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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Judith Menezes Melo

DA OSTENTAÇAO À TOTAL DESCRIÇAO

FUNERAIS E SUAS TRANSFORMAÇOES

SALVADOR 2018
Judith Menezes Melo

DA OSTENTAÇAO À TOTAL DESCRIÇAO

FUNERAIS E SUAS TRANSFORMAÇÕES

Trabalho de conclusão da matéria


Antropologia, visita técnica ao cemitério
Campo Santo em outubro de 2018.
Orientadora: Prof. Dra. Priscila

SALVADOR – BA - 2018
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SUMÁRIO

Introdução..................................................................................... 2

Desenvolvimento............................................................................4

Conclusão.......................................................................................8

Lista de fontes ................................................................................9

Bibliografia ....................................................................................10

Anexo............................................................................................11
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Introdução

“... o Campo Santo é uma cidade mortuária que reproduz as condições de embate
de classes da sociedade dos vivo ...” (Reis, Pablo, 2011)

O cemitério Campo Santo foi inaugurado em 1836, na Fazenda São Gonçalo. A construção do
cemitério do Campo Santo foi alvo de protestos da comunidade no início do século XIX,
naquela época passou a ser proibido de enterros em ambientes fechados de acordo com
médicos sanitaristas. Anteriormente, higienistas afirmaram que os miasmas, teoria em voga
no período, que era uma espécie de vapores formados pela decomposição dos cadáveres,
seriam nocivos para a saúde humana, por isso que os enterros precisavam ser feitos fora da
área das residências por uma questão de saúde pública.

Em 25 de outubro de 1836, A Cemiterada, foi um movimento que ocorreu contra a proibição


de enterros em igrejas e a passagem do monopólio dessa atividade para uma empresa privada
em Salvador. A população e as organizações religiosas uniram forças contra essa norma do
presidente da província de Salvador e mesmo havendo uma proposta de possível acordo e
uma votação para evitar uma convulsão social em torno da questão, aconteceu um quebra-
quebra que se iniciou na praça do Palácio e se estendeu até o cemitério do Campo Santo.
Passado o período de conflito, o cemitério foi comprado pela Santa Casa da Bahia em 1840,
com atividades iniciadas em 1844.

Buscando compreender o porquê dessa comoção sobre a proibição dos sepultamentos dentro
das igrejas, encontrei uma pequena explicação, pesquisando no livro Historia da morte no
ocidente, onde há uma passagem na qual o autor Phelippe Aires escreve sobre sua
investigação na primeira parte do livro:

“... a antiga prática funerária, tão diferente da nossa: a exigüidade e o anonimato dos corpos o
reemprego das fossas, o acúmulo dos ossos nos ossuários – signos que interpretou como
marcas de indiferença em relação aos corpos. A partir de então, podia dar uma resposta ao
problema em questão: os cultos funerários da Antiguidade, mesmo aqueles com alguns traços
remanescentes no folclore, havia seguramente desaparecido. O cristianismo livrara-se dos
corpos abandonando-os à Igreja, onde eram esquecidos.
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“Foi apenas no fim do século XVIII que uma nova sensibilidade não mais tolerou a
indiferença tradicional, e que uma devoção foi inventada, tendo sido tão popularizada e
difundida na época romântica, que a creditaram imemorial” (Airès, 2012, p. 21).

Com o passar do tempo, em diferentes épocas, o funeral adquiriu diferentes ritos, os


indivíduos continuaram a distinguir seus entes falecidos dos demais investindo num funeral e
num sepultamento pomposo e representativo. Enquanto a camada pobre continuou a enterrar
os seus familiares de acordo com lhes restava.

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Desenvolvimento

No Brasil colonial, os senhores de engenho eram sepultados no terreno de suas casas, em


capelas feitas como continuação das sedes de habitação. O primeiro cemitério a céu aberto
que se tem notícia em Salvador é o do Campo da Pólvora, assinalado em plantas da fortaleza
datadas de 1715. De acordo com o site do cemitério, importantes personalidades políticas e
“vultos” da história da Bahia estão sepultados em sua propriedade. Emblemáticos como
Castro Alves, políticos como Luis Viana e Luis Viana Filho, Lauro de Freitas, Antônio de
Lacerda, Aristides Maltez. Mais do que figuras marcantes, nomes de cidades e avenidas, eles
fazem parte da história baiana e possuem um legado. Há também nesse cemitério, uma
representação artística. Considerado por especialistas em arte cemiterial o Campo Santo, é um
dos maiores representantes da arte cemiterial no Brasil. Há mais de 200 obras catalogadas,
compostas de manifestações artísticas nos túmulos que integram o que passo a ser chamado
de Circuito Cultural.

E atualmente, o que o público verá, será o descaso dos familiares com os mausoléus e covas e
as obras de arte que custaram um bom investimento, sem o devido reparo e manutenção. Os
sinais da decadência saltam aos olhos do visitantes. Surpreende, por exemplo, a ausência da
foto do político Antonio Carlos Magalhães em seu espaço mortuário. Faz com que de longe se
perceba o abandono que escancara o pouco caso, pois o neto é o atual prefeito da cidade de
Salvador. Ao mesmo tempo, poderão verificar que os mausoléus pertencente às famílias
burguesas e tradicionais da cidade, são mantidos com rigor e cuidado. As famílias contratam
pessoas das redondezas do cemitério para que cuidem das obras de arte e das plantas em volta.
Salta aos olhos, o bom estado dos mausoléus e sepulturas da família Odebrecht, Costa Pinto,
Francisco J. R. Pereira.

A mão de obra que faz a manutenção e limpeza, são pessoas que residem no entorno do
cemitério, há casos em que famílias se mantêm graças a essa preocupação em manter a
memória do ente ali enterrado. O cemitério dá oportunidade de trabalho dando prioridade da
mão de obra dos indivíduos que residem nos bairros do entorno. Famílias inteiras vivem de
prestar serviços aos familiares e visitantes do Campo Santo. Há indivíduos que podemos
considerar como autônomos, como os floristas, fornecedores de lanches, guardadores de
veículos, mão de obra para limpeza e jardinagem por exemplo, que sempre está presente no
dia a dia do cemitério. Há também um comercio bem estabelecido como lojas de flores,
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lanchonetes, posto de gasolina, lotérica, loja de miudezas, há ponto de ônibus e taxi, padarias,
mercearias, funerárias,

Atualmente a infra estrutura do cemitério assim se apresenta:

 31.259 sepulturas, sendo:


o 10.947 lóculos / gavetas (em ampliação).
o 3.012 jazigos.
o 16.000 ossuários (em ampliação)
o 281 mausoléus.
 08 salas para velórios.
 Nossa Senhora da Piedade - para missas e velórios.

Obras em busca de ampliação e modernizações estão limitadas como pode ser verificado nos
mapas que estão expostos na administração do cemitério. Então a médio e curto prazo, o
lançamento de novos módulos verticais, compostos por gavetas com a intenção de substituir
as antigas carneiras irá atender a sociedade, porém como em qualquer grande centro, a
limitação dos espaços a incapacidade de expansão física da área do cemitério aliada aos
problemas de segurança publica, será substituída pela cremação. Por enquanto ainda é um
serviço acima do alcance do população baiana comum e já é uma forte realidade para a
camada mais abastada da sociedade.

Um levantamento topográfico mais recente, de 2007, calculou em pouco mais de 55.000 m2


utilizados pelo cemitério. Os mais de 200.000 m2 perdidos do Campo Santo serviram para
originar os bairros do Alto das Pombas, a partir da década de 40, e do Calabar, a partir de
1970. Um dos últimos locais ocupados foi o Grotão da Mangueira, onde havia o projeto de
construção de um cemitério vertical. A partir da década de 70, a diminuição do espaço do
Campo Santo começou a entrar em contradição com o problema da demanda de
sepultamentos. A expansão do cemitério esbarrava com a redução do espaço físico original.

De acordo com o site do IBGE, com dados do ano de 2010, a população de Salvador é de
2.674.923, com domicílios particulares permanentes urbanos que são na ordem de 858.668, a
densidade demográfica 3.859, hab./km². Na cidade de Salvador, segundo site da prefeitura, há
o serviço de cremação gratuita. A Secretaria Municipal de Ordem Pública – SEMOP,
habilitou um número de telefone (3202-5429 / 3202-5472), denominado de “disque-
cremação”, que servirá para informar à população em geral sobre o serviço de cremação
gratuita e os cemitérios públicos que atendem a população de baixa renda, que estão
localizados nos bairros de:
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- Pirajá;
- Plataforma;
- Periperi;
- Paripe;
- Brotas;
- Itapoan;
- Ilha de Maré;
- Ilha de Bom Jesus dos Passos;
- Ilha Ponta de Nossa Senhora;
- Paramana (Ilha dos Frades).

Cemitérios particulares na cidade de Salvador são:

 Campo Santo, na Federação;


 Jardim da Saudade em Brotas;
 Parque Bosque da Paz em Nova Brasilia;

Essa informações são importantes, o crescimento da cidade esbarra na limitação física dos
cemitérios, o atendimento às demandas de sepultamentos, mesmo contanto com o contingente
que se dirige ás cidades menores para enterrar o ente em sua cidade de origem, não será
equiparada e o serviço de cremação irá crescer e tornar-se a única alternativa para quem reside
na cidade grande. È o que já acontece, por exemplo, em cidades como Rio de Janeiro e São
Paulo, onde a família por questão de segurança própria e de seus amigos, não mais compram
o serviço de velório e a recepção passa a ser na residência da família do falecido. O serviço de
cremação entra em contato informando a entrega das cinzas em invólucro escolhido pelo site
da empresa prestadora do serviço. Podendo assim então a família voltar a “dar um descanso”
eterno em sua residência, ou jardim próximo ou até na praia. Assim, todo os costumes
desenvolvidos ao longo de tempo em torno do cerimonial de velório, sepultamento e suas
representações ira adaptar-se a realidade.

As cinzas de meu pai, por exemplo, foram espalhadas na praça publica em frente a casa onde
ele morou até o inicio dá vida adulta. Foi enterrado em cemitério particular em Salvador no
ano de 2000, porém a segunda esposa não teve condições de pagar pela manutenção dos
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restos mortais no Jardim da Saudade. Pagou pelo serviço de um crematório e seguiu-se com
as cinzas para a cidade de origem de meu pai e ele esta depositado pelos jardins da praça
Tobias Barreto, em Aracaju no estado de Sergipe. E em oposição à situação de meu pai,
minha irmã falecida em 2010, foi sepultada no jazigo simples, recoberto de azulejo, sem placa
de sinalização indicando que seus restos mortais estão ali. Esse jazigo foi comprado por
minha avó materna há mais de 50 anos, em um cemitério público, também na cidade de
Aracaju. O serviço de velório, caixão e foi pago por um plano funerário pago pela sogra de
minha irmã, que custa mensalmente a ela R$11, 00 e na época foi uma salvação, pois na
família não havia de onde tirar o valor de R$7.000,00 para desembolsar pelo serviço simples e
esse valor representava naquele período o mais barato na cidade. Um pequeno detalhe, em
torno do jazigo, havia várias placas no chão com pessoas que ali precisaram ser enterradas,
durante o enterro de corpo de minha irmão, todos nós éramos obrigados a pisar nas placas de
identificação com fotos, dedicatórias e plantinhas em torno. O cemitério público não tem mais
espaços para acomodar a sua demanda e de maneira precária acolhe e atende dessa maneira as
famílias que assim como a minha tornou-se liberta desses simbolismos e emocionalmente e
economicamente se adéqua a situação que vive.
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Conclusão

No Capitulo VI, Riqueza e pobreza diante da morte na Idade Média - do livro história da
morte no ocidente, de Ariès, o autor escreveu:

“... o túmulo visível não é, portanto, o signo do lugar do enterro, mas a comemoração do
defunto, imortal entre os santos e célebre entre os homens. Nessas condições, tal túmulo era
reservado a uma pequena minoria de santos e personagens ilustres; quanto aos outros, que
fossem jogados nas fossas dos pobres, no local da igreja ou do átrio designado para eles, e que
permanecessem anônimos, como antigamente. Acreditamos que o lugar tomado pela auaritia e
pela superbia nas considerações do homem diante da morte traduz (ou provoca) uma mudança
da consciência de si...”.

“As efigies das sepulturas planas dos séculos XV e XVI eram fabricadas em séries por
artesãos especializados a partir dos modelos socioeconômicos; elas deviam reafirmar o
prestígio dos mortos que, desta forma, eram celebrizados neste e no outro mundo.”

Os costumes e os valores religiosos mudam. Os ciclos econômicos são causas diretas nas
modificações dos hábitos de uma sociedade, da mais alta classe até ao miserável que
sobrevive aos grandes centros. O ritual fúnebre e sua representação material rica e ostensiva
também se tornará parte de um ritual dos “mais antigos”. Assim, futuramente, leremos nos
livros de história, que já houve uma época em que a representação da morte através da arte já
fora muito utilizada. Aquela sociedade costumava atribuir importância e relevância a história
de um individuo, que em vida contribuiu para a sociedade, investindo em pequenos castelos
figuras artísticas, caras e com assinatura de quem a realizara. Os feitos dos indivíduos eram
gravados em pedras ricas e belas, de forma que não se apagasse da lembrança daquela
sociedade que ali, naquele lugar, descansava os restos mortais de alguém ilustre ou mero
desconhecido que era valorizados pelos seus familiares.
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LISTA DE FONTES

 https://correlatos.wordpress.com/2011/09/07/morte-e-vida-no-campo-santo/
 http://www.cemiteriocamposanto.org.br/o-cemiterio/index.html.
 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/salvador/pesquisa/23/25124?detalhes=true
 http://www.ordempublica.salvador.ba.gov.br/index.php/servicos/cemiterio-publico
 Reportagem: Co-relatos: Crônicas de mão dupla. Reis, Pablo. Setembro, 7, 2011.
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Bibliografia
Airés, P. (2011). História da morte no ocidente . Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Reis, J. J. (1991). A Morte é uma festa. São Paulo: Schwarcz.

Reis, P. (09 de Setembro de 2011). correlatos.wordpress.com/2011/09/07/morte-e-vida-no-campo-


santo/. Acesso em 17 de Novembro de 2018, disponível em correlatos.wordpress.com:
https://correlatos.wordpress.com/2011/09/07/morte-e-vida-no-campo-santo/
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ANEXOS  
ANEXO 1 - Localizando o cemitério na cidade de Salvador.

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Fonte: imagem 1 livro A Morte é Uma Festa imagem 2 mapa internet.

Imagem 02 – frente da capela principal

Fonte: representação da igreja do cemitério do Campo Santo achada na pesquisa de imagens no Google, sem referencia direta
a quem pertence e quem realizou o desenho).
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Imagem 03 – frente da capela principal

Fonte: Judith

Imagem 03 – imagem da frente do cemitério com a capela ao nível da rua, mito


diferente da imagem de hoje em dia

Fonte: foto feita por Judith de folheto administrativo do cemitério.

Imagem 04 - lateral do cemitério em obras


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Fonte: foto feita por Judith de folheto administrativo do cemitério.

Imagem 05 - mapas da área do cemitério

Fonte:Fotos de um pôster da sala do administrativo do cemitério.


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IMAGEM 06 – Mausoléus de Francisco J. R. PEREIRA e família Odebrecht.

Fonte : Judith
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Imagem 07 - Obras de arte cemiterial

Fonte: Judith

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