32-33); d) o dever do senso um ambiente humano em que aos cida-
de responsabilidade e de liberdade, dãos seja oferecida a possibilidade de um
fruto de uma viva consciência da real exercício dos direitos humanos e de

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um pleno cumprimento dos respectivos
deveres. [...] A plena realização do bem
comum requer que a comunidade polí- YOUCAT:
tica desenvolva, no âmbito dos direitos
humanos, uma ação dúplice e comple- Curso sobre a fé
mentar, de defesa e promoção: “Evite-se
Bernhard Meuser
que, através de preferências outorgadas a
indivíduos ou grupos, se criem situações
de privilégio. Nem se venha a instaurar
o absurdo de, ao intentar a autoridade
tutelar os direitos da pessoa, chegue a
coarctá-los” (CDSI 389).

Essa compreensão, enfim, protege-nos


contra a tentação do reducionismo da pes-
soa humana. Ou seja, a defesa da dignidade
humana não está, de modo algum, a serviço
de uma conivência com atitudes de egoís-
mo, mas também não se deixa levar pelo
desespero diante daquelas pessoas que, por
alguma razão, praticam atos indignos de sua

Imagens meramente ilustrativas.


humanidade. No lugar de um humanismo
exclusivo, autorreferencial, reducionista, que
explora os outros em nome do prazer par-
184 págs.

CONFIRA
ticular e/ou grupal, é sempre posta à luz a VERSÃO
verdade do humanismo integral, que reco- E-BOOK
nhece as múltiplas dimensões da existência
humana e a cada uma delas procura respei-
tar e efetivar na concretude da existência,
Explica a essência da fé
sempre mantendo o foco da compreensão católica em 26 capítulos
central do ser humano como imago Dei, isto divertidos e encoraja a reflexão
é, como ser “à imagem de Deus”. e a discussão sobre a fé.
O percurso pode ser feito
Considerações finais de maneira individual, mas
Importa reafirmar que os direitos huma- incentiva-se a formação de
nos não são “coisas para bandidos” ou algo grupos de estudos.
que deveria ser reconhecido somente para
“humanos direitos”. É verdade que podem
acontecer equivocadas e perigosas distor-
ções do conceito e dos tipos de práticas
defensoras dos direitos humanos, tanto por
Vendas: (11) 3789-4000
parte de grupos que se apresentam como 0800-0164011
seus arautos quanto por parte daqueles que
emitem as críticas que abordamos breve- paulus.com.br
mente na introdução e no desenvolvimento

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 23


deste pequeno ensaio. Entretanto, é inequí- A Doutrina Social da Igreja ressalta a
voco o ensinamento social católico sobre necessidade de defender os direitos huma-
o tema. nos, reconhecendo que sua fonte última está
Ora, não se pode ignorar o fato de que, situada no próprio ser humano e em Deus
se existem pessoas em situações graves de criador (CDSI 153). Daí que se destacam as
comportamento indigno em nossa sociedade, propriedades fundamentais dos direitos da
talvez seja porque, primeira e provavelmente, pessoa: eles são naturais (exprimem a própria
essas pessoas tiveram sua dignidade onto- natureza humana e dela derivam), universais
lógica sistematicamente desrespeitada por (pertencem a todo ser humano), inalienáveis
toda uma conjuntura histórico-social que (não são transferíveis nem concedidos por
insiste em não efetivar o respeito aos direitos terceiros), invioláveis (não podem ser di-
humanos. Na verdade, a contento, quem de minuídos e negados), imprescritíveis (não se
nós é um “humano direito”? Essa expressão perdem com o tempo), irrenunciáveis (não se
não tem sentido antropológico-teológico perdem pelo simples fato de o sujeito deles
que se sustente. abdicar). Além do mais,
Os direitos humanos não são coisas para
“humanos direitos”, mas sim a condição social [...] são fundamentais, porque neles se
de possibilidade de que nenhum ser humano originam os vários direitos depois con-
sinta “necessidade” de enveredar por caminhos signados na ordem jurídica dos Estados
errados, ou seja, de cogitar trilhar caminhos [...]. Em relação ao Estado, sublinhemos
indignos de sua humanidade. E sabemos que que os direitos humanos não são devidos
isso pode acontecer por falta ou dificuldade nunca a qualquer benigna concessão por
de acesso a muitos direitos fundamentais, tais parte dele. O Estado deve, sim, reconhe-
como: trabalho digno; remuneração justa para cê-los, mas não os cria [...], “contra eles
a subsistência plena da própria família; cultura não pode prevalecer nenhuma razão do
e educação de qualidade; conhecimento e Estado, nenhum pretexto do bem comum
experiência concreta/consciente da verdade [...]”. Vê-se, pois, que, para a Igreja, são
sobre a própria natureza humana; informação manifestamente errados os sistemas que
completa e verdadeira; políticas públicas que fazem derivar os direitos do homem, não
promovam o bem comum e enfraqueçam as de uma necessidade natural, mas da vida
“estruturas de pecado”; liberdade religiosa em sociedade [sociologismo] (RODRI-
e instituições que, plena e verdadeiramente, GUES, 2008, p. 44-46).
procurem responder aos anseios humanos
mais profundos. Soma-se a tudo isso tam- Em síntese, é nessa perspectiva teológi-
bém a carência de uma economia verdadei- co-antropológica que se pode compreender
ramente a serviço do ser humano; de leis a relação entre a Doutrina Social da Igreja
que efetivamente promovam um contexto e os direitos humanos. Para a Igreja, “a di-
social mais justo, equitativo e favorável ao mensão teológica revela-se necessária para
desenvolvimento pleno de todas as pessoas interpretar e resolver os problemas atuais
e da pessoa toda; de um ambiente propício da convivência humana” (Centesimus Annus,
para o pleno e responsável desenvolvimento n. 55) e ambos, Doutrina Social da Igreja
e sustento de todos os seres vivos, entre tan- e direitos humanos, estão, cada um ao seu
tas outras realidades que, pela sua completa modo, empenhados no serviço à verdade
falta ou escassez, ferem a dignidade e geram plena sobre a humanidade, oferecendo só-
a indignação de tantos homens e mulheres. lidas contribuições “à questão do lugar do

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homem na natureza e na sociedade” (CDSI
14). Portanto,“as motivações religiosas de tal
empenho podem não ser compartilhadas,
mas as convicções morais que dele decorrem YOUCAT para crianças
constituem um ponto de encontro entre os Katholischer Katechismus Fur
cristãos e todos os homens de boa vontade” Kinder Und
(CDSI 579).

Referências bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.


Tradução: A. Bossi e Ivone C. Benedetti. 5.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA
DA FÉ. Nuova redazione del n. 2267 del
Catechismo della Chiesa Cattolica sulla pena di
morte. Disponível em: http://press.vatican.
va/content/salastampa/it/bollettino/
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html#PORTPAPA. Acesso em: 4 out. 2022.

Imagens meramente ilustrativas.


JOÃO PAULO II, Papa. Centesimus Annus: Carta
Encíclica no centenário da Rerum Novarum.
São Paulo: Loyola, 1991.
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MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a


lei natural. Tradução: Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1967.
MESSIAS, Elvis Rezende. Redescobrir a
doutrina social da Igreja hoje: contribuições Youcat para crianças é um
fundamentais a partir da Pacem in Terris. livro inspirador que facilita aos
Encontros Teológicos, Florianópolis, v. 36, n. 1, pequenos (de 8 a 12 anos) a
p. 31-67, jan.-abr. 2021. compreensão dos ensinamentos
da Igreja católica. Foi testado
PONTIFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA por vários anos na prática e
E PAZ”. Compêndio da Doutrina Social da aprovado pela Congregação
Igreja (CDSI). Tradução: CNBB. São Paulo: para a Doutrina da Fé
Paulinas, 2011. em Roma.
RODRIGUES, António dos Reis. Pessoa,
sociedade e Estado. Estoril: Principia, 2008.
SORGE, Bartolomeo. Breve curso de Doutrina
Social. Tradução: Jaime A. Clasen. São Paulo:
Paulinas, 2018. (Fé e justiça). Vendas: (11) 3789-4000
0800-0164011
VIEIRA, Domingos Lourenço Vieira. Doutrina
Social da Igreja: introdução à ética social. paulus.com.br
Lisboa: Paulus, 2013.

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Aíla Luzia Pinheiro de Andrade*

Ir. Aíla Luzia Pinheiro de Andrade é graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia (Faje-MG), onde também cursou mestrado e doutorado. Atualmente, leciona na Universidade Católica de Pernambuco e
na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. Escreveu Palavra viva e eficaz, pela Paulus. E-mail: aylanj@gmail.com

O Evangelho de Mateus
na dinâmica do ano litúrgico – ciclo A

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INTRODUÇÃO
Com seus ritmos anuais e textos cuida-
dosamente selecionados, o ano litúrgico tem
A proclamação do Evangelho suas raízes ancoradas na liturgia do antigo
na liturgia tem por objetivo Israel e da Igreja primitiva. A celebração se-
fazer que a Palavra de manal da Páscoa no dia do Senhor marcou
a primeira etapa no desenvolvimento do
Deus possa ecoar na vida que veio a se tornar o ano litúrgico. A par-
de cada pessoa que celebra tir daí, eventos marcantes da vida de Jesus
e estabelecer um ritmo começaram a ser incorporados mediante
próprio em seu pensamento textos bíblicos específicos que estimularam
e moldaram a memória das primeiras co-
e sentimento e nas diversas munidades. No decorrer da história, o ciclo
dimensões da sua existência. único expandiu-se para um ciclo de três
Dessa forma, dá condições anos, sendo cada ano vinculado a um dos
para que os membros da Evangelhos sinóticos: Ano A com Mateus,
Ano B com Marcos e Ano C com Lucas.
assembleia litúrgica possam Seguir o lecionário do Ano A proporciona à
viver em conformidade com assembleia litúrgica ouvir a história de Jesus
a Palavra proclamada. Ao conforme Mateus, desde o nascimento até a
entrarmos no Ano Litúrgico A, morte e a ressurreição, em breves lições ao
longo de mais de cinquenta semanas.
faz sentido apontar alguns O Evangelho de Mateus abre o Novo
temas-chave, abordagens Testamento, mas não foi o primeiro a ser
literárias e singularidades redigido. É um texto bem escrito e orga-
do Evangelho de Mateus. nizado de forma a auxiliar a memorização
em uma cultura predominantemente oral,
Por isso, este artigo tem por como prevaleceu nos primeiros séculos da
objetivo oferecer algumas era cristã. As razões da popularidade desse
chaves de interpretação Evangelho na Igreja têm a ver com o fato
desse Evangelho, para que de ter sido muito utilizado na formação
cristã (catequese) e se tornado um tipo de
as pessoas que fazem parte manual, no qual as primeiras comunidades
das assembleias litúrgicas encontravam orientação segura para sua vida
tenham, na própria vida, e missão no mundo.
um bom aproveitamento A catequese, ao longo da história, fez uso
extensivo do Evangelho de Mateus, o qual
das passagens a serem
ganhou a reputação de ser “o Evangelho do
proclamadas, domingo catequista”. Isso se deu por diversas razões,
a domingo, no ciclo A do especialmente pela apresentação da nova vida
Lecionário. anunciada por Cristo no Sermão da mon-
tanha (Mt 5-7) e pelo “sermão eclesial”, no
qual se enfatiza a humildade e a misericórdia
como marcas da liderança cristã autêntica e
do serviço ao próximo (18,1-35). Também

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“A celebração semanal da Páscoa no dia
do Senhor marcou a primeira etapa no
desenvolvimento do que veio a se tornar
o ano litúrgico.”

porque nesse Evangelho encontramos en- 1. JESUS MESTRE E O SERMÃO


sinamentos sobre oração (6,5-15), celibato DA MONTANHA (Mt 5-7)
(19,12), casamento (19,1-9), crianças (19,13- O Evangelho de Mateus começa com
15) e a importância de praticar os manda- uma genealogia, que vai de Abraão a Davi
mentos (19,16-19). O núcleo da formação e aos acontecimentos que cercam o nasci-
cristã envolvia configurar a própria vida a mento de Jesus até a fixação de sua morada
Jesus,“manso e humilde de coração” (11,29), em Nazaré.A narrativa sobre o ministério do
sendo o caminho do discípulo concebido Messias começa com o batismo no Jordão e
como tornar-se semelhante ao Mestre. Esse a vinda do Espírito Santo sobre Jesus, seguida
Evangelho é chamado de “livro da Igreja”, das tentações no deserto. O ministério inicial
porque parece refletir, mais claramente do de Jesus na Galileia, por palavras e ações, fez
que os outros Evangelhos, sobre temas rela- sua fama se espalhar, o que levou ao Sermão
cionados a liderança, organização, autoridade da montanha, o primeiro dos discursos. O
e ordem dentro da estrutura e da vida eclesial. sermão apresenta a ética do Reino que Jesus
Mateus oferece uma imagem de Jesus veio instaurar.
mestre realizando seu ministério público As bem-aventuranças, que introduzem o
de forma alternada entre atos poderosos Sermão da montanha (5,3-12), foram pri-
(curas, milagres e exorcismos) e discursos meiramente vividas de forma paradigmática
memoráveis. O autor bíblico também destaca pelo próprio Cristo. Quem ler atentamente
a relação entre a Antiga e a Nova Aliança, o texto de Mateus perceberá que as bem-
fornecendo às primeiras comunidades cristãs -aventuranças apresentam uma espécie de
instruções sobre o que significava viver como retrato da figura interior de Jesus, uma es-
povo de Deus e em que isso se diferenciava pécie de “biografia” velada. Aquele que não
de viver conforme as tradições legais e li- tem onde reclinar a cabeça (8,20) é verda-
túrgicas de Israel. Finalmente, Mateus insiste deiramente pobre; aquele que pode dizer:
que as boas-novas são destinadas à procla- “Vinde a mim, que sou manso e humilde
mação não apenas entre o povo judeu, mas de coração” (11,28-29) é verdadeiramente
também a toda a humanidade. Esse Evan- manso e puro de coração. Ele é o pacifica-
gelho é resultado e testemunho notável do dor, é aquele que sofre por amor e nunca
senhorio universal de Jesus, que permanece revida a violência.
com seu povo, Israel, restaurado e renovado, As bem-aventuranças revelam o mistério
e com as pessoas dos demais povos, juntos do próprio Cristo e nos chamam à comu-
fazendo parte da mesma comunidade. nhão com ele. Precisamente por seu caráter
É útil, então, ter em mente os cinco te- cristológico oculto, são direcionamentos para
mas que são a coluna vertebral de Mateus, o discipulado, um roteiro para a Igreja, que
enquanto as passagens destacadas pela liturgia reconhece nelas o modelo do que ela mesma
vão sendo proclamadas ao longo do Ano deve ser. O Sermão da montanha conclui-
A. Esses cinco temas dão a tônica a cada -se com a multidão maravilhada diante do
passagem proclamada. ensinamento novo. “Enquanto projeto de

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vida, consistem na prática da misericórdia defenderem. Nesse sentido, aderir ao projeto
para com os mais fragilizados. As bem-aven- de Jesus traz uma divisão social tão séria, que
turanças, afinal, se concretizam no serviço até pode romper os laços familiares mais
a Jesus encarnado nos ‘irmãos mais peque- próximos.
ninos’. A catequese mateana tem em vista “O discípulo não está acima do mestre,
formar discípulos-apóstolos bem-aventura- nem o servo acima do seu senhor” (10,24):
dos!” (VITÓRIO, 2019, p. 60). isso significa que, quanto mais semelhantes
Ao serem proclamadas as passagens do a Cristo (10,25), maiores são as possibilida-
Evangelho de Mateus ao longo do Ano A, des de receber hostilidades no exercício da
não se deve esquecer desse propósito matea- missão. Apesar da possível oposição, os doze
no, expresso no início do ministério público estarão constantemente sob o cuidado pro-
de Jesus. videncial do Pai celestial (10,29-31).

2. JESUS MESTRE E O REINO REVELADO 3. JESUS MESTRE E O MISTÉRIO REVELADO


AO POVO DE DEUS (Mt 10) EM PARÁBOLAS (Mt 13)
Após o Sermão da montanha, temos o A atividade mais proeminente de Jesus,
chamado e o envio dos doze. Eles devem no Evangelho de Mateus, é ensinar. Para a
proclamar o Evangelho e realizar curas e comunidade de Mateus, Jesus é o Senhor
exorcismos nas cidades dos judeus. ressuscitado, cujos ensinamentos medeiam
a presença de Deus. Para Mateus, Jesus é
A busca das “ovelhas perdidas da casa de Mestre precisamente como Senhor da Igre-
Israel” será o ponto de partida, de forma ja. Jesus é um exímio contador de parábo-
a manter o “privilégio” de Israel na oferta las, as quais são o recurso pedagógico mais
da salvação. Porém, com a recusa da “casa eficiente para ensinar a Igreja. As parábolas
de Israel” (cf. Mt 27,25) de acolher o constituem o coração da pregação de Jesus e
Messias Jesus, os discípulos-apóstolos irão refletem “exatamente, e com especial nitidez,
em busca dos gentios e dos samaritanos, a Boa-nova de Jesus, o cunho escatológico
de toda a humanidade (cf. Mt 28,19) da sua pregação, a seriedade do seu apelo à
(VITÓRIO, 2019, p. 110) conversão, bem como o seu conflito com o
farisaísmo” (JEREMIAS, 2020, p. 7).
O restante de Mt 10 consiste nas ins- Em sua Exortação Apostólica Gaudete
truções sobre a necessidade de os evangeli- et Exsultate, o papa Francisco realizou, no
zadores procederem de acordo com o que capítulo 3, a análise de cada bem-aventu-
proclamam. Essas instruções, dadas aos doze, rança do Evangelho de Mateus, afirmando
são conhecidas como “discurso missionário”. que nas bem-aventuranças “está delineado
Os missionários não devem ganhar dinheiro o rosto do Mestre, que somos chamados a
nem levá-lo consigo, devem ter apenas o deixar transparecer no dia a dia da nossa
necessário para sua tarefa. O v. 10 proíbe vida” (GE 15).
um par extra de sandálias e o cajado; isso Durante o ano litúrgico, ao serem pro-
significa que devem viver de forma simples, clamadas as passagens do Evangelho de
à semelhança de Jesus (10,9-10). Mateus, não podemos esquecer que as pa-
São orientados a serem cautelosos com rábolas são ensinamentos que visam trans-
a oposição que podem receber durante a formar nossa maneira de ver a vida e de
missão, mas não devem ter medo, pois serão viver como seguidores e sempre aprendizes
inspirados sobre o que deverão dizer para se do mestre Jesus.

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4. JESUS MESTRE E OS seguida, Jesus menciona a destruição do tem-
DISCÍPULOS-MISSIONÁRIOS plo e dá aos seus discípulos os sinais sobre o
Em Mateus 18, podemos discernir questões fim dos tempos, no discurso escatológico de
e lutas presentes nas primeiras comunidades Mt 24. Foi em meio a esse discurso que os
cristãs às quais Mateus estava escrevendo: lutas discípulos ficaram muito confusos e pergun-
pelo poder (v. 1-4); comportamento escanda- taram: 1) Quando essas coisas aconteceriam?;
loso (v. 5-10); a necessidade de trazer de volta 2) Qual o sinal da segunda vinda de Jesus e
as pessoas que haviam se afastado da comu- do fim dos tempos? (Mt 24,3).
nidade (v. 12-14); e, sobretudo, a necessidade Jesus respondeu, a partir de Mt 24,4, elen-
de perdão, sem o qual nenhuma comunidade cando os sinais que virão antes do fim: falsos
pode durar muito tempo (v. 21-35). O foco messias, guerras, fomes, terremotos, perse-
dos v. 15-20 é a delicada questão de exortar guições, falsos profetas, iniquidade, falta de
aqueles que precisam de correção (18,15-20). perseverança na fé, bem como a pregação
O texto de Mt 18 é chamado de discurso do Evangelho a todo o mundo (24,4-14). A
eclesial, ou seja, sobre a Igreja. O tema central seção imediatamente posterior concentra-se
do discurso é a comunidade de seguidores na destruição de Jerusalém (v. 15-20). Na
e o papel da liderança em conduzi-la. Ma- seção seguinte, 24,21-39, Jesus enfoca o tema
teus se esforça para afirmar a autoridade da da segunda vinda do Filho do Homem. Na
Igreja como árbitro final quando as questões última seção do discurso, 24,40-25,46, ele
não podem ser resolvidas entre indivíduos convida seus discípulos a estarem sempre
(v. 18-20), passagem frequentemente usada preparados e vigilantes (ANDRADE, 2012,
para sustentar a autoridade da liderança e a p. 77-79).
presença contínua de Jesus no apoio à Igreja O texto de Mt 25,35-36: “Tive fome e
ao longo da história. me destes de comer. Tive sede e me destes
No entanto, o exercício da liderança na de beber. Era forasteiro e me recolhestes.
Igreja deve ser do mesmo modo como o Estive nu e me vestistes, doente e me visi-
mestre Jesus liderou seus discípulos. O dis- tastes, preso e viestes ver-me” não pode ser
curso enfatiza a importância da humildade separado das bem-aventuranças de Mt 5. Há
como uma das maiores virtudes dentro da um elenco de sofrimentos e necessidades
comunidade. Ensina que, no Reino dos Céus, humanas bem elaborado em Mt 25 (fome,
é ter a humildade das crianças o que importa, sede, nudez, doença e prisão: 25,35-36) que
não a proeminência social nem a influência pode ser encontrado nas bem-aventuranças,
de alguns sobre os outros. as quais fornecem um catálogo semelhan-
te (pobreza, luto, fome, sede, perseguição:
5. JESUS MESTRE E O FIM DOS TEMPOS 5,3-11). No monte das bem-aventuranças,
Em Mt 23, Jesus denuncia os escribas e Jesus falava diretamente aos seus discípu-
fariseus e exprime um lamento sobre Jeru- los, instruindo-os nos mistérios do Reino
salém, que mata os profetas (v. 37-39). Em e dirigindo uma promessa de felicidade aos

“Mateus insiste que as boas-novas


são destinadas à proclamação não
apenas entre o povo judeu, mas
também a toda a humanidade.”

30 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


que quiserem sofrer e ser perseguidos por os toxicodependentes, os refugiados, os
causa dele e da justiça:“Alegrai-vos e exultai, povos indígenas, os idosos cada vez mais
porque é grande a vossa recompensa nos sós e abandonados etc. (EG 210).
céus” (5,12).
Na perspectiva de sua segunda vinda, à No que tange à evangelização do mundo
vista de “todas as nações”, Jesus ressuscitado inteiro, Jesus não somente dá o exemplo, na
aponta para aqueles que realmente viveram forma como acolhe a todas as pessoas, mas
as bem-aventuranças como ele as ensinou e também, já ressuscitado, dá uma orientação
que assim se identificaram completamente final aos discípulos:“Ide, portanto, e fazei dis-
com sua forma de pensar. cípulos dentre todas as nações, batizando-os
em nome do Pai e do Filho e do Espírito
CONSIDERAÇÕES FINAIS Santo” (28,19). É esse o significado de os
O papa Francisco sempre enfatizou uma discípulos serem “o sal da terra” (5,13) e “a
missiologia e uma evangelização globais luz do mundo” (5,14).
convincentes, baseadas nas obras de mise- O papa Francisco destaca que “toda a
ricórdia espirituais e corporais e na unidade evangelização está fundada sobre essa Pala-
intrínseca entre Mt 5 e Mt 25. Na Exor- vra escutada, meditada, vivida, celebrada e
tação Apostólica Evangelii Gaudium, o papa testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte
escreve que da evangelização” (EG 174), e o maior in-
centivo para a evangelização é contemplar
Jesus, o evangelizador por excelência e o o Evangelho “com amor, é deter-se nas suas
Evangelho em pessoa, identificou-se es- páginas e lê-lo com o coração” (EG 264).
pecialmente com os mais pequeninos (cf. O Evangelho de Mateus nos ensina a ler e
Mt 25,40). Isso recorda a todos os cristãos ponderar as Escrituras tendo como referência
que somos chamados a cuidar dos mais Jesus, pois o evangelista reconhece que nossa
frágeis da terra (EG 209) [...] e é indis- compreensão de Deus e de seus caminhos é
pensável prestar atenção e debruçar-nos profundamente enriquecida pela descober-
sobre as novas formas de pobreza e fra- ta da unidade do plano do Pai, conforme
gilidade, nas quais somos chamados a re- se desenrolam, nas páginas das Escrituras, o
conhecer Cristo sofredor: os sem-abrigo, Antigo e o Novo Testamentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, A. L. P. Eis que faço novas todas as coisas: teologia apocalíptica. São Paulo: Paulinas, 2012.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002.
JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulus, 2020.
FRANCISCO, Papa. Gaudete et Exsultate: Exortação Apostólica sobre o chamado à santidade no
mundo atual (GE). São Paulo: Paulus, 2020.
FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no
mundo atual (EG). São Paulo: Paulus, 2019.
VITÓRIO, J. Lendo o Evangelho segundo Mateus: o caminho do discipulado do Reino. São Paulo:
Paulus, 2019. E-book.

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 31


Altierez dos Santos*

*Altierez dos Santos é consultor de catequese da Paulus; doutor e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista
de São Paulo; especialista em Catequese pela Universidade Salesiana de São Paulo. Graduado em História pela Faculdade
de Educação São Luís de Jaboticabal e especialista em Docência ao Ensino Superior pela Universidade Católica Dom Bosco.
E-mail: consultor.catequese@paulus.com.br

YOUCAT
A COLEÇÃO QUE ATRAIU OS
JOVENS PARA O CATECISMO DA
IGREJA CATÓLICA
32 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350
A sociedade contemporânea tem, como uma de suas marcas, a
diminuição das práticas religiosas e, portanto, da adesão a uma fé. A Igreja
acompanha com interesse esse processo e identificou que muitos foram
os fatores para o afastamento de grupos inteiros. Um desses grupos mais
expressivos é o dos jovens – a faixa etária que se subdivide nos grupos de
11 a 18 anos (adolescência) e de 19 a 34 anos (juventude) –, e dois grandes
motivos desse afastamento são o desconhecimento da doutrina católica
e a percepção de que a fé é irrelevante na atualidade. O Youcat surge
nesse contexto como um instrumento para responder a tais dificuldades
diretamente aos mais interessados: os jovens.
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“O YOUCAT CONQUISTOU
RAPIDAMENTE O PÚBLICO EM
TERMOS DE AFETO, POIS LEVOU
AO DESCOBRIMENTO DE UMA
DOUTRINA QUE FAZ SENTIDO
NO TEMPO PRESENTE.”

INTRODUÇÃO (e não católico também, isto é, em terras


Mais que uma simples versão do Catecismo de missão), articulando-se em rede com
da Igreja Católica: assim pode ser definido o organismos do Vaticano, como a Pontifícia
Youcat, catecismo jovem da Igreja católica. Sua Comissão Bíblica, jovens missionários de
história nos ajuda a entender como ele põe todos os continentes, teólogos, educadores
em sintonia o desejo da Igreja de falar uma da juventude, catequistas, consagrados,
linguagem que atinja os mais jovens e o sacerdotes e, acima de tudo, muitos dons,
desejo dos mais jovens de encontrar alguns talentos e criatividade. Na Alemanha fica
rastros do sagrado na sociedade tecnológica a sede da Fundação Youcat, que é o centro
atual. Conheçamos um pouco da história dinamizador dos trabalhos em torno da
desses livros que abriram as portas da Igreja missão de levar o conhecimento da doutrina
para tantas pessoas diferentes e pertencentes ao maior número de jovens possível.
a geografias distintas. O Youcat conquistou rapidamente o
Após longa procura por conteúdos que público em termos de afeto, pois levou
comunicassem a essência do Catecismo da ao descobrimento de uma doutrina
Igreja Católica, uma sucessão de fatores que faz sentido no tempo presente e
favoráveis culminou no que é a Coleção – mais importante – dá sentido à vida.
Youcat atualmente. O catolicismo mostrado pelas páginas
A ideia original surgiu na Áustria, de cada livro da coleção é uma religião
quando, no lançamento do Compêndio do viva, pulsante, revolucionária, como é o
Catecismo da Igreja Católica, em setembro desejo das novas gerações, mas preserva
de 2006, uma mãe questionou o cardeal de seu patrimônio multimilenar e é fiel a
Viena, dom Christoph Schönborn, dizendo ele. Ademais, o Youcat comunica tudo
que aquele livro era inútil para explicar a fé isso com um dado que não dominamos
aos seus filhos e que estava decepcionada. completamente: nossa cultura é marcada
O editor do compêndio na versão austríaca, pela visualidade. Somos seres de imagem. Ao
Bernhard Meuser, e o cardeal se desculparam unir o elemento visual em sua comunicação,
com ela e reconheceram a grave lacuna. o Youcat também se conectou aos jovens
Tempos depois, um grupo foi reunido em que há tempos utilizam elementos como a
torno desse editor e deram início a um imagem, o corpo, a expressão artística e a
longo trabalho, com a participação ativa e inovação em suas intervenções nas mídias.
criativa de numerosos jovens de múltiplas Ele conseguiu lisonjear os jovens católicos
nacionalidades. Em 2010, era lançado o com uma comunicação que não apenas
Youcat. está antenada com o tempo atual, como
A ideia deu tão certo, que, a partir de também parece antecipar-se a ele. Há uma
um livro, se organizou uma estrutura com aura em torno desse conceito, como poderia
vinculações em todo o mundo católico conceituar a sociologia.

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Por isso, o Youcat é um recurso, em uma semana. Eles tinham entre 15 e 25
conexão direta com a realidade atual, que anos de idade. Essa equipe partilhava os
confere senso de pertença e ligação com textos do Catecismo da Igreja Católica, refletia
um passado imemorial diante de um mundo sobre eles, e os jovens iam apresentando
cada vez mais fragmentado. suas perguntas, para que fossem respondidas
Todo o cuidado que revestiu a criação numa linguagem que lhes fosse acessível.
da Coleção Youcat contou com o impulso Assim foram aqueles dois silenciosos anos
pessoal dos pontífices – primeiro Bento de elaboração do Youcat, um “catecismo
XVI, depois Francisco –, que assinaram jovem”, que inicialmente seria apenas de
pessoalmente os livros. A tendência é que Viena e de algumas dioceses da Alemanha.
o projeto continue sendo um instrumento Não havia a ideia de que Deus desejava ir
de evangelização a ser levado em conta mais longe.
pelas décadas seguintes, já que continua No final, o professor Manfred Lutz
existindo uma lacuna entre a vida eclesial apresentou o texto a três cardeais. Uma
e a juventude. coisa levou a outra. Deus conduzia todo
o processo, de modo que o projeto foi
1. POR QUE UM “BEST-SELLER” CATÓLICO1 finalmente parar nas mãos do papa Bento
Nos últimos quatro anos, o Youcat se XVI. Ele ficou encantado, porque encontrava
tornou um grande best-seller na literatura ali a resposta que buscava desde o pontificado
católica. Foi publicado em cinquenta países, de São João Paulo II, quando era então
com 32 traduções e mais de cinco milhões responsável pela elaboração do Catecismo da
de exemplares. Foi disponibilizado em Igreja Católica. Ele a buscava no silêncio da
alemão, inglês, francês, indonésio, italiano, sua oração.A resposta veio e o encantamento
croata, lituano, holandês, polonês, português, foi tão grande, que, nas suas férias de 2009,
eslovaco, esloveno, espanhol, tcheco, japonês, em Castel Gandolfo, Bento XVI prometeu
chinês, búlgaro, russo, árabe, coreano, catalão, escrever o prefácio e assim o fez, deixando
sorábio, romeno, húngaro, dinamarquês, o que hoje é chamado de “carta magna”
norueguês. do Youcat. Depois, quando o livro lhe foi
Sobre esse enorme sucesso do livro, uma apresentado oficialmente, em maio de
das autoras, Michaela Heereman, teóloga e 2010, ele pediu que os jovens peregrinos
jornalista, relatou que o cardeal de Viena, ganhassem de presente um exemplar na
Christoph Schönborn, e o editor alemão Jornada Mundial da Juventude de Madri,
Bernhard Meuser estavam pensando em em 2011. A Fundação Pontifícia Ajuda à
escrever um livro, um catecismo para os Igreja que Sofre prontamente o atendeu e
jovens, por terem encontrado dificuldades financiou setecentos mil exemplares.
em encontrar jovens interessados e capazes Sobre os direitos autorais e as traduções
de ler o Catecismo da Igreja Católica. Era do livro, hoje tudo é de responsabilidade da
preciso explicar o que eles não entendiam Fundação Youcat, cuja sede fica na Alemanha.
e responder às suas questões existenciais. De lá seus idealizadores buscam fazer do livro
Em dois verões seguidos (2006 e 2007), um pequeno serviço à Igreja na sua grande
foram feitas reuniões com os jovens, com necessidade de “nova evangelização”. Para
duração diária de seis a oito horas, durante tanto, contam com a ajuda, em cada país,
de um bispo ou de uma equipe local, que
Cf. https://jovensconectados.org.br/youcat-um-best-seller-catolico- assume a responsabilidade pela tradução. Os
1

50-paises-28-traducoes-e-mais-de-4-milhoes-de-exemplares.html.
Acesso em: 19 out. 2022. quatro autores decidiram não receber seus

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direitos autorais, a fim de colaborarem no 2. BÍBLIA JOVEM2
financiamento dos projetos da Fundação Com a intenção de aproximar os jovens
Youcat. O Youcat tem um design e um título da Bíblia, foi apresentada recentemente
universais. O conteúdo e a ilustração gráfica uma versão do Youcat dedicada ao estudo
são protegidos pelos direitos de autoria. da Sagrada Escritura.
Quando precisa ser traduzido, cada língua Idealizada pela Fundação Youcat, a Bíblia
tem sua própria tradução e adequação gráfica jovem é uma coletânea de trechos significativos
com base no documento original em alemão. que ajudam o jovem a se inspirar na Palavra
São necessárias, contudo, a adaptação e a de Deus. Cada livro bíblico é precedido por
revisão de um bispo local, como foi proposto breve introdução que contextualiza o texto.
pelo Vaticano. Esse livro da Coleção Youcat foi preparado,
Como livro, o ponto forte do Youcat e de durante três anos, por uma equipe de biblistas,
todos os demais livros dessa coleção é revelar doutores em Sagrada Escritura, membros da
aos jovens que a fé da Igreja é razoável. Hoje Comissão Teológica Internacional da Santa
vemos que, em diferentes lugares do mundo, Sé e professores do Pontifício Instituto
muitos estão fascinados ao ver que crer e Bíblico de Roma. Oferece exegese e
ser inteligente não são coisas opostas! Ao comentários sobre alguns dos textos da
contrário, fazem-nos mais belos, garantem- Bíblia, numa linguagem próxima aos jovens,
nos o céu. As reedições futuras da Coleção e segue a mesma linha do Youcat, trazendo
Youcat levarão em conta as questões que imagens da Terra Santa, fotos de paisagens
surgem com maior frequência na atualidade, bíblicas, indicações para o catecismo e Youcat,
para continuar a falar aos jovens sobre o que frases de santos e de grandes pensadores, as
está acontecendo agora. perguntas dos jovens e, é claro, as famosas
O Youcat é um garimpo que esconde figurinhas ao pé da página! O Youcat Bíblia
esse imenso tesouro.Vale a pena lançar-nos foi publicado em 2015 em alemão e já se
nessa aventura de descobertas da riqueza encontra publicado em dezenas de idiomas.
da nossa fé. A cada contato que os jovens No prefácio, o papa Francisco convida
têm com esse catecismo, cumpre-se o que todos os jovens a perseverar na leitura diária
o papa emérito Bento XVI nos disse no da Sagrada Escritura, para que ela não
prefácio: “este livro é cativante, porque fala permaneça relegada a mero enfeite numa
do nosso próprio destino, pelo que está estante. O papa oferece várias sugestões aos
profundamente próximo de cada um de jovens sobre como usá-la e, ao mesmo tempo,
nós”. E, porque nos cativou, sentimo-nos confidencia-nos como lê sua “velha Bíblia”:
“eternamente responsáveis” para que ele
também seja conhecido e manuseado por Meus queridos Jovens Amigos,
outros. Se vocês vissem minha Bíblia, talvez vocês
não ficariam de modo algum tocados. Di-
riam:“O quê? Esta é a Bíblia do papa? Um
“COMO LIVRO, O PONTO FORTE livro assim tão velho, tão usado?” Poderiam
DO YOUCAT E DE TODOS OS também me presentear com uma nova,
DEMAIS LIVROS DESSA COLEÇÃO quem sabe uma de 1.000 euros: não, não
gostaria. Amo minha velha Bíblia, aquela
É REVELAR AOS JOVENS QUE A
FÉ DA IGREJA É RAZOÁVEL.” 2
Cf. https://jovensconectados.org.br/youcat-biblia-a-biblia-jovem-
da-igreja-catolica.html. Acesso em: 19 out. 2022.

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que me acompanhou metade da minha
vida.Viu minhas alegrias, foi banhada pelas
minhas lágrimas: é meu inestimável te- Francisco, bispo
souro.Vivo dela e por nada no mundo eu de Roma, e a Igreja
faria menos dela. [...] Quero dizer uma particular
coisa a vocês: hoje, mais do que no início Dom Edson Oriolo
da Igreja, os cristãos são perseguidos; por
qual razão? São perseguidos porque usam
uma cruz e dão testemunho de Cristo;
são condenados porque possuem uma Bí-
blia. Evidentemente a Bíblia é um livro
extremamente perigoso, que causa tanto
risco que, em certos países, quem possui
uma Bíblia é tratado como se escondesse
no armário uma bomba! Mahatma Gan-
dhi, que não era cristão, uma vez disse:“A
vocês, cristãos, é confiado um texto que
tem em si uma quantidade de dinamite

Imagens meramente ilustrativas.


suficiente para fazer explodir em mil pe-
daços a civilização inteira, para colocar de
cabeça para baixo o mundo e levar a paz
120 págs.

CONFIRA
a um planeta devastado pela guerra. Mas a VERSÃO
tratam, porém, como se fosse simplesmente E-BOOK
uma obra literária, nada além disso”.
[...] Acolhamos o tesouro sublime da Pala-
vra revelada! Vocês têm nas mãos, portanto, O livro é fruto da preocupação
do autor, bispo da diocese de
algo de divino: um livro como fogo, um Leopoldina-MG, em entender
livro no qual Deus fala. Por isso, recordem- a Igreja como continuadora
-se: a Bíblia não foi feita para ser colocada da missão de Jesus Cristo e
em uma prateleira, mas para ser levada nas tem como objetivo principal
mãos, para ser lida frequentemente, a cada despertar a reflexão sobre a
dia, quer sozinhos quer acompanhados. importância da relação entre
Além disso, acompanhados vocês praticam o bispo de Roma e as Igrejas
esporte, vão ao shopping; por que então não particulares.
ler juntos, em dois, em três ou em quatro
a Bíblia? Quem sabe ao ar livre, mergu-
Aponte a câmera do
lhados na natureza, no bosque, na beira do seu celular e confira a
mar, de noite, à luz de velas... Vocês fariam degustação do livro!
uma experiência forte e envolvente. Ou,
quem sabe, vocês têm medo de parecerem
ridículos diante dos outros?
Vendas: (11) 3789-4000
Leiam com atenção. Não permaneçam na 0800-0164011
superfície, como se faz com histórias em
quadrinhos! A Palavra de Deus não pode paulus.com.br
ser lida com um passar de olhos! Antes,

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 37


“TRANSFORMAR A SOCIEDADE
COM A FORÇA DO EVANGELHO
SEMPRE FOI UM DESAFIO PARA
OS CRISTÃOS AO LONGO DA
HISTÓRIA, SOBRETUDO
AOS JOVENS.”

perguntem-se: “O que diz este texto ao contrários à nossa fé. O Docat é uma
meu coração? Por meio desta palavra, tradução popular da Doutrina Social da
Deus está me falando? Talvez esteja sus- Igreja católica, tal como foi desenvolvida
citando anseios, minha sede profunda? O em importantes documentos, desde o
que devo fazer?” Somente assim a Pala- papa Leão XIII até a atualidade. Trata-se
vra de Deus poderá mostrar toda a sua de uma adaptação ilustrada do Compêndio
força; somente assim nossa vida poderá da Doutrina Social da Igreja, com uma
transformar-se, tornando-se plena e bela. linguagem dialógica baseada em perguntas
Quero confidenciar a vocês como leio e respostas. O livro é um pequeno manual
minha velha Bíblia. Frequentemente a dos ensinamentos sociais da Igreja: DO vem
pego, a leio um pouco, depois a deixo de do verbo “fazer”, em inglês, enquanto CAT
lado e me deixo olhar pelo Senhor. Não vem de “catecismo”. Esse livro traz assuntos
sou eu que olho para ele, mas ele é que como amor, família, sociedade, o trabalho
olha para mim: Deus está realmente ali, humano, a pessoa humana, os princípios da
presente. Assim me deixo observar por Doutrina Social etc. Apresenta ainda um
ele e escuto – e não é um certo senti- desafio do papa Francisco, que sonha ver
mentalismo –, percebo, no mais profun- os jovens cristãos transformar o mundo
do de meu ser, aquilo que o Senhor me por meio da ação social e política, com
diz. Às vezes não fala: e então não ouço critérios enraizados nos ensinamentos do
nada, somente vazio, vazio, vazio... Mas, Evangelho: “Hoje vos convido a conhecer
paciente, permaneço lá e o espero assim, realmente a Doutrina Social da Igreja […].
lendo e rezando. Rezo sentado, porque Eu espero que um milhão de jovens, mais
me faz mal ficar de joelhos. Às vezes, re- ainda, que uma geração inteira, seja para seus
zando, até mesmo adormeço, mas não tem contemporâneos uma Doutrina Social em
problema: sou como um filho próximo movimento”.
ao seu pai, e isso é o que conta. Vocês Atualmente vivemos em uma sociedade
querem me deixar feliz? Leiam a Bíblia! que deixou de lado o amor ao próximo e
(Papa Francisco, prefácio da Bíblia jovem). a caridade para dar espaço à violência e à
vingança. Entretanto, a vocação humana é
3. DOCAT – DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA3 amar. O amor corresponde à mais profunda
Transformar a sociedade com a força essência do ser humano: ser amado e dar amor.
do Evangelho sempre foi um desafio para O amor é a regra de ouro que faz que estejamos
os cristãos ao longo da história, sobretudo abertos às necessidades do próximo. Portanto,
aos jovens, que muitas vezes se encontram exercite o amor ao próximo e ponha-o em
submersos em uma cultura e em valores prática. Siga o exemplo maravilhoso de Jesus,
que doou a vida para a remissão dos nossos
3
Cf. https://soucatequista.com.br/docat-como-agir.html. Acesso em:
pecados:“Amai-vos uns aos outros como eu
19 out. 2022. vos amei” (Jo 15,12).

38 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


4. AS DEMAIS OBRAS DA COLEÇÃO em duas partes: a primeira consiste em
um ritmo de oração, tendo orações para
4.1. Youcat – Preparação para a crisma rezar pela manhã e para rezar à noite para
Em muitas comunidades, o sacramento cada dia, durante duas semanas. Os dias da
da crisma não é o início de uma relação dos primeira semana são sobre temas da nossa
jovens com a Igreja, mas o fim. Pensando nisso, vida com Deus, os da segunda semana
Bernhard Meuser e Nils Baer elaboraram sobre temas da vida de Deus conosco.
o Youcat – curso para a crisma. Consiste em A segunda parte é uma compilação de
dois livros: um manual para os catequistas orações sobre vários temas e adequadas
e um livro de estudo para os crismandos. a várias intenções.
São organizados em doze capítulos, que
podem ser subdivididos em várias sessões 4.4. Youcat – Curso sobre a fé
de preparação para a crisma, conforme o O Youcat – Curso sobre a fé explica a essência
tempo disponível. Contêm também várias da fé católica em 26 capítulos divertidos e
sugestões de atividades, para diferentes níveis, encoraja a reflexão e a discussão sobre a
que o formador pode escolher conforme fé. Ele complementa o Youcat, mas também
seu grupo. pode ser lido sem seu “irmão mais velho”.
Oferece respostas profundas às perguntas
4.2. Youcat – Confissão mais interessantes e centrais da fé, desde “Por
Este livro foi preparado para ser um que há sofrimento?” até “Por que os cristãos
auxílio para o sacramento da reconciliação. são batizados?” e “Como Jesus nos ensina a
Por isso, sob o título original Confissão – rezar?” Os pontos centrais da fé são tratados
Sim, eu posso!, Rudolf Dinxbummz, um nesse volume de forma a despertar o interesse
dos colaboradores da obra, diz-nos que, de “todos os que anseiam pela beleza e
“para aqueles que ainda precisam de um luminosidade do Evangelho”. O percurso
pequeno empurrão, o livro tenta, com pode ser feito sozinho, mas incentiva-se a
explicações breves e concisas, mas também formação de grupos de estudos.
de forma descontraída e divertida, descrever
o caminho de volta para Deus por meio da 4.5. Youcat para crianças (catecismo
confissão”. para pais e crianças)
O Youcat para crianças é inspirador e facilita
4.3. Youcat – Orações para os jovens às crianças entre 8 e 12 anos de idade a
Apresenta uma seleção de orações para compreensão dos ensinamentos da Igreja
os jovens. Os organizadores, Georg von católica. Desenhos alegres as encorajam a
Lengerke (padre e professor da Ordem de explorar e fazer perguntas. Isso abre uma
Malta) e Dörte Schrömges (pedagoga social), conversa emocionante com as crianças sobre
explicam que Jesus, os sacramentos, a oração etc. Além
disso, há informações básicas e interessantes
este livro deverá ser uma ajuda para o para os pais e professores sobre as questões
caminho de oração de amizade com abordadas. O livro foi testado por vários anos
Deus. Estão aqui compiladas orações na prática, aprovado pela Congregação para a
antigas e novas. Temos nele orações da Doutrina da Fé e oficialmente publicado pela
Sagrada Escritura, de pessoas tementes a Conferência Episcopal Austríaca. Há também
Deus cujo nome ficou na história e de referências contínuas ao Youcat, no qual se
pessoas da atualidade. A obra divide-se encontram informações mais detalhadas.

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 39


ROTEIROS HOMILÉTICOS
Celso Loraschi*
Acesse também o programa
Palavra Viva pelo QR code
ao lado.

Cada um dos roteiros está acompanhado de códigos QR     que remetem para as plataformas digitais de
músicas     e       e trazem sugestões de cantos para a respectiva celebração. Ouça os álbuns
Paulus, de forma gratuita, nas principais plataformas de streaming.

2º DOMINGO DA QUARESMA passa por situações conflituosas.Timóteo é


5 de março encorajado a persistir no testemunho de Je-
sus Cristo, participando de seus sofrimentos
pela causa do Evangelho (II leitura). Neste
tempo propício de penitência e conversão,
somos convidados a ouvir o chamado que
Deus nos faz para ser santos; é tempo pro-
pício para aprofundar a vocação que dele
Transfiguração: a vida recebemos e discernir o que é essencial do
que triunfa sobre a morte que é ilusório.

I. INTRODUÇÃO GERAL II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS


Seguir a Deus é assumir atitude de per- 1. I leitura (Gn 12,1-4a)
manente êxodo. Abraão, nosso pai na fé, A Bíblia nos apresenta a figura de Abraão
foi chamado por Deus a pôr-se a caminho como o pai do povo de Israel. Sua fé e
para a Terra Prometida. Foi provocado a confiança em Deus tornam-se a principal
deixar as seguranças para entrar na dinâ- herança para as futuras gerações. Abraão é
mica do plano de amor de Deus, visando representativo de grupos seminômades, que,
a uma “terra sem males”, uma sociedade por natureza, não se submetem à dominação
de justiça e paz. Obedecendo ao chamado do poder político, como o exercido naquela
divino, Abraão e sua família tornaram-se época (em torno de 1500 a.C.) pelas cida-
portadores da bênção divina para todo o des-Estado. São caminhantes, sempre em
povo (I leitura). O cristão, continuamente, busca de terra fértil que proporcione pasta-
corre o risco de equivocar-se a respeito de gens para a sobrevivência dos seus rebanhos
Jesus e de sua proposta. Como Pedro no e, consequentemente, de suas famílias e clãs.
episódio da transfiguração, tende a construir A experiência que Abraão possui de
o “ninho” de proteção e de bem-estar, ne- Deus está intimamente ligada ao estilo de
gligenciando as implicâncias do seguimento vida dos pastores. A garantia da terra e o
de Jesus no caminho da cruz e da morte senso de liberdade são fundamentais. A pre-
(Evangelho). É bom prestar atenção nos sença de Deus se dá onde se encontram
conselhos de Paulo a Timóteo: são expres- as famílias. Ele caminha com os pastores,
sões de amor e de solidariedade a quem conduz seus passos e lhes dá a terra de

*Celso Loraschi é mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos.

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que necessitam. A terra é promessa e dom à Palavra não pode sucumbir às dificuldades
de Deus, porém é necessário que Abraão nem manifestar-se timidamente.A tribulação
esteja disposto a romper com as seguranças é inerente ao anúncio do Evangelho, quando
que impedem a caminhada na direção que feito com autenticidade. Como aconteceu
Deus lhe aponta. com Jesus, também acontece com seus dis-
Confiar no Deus da promessa é ter a cípulos. Nessa mesma carta, encontramos o
certeza de um mundo sem exploração e sem alerta: “Todos os que quiserem viver com
fome. Essa promessa é motivadora para os piedade em Cristo Jesus serão perseguidos”
movimentos populares, especialmente em (3,12).
época de opressão, como aquela exercida A confiança plena na graça de Deus deve
pelo Egito e, posteriormente, pela monar- ser característica da pessoa que evangeliza.
quia israelita. Abraão torna-se a “memória Deus nos salvou gratuitamente em Jesus
perigosa” que desacomoda os oprimidos, Cristo. Ele nos chama com uma santa vo-
proporcionando-lhes inspiração para a re- cação para servi-lo e amá-lo. A santidade
sistência e a mobilização em vista de uma nos faz andar cotidianamente na intimidade
nova sociedade. divina, como o fez Jesus. A pessoa santa é
portadora da graça e irradiadora da Boa No-
2. II leitura (2Tm 1,8b-10) tícia de Jesus, o Salvador, que venceu a morte
A segunda carta a Timóteo faz parte dos e fez brilhar a vida. A missão de Timóteo e
textos tradicionalmente conhecidos como de toda pessoa seguidora de Jesus é anun-
“cartas pastorais” (junto com 1Tm e Tt). São ciar, de modo permanente e corajoso, esse
dirigidas aos animadores de Igrejas cristãs, projeto salvador de Deus, concebido desde
num tom pessoal. Os autores atribuem essas toda a eternidade e revelado plenamente
cartas a Paulo. Foram escritas algum tempo em Jesus Cristo.
depois da morte do apóstolo, no intuito de
iluminar e fortalecer a missão desses “pas- 3. Evangelho (Mt 17,1-9)
tores” junto às comunidades. A narrativa da transfiguração de Jesus está
Timóteo havia sido um companheiro de permeada de elementos simbólicos teolo-
Paulo. Participou da segunda e terceira via- gicamente muito significativos.Vemos Jesus
gens missionárias. Era pessoa de confiança e subindo à montanha com Pedro, Tiago e
dedicada à evangelização. Paulo podia contar João. Todos participam de uma experiência
com ele para enviá-lo às comunidades a fim mística inédita. Moisés e Elias também se
de levar instruções e animar a fé dos cristãos. fazem presentes e dialogam com Jesus.
Após a morte de Paulo, continuou a missão Lembremos, especialmente, que a co-
de ministro da Palavra, revelando-se impor- munidade de Mateus é formada de judeus
tante liderança. A tradição o venera como que vivem a fé cristã. Portanto, é importante
bispo de Éfeso. Etimologicamente,Timóteo que a tradição judaica seja respeitada e apro-
significa “aquele que honra a Deus”. fundada, agora em novo contexto. Assim, a
O texto da II leitura deste domingo indi- montanha tem um significado especial de
ca uma situação difícil pela qual está passando manifestação de Deus. Basta lembrar o dom
Timóteo. O intuito é confortá-lo e animá-lo da Lei de Deus a Moisés no monte Sinai.
à perseverança.Timóteo é convidado a par- Assim também a expressão “seis dias depois”,
ticipar solidariamente dos sofrimentos pelos bem como a presença da nuvem. Lemos em
quais Paulo também passou por causa do Ex 24,16:“Quando Moisés subiu ao monte,
Evangelho. Quem assumiu a missão de servir a nuvem cobriu o monte.A glória do Senhor

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pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Portanto,
cobriu durante seis dias”. Como vemos, há os discípulos deverão compreender que o
íntima relação entre a transfiguração de Jesus caminho para o seguimento de Jesus, Servo
e a experiência religiosa de Moisés. É um de Deus, implica “descer da montanha” e
momento extraordinário de manifestação assumir as consequências, conforme o tes-
divina. Moisés e Elias representam a Lei e os temunho do Mestre. Porém esse não é um
Profetas, caminho que aponta para o Messias. caminho derrotista. A vida triunfa sobre a
Jesus é o cumprimento da promessa do Pai morte. A glória de Deus se manifestará ple-
revelada na Sagrada Escritura. namente na ressurreição. A transfiguração é
Podemos considerar como centro dessa um sinal antecipado da realidade da Páscoa.
narrativa a declaração de Deus:“Este é meu
Filho amado, nele está meu pleno agrado: III. PISTAS PARA REFLEXÃO
escutai-o!” Essa voz que vem do céu, decla- – Pôr-nos à disposição de Deus.As leituras
rando a filiação divina de Jesus, também se deste domingo nos apontam a dinâmica do
fez ouvir no seu batismo (Mt 3,17). É, sem projeto libertador de Deus: deixar as seguranças
dúvida, a confissão de fé da comunidade que nos engessam para nos pormos a caminho
cristã, representada nesse momento por Pe- da terra que ele deseja para a humanidade. A
dro, Tiago e João. De fato, os discípulos, no exemplo de Abraão e sua família, nós também
barco, reconhecem Jesus caminhando sobre podemos assumir a fé e a total confiança em
as águas e salvando Pedro de sua fraqueza Deus, que sustenta e guia nossos passos na ver-
de fé: “Verdadeiramente, tu és o Filho de dade, na justiça e no amor. Essa é a melhor he-
Deus” (Mt 14,33). Na ocasião em que Jesus rança que podemos deixar às futuras gerações.
pergunta o que dizem dele, Pedro responde: – Assumir a missão de evangelizar.Timóteo,
“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt “aquele que honra a Deus”, assumiu a missão
16,16). É no momento da morte de Jesus de anunciar o Evangelho de forma corajosa
que o centurião e os guardas declaram:“De e perseverante mesmo nas situações difíceis;
fato, esse era Filho de Deus” (Mt 27,54). também nós podemos ser anunciadores da
O anúncio da verdade sobre Jesus não foi Boa Notícia de Jesus em nossas famílias, na
feito aos que detinham o poder político ou comunidade e na sociedade. Isso acontece pela
religioso. Também não foi feito em algum coerência entre fé e vida, pelo testemunho de
centro ou instituição importante. Dirigiu-se, doação alegre, também pela constância no tes-
sim, a um grupo de gente simples, num lugar temunho de diálogo e de fraternidade. Assim,
social periférico. estaremos respondendo à “santa vocação” a
O imperativo “escutai-o” enfatiza a per- que fomos chamados pela bondade de Deus.
feita relação entre a profissão de fé em Jesus – A vida é permanente caminhar. Jesus foi a
como “Filho de Deus” e a atenção cuidadosa grande manifestação de Deus para a humanida-
ao seu ensinamento. O elemento fundamen- de. Pedro,Tiago e João foram agraciados com
tal do ensino de Jesus é que ele terá de passar uma experiência maravilhosa, participando da
pelo sofrimento e pela morte, na perspectiva transfiguração de Jesus.Também em nossa vida,
do “Servo sofredor” anunciado pelo profeta Deus nos concede momentos de muita luz,
Isaías (Is 42,1-9). Não é por acaso que Ma- consolo e força. Tendemos, porém, a buscar
teus insere o relato da transfiguração logo o que nos garante bem-estar, prazeres, sensa-
após o primeiro anúncio de sua paixão e ções agradáveis e nos acomodar a essas coisas...
morte e o convite ao discipulado:“Se alguém Não podemos esquecer que seguir Jesus im-
quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome plica “descer da montanha” do egoísmo e da

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acomodação. Seguir Jesus é entregar-nos pela
causa da vida digna sem exclusão, alicerçada na
justiça e na igualdade. Para isso, conforme nos Em que posso ajudar?
convoca a Campanha da Fraternidade, faz-se Vida e pensamento de
necessário o cuidado com a dignidade de todos dom Luciano Pedro
os seres humanos, especialmente aqueles que Mendes de Almeida
sofrem sob a fome e a insegurança alimentar.
Darci Fernandes Leão
3º DOMINGO DA QUARESMA
12 de março

Adoração em espírito e verdade

Imagens meramente ilustrativas.


I. INTRODUÇÃO GERAL
Deus é a fonte de todos os bens. Acom-
panha com carinho seus filhos e filhas na ca-
432 págs.

minhada desta vida. Fornece-lhes alimento e CONFIRA


força a fim de que seu projeto de vida digna VERSÃO
E-BOOK
para todos se realize no mundo. É preciso
caminhar com a certeza de conquistar a terra
prometida por Deus, onde a justiça e a paz Esta obra tem por finalidade
se abraçam. O povo de Deus não pode cair mostrar que dom Luciano Pedro
Mendes de Almeida nos deixou,
na tentação de voltar atrás e acomodar-se a
por sua vida, pensamento
sistemas que exploram e matam. Deus cami- e testemunho, um legado
nha com seu povo e o liberta das opressões. genuinamente cristão. Nesse
Os conflitos e as dificuldades fazem parte sentido, conhecer um pouco
do processo de construção de um mundo de seu pensamento e de sua
novo (I leitura). Jesus é “Deus-conosco”, a vida pode nos estimular para a
água viva que sacia nossa sede de plenitude. beleza do seguimento de Jesus.
Ele nos ensina o caminho de superação dos
legalismos e nacionalismos que dificultam
Aponte a câmera do
a aproximação e o diálogo entre pessoas e seu celular e confira a
povos. Proporciona-nos a possibilidade de degustação do livro!
reconhecer o rosto de Deus nas tradições
e culturas diversas e, assim, adorá-lo “em
espírito e verdade” (Evangelho). São Paulo,
Vendas: (11) 3789-4000
na carta aos Romanos, demonstra que a fé 0800-0164011
em Deus torna a pessoa justa. Isso aconte-
ce por meio de Jesus Cristo, que entregou paulus.com.br
sua vida por amor a todos nós, pecadores

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(II leitura). Por ele, caminhamos na esperan- solucionar com os recursos inventados pela
ça que não decepciona, pois ele nos salvou lógica humana. Com efeito, somente a fé em
gratuitamente. Deus possibilita as verdadeiras soluções, que
garantem vida a todos os povos. Somente a
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS certeza de sua presença viva faz que a história
1. I leitura (Ex 17,3-7) humana se torne história de libertação. Deus
O povo de Israel caminha pelo deserto, é fonte de vida. É generosamente providente:
em processo de libertação da escravidão oferece gratuitamente todos os recursos ne-
do Egito. O tempo passa, as dificuldades cessários à vida de seus filhos e filhas.
aumentam. O entusiasmo dos primeiros
momentos do êxodo dá lugar a reclama- 2. Evangelho (Jo 4,5-42)
ções. Aparece a tentação do desânimo e Como sabemos, os samaritanos eram
do desejo de voltar ao regime anterior. De considerados inimigos históricos dos judeus.
fato, a água é elemento essencial para a so- Eram um povo de raça mista e possuíam
brevivência do povo. Como não reclamar outra concepção religiosa. Para um judeu,
numa situação dessas? ser chamado de “samaritano” era enorme
O povo põe-se na dependência da lide- ofensa. A origem dessa hostilidade remonta
rança. Joga as dificuldades aos pés de Moisés ao tempo da invasão assíria no Reino do
e o condena por tirá-los do Egito. Moisés Norte, em 722 a.C., quando a cidade de
poderia argumentar que ninguém os obri- Samaria foi destruída e boa parte da popu-
gou a sair de lá. Porém não os condena e lação deportada. A região foi povoada por
dirige-se a Deus para expor-lhe o problema colonos assírios, que se casaram com hebreus.
que os aflige. Deus sempre ouve a oração, Mais tarde, no período pós-exílico, o sistema
quando acompanhada do empenho pelo religioso do templo de Jerusalém excluiu os
bem comum. Junto com as demais lideran- samaritanos.
ças (os anciãos), Moisés testemunha a ação Jesus passa pela região de Samaria, na
gratuita de Deus em favor dos que mur- cidade de Sicar (antiga Siquém), onde fora
muram. Estes estão em processo de apren- enterrado Josué, o sucessor de Moisés. Jesus
dizagem. Ao chegarem à Terra Prometida, está fatigado e senta-se à beira do poço que
organizados em tribos, saberão instituir uma havia sido do patriarca Jacó. Na tradição ju-
sociedade nova e administrá-la de forma daica, o poço representa a garantia da água
participativa e corresponsável. oferecida por Deus ao povo, como a água
A vida itinerante caracteriza-se por in- jorrada da rocha durante o êxodo. O poço é
seguranças, perigos, cansaços... A formação figura do culto e da Lei judaica, cuja autoria
do povo de Israel deu-se num processo de era atribuída a Moisés. Da observância da Lei
caminhada, de tensões entre grupos e de e do culto brotava a água viva da Sabedoria.
descoberta de princípios orientadores para A ideia dominante era que o poço da água
uma convivência pacífica. A utopia da Terra viva era o próprio templo de Jerusalém.
Prometida conservou-lhe a resistência e o Jesus está em caminhada. Chega ao local
ânimo para caminhar. Isso seria impossível do poço à “sexta hora”, o que correspon-
sem a fé na Providência divina. de ao meio-dia. É a mesma hora em que
A rocha representa a impossibilidade ra- vai ser condenado à morte (Jo 19,14). É
dical do ser humano de encontrar, por si só, o final de sua caminhada. Com sua mor-
saídas para suas crises e problemas de toda te, Jesus se torna o Caminho para todos os
ordem. É a ilusão de achar que tudo se pode que o seguem. Ao sentar-se no poço, está,

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na verdade, revelando que ele mesmo é o Lei. Percebe-se que, mesmo no interior da
poço da água viva. Toma o lugar da Lei, do comunidade cristã, há pessoas de origem
culto, do templo... João vai dizer que Jesus, judaica apegadas à tradição legalista e com
ao morrer, será traspassado por uma lança e dificuldades de aceitar a doutrina da graça
do seu lado sairão sangue e água (Jo 19,34). divina.
A mulher representa o povo samaritano A partir do capítulo 5, vemos Paulo de-
com sua tradição religiosa. Seus “cinco ma- bruçado sobre os traços que caracterizam
ridos” são uma referência aos cinco deuses uma pessoa que, pela fé em Jesus Cristo sal-
cultuados pelos antepassados (2Rs 17,29-32). vador, passou a ser nova criatura. Ele parte da
Jesus oferece à mulher o verdadeiro culto, que certeza de que fomos justificados pela fé, de
é ele próprio. De fato, quem toma a iniciativa forma definitiva.Aceitar essa verdade é entrar
do diálogo é o próprio Jesus, que pede água. numa nova condição humana, conferida pela
Corresponde à atitude do próprio Deus da graça de Deus. O primeiro efeito desta é a
Aliança, que sempre busca seu povo, apesar de paz com Deus. Podemos viver agora perma-
suas infidelidades.A samaritana (o povo impu- nentemente sob abundantes bênçãos divinas.
ro e marginalizado), não os líderes religiosos É um estado de bem-estar e alegria. A graça
de Jerusalém, reconhece Jesus como o Messias, nos confere inteireza pessoal e capacidade
fonte de onde jorra água para a vida eterna. de relacionamento fraterno com o próximo.
A grande novidade de Jesus é a proposta A paz que provém da fé e é graça de
de total mudança de mentalidade com rela- Deus, concedida plenamente em Jesus Cristo,
ção a Deus: ele o chama de Pai. E, como Pai também nos liberta do medo da condenação.
de todos, não necessita de um lugar deter- Aproxima-nos de Deus de tal modo, que
minado para ser cultuado: nem em Samaria, podemos amá-lo e glorificá-lo em tudo o
nem em Jerusalém. A mudança de menta- que somos e fazemos. Portanto, o estado de
lidade também significa entrar numa nova graça nos conserva na harmonia com nós
relação com o próximo, a qual derrubará as mesmos, com os outros, com a natureza e
barreiras entre judeus e samaritanos. Ambos com Deus. O ser humano, assim, está reves-
os povos poderão adorar a Deus já não com tido de imortalidade já nesta vida mortal.
rituais fixados pela rigidez legalista, mas “em O pecado já não tem poder sobre a graça.
espírito e verdade”. A inimizade com Deus foi definitivamente
Sendo a fonte de todo amor e de toda derrubada pela reconciliação que Jesus, me-
vida, Pai de todos os povos, Deus deseja ser diante sua morte, trouxe à humanidade pe-
adorado de modo verdadeiro, em todos os cadora. Essa regeneração do gênero humano
lugares. Ele busca pessoas que o adorem com o torna capaz de viver na vontade divina, na
lealdade. Jesus, o Filho, viveu o amor desta certeza da realização plena.Vivemos, então,
maneira: na fidelidade ao Pai, deixou-se con- na esperança que não decepciona. Ela firma
duzir pelo Espírito da Verdade. Do coração nossos passos e não nos deixa na confusão,
de todos os que seguem Jesus brotam rios de nem na dispersão, nem na timidez, nem no
água viva, pois saberão amar como ele amou. desapontamento. Ela se alicerça na certeza
do amor sem limites de Deus, derramado
3. II leitura (Rm 5,1-2.5-8) em nosso coração pelo Espírito Santo, e não
Paulo, nos capítulos anteriores ao texto por meritocracia.Tanto judeus como gentios
da liturgia deste domingo, procurou con- recebem o dom da reconciliação e da paz.
vencer os judeus de que a justificação se O amor de Deus derramado sobre todos os
dá pela fé, sem a necessidade das obras da povos é força ativa, capaz de mudar o mundo.

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III. PISTAS PARA REFLEXÃO meditação da Palavra de Deus, da oração pes-
– Deus liberta o povo da escravidão do soal, familiar e comunitária, da contemplação,
Egito. Caminha com ele pelo deserto. Mesmo do cuidado e da promoção dos direitos comuns.
quando o povo se queixa e duvida da presença
de Deus, este não o condena nem o abandona. 4º DOMINGO DA QUARESMA
Ouve a oração de Moisés e das outras lideranças 19 de março
e faz nascer água da rocha. Sacia a sede do povo
para que este não desanime na caminhada para
a Terra Prometida. Essa caminhada de quarenta
anos é lembrada pela Igreja, de modo especial,
neste tempo da Quaresma. É preciso caminhar
com perseverança, confiando na presença de
Deus. Ele ouve nossas preces, perdoa-nos e A luz que vem de Deus
nos acompanha na caminhada de nossa vida.
É tempo de superar os queixumes e arregaçar I. INTRODUÇÃO GERAL
as mangas para que a terra que Deus nos deu Os textos bíblicos deste domingo refle-
seja realmente a casa de todos, conforme nos tem sobre a luz divina que se manifesta na
interpela a Campanha da Fraternidade, sem história humana. Deus se revela ao mundo
que ninguém passe fome ou viva situações de de modo original e surpreendente. É sobe-
insegurança alimentar. rano em suas decisões e não se deixa levar
– Jesus tomou a iniciativa de ir ao encontro pelas aparências. Nas pessoas pobres e frágeis,
dos samaritanos, inimigos dos judeus. Estabele- ele manifesta a grandeza de seu amor. Esco-
ce um diálogo com a mulher, representante do lhe Davi, um humilde pastor, para governar
povo da região de Samaria. Do diálogo nasce seu povo com justiça (I leitura). Deus envia
a mútua compreensão. Por meio do diálogo, seu Filho ao mundo como expressão máxi-
Jesus se revela: ele é a fonte de água viva. Para ma de sua bondade. Jesus solidariza-se com
manter a intimidade com Jesus, bebemos de as pessoas necessitadas e oferece-lhes vida
sua Palavra e nos alimentamos de seu corpo saudável e íntegra: cura a cegueira, liberta
na Eucaristia.Além de nos saciar, tornamo-nos o ser humano de toda espécie de opressão
fonte de água viva. Como fez a samaritana, tor- e ilumina o caminho dos que se encontram
namo-nos discípulos missionários, portadores desorientados (Evangelho). O texto da carta
da Boa Notícia da salvação de Deus para todos. aos Efésios incentiva a comunidade cristã
– Uma vez reconciliados com Deus, é im- a viver como filhos da luz, renunciando às
possível não irradiar seu amor. Assim fez São obras próprias das trevas e praticando coti-
Paulo, a ponto de entregar-se totalmente como dianamente a bondade, a justiça e a verdade
ministro da reconciliação. Muitos caminhos (II leitura). Deus é luz. Portanto, quem vive
que o mundo moderno nos oferece dificultam em Deus se torna uma pessoa iluminada: é
a compreensão e a acolhida da graça divina e autêntica e livre, pois nada tem a esconder
a paz entre pessoas e povos.Vivemos disper- ou de que se envergonhar.
sos, divididos, confusos, inseguros, apegados
aos bens materiais, à fama, ao que nos satisfaz II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
momentaneamente... Somente a paz que vem 1. I leitura (1Sm 16,1b.6-7.10-13a)
do amor de Deus é capaz de construir a família Na tradição bíblica, Davi é um dos perso-
humana e nos realizar verdadeiramente. Para nagens mais lembrados pelo povo. Ao redor
isso, precisamos resgatar o valor do silêncio, da de seu nome, criou-se verdadeiro movimento.

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É a figura do governante “segundo o coração
de Deus”, rei que segue a justiça e não despre-
za os pobres. A primeira leitura deste 4º do-
mingo da Quaresma narra a eleição de Davi. São Romero dos
Samuel foi um dos últimos juízes de Is- direitos humanos
rael. Viveu a fase conflituosa de transição
entre o tribalismo e a monarquia. É um Luis Aranguren Gonzalo
homem de Deus. Sofre muito quando o
povo pede a mudança de regime (1Sm 8).
Conforme o mandato divino, busca reco-
nhecer, entre vários irmãos, qual seria o es-
colhido para governar o povo. Após analisar
os sete filhos de Jessé, Samuel declara que
nenhum deles havia sido chamado por Deus.
O menor deles, ausente por estar cuidando
do rebanho, é o eleito. A unção é o meio
pelo qual se confere uma missão sagrada. É

Imagens meramente ilustrativas.


significativa a transmissão do cargo realiza-
da por Samuel. Tendo a função de juiz de
216 págs.

Israel, transmite a Davi o que ele próprio CONFIRA


considera ser a vontade divina. O governo VERSÃO
E-BOOK
deve ser realizado sob a autoridade de Deus.
A eleição de Davi é uma narrativa po-
O objetivo deste livro é apresentar
pular que transmite importante conteúdo a figura humana e profética de
teológico e sociológico. Deus não se deixa dom Romero, trazendo seu legado
conduzir pelas aparências. Ele conhece o para nosso tempo atual, no qual
coração de cada pessoa e, por isso, chama os direitos humanos e sociais
os que se encontram em último lugar para continuam a ser sistematicamente
realizar seu plano na história. Como dirá pisoteados. Com uma linguagem
dinâmica, simples e atual, a obra
Jesus:“Muitos dos primeiros serão últimos, e dirige-se a educadores, ativistas,
muitos dos últimos, primeiros” (Mt 19,30). voluntários e a todas as pessoas
Sociologicamente, é um texto de denúncia que buscam, de alguma forma,
do poder monárquico e de valorização dos transformar a realidade em que
caminhos alternativos que emergem com a vivem.
mobilização dos pequenos e marginalizados.
Aponte a câmera do
2. Evangelho (Jo 9,1-41) seu celular e confira a
O Evangelho de João aprofunda a identi- degustação do livro!
dade de Jesus, narrando sete sinais. Um deles
é a cura de um cego de nascença. Esse sinal
reflete o debate existente nas comunidades
Vendas: (11) 3789-4000
joaninas entre os cristãos e o grupo de judeus 0800-0164011
apegados ao legalismo religioso. Conforme
podemos perceber no texto, a cegueira era paulus.com.br
considerada um castigo divino, seja pelos

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pecados da pessoa, seja pelos de seus ante- já não oprimido pelo legalismo dos fariseus
passados. Um dos agravantes muito sérios para e também já não dependente de seus pais,
o cego era seu impedimento de ler a Sagrada representativos da tradição, que buscava “se-
Escritura e estudar a Lei, sendo, por isso, con- gurar”, sob sua guarda, os filhos de Israel. A
siderado um ignorante da vontade de Deus. conquista da visão verdadeira passa por pro-
Segundo o mesmo Evangelho de João, cessos de conflitos e crises, pois mexe com as
Jesus veio “para que todos tenham vida, e concepções dominantes. Uma pessoa livre,
vida em abundância” (Jo 10,10). Sua prática conduzida por profundas convicções, tor-
não está atrelada à ideologia da pureza dos na-se ameaça para o poder constituído, pois
líderes religiosos judaicos. Ele conhece suas este procura impor “obrigações”, mantendo
intenções e seus interesses:“São cegos guiando a consciência do povo alienada.
outros cegos” (Mt 15,14). Diante da pergunta O cego de nascença, junto com a recu-
sobre “quem pecou”, Jesus procura “abrir os peração da vista, recebe de Jesus o dom da
olhos” dos próprios discípulos, pois também fé e torna-se seu discípulo. O relato de sua
eles estão contaminados com a ideologia dos cura emprega, várias vezes, o verbo “nascer”.
doutores da Lei. Em vez de achar um culpado, Demonstra íntima ligação com o episódio
Jesus põe a situação da cegueira em relação do encontro de Nicodemos com Jesus, que
direta com o plano de Deus, que resgata a lhe indica o caminho do “novo nascimento”.
dignidade do ser humano.As “obras de Deus” Podemos, então, discernir em que consiste a
são realizadas agora por Jesus, a Luz do mundo. recuperação da verdadeira visão: é renascer, pela
Acontece em Jesus o que foi anunciado pelo fé, acolhendo a Jesus e deixando-se conduzir
profeta Isaías, quando este se referiu ao “Servo pela sua palavra:“Se permanecerdes na minha
de Javé” como “luz das nações” (Is 49,6). palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos,
Jesus, em caminhada, vê o cego de nas- e conhecereis a verdade e a verdade vos liber-
cença e toma a iniciativa de curá-lo. Ele o tará” (Jo 8,32).A tradição cristã vai interpretar
faz por meio da junção de dois elementos: a o ato de lavar-se na piscina de Siloé como
terra e a saliva. Formam o barro, que lembra símbolo da regeneração cristã pelo batismo.
a criação do ser humano, conforme descreve
o livro do Gênesis:“Deus modelou o homem 3. II leitura (Ef 5,8-14)
do barro” (Gn 2,7). A ação de Jesus visa São Paulo, em seus escritos, dedica-se, de
recriar a pessoa, oferecendo-lhe nova vida. modo muito especial, à tarefa de aprofundar a
Conforme o pensamento da época, a saliva vida nova que provém da fé em Jesus Cristo.
transmite a energia vital da pessoa. Portanto, O texto da carta aos Efésios é reflexo dessa
a energia divina de Jesus possibilita a cura. teologia paulina. Demonstra a preocupação
A graça divina, porém, não exclui o empe- de manter a comunidade cristã no caminho
nho humano.A cura e a libertação que Deus do amor, “do mesmo modo como Cristo
oferece não se dão de modo mágico. O cego amou e se entregou por nós a Deus” (Ef 5,1).
deverá seguir a palavra de Jesus e lavar-se na Existem dois caminhos: o das trevas e o da
piscina de Siloé, que significa “Enviado”. É luz. O caminho das trevas era bem conhecido
convidado a aceitar livremente a luz que Jesus pelos cristãos de Éfeso. Pelo que se constata ao
lhe oferece. Seguir o caminho apontado por ler o texto, muitos deles, antes de sua adesão
Jesus significa entrar no processo de conquista a Jesus Cristo, experimentaram um modo de
de liberdade e autonomia. De fato, o cego viver alicerçado no egoísmo, na avareza, na
recuperará a visão e também a capacidade de fornicação e em outras coisas vergonhosas
pronunciar livremente as próprias palavras, que expressam uma vida nas “trevas”.

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O caminho da luz se manifesta por uma vai além do sentido físico. É libertação das in-
vida em Cristo. Ele não só andou como fi- fluências das ideologias dominantes. Somos
lho da luz, mas revelou-se a Luz verdadeira. cegos quando entramos no jogo da ambição
Não somente assumiu atitudes de amor, mas de poder e deixamos de servir humildemente o
é a essência do amor. A pessoa unida a ele próximo; quando nos consideramos superiores
também é filha da luz: sabe discernir “o que aos outros e quebramos a fraternidade; quando
é agradável ao Senhor” e produz “frutos de acumulamos para nós mesmos o que Deus ofe-
bondade, justiça e verdade”. Quem se decide receu para a vida de todos... Jesus curou o cego
a seguir Jesus não só rompe com as “obras misturando sua saliva com a terra. A terra que
infrutuosas das trevas”, como também exerce Deus nos deu é sagrada, manifesta sua bondade,
a função profética de denúncia dessas obras. O oferece recursos para uma vida saudável. Pode-
que é mau e feito às ocultas deve ser trazido mos ampliar esse sentido, estabelecendo relações
à luz, a fim de que se torne manifesto ao com o tema da CF:“Fraternidade e fome”.
público e seja corrigido para o bem de todos. – Viver como filhos da luz. Deus nos con-
Quem segue Jesus jamais pode ser cúmplice cede a liberdade de escolha: caminhar na luz
da maldade, da corrupção, da mentira... ou nas trevas. São bem conhecidas as obras das
Jesus nos fez participantes da sua própria trevas: corrupção, mentira, violência, hedonis-
natureza divina. Portanto, tal como viveu Je- mo e tudo o que prejudica o ser humano e
sus – a Luz de Deus no mundo –, também a natureza. É tempo de revisão de vida e de
nós temos a graça de viver de modo que a luz conversão: Deus nos oferece a oportunidade
divina brilhe no mundo por meio da intei- de sair das trevas para a luz. O discípulo missio-
reza do nosso ser e da retidão do nosso agir. nário de Jesus escolhe o caminho da verdade,
da justiça e da bondade; assume o risco de
III. PISTAS PARA REFLEXÃO ser autêntico e se empenha na construção de
–Viver na luz de Deus é o tema central das outro mundo possível.
leituras deste domingo. No relato da eleição de
Davi, conforme o primeiro livro de Samuel, 5º DOMINGO DA QUARESMA
vemos que Deus chama as pessoas não com 26 de março
base nas aparências. Ele não segue o padrão do-
minante da sociedade.A unção de Davi aponta
para nosso batismo. Fomos ungidos: revestidos
de Cristo. Fomos eleitos por Deus, que con-
cede a cada um de nós uma missão, segundo
os diferentes dons. Deus quis contar com Davi
para que assumisse a missão de servir o povo O Espírito de ressurreição
como um governante justo. É uma indicação e de vida
muito importante para quem assume cargos
de responsabilidade social. Deus conta conosco I. INTRODUÇÃO GERAL
para levar adiante seu plano de amor e justiça Deus se revela por meio da palavra proféti-
no mundo. Ele é a Luz que brilha nas trevas.A ca. Na primeira leitura, Ezequiel anuncia vida
salvação que ele oferece à humanidade depende nova para os que se encontram sem esperança,
da resposta que damos ao seu chamado. no túmulo do exílio da Babilônia. Deus ama
– Jesus é a Luz do mundo. Caminhou neste prioritariamente o povo em situação de sofri-
mundo fazendo o bem, curando as pessoas e mento. Está junto aos exilados e promete-lhes
dissipando as trevas.A cura do cego de nascença a volta à terra de Israel, devolvendo-lhes a

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liberdade. O dom do Espírito de Deus re- estrangeiro será quebrado, e o povo disperso
vigora o coração do povo e lhe suscita vida (parecendo ossos secos espalhados num vale)
(I leitura). A revelação plena de Deus se dá poderá voltar a se reunir em sua própria terra,
na pessoa de seu Filho, Jesus. Ele é o cami- onde habitará com segurança. Isso aconte-
nho da vida por excelência. Pelo relato da cerá pela intervenção gratuita de Deus. Ele
ressurreição de Lázaro, a comunidade cristã desperta para a vida os que se encontram em
afirma que Jesus é a ressurreição. Quem vive situação de morte. Faz sair os esqueletos dos
e crê nele jamais morrerá (Evangelho). Deus seus túmulos. Reanima os “cadáveres ambu-
se revela também por meio do testemunho lantes”. Seu Espírito penetra nos corpos sem
dos seguidores de Jesus, como o de Paulo. vida. O povo disperso e abandonado toma
Escrevendo aos romanos, orienta-os para uma consciência de que é amado por Deus e, por
vida nova, proveniente da fé em Jesus Cristo. isso, descobre ser capaz de mobilizar-se para
É a vida no Espírito. Este habita cada pessoa e a reconquista da terra de liberdade.
suscita vida aos corpos mortais (II leitura). Os
três textos enfatizam a vitória da vida sobre 2. Evangelho (Jo 11,1-45)
a morte como dom de Deus. Seu Espírito A narrativa da ressurreição de Lázaro cor-
nos faz novas criaturas: transforma, reanima, responde ao último dos sete sinais de liber-
fortalece, ressuscita… tação realizados por Jesus no Evangelho de
João. Os relatos dos sete sinais procuram levar
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS os cristãos a refletir sobre o sentido profundo
1. I leitura (Ez 37,12-14) dos fatos da vida humana: a falta de vinho
Na tradição judaico-cristã, profecia é numa festa de casamento (2,1-12), a doença
tempo de graça: tempo que se faz pleno do filho de um funcionário real (4,46-54), o
porque Deus se comunica e interpela seu paralítico à beira da piscina de Betesda (5,1-
povo, recordando sua aliança e demonstran- 18), a fome do povo (6,1-15), o barco dos
do seu amor. Ezequiel profetiza junto aos discípulos ameaçado pelas águas do mar (6,16-
exilados na Babilônia, ao redor do ano 580 21), o cego de nascença (9,1-41) e, finalmente,
a.C. O povo encontra-se mergulhado em a morte de Lázaro.Todos eles visam apresentar
profunda crise. Está longe da terra que Deus Jesus como o Messias que veio para resgatar
lhe concedeu, conforme a promessa feita a a vida plena para os seres humanos. Em cada
Abraão. Sente-se abandonado por Deus e sinal, percebe-se um propósito pedagógico: a
sem esperanças de futuro. A situação real- representação de um caminho novo apontado
mente parece desesperadora. Nesse pequeno por Jesus para derrubar todas as barreiras que
texto, aparece três vezes a palavra “túmulos”. impedem a pessoa de realizar-se plenamente.
Deus, porém, não se conforma com a morte Jesus é o “Bom Pastor” que dá a vida por
de ninguém. Por isso, suscita o profeta Eze- suas ovelhas (Jo 10,11). Ele é o verdadeiro ca-
quiel para anunciar novo tempo: vai infundir minho para a vida com dignidade e liberdade,
nos exilados seu Espírito, que lhes dará força vencendo as causas de todos os males.Vence
e coragem para se reerguerem das cinzas. a própria morte: é a vida definitiva. Somente
Em nome de Deus, Ezequiel anuncia os que creem em Jesus, com convicção, com-
um novo êxodo. No primeiro êxodo, Deus preendem e acolhem essa verdade. Portanto,
libertou seu povo da escravidão do Egito e a finalidade principal dos sinais é levar os
lhe deu a Terra Prometida. Agora, Deus vai discípulos à fé autêntica. Ao informar que
livrá-los do domínio da Babilônia e serão Lázaro havia morrido e que, por isso, iria ao
reintroduzidos na terra de Israel. O jugo seu encontro, Jesus diz aos discípulos:“É para

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que vocês creiam” (v. 15).Também lemos no
final do Evangelho: “Jesus fez ainda muitos
outros sinais, que não se acham escritos neste
livro. Esses, porém, foram escritos para que
vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho Bíblia jovem
de Deus, e para que, crendo, tenham a vida
em seu nome” (Jo 20,30-31). Fundação Youcat
As personagens que aparecem no relato –
Marta, Maria e os judeus – refletem diferentes
concepções a respeito de Jesus. Primeiramen-
te, podemos observar o comportamento de
Marta. Sabendo que Jesus chegara a Betânia,
“saiu ao seu encontro” e a ele se dirigiu, cha-
mando-o pelos títulos cristológicos de “Se-
nhor” e “Filho de Deus”. Diante da promessa
da ressurreição, declara-lhe convictamente sua
fé:“Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o
Filho de Deus que vem ao mundo” (v. 27). E
vai anunciar à sua irmã Maria, que, por sua vez,
imediatamente segue ao encontro de Jesus,

Imagens meramente ilustrativas.


mas não consegue declarar a fé nele como
fez Marta. Está ainda angustiada e paralisada
diante da realidade da morte. Já os judeus
440 págs.

apenas seguem Maria, sem ter consciência de


ir ao encontro de Jesus, nem muito menos
fazer-lhe alguma confissão de fé.
São três modos de comportar-se diante
de Jesus. O comportamento de Marta é o re- Com a intenção de aproximar
trato das pessoas que têm fé em Jesus Cristo, os jovens da Bíblia, foi
o Filho de Deus, Salvador da humanidade. elaborada uma versão do
Youcat dedicada ao estudo da
Para os que acreditam nele, a ressurreição é
Sagrada Escritura. Preparado
realidade não apenas para o futuro, mas para por uma equipe de biblistas,
o presente. Toda atitude em favor da vida é o livro oferece exegese
sinal de ressurreição e gesto de glorificação e comentários de alguns
de Deus, criador e libertador. dos textos da Bíblia com
Os autores do Evangelho fazem ques- linguagem acessível.
tão de mostrar o rosto humano de Jesus.
Ele participa da dor das pessoas que sofrem,
comove-se e chora. Sua comoção, porém,
pode ser traduzida como impaciência com
a falta de fé tanto de Maria como dos ju-
Vendas: (11) 3789-4000
deus. Para além das lamentações, Jesus reza 0800-0164011
ao Pai para que, diante desse sinal definitivo
da ressurreição, “eles acreditem” nele como paulus.com.br
enviado de Deus.

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Lázaro (cujo nome significa “Deus ajuda”) na graça de Jesus Cristo vivemos a autêntica
está enterrado há quatro dias. O “quarto dia” liberdade. Somente no Espírito de Jesus nos
refere-se ao tempo depois da morte de Je- libertamos da escravidão das obras dos instin-
sus; é o tempo das comunidades que creem tos egoístas. Para não haver dúvidas sobre os
em Jesus morto e ressuscitado. Portanto, é o dois caminhos que se opõem entre si, Paulo
tempo da graça por excelência, que deve ser fala a respeito das obras que caracterizam cada
vivido de forma totalmente nova. Lázaro e as um deles: “As obras da carne são manifestas:
comunidades cristãs são chamados a sair dos fornicação, impureza, libertinagem, idolatria,
túmulos do medo, da acomodação, do egoís- feitiçaria, ódio, rixas, ciúme, ira, discussões,
mo e da tristeza; são chamados a “desatar-se” discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias
das amarras dos sistemas que oprimem e ma- e coisas semelhantes a estas... Mas o fruto do
tam.As pessoas de fé autêntica, seguidoras de Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade,
Jesus, são verdadeiramente livres. O “quarto benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
dia” é o tempo da ressurreição, dom de Deus. autodomínio” (Gl 5,19-23).
Uma vez que aderimos, pela fé, a Jesus
3. II leitura (Rm 8,8-11) Cristo, a ele pertencemos e seu Espírito habita
Viver no Espírito de Cristo é o que pro- em nós. Esse Espírito é o agente das obras que
põe São Paulo aos romanos. Somente no ca- agradam a Deus. Podemos, então, contar com
pítulo 8, aparece mais de vinte vezes a palavra a plenitude de sua graça. Assim, morremos
“espírito”. A vida no Espírito Santo contra- para as obras do egoísmo e permanecemos
põe-se à vida segundo a carne, ou seja, aos na vida. Pois o mesmo “Espírito daquele que
instintos egoístas.Toda pessoa carrega dentro ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos [...]
de si essas duas tendências, que lutam entre dá a vida aos [nossos] corpos mortais” (v. 11).
si permanentemente. Aquelas que foram re- Temos a graça de viver desde agora a vida
generadas em Jesus Cristo estão mergulhadas eterna, pois em Cristo fomos divinizados.
em seu Espírito. Por isso, possuem a luz e a
força do próprio Jesus, que realizou a von- III. PISTAS PARA REFLEXÃO
tade de Deus e redimiu a humanidade. Ele – O Espírito de Deus move a história. Como
nos justificou pela graça e nos tornou novas foi revelado ao profeta Ezequiel, não há situa-
criaturas, participantes de sua natureza divina. ção que não interesse a Deus. Ele intervém na
Estar com o Espírito de Cristo, porém, história humana para transformá-la em história
não significa anulação da tendência para o da salvação. Concede seu Espírito para libertar
pecado.A tensão à santidade deve ser perma- o ser humano de toda espécie de escravidão e
nente. É uma questão de opção fundamental conduzi-lo à liberdade. O Espírito de Deus nos
pelo mesmo modo de pensar e de agir de faz sair dos “túmulos” da desesperança, do medo,
Jesus. Ele mesmo advertiu que “ninguém da acomodação... Deus não se conforma com o
pode servir a dois senhores” (Mt 6,24). Pau- abandono e a morte de ninguém. Ele é o Deus
lo lembra que os cristãos não podem viver da vida em plenitude.As crises e dificuldades de
segundo a carne e segundo o Espírito ao nosso tempo são desafios que podem ser enfren-
mesmo tempo. Não se pode viver na liber- tados como fez o povo exilado na Babilônia: na
dade e na escravidão ao mesmo tempo. confiança em Deus e na esperança ativa.
Na carta aos Gálatas, Paulo escreve: “Foi – Jesus é a fonte da verdadeira vida. Como
para sermos livres que Cristo nos libertou” “Bom Pastor”, ele se interessa pelas necessida-
(Gl 5,1). Ele nos libertou da escravidão do des de todos nós. Oferece sua amizade e sua
pecado por pura graça. Portanto, somente companhia permanente. Conta conosco para

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continuar sua obra. Os sinais que realizou são alegria invade nosso ser.A esperança se reno-
indicativos para a missão das comunidades cris- va, baseada na certeza da vida em plenitude,
tãs.A ressurreição de Lázaro aponta para o novo dom de Deus! A fé na ressurreição imprime
modo de ser Igreja, organizada de forma parti- novo dinamismo em nossa caminhada terre-
cipativa e corresponsável. Uma Igreja composta na. A atitude de Maria Madalena nos inspira
de pessoas redimidas pela graça, ressuscitadas em a partilhar as descobertas que prenunciam
Cristo. Cada um de nós é chamado a declarar uma boa notícia. Sua atitude, bem como a de
sua fé de modo prático, na certeza de que o bem Pedro e a do discípulo amado, reflete as rea-
pode vencer o mal e de que a morte não tem a ções dos participantes das comunidades cristãs
última palavra. Nesse sentido, é importante que diante do fato da ressurreição (Evangelho).
prestemos atenção nos apelos da Campanha da Ao participar da comunidade de fé, experi-
Fraternidade deste ano. mentamos que Jesus está vivo.A ressurreição
– O Espírito de Cristo mora em nós. Cabe de Jesus é um fato histórico, com testemu-
a cada pessoa viver de tal modo, que esteja per- nhas oculares; faz parte essencial do credo
manentemente na comunhão com Jesus Cristo. cristão, conforme percebemos na catequese
Se nos deixamos conduzir pelo Espírito de de Pedro junto à comunidade cristã reunida
Jesus que habita em nós, realizamos as obras que na casa de Cornélio, um centurião romano.
agradam a Deus. Morremos para o egoísmo e A fé na ressurreição derruba barreiras que
ressuscitamos no amor. Nosso corpo mortal separam os povos e provoca novas relações,
recebe a graça da imortalidade. Se, porventura, baseadas no amor fraterno (I leitura). Ela nos
quebramos essa unidade, Deus nos concede a faz viver de um novo modo, já não voltados
graça da reconciliação. Eis a Quaresma, tempo para interesses egoístas, mas para “as coisas
de conversão, tempo de salvação. do alto” (II leitura). A celebração da Páscoa
do Senhor Jesus é oportunidade de nos dei-
Os roteiros homiléticos do xarmos invadir pelo amor misericordioso de
Domingo de Ramos e do Tríduo Deus e seguir Jesus com entusiasmo.
Pascal (Ceia do Senhor, Paixão do
Senhor e Vigília Pascal) podem ser
acessados no site da revista. II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Jo 20,1-9)
DOMINGO DA PÁSCOA NA RESSURREIÇÃO O primeiro dia da semana indica um
DO SENHOR novo tempo. Tem ligação com o início da
9 de abril criação do mundo. A morte de Jesus signi-
ficou a passagem das trevas para a luz que
nunca mais se apagará. A fé na ressurreição,
porém, não se processa da mesma maneira
em todas as pessoas. Algumas precisam de
um tempo maior para assimilar essa verdade,
que tudo transforma. Maria Madalena recebe
Testemunhas da ressurreição especial distinção: ainda no escuro, dirige-se
do Senhor ousadamente ao túmulo de Jesus. Apesar de
ver a pedra removida, não consegue ainda
I. INTRODUÇÃO GERAL perceber a luz do sol (Jesus que ressuscitou)
A verdade da ressurreição mexe com nossa anunciando uma nova aurora. Perplexa, corre
vida, como aconteceu com as primeiras tes- ao encontro de Simão Pedro e do discípu-
temunhas.Tudo adquire um sentido novo. A lo que Jesus amava para dizer-lhes de sua

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preocupação com o que havia constatado. experiência maravilhosa de encontrar-se
Seu anúncio provoca a movimentação dos com o Ressuscitado junto com outros dis-
dois discípulos em busca do verdadeiro sen- cípulos (20,19-23).Também na comunidade
tido dos últimos acontecimentos. cristã havia pessoas que manifestavam resis-
Maria Madalena, nesse relato de João, tência a aderir a Jesus morto e ressuscitado
é representativa da comunidade que não com convicção de fé. Lentamente, contudo,
aceita permanecer acomodada. Busca an- com a ajuda dos “discípulos amados”, che-
siosamente a explicação do que realmente garam a trilhar o caminho do seguimento
aconteceu naquele “primeiro dia da sema- de Jesus, a ponto de dar a vida por ele, como
na”. É atitude muito positiva, pois “quem aconteceu com o próprio Pedro.
busca encontra” (Mt 7,8). Por isso, ela é O “discípulo que Jesus amava” chega
especialmente valorizada. Jesus deixa-se en- mais depressa ao túmulo. Esse discípulo é
contrar. Impulsionada pelo amor, ela cami- aquele que, junto com algumas mulheres,
nha na direção do Amado. O maravilhoso acompanhou Jesus até a cruz (19,25-27).
encontro de Maria Madalena com Jesus Testemunhou sua morte e lhe foi solidário.
ressuscitado se dá logo a seguir (20,11-18). Agora também mostra solidariedade para
A comunidade cristã primitiva reconhe- com Pedro, que chega depois. Dá-lhe pre-
cia-se no jeito de ser de Maria Madalena, ferência para entrar no túmulo. Reconhece
de Pedro e do discípulo amado. Havia pes- sua autoridade. Ao entrar, Pedro vê as faixas
soas que ainda permaneciam nas “trevas” da de linho e o sudário. O texto não diz que ele
morte de Jesus; sentiam-se desamparadas e acreditou, mas apenas “viu” (v. 6). Já quanto ao
desorientadas. Havia as que não conseguiam discípulo amado, diz que ele “viu e acreditou”
acolher a verdade da ressurreição de Jesus. (v. 8). Os mesmos sinais são interpretados de
Diziam que seu corpo fora retirado por forma diferente. Para quem ama Jesus e se
alguém e que se inventara a notícia de que sente amado, nada é impedimento para crer
ele havia ressuscitado. É o que se percebe na na vitória da vida sobre a morte.
expressão de Maria Madalena:“Retiraram o Os discípulos voltam para casa. É na casa
Senhor do sepulcro e não sabemos onde o que as comunidades primitivas se reúnem
colocaram” (v. 2). Essas pessoas ainda estão para ler e compreender a Sagrada Escritura,
no emaranhado de dúvidas, porém, pouco fazer a memória de Jesus, partilhar a expe-
a pouco, receberão a graça de reconhecer riência de fé e crescer no amor fraterno. É
a ressurreição de Jesus como um aconteci- na casa que se derrubam as barreiras sepa-
mento verdadeiro, e não como uma lenda. ratistas e se exercita a acolhida respeitosa da
Pedro e o discípulo que Jesus amava, ao alteridade. A Igreja nas casas vai constituir
ouvirem a notícia de Maria Madalena, cor- o espaço sagrado por excelência onde Jesus
rem para o local onde Jesus fora enterrado. ressuscitado manifesta sua presença, se dá em
Partem juntos, mas Pedro corre menos. É alimento e convoca seus discípulos à missão.
intenção dos autores do Evangelho de João
demonstrar a dificuldade de Pedro em en- 2. I leitura (At 10,34a.37-43)
tender e aceitar o verdadeiro significado da O capítulo 10 dos Atos dos Apóstolos
morte de Jesus.Talvez esteja ainda amarrado constitui uma página de especial importância.
à vergonha de ter negado o Mestre e de Lucas (o mesmo autor do Evangelho) revela
tê-lo abandonado na hora decisiva. Pedro, uma de suas intenções fundamentais: mostrar
não obstante, segue o discípulo que Jesus que a salvação trazida por Jesus Cristo é para
amava e, na tarde desse mesmo dia, fará a todos os povos. Pedro, depois de um processo

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de relutância e discernimento, aceita o convite
para entrar na casa de um pagão, centurião
romano, chamado Cornélio. É a porta de en- A dimensão comunitária
trada para o mundo dos gentios, missão que do ministério presbiteral:
será assumida integralmente por Paulo. reflexões a partir do decreto
É significativo o fato de ser Pedro aquele Presbyterorum Ordinis
que primeiro rompe a barreira do judaísmo Sandro Ferreira
exclusivo para dialogar com os estrangeiros. É
recebido por Cornélio com muita reverência.
Lucas enfatiza a autoridade de Pedro, represen-
tante dos apóstolos. Quer fortalecer a fidelidade
à tradição apostólica. A atitude de Pedro na
casa de um romano legitima a abertura para
todos os povos. Jesus é o Salvador universal.
Cornélio revela-se extremamente recep-
tivo à pessoa e à mensagem de Pedro. De
fato, a resistência ao anúncio do Evangelho
é perceptível muito mais entre os judeus

Imagens meramente ilustrativas.


do que entre os gentios. O próprio Pedro
manifesta dificuldade em desvencilhar-se
do exclusivismo judaico e da lei de pureza.
264 págs.

Converte-se à medida que se insere no lugar CONFIRA


VERSÃO
social dos estrangeiros, a ponto de comer E-BOOK
com eles. É na casa de Cornélio que ele se
abre verdadeiramente para o plano divino
de salvação universal: “Dou-me conta de Esta obra ajuda-nos a pensar
verdade que Deus não faz acepção de pessoas, no ministério presbiteral segundo
mas que, em qualquer nação, quem o teme e o aspecto da comunhão. Juntamente
pratica a justiça lhe é agradável” (10,34-35). com os bispos, com os outros
presbíteros e com os cristãos leigos,
O critério de pertença ao povo de Deus já
os presbíteros devem exercer
não é a raça ou o cumprimento da Lei, e seu ministério em comunhão e
sim a prática da justiça. Por esse caminho, fraternidade, promovendo
ocorre a inclusão de todos os povos, sob a unidade.
a ação do Espírito Santo. As comunidades
cristãs primitivas concretizaram esse ideal.
Formadas por pessoas de culturas diferentes,
Aponte a câmera do
reuniam-se nas casas, ao redor da mesma seu celular e confira a
mesa e unidas na mesma fé. degustação do livro!
O discurso de Pedro constitui um resumo
da catequese primitiva. É a síntese do que-
rigma apostólico. Apresenta Jesus de Nazaré
Vendas: (11) 3789-4000
desde o seu batismo, passando pela sua missão 0800-0164011
de resgate da vida e dignidade de todas as
pessoas, pela sua morte de cruz, culminando paulus.com.br
com sua ressurreição. O anúncio de Pedro é

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 55


fundamentado em seu próprio testemunho A fé na ressurreição e na ascensão de Jesus
e no de várias outras pessoas: “Nós somos Cristo implica discernir o que realmente
testemunhas de tudo o que Jesus fez” (v. 39); edifica o ser humano em comunidade: “Se,
“Nós comemos e bebemos com ele, após pois, ressuscitastes com Cristo, procurai as
sua ressurreição dentre os mortos” (v. 41). O coisas do alto [...]” (v. 1). Quem permanece
discurso termina com a confissão de fé em com o pensamento e o coração mergulhados
Jesus como juiz dos vivos e dos mortos, cons- em Deus vive dignamente.
tituído por Deus e anunciado pelos profetas. A fé na volta de Jesus nos motiva a viver
E finalmente:“Todo aquele que nele acreditar na esperança militante, com a certeza de
receberá a remissão dos pecados” (v. 43). estarmos com ele: “Quando Cristo, que é
vossa vida, se manifestar, então vós também
3. II leitura (Cl 3,1-4) com ele sereis manifestados em glória” (v. 4).
A comunidade cristã da cidade de Co-
lossas, na Ásia Menor, manifestava certo III. PISTAS PARA REFLEXÃO
distanciamento das verdades fundamentais – Jesus ressuscitou: a vida já não é a mesma.
da fé. Havia pessoas que, influenciadas por Maria Madalena se distingue pela sua coragem.
tendências da época (por exemplo, a impor- Ela vai ao túmulo, mesmo no escuro. Seu amor
tância dada às forças cósmicas, depositando a Jesus não permite que permaneça afastada.
nelas toda a confiança), observavam práticas Procura entender o sentido da morte de Je-
religiosas, dietas e exercícios de ascese (Cl sus. Não é acomodada nem derrotista.Vai ao
2,16-23), levadas por “vãs e enganosas filo- encontro dos discípulos e lhes anuncia uma
sofias”. Havia também pessoas levadas pela notícia inquietante: o túmulo está vazio. Sua
“fornicação, impureza, paixão, desejos maus ousadia na busca da verdade a levará ao encon-
e a cobiça de possuir” (Cl 3,5). O autor da tro com Jesus ressuscitado. Pedro, apesar de sua
carta preocupa-se com essa situação e, por boa vontade em seguir Jesus, ainda permanece
isso, escreve aos colossenses no intuito de na dúvida. O discípulo que Jesus amava é o
orientá-los para uma vida coerente com a mais rápido para “ver e crer”. Não precisou
fé em Jesus Cristo, único mediador entre ver Jesus com os olhos da carne. Quem ama
Deus e as criaturas. e se deixa amar por Jesus caminha na certeza
Nessa pequena leitura deste domingo de que ele está vivo.
da Páscoa, encontramos quatro pontos do – A fé na ressurreição derruba barreiras.
querigma cristão que fundamentam a fé das O encontro de Pedro com Cornélio corres-
primeiras comunidades: a morte de Jesus, ponde à atitude das pessoas que amam a Deus
sua ressurreição, sua exaltação à direita de acima dos preconceitos humanos.A fé em Jesus
Deus e sua volta. Cada um desses pontos é Cristo como Salvador do mundo derruba as
indicativo de atitudes que caracterizam o barreiras de raças e de tradições culturais e
novo modo de viver dos cristãos. religiosas que dividem as pessoas. Nada pode
A fé na morte de Jesus Cristo implica a impedir o diálogo, a reconciliação, o respeito
morte de nossos maus comportamentos. Para mútuo e a vivência do amor fraterno. O es-
os cristãos colossenses, implicava morrer para paço privilegiado para essa vivência é a casa.
as práticas religiosas que contradiziam a fé O que aconteceu na casa de Cornélio nos
cristã; passar de uma mentalidade idolátrica anima a fortalecer o modelo de Igreja pre-
para o mergulho na vida divina, seguindo a sente nas comunidades eclesiais de base, bem
Jesus Cristo: “Vós morrestes, e a vossa vida como nos incentiva ao compromisso com o
está escondida com Cristo em Deus” (v. 3). ecumenismo e com o diálogo inter-religioso.

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– A vida mergulhada em Jesus Cristo. Como É o antigo domingo in albis (“em vestes
aconteceu entre os cristãos colossenses, tam- brancas”). Nesse domingo, os neófitos (os
bém hoje corremos o perigo de nos deixar- novos fiéis, literalmente “brotos novos”),
mos arrastar por ideologias que contradizem o batizados na noite pascal, apresentavam-se
Evangelho. É importante cultivarmos a prática vestidos com a veste branca recebida na
do discernimento, para assumir os valores que noite de seu batismo: eram “como crianças
nos conservam na vontade de Deus e edificam recém-nascidas” (como se dizia no canto
nossa vida. Professar a fé em Jesus Cristo im- de abertura). A oração do dia pede que
plica viver dignamente, bem como respeitar progridamos na compreensão dos mistérios
a dignidade das demais pessoas e da natureza. básicos da nossa fé, ou seja, dos “sacramentos
da iniciação cristã” – batismo, Eucaristia e
2º DOMINGO DA PÁSCOA confirmação –, e a oração final reza por
16 de abril mais profundo entendimento do mistério
Johan Konings* da ressurreição e do batismo. Quanto às
*Pe. Johan Konings, sj, nasceu na Bélgica e radicou-se no Brasil em 1972.
leituras, embora não exista estrita coerência
Faleceu aos 80 anos, no dia 21 de maio de 2022, em Belo Horizonte- temática entre as três, todas elas nos fazem
MG. Doutor em Teologia e mestre em Filosofia e em Filologia Bíblica
participar do espírito do mistério pascal.
pela Universidade Católica de Lovaina. Foi professor de Exegese Bíblica
na Faje, em Belo Horizonte. Dedicou-se principalmente aos seguintes
assuntos: Bíblia – Antigo e Novo Testamento (tradução), Evangelhos II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
(especialmente o de João) e hermenêutica bíblica. Entre outras obras,
publicou: Descobrir a Bíblia a partir da liturgia; A Palavra se fez livro;
1. I leitura (At 2,42-47)
Liturgia dominical: mistério de Cristo e formação dos fiéis – anos A-B-C; A primeira leitura nos apresenta o ideal
Ser cristão; Evangelho segundo João: amor e fidelidade; A Bíblia nas suas
da comunidade cristã: a comunidade primi-
origens e hoje; Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e
da “Fonte Q”. Nossa homenagem e gratidão ao Pe. Konings, que por tiva dos cristãos de Jerusalém. A descrição
diversas vezes colaborou em Vida Pastoral. acentua especialmente a comunhão dos bens,
que corresponde ao sentido do partir o pão –
comemoração do Senhor Jesus. Outros textos
semelhantes sobre a vida da comunidade en-
contram-se em At 3,32-37 e 5,12-16.Tanto
essa comunhão perfeita como os prodígios
operados pelos apóstolos serviam de teste-
A fé apostólica, que é nossa munho para os demais habitantes de Jerusa-
lém, testemunho que não deixava de ter sua
I. INTRODUÇÃO GERAL eficácia. Essa leitura é, portanto, mais do que
Nos domingos depois da Páscoa, a li- um documento histórico sobre os primei-
turgia nos põe em contato com a primeira ros tempos depois da Páscoa: é convite para
comunidade cristã. As primeiras leituras são restabelecermos a pureza cristã das origens.
uma sequência de leituras tomadas dos Atos
dos Apóstolos. Nas leituras do Evangelho, 2. II leitura (1Pd 1,3-9)
é-nos apresentada a “suma teológica” do A segunda leitura é tomada da primeira
século I, o Evangelho de João. As segundas carta de Pedro, que é uma espécie de homilia
leituras são tomadas de outros escritos mui- batismal. Na perspectiva de seu autor, a volta
to significativos quanto aos temas batismais gloriosa do Senhor estava próxima; os cristãos
e da fé; no Ano A, a primeira carta de Pedro. deviam passar por um tempo de prova, como
O segundo domingo pascal, especifica- ouro na fornalha, para depois brilhar com
mente, é marcado pelo tema da fé batismal. Cristo na sua glória. Nessa perspectiva, a fé

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 57


batismal se concebe como antecipação da mesma missão que João Batista reconheceu
plena revelação escatológica: é amar aquele em Jesus no início do Evangelho (Jo 1,29).
que ainda não vimos e nele crer, com o À maneira semítica e bíblica, a missão de
coração repleto de alegria diante da salva- perdoar é expressa na forma afirmativa (“a
ção que se aproxima (e já foi alcançada, na quem perdoardes os pecados, serão perdoa-
medida em que a fé nos põe em verdadeira dos”) e negativa (“a quem os retiverdes [=
união com Cristo). não perdoardes], serão retidos”, v. 23). Isso,
porém, não significa que os seguidores e
3. Evangelho (Jo 20,19-31) sucessores de Jesus poderão administrar o
O texto de Jo 20,19-31 constitui o fim perdão arbitrariamente; antes, trata-se do
do Evangelho de João (o capítulo 21 é um poder de administrar o perdão concedido
epílogo que excede a estrutura literária do por Deus: munida do Espírito de Deus, a
Evangelho propriamente). O Evangelho de comunidade reconhecerá quem recebe dele
João é composto de dois painéis, introduzi- o perdão e quem não. Não deixa de ser sig-
dos pelo prólogo (1,1-18). O primeiro painel, nificativo que Jesus exprima essa presença
1,19-12,50, narra os “sinais” de Jesus. Esses do Espírito exatamente pelo perdão, e não
sinais manifestam que Jesus é o enviado de pelo dom das línguas ou algo assim. Pois o
Deus e que Deus está com ele e, ao mesmo que o ser humano procura, em profundidade,
tempo, revelam simbolicamente o dom que é exatamente esse “estar bem com Deus e
Jesus mesmo é. No segundo painel, capítulos com os irmãos”, que o pecado impede, mas
13-20, Jesus, na hora de sua despedida, abre o perdão possibilita. Todo o culto judaico
seu mistério de união com o Pai e inclui girava em torno da reconciliação com Deus
nele seus discípulos, antes de assumir, livre- e com a comunidade. A carta aos Hebreus
mente, a morte por amor e ser ressuscitado explica que Jesus, enquanto sumo sacerdote
por Deus. Sua ressurreição é o sinal de que definitivo, realiza essa reconciliação de uma
ele vive e sobe à glória do Pai (20,17). No vez para sempre. O que Jesus confia aos seus
trecho que ouvimos neste domingo, mani- nos v. 22-23 é mais que mera “jurisdição”.
festa-se o dom do Espírito de Deus a partir É o dom da vida nova, na “paz”, no shalom,
da glorificação/exaltação de Jesus (7,37-39). o dom do Messias por excelência. Unidos
Na sua despedida, Jesus prometeu aos seus na comunhão da verdadeira videira que é
o Espírito e a paz (14,15-17.26-27). Agora, Jesus (Jo 15,1-8), temos a vida em abundância
o Ressuscitado, enaltecido e revestido com (Jo 10,10).
a glória do Pai, traz esses dons aos seus (v. A segunda parte do Evangelho do dia
21-22), que serão seus enviados como ele o conta a história de Tomé. O texto põe em
foi do Pai (v. 21). Para essa missão, recebem evidência Tomé entre os que viram o Res-
o poder de perdoar, poder que, segundo a suscitado (cf. At 10,41; 1Jo 1,1-3), mas visa
Bíblia, é exclusivo de Deus e, portanto, só às gerações seguintes, que, sem terem visto,
pode ser comunicado por quem comunga deverão crer – com base no testemunho
de sua autoridade. De fato, já no início do das testemunhas privilegiadas. “Felizes os
Evangelho de Marcos, Jesus se caracteriza que não viram e, contudo, creram” (v. 29) é
como o “Filho do Homem” (cf. Dn 7,13-14), bem-aventurança que se dirige a nós (cf. 1Pd
que recebe de Deus esse poder (Mc 2,10). 1,8, na segunda leitura). É para esse fim que
Segundo os v. 19-23, o Ressuscitado dá à os que viram nos transmitiram, por escrito,
comunidade dos fiéis o Espírito de Deus e o testemunho evangélico, como diz o autor
a missão de tirar o pecado do mundo – a nas palavras finais (v. 30-31).

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Daí podermos dizer: “Cremos na fé dos
que testemunharam”, a fé dos apóstolos, a fé
apostólica. A Tomé é dado experimentar a Um brinde à
realidade do Crucificado que ressuscitou, e incomunicação:
o apóstolo proclama sua fé, tornando-se ver- reflexões a partir
dadeiro fiel. Há, no entanto, outros a quem da Europa
não será dado esse tipo de prova que Tomé Dominique Wolton
requereu e recebeu; eles terão de acreditar
também e são chamados felizes por crerem
sem ter visto. Esses “outros” somos todos nós,
cristãos das gerações pós-apostólicas. Em vez
de provas palpáveis, a nós é transmitido o
testemunho escrito das testemunhas oculares,
para que nós creiamos e, crendo, tenhamos
a vida em seu nome (v. 30-31). A fé dos
apóstolos é nossa.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Imagens meramente ilustrativas.


Todo o mundo gosta de ter provas palpáveis
para acreditar. Mas para que acreditar quando
se têm provas palpáveis? E as pretensas provas,
112 págs.

CONFIRA
que certeza dão? Nossa fé não vem de provas VERSÃO
imediatas, mas da fé das “testemunhas desig- E-BOOK
nadas por Deus” (At 10,41), principalmente
dos apóstolos. Este livro tem como objetivo
Os apóstolos foram as testemunhas da res- mostrar a importância
surreição de Jesus. Eles puderam ver o Ressus- da conexão entre duas
citado e por isso acreditaram. Tomé foi con- revoluções que aconteceram
vidado por Jesus a tocar nas chagas das mãos no âmbito da política na
Europa: a construção dos 27
e do lado (Evangelho).Tomé pôde verificar e
Estados-membros que hoje
acreditou: “Meu Senhor e meu Deus!” Nós formam a União Europeia
não temos esse privilégio. Seremos felizes se e a construção de uma
crermos sem ter visto (Jo 20,29). Para que isso, comunicação que parte da
porém, seja possível, os apóstolos nos deixaram realidade da incomunicação.
os Evangelhos, testemunho escrito do que eles
viram e da fé no Cristo e Filho de Deus que
Aponte a câmera do
abraçaram (Jo 20,30-31). seu celular e confira a
O Cristo descrito nos Evangelhos é visto degustação do livro!
com os olhos da fé dos apóstolos. Um incrédulo
o veria bem diferente. Nós cremos em Jesus
como os apóstolos o viram.A participação na
Vendas: (11) 3789-4000
fé dos apóstolos nos dá a possibilidade de “amar 0800-0164011
Cristo sem tê-lo visto” e de “acreditar nele
(como Senhor e fonte de nossa glória futura), paulus.com.br
embora ainda não o vejamos” (II leitura).

vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350 59


Acreditamos na fé dos apóstolos e da Igreja domingo apresenta a mensagem que essa
que eles nos deixaram. Então, nossa fé não é comunidade anunciou ao mundo, a pregação
coisa privada. É apostólica e eclesial. Damos dos apóstolos nos primórdios da Igreja: o
crédito à Igreja dos apóstolos. Os primeiros “querigma”. A perspectiva do anúncio uni-
cristãos faziam isso materialmente: entregavam versal é criada pela antífona da entrada, com
seus bens para que ela os transformasse em o Salmo 66[65],1-2: “Aclamai a Deus, toda
instrumentos do amor do Cristo. Crer não a terra”, enquanto a oração do dia evoca a
é somente aceitar verdades. É agir segundo a renovação espiritual dos que creem e rece-
verdade do ser discípulo e seguidor do Cristo. bem a condição de filhos e filhas de Deus.
É inútil querer verificar e provar nossa fé
sem passar pelos apóstolos e pela corrente de II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
transmissão que eles instituíram, a Igreja. É im- 1. I leitura (At 2,14a.22-33)
possível verificar, por evidências fora do âmbito A primeira leitura apresenta o “querigma”
dos Evangelhos, a ressurreição de Cristo. Ora, o apostólico, o anúncio – no discurso de Pedro
importante não é “verificar”, ao modo deTomé, em Pentecostes – da ressurreição de Jesus e
mas viver o sentido da fé que os apóstolos (in- de sua vitória sobre a morte. É o protótipo da
cluindo Tomé) transmitiram.A fé dos apóstolos pregação apostólica. Suprimida a introdução
exige que creiamos em seu testemunho sobre do discurso, por ser a leitura de Pentecostes
Jesus morto e ressuscitado e também que pra- (At 2,15-21), a leitura deste domingo se ini-
tiquemos a vida de comunhão fraterna na co- cia com o v. 22, anunciando que o profeta
munidade eclesial que brotou de sua pregação. rejeitado ressuscitou, cumprindo as Escrituras
Num tempo de hiperindividualismo, como (Sl 16[15],8-10). Não se trata de ver aí uma
é o nosso, essa consciência de acreditarmos realização “ao pé da letra”, mas de reco-
naquilo que os apóstolos acreditaram é muito nhecer nas Escrituras antigas a maneira de
importante. Deles recebemos a fé, nossa “veste agir de Deus desde sempre, a qual se realiza
branca”, e, na comunidade que eles fundaram, num sentido “pleno” em Jesus Cristo. Ou
nós a vivemos. Ora, por isso mesmo é tão melhor: naquilo que se vê em Jesus, aparece
importante que essa comunidade, por todo o o sentido profundo e escondido das antigas
seu modo de viver o legado do Ressuscitado, Escrituras. O importante nesse querigma é
seja digna de fé. o anúncio da ressurreição, como sinal de que
Deus “homologou” a obra de Jesus e lhe
3º DOMINGO DA PÁSCOA deu razão contra tudo e todos. Isso é ates-
23 de abril tado não só por testemunhas humanas, mas
também pelo testemunho de Deus mesmo,
na Escritura. O Salmo 16[15], por exemplo,
originalmente a prece de quem sabe que
Deus não o entregará à morte, encontra em
Cristo sua realização plena e inesperada. Esse
salmo é também o salmo responsorial desta
A experiência de Emaús liturgia e terá de ser devidamente valorizado.

I. INTRODUÇÃO GERAL 2. II leitura (1Pd 1,17-21)


A liturgia do 2º domingo da Páscoa Na segunda leitura, continua a leitura
apresentou a comunidade apostólica e sua da 1Pd, iniciada no domingo passado. Jesus
fé em Jesus Cristo ressuscitado. Agora, o 3º Cristo é visto como aquele que nos conduz

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a Deus. Sua morte nos remiu de um obso- leitura, podemos explicitar o tema do cum-
leto modo de viver. Por meio de Cristo, ou primento das Escrituras. As Escrituras fazem
seja, quando reconhecemos e assumimos a compreender o teor divino do agir de Jesus.
validade do seu modo de viver e de morrer, Enquanto os discípulos de Emaús estavam
chegamos a crer verdadeiramente em Deus decepcionados a respeito de Jesus, fica claro
e o conhecemos como aquele que ressuscita agora que, apesar da aparência contrária,
Jesus, aquele que dá razão a Jesus e “endossa” Jesus agiu certo e realizou o projeto de
sua obra. Isso modifica nossa vida. Desde Deus. As Escrituras testemunham isso. Jesus
nosso batismo, chamamos a Deus de Pai; assumiu e levou a termo a maneira de ver e
mas ele é também o Santo que nos chama à de sentir de Deus, a qual, embora de modo
santidade (1Pd 1,16; cf. Lv 19,2). O sacrifí- escondido, está representada nas antigas Es-
cio de Cristo, Cordeiro pascal, obriga-nos à crituras. Ele assumiu a linha fundamental
santidade. Os últimos versículos desta leitura da experiência religiosa de Israel e a levou
(v. 19-21) constituem uma profissão de fé à perfeição, por assim dizer. Todavia, só foi
no Cristo, que desde sempre está com Deus: possível entender isso depois de ele ter con-
ele nos fez ver como Deus verdadeiramente cluído sua missão. Só à luz da Páscoa foi
é, e por isso podemos acreditar que Deus possível que as Escrituras se abrissem para
nos ama. os discípulos (cf. também Jo 20,9; 12,16).
3) Reconheceram-no ao partir o pão
3. Evangelho (Lc 24,13-35) (v. 31.35). A experiência de Emaús nos faz
O Evangelho é preparado pela aclama- reconhecer Cristo na celebração do pão
ção, que evoca o ardor dos discípulos ao es- repartido. Na “última ceia”, o repartir o
cutar a Palavra de Deus (Lc 24,32).Trata-se pão fora reinterpretado, “ressignificado”,
da narrativa dos discípulos de Emaús (lida pelo próprio Jesus como dom de sua vida
também na missa da tarde no domingo da pelos seus e pela multidão (Lc 22,19); e à
Páscoa). A homilia pode sublinhar diversos comunhão do cálice que acompanhava esse
aspectos. gesto, Jesus lhe dera o sentido de celebração
1) “Não era necessário que o Cristo da Nova e Eterna Aliança (Lc 22,20). Assim
padecesse tudo isso para entrar na glória?” puderam reconhecê-lo ao partir do pão. No
(v. 26). Cabe parar um momento no termo entanto, o gesto de Jesus na casa dos discí-
“o Cristo”. Não é apenas de Jesus como pulos significava também a rememoração
pessoa que se trata, mas também de Jesus do gesto fundador que fora a última ceia,
enquanto Cristo, Messias, libertador e sal- a primeira ceia da Nova Aliança. Desde
vador enviado e autorizado por Deus. Não então, esse gesto se renova constantemen-
se trata apenas de reconhecer a vontade di- te e recebe de cada momento histórico
vina a respeito de um homem piedoso, mas significações novas e atuais. Que significa
sobretudo do modo de proceder de Deus “partir o pão” hoje? Não é apenas o gesto
no envio de seu representante, o “Filho eucarístico; é também o repartir o pão no
do Homem”, revestido de sua autoridade dia a dia, o pão do fruto do trabalho, da
(cf. Dn 7,13-14), que deve levar a termo cultura, da educação, da saúde... Os dis-
o caminho do sofrimento e da doação da cípulos de Emaús, decerto, não pensavam
vida (Lc 9,22.31). num mero rito “religioso”, mas em soli-
2) Jesus “lhes explicou, em todas as Es- dariedade humana. Ao convidarem Jesus,
crituras, o que estava escrito a seu respeito” não pensaram numa celebração ritual, mas
(v. 27). Em continuidade com a primeira num gesto de solidariedade humana: que

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o “peregrino” pudesse restaurar as forças e anunciam ao povo reunido em Jerusalém a
descansar, sem ter de enfrentar o perigo de ressurreição de Cristo, explicando os textos
uma caminhada noturna. O repartir o pão que, no Antigo Testamento, falam dele, como
de Jesus é situado na comunhão fraterna da mostra a primeira leitura. Para a compreensão
vida cotidiana. Esse é o “aporte” humano cristã da Bíblia, é preciso ler a Bíblia na Igreja,
que Jesus ressignifica, chamando à memória reunidos em torno de Cristo ressuscitado.
o dom de sua vida. O que aconteceu em Emaús, quando Jesus
abriu as Escrituras aos discípulos, é parecido
III. PISTAS PARA REFLEXÃO com a primeira parte de nossa celebração do-
A liturgia deste dia nos conscientiza de que minical, a liturgia da Palavra. E muito mais
Jesus, apesar – e por meio – de seu sofrimento parecido ainda com a segunda parte, o rito
e morte, é aquele que realiza plenamente o que eucarístico: Jesus abençoa e parte o pão, e nisso
a experiência de Deus, no Antigo Testamento, os discípulos o reconhecem presente. Desde
já deixou entrever, aquilo que se reconhece nas então, a Igreja repete esse gesto da fração do
antigas Escrituras quando se olha para trás à luz pão e acredita que, neste, Cristo mesmo se
do que aconteceu a Jesus.Ao tomarmos cons- torna presente.
ciência disso, brota-nos, como nos discípulos Emaús nos ensina as duas maneiras funda-
de Emaús, um sentimento de íntima gratidão mentais de ter Cristo presente em sua ausência:
e alegria (“Não ardia nosso coração [...]?”, Lc ler as Escrituras à luz de sua memória e celebrar
24,32) que invade a celebração toda, especial- a fração do pão, o gesto pelo qual ele realiza
mente quando, ao partir o pão, a comunidade sua presença real, na comunhão de sua vida,
experimenta o Senhor ressuscitado presente morte e ressurreição. É a presença do Cristo
no seu meio. pascal, glorioso – já não ligado ao tempo e ao
A saudade é a benfazeja presença do ausente. espaço, mas acessível a todos os que o buscam
Quando alguém da família ou uma pessoa que- na fé e se reúnem em seu nome.
rida está longe, procuramos nos lembrar dessa
pessoa. É o que aconteceu com os discípulos 4º DOMINGO DA PÁSCOA
de Emaús. Jesus fora embora... Mas, sem que o 30 de abril
reconhecessem, estava caminhando com eles.
Explicava-lhes as Escrituras. Mostrava-lhes o
veio escondido do Antigo Testamento que, à
luz daquilo que Jesus fez, nos faz compreender
ser ele o Messias: os textos que falam do Servo
sofredor, o qual salva o povo por seu sofrimento
(Is 52-53); ou do Messias humilde e rejeitado Jesus, a porta de pastores
(Zc 9-12); ou do povo dos pobres de Javé (Sf e ovelhas
2-3) etc. Jesus ressuscitado mostrou aos discí-
pulos de Emaús esse veio, textos que eles já I. INTRODUÇÃO GERAL
tinham ouvido, mas nunca relacionado com O 4º domingo da Páscoa é conhecido,
aquilo que Jesus andou fazendo... e sofrendo. na pastoral, como o domingo do Bom Pas-
Isso é uma lição para nós. Cumpre-nos ler tor. A oração do dia é inspirada por esse
a Sagrada Escritura por intermédio da visão de tema (a fraqueza/fragilidade do rebanho
Jesus morto e ressuscitado, dentro da comuni- e a fortaleza do Pastor). Porém, desde a
dade daqueles que nele creem. É o que fazem reforma litúrgica do Concílio Vaticano II,
os apóstolos na sua primeira pregação, quando o conjunto literário do “Bom Pastor”, no

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Evangelho de João, foi repartido pelos três verdadeira metanoia, a “revirada” do coração.
anos do ciclo, A, B e C. Neste Ano A, a Em virtude daquilo que lhes foi pregado
leitura do Evangelho não apresenta, pro- a respeito do Cristo, mudam sua maneira
priamente, a parábola do Bom Pastor (Jo de ver, sua escala de valores. Essa metanoia
10,11-18, Evangelho do Ano B), e sim o consiste em passar pela porta que é Cristo,
trecho anterior, a parábola da porta e dos como diz o Evangelho, em repudiar ladrões
pastores (Jo 10,1-10). Essa parábola dá en- e assaltantes, que se apresentam sem passar
sejo à exploração de outros temas que não por ele. Consiste em não aderir a nada que
os tradicionais, para que, segundo o desejo não seja conforme Cristo, marcado por sua
do Concílio, seja “ricamente servida” a mesa vida e situado no seu caminho. Será que nós
da Palavra. fizemos essa conversão?

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS 2. II leitura (1Pd 2,20b-25)


1. I leitura (At 2,14a.36-41) Pedro ensina os que vivem na condição
A primeira leitura é a continuação da de escravo ou servo (1Pd 2,18) a trilhar os
pregação missionária de Pedro que já ou- passos de Jesus Cristo pastor.Assemelhado ao
vimos no domingo anterior. Apresenta-se o Servo padecente de Deus (Is 52-53), Cristo
querigma cristão e a conversão, o que com- deu, no seu sofrer, o exemplo da paciência.
bina bem com o espírito da Páscoa como A imagem das ovelhas perdidas, no v. 25,
celebração do batismo. Pedro conscientiza os corresponde à imagem do Pastor, ao qual
judeus de Jerusalém de que Jesus, rejeitado o rebanho se confia pelo batismo. Ele nos
e morto por eles, foi por Deus constituí- abre o caminho certo: não o da violência
do Senhor e Cristo (v. 36). Essa pregação opressora, mas o da justiça que, para se provar
provoca o arrependimento (metanoia) no verdadeira, não se recusa a sofrer.
coração dos ouvintes: convertem-se e ade-
rem ao círculo dos discípulos (v. 37-41). O 3. Evangelho (Jo 10,1-10)
povo de Israel é agora obrigado a optar, e O Evangelho é a parábola da porta do
não só Israel, mas também os que o Senhor rebanho e dos pastores. No contexto ante-
chamou “de longe”, os não israelitas (v. 39; rior, na história do cego (Jo 9), os fariseus
cf. Is 57,19). Parte da população de Jeru- mostraram ser os verdadeiros cegos. Eles de-
salém se converte, então, àquilo que Pedro veriam ser os pastores de Israel, mas não o são.
anunciou. Essa conversão pode reter, hoje, Em continuidade direta com esse episódio
nossa atenção. É o protótipo da adesão à – pois não há nenhuma nova indicação de
Igreja em todos os tempos. Nós estamos cenário –, Jo 10 mostra quem não é e quem
acostumados a nascer já batizados, por assim é o verdadeiro pastor. Os v. 1-5 narram uma
dizer. Isso, contudo, não quer dizer que nos parábola: a cena campestre do redil comu-
tenhamos convertido para aderir a Cristo na nitário, onde entram e saem os pastores e as
sua Igreja. Pensemos naquela multidão que, ovelhas, mas onde também entram, por vias
pouco antes, desconhecia ou até desprezava escusas, os assaltantes, para roubar e matar.
o caminho e a atitude de Jesus de Nazaré As autoridades judaicas não entendem a pa-
e, ativa ou passivamente, havia concorda- rábola (v. 6), pois só entende quem crê em
do com sua crucifixão. Agora que Pedro, Cristo. Em seguida, nos v. 7-18, a parábola é
pela força do Espírito, lhes mostra que essa explicada em dois sentidos: Jesus é a porta (v.
vida (de Jesus) foi certa e por Deus coroa- 7-10), Jesus é o pastor (v. 11-18). No trecho
da, eles deixam acontecer neles próprios a lido neste domingo, é apresentada a parábola

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introdutória e a primeira explicação: Jesus que vivemos, podemos, porém, fazer uma per-
Cristo é a porta. Por ele entram os pastores gunta: a salvação vem só por Cristo?
verdadeiros, por ele são conduzidas as ove- A parábola e sua primeira explicação (Jesus,
lhas até os prados onde encontrarão vida. a porta) nos ensinam que pastor, mesmo, é só
Antes dele, vieram pessoas que entravam e quem passa através de Jesus e faz o rebanho pas-
saíam, não pela porta, mas por outro lugar: sar por ele. O sentido fundamental da pastoral
eram assaltantes, que conduziam as ovelhas é ir às pessoas por Cristo e conduzi-las, através
para a perdição, para tirar-lhes a vida. Pouco dele, ao verdadeiro bem.As maneiras podem ser
importa quem sejam esses assaltantes – Jesus muitas: antigamente, talvez, usavam-se modos
parece pensar nos mestres judeus de seu tem- mais paternalistas; em nossos dias, modos mais
po –, não os devemos seguir. O que importa participativos. Seja como for, pode-se chamar
é a mensagem positiva: que passemos pela de pastoral uma mera ação social ou política?
porta que é Jesus Cristo. Só o caminho que Por mais importante que seja, semelhante ação
passa por ele é válido. Essa porta se situa, ainda não é, de per si, ação pastoral cristã. Para
portanto, na comunidade dos fiéis a Cristo. ser pastoral cristã, a atuação precisa ser orientada
Na comunidade que representa o Cristo, pelo projeto de Cristo, que ele nos revelou,
depois da ressurreição, encontramos o que dando sua vida por nós.
nos serve para sempre; teremos o mesmo Nessa ótica, os pastores devem ir aos fiéis
acesso ao Pai que os apóstolos encontraram (não aguardá-los de braços cruzados), através de
na pessoa de Jesus (cf. Jo 14,6-9). Jesus, com Cristo (não através de mera cultura ou ideo-
sua comunidade, é a porta que dá acesso ao logia), para conduzi-los a Deus (não apenas à
Pai. Ele dá acesso ao caminho da salvação instituição que é a Igreja), fazendo-os passar
tanto aos pastores, para entrarem, quanto por Cristo, ou seja, exigindo adesão à prática de
aos rebanhos, para saírem rumo às pastagens. Cristo. Os fiéis devem discernir se seus pastores
Onde há vida, é por Cristo que chegamos não são “ladrões e assaltantes”, e o critério para
a ela (cf. Jo 14,6). O prefácio da Páscoa II discernir é este: se chegam através de Cristo e
(Cristo, nosso guia para a vida nova) e a ora- fazem passar os fiéis por ele.
ção final (proteção e “prados eternos” para A julgar pelas palavras do Novo Testamento,
o rebanho) dão continuidade a esse tema. parece que toda a salvação passa por Cristo.
Entretanto, isso deve ser entendido num senti-
III. PISTAS PARA REFLEXÃO do inclusivo, não exclusivo.Todo caminho que
O tempo pascal é tempo de reflexão sobre verdadeiramente conduz a Deus, em qualquer
a realidade de nosso batismo e de nossa fé. Ora, religião e na vida de “todos aqueles que pro-
nosso batismo não é real sem metanoia, sem curam de coração sincero” (Oração Eucarística
mudança de caminho, para conscientemente IV), passa, de fato, pela porta que é Jesus. Diri-
passarmos por Cristo. O batismo por conve- gido, provavelmente, a pessoas que já aderiram
niência não tem nada a ver com a conversão à fé em Jesus, o Evangelho de João ensina:
implicada no batismo verdadeiro. não precisam procurar a salvação fora desse
Conversão como reconhecimento do que caminho. Isso vale ser repetido para os cristãos
está errado e adesão a Cristo como escolha de nosso tempo. Por outro lado, não é preciso
do caminho certo, eis o que nos propõe a que todos confessem o Cristo explicitamente
liturgia deste dia. Mas, apesar de certa auste- para encontrar a salvação. Basta que, nas opções
ridade nessas considerações, temos também da vida, optem pela prática que foi, de fato, a
o testemunho da gratificação vital que essa de Cristo. Agir como Cristo é a salvação. E é
conversão a Cristo nos traz. No contexto em a isso que a pastoral deve conduzir.

64 vidapastoral.com.br • ano 64 • n o 350


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originou os textos, as tradições orais e o uso litúrgico. As introduções e notas, além disso, com
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