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AÇÃO PASTORAL PÓS-PANDEMIA (3)

DOM EDSON ORIOLO


15/06/2020
ARTIGO

Dom Edson Oriolo


Bispo de Leopoldina (MG)

Refletindo, nestes dias, sobre a ação pastoral e o impacto da pandemia sobre a missão
evangelizadora, concluo que já podemos falar em uma “geração coronavírus”, ou, com uma
abordagem mais positiva em “geração das lives”. Possivelmente, os mais otimistas dirão que tais
impactos são muito localizados e de cunho transitório, no entanto, sabemos que mudanças
antropológicas ditam novos imperativos para evangelizar. Não se trata de renunciar a valores
imutáveis ou ao que já temos consolidado, mas de encontrar caminhos para promover as dimensões
da evangelização, da celebração da fé e da partilha, no novo horizonte que se descortina.

Analisando a história humana, os especialistas identificam transformações comportamentais nas


gerações a cada ¼ de século. Esse fenômeno está sendo observado e catalogado desde o séc. 18. As
rápidas modificações no modus vivendi baixaram a média para 10 anos. Penso que, com avanço da
ciência (saber) e da tecnologia (fazer), esse intervalo está reduzido ainda mais, como já se pode
observar com as chamadas gerações Z, T e M, que se sucederam com grande rapidez.

Assim são denominadas e catalogadas as gerações: Geração Perdida (1883 – 1900); Geração
Grandiosa (1901 – 1924); Geração Silenciosa (1925 – 1942); Geração Baby Boomers (1946 –
1964); Geração X (1965 – 1978); Geração Y (1979 – 1992); Geração Z (1993 – 2006) e,
recentemente, fala-se em Geração T (Touch) ou Geração Alpha ou M (2006 ou 2010…).

A “Geração Coronavírus” é caracterizada por mudanças profundas na sociedade pós-


moderna e digital, que somos condicionados a entender como inexpugnável. Valores exaltados e
solidificados durante as últimas décadas, sobretudo o liberalismo social e econômico, precisam se
reinventar diante de uma ameaça inesperada e, paradoxalmente arcaica, para uma sociedade
altamente sofisticada tecnologicamente. De repente, o homem revive os arquétipos de ameaça
experimentados pelo humanoide da pré-história.

Tudo o que vemos, escutamos e reproduzimos sobre crise sanitária Covid19 está incidindo sobre
nosso futuro. Novas questões se colocam e obrigam nossos condicionamentos comportamentais a se
adaptarem: o risco das aglomerações, a relativização do universo de produção, a dicotomia entre
economia e autopreservação, a prática de lockdown e a sensação de um perigo constante são
capazes de mudar uma visão de mundo.

Outra característica marcante da geração “c” (coronavírus) ou “l” (lives) poderá ser a experiência de
impotência e de processo. As últimas gerações, chamadas tecnológicas, formaram no inconsciente a
idéia de “ilimitação” e imediatismo. O universo do instantâneo nos levou a entender o mundo e a
vida numa perspectiva de “super-homens”, que resolvem os seus problemas com “a ponta dos
dedos”. A geração “l” está reaprendo de forma caótica, que somos falhos, limitados, impotentes e
que, muitas coisas, só acontecem mediante um processo lento, como é o caso do desenvolvimento
de vacinas e tratamentos contra o Covid-19.
Além disso, ficarão marcas deste período de isolamento social. As pessoas desenvolverão novos
conceitos de autopreservação e convivência. Sabemos que após a chamada “Gripe Espanhola”
(Influenza H1N1), pandemia do final dos anos de 1910, a humanidade reinventou o conceito de
higiene. Penso que a pandemia do final dos anos de 2010, trará, também, novos conceitos, relativos
ao contato físico, à presença em locais com aglomeração, à prática de home office, além da
redescoberta do valor da casa (como lugar de vivência e convivência). Necessitamos nos preparar
para essa nova geração, esse novo amanhã, com desafios e potencialidades.

Percebo que a Igreja tende a mergulhar em uma acédia paralisadora. Os nossos projetos
pastorais não estão acontecendo como preparamos. Estamos sem contato real com o povo. Os
nossos paradigmas de ação foram brutalmente alterados. Nesse contexto, a tecnologia está se
impondo. Somos bombardeados por vários apelos que influenciam nossa visão na política,
economia, sociologia, psiquiatria, nos relacionamentos, na sexualidade e, também, nas nossas
verdades dogmáticas, eclesiológicas e rituais.

Devemos colocar nosso foco um pouco além do alvo. Nas aulas de basquete o professor de
educação física nos instruía que ao jogar a bola na cesta devíamos mirar a parte de trás do aro.
Sabemos que no golfe, devemos mirar a parte de trás do green; e no arco e fecha, mirar além do
alvo. Não se trata, portanto, de focar a nossa ação pastoral simplesmente (e ingenuamente!) em
atrair as pessoas para a comunidade de fé, mas de evangeliza-las no ambiente em que convivem,
seguros de que, consequentemente, se evangelizadas, formarão comunidade.

Não estamos tendo tempo para avaliar resultados de forma imediata, mas não podemos ficar inertes.
É necessário evangelizar com ousadia e acreditar que novos caminhos aguardam o nosso empenho
em percorrê-los. Acredito que as “lives”, muito usadas neste contexto de pandemia, foram uma
descoberta e poderão ser excelentes ferramentas para a evangelização. Consistem em uma
comunicação aberta, mas voltada para a pessoa do outro. Há um comprometimento com um
“público-alvo”, como nome, endereço e possibilidade de interação. Há uma troca de conteúdo
virtual, mas entre pessoas unidas por laços reais.

Talvez apenas agora, e de forma abrupta e improvisada, a Igreja esteja descobrindo a importância de
estar presente, evangelizando, o universo virtual. Como disse em outra reflexão, trata-se não apenas
de um novo espaço para lançar as sementes do Verbo, mas de uma nova linguagem a ser iluminada
pelo Evangelho. Na pandemia, essa interatividade proporcionada pelas “lives” está possibilitando o
comprometimento dos fiéis com as suas dioceses, paróquias e comunidades eclesiais missionárias e
poderá ser um instrumento valioso no exercício da missão evangelizadora.

As lives são um instrumental poderoso para atingir os fiéis em tempo de pandemia que será um
upgrade na pós-pandemia. A interatividade “ao vivo”, permite posicionamento, autoridade e
engajamento. Potencializa modo novo de evangelizar (reuniões estratégicas, palestras,
conferências), celebrar (transmissões da eucaristia e catequese litúrgica) e assistência aos pobres
(organizando campanhas, doações, conscientização da partilha). Será um recurso para interagirmos
com os paroquianos e nos aproximarmos das pessoas. A interatividade virtual é caminho para
vivência da fé nas comunidades eclesiais missionárias.

FONTE
https://www.cnbb.org.br/acao-pastoral-pos-pandemia-3/
Pandemia e pós-pandemia: dez pontos para
reflexão
Todos estamos sofrendo com esta Pandemia, mas os que mais sofrem são os pobres: aumento do
número das pessoas em situação de miséria, perda de emprego, vagas de emprego diminuindo com
a quebra de empresas, ausência de condições para precaver-se contra o contágio. A Igreja, mãe que
sempre busca atender os pobres, necessitados e vulneráveis continuará a ser interpelada no seu
cuidado pelos últimos da nossa sociedade.

Dom Paulo Cezar Costa - Diocese de São Carlos


Equipe de Análise de Conjuntura Eclesial
Pandemia e Pós - Pandemia: Dez Pontos para Reflexão
“Eis que eu estou convosco todos os dias”(Mt 28,20)
“Eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos”(Mt 28, 20). Estas palavras
de Jesus, dirigidas aos discípulos, dão-nos a certeza de que não estamos sozinhos diante dos
problemas, desilusões, sofrimentos, crises, pandemias, etc. Ele caminha conosco. Estamos vivendo
um tempo difícil da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19), em que parece custoso ver a
presença do Senhor junto a nós. Papa Francisco, na Praça de São Pedro vazia, expressou bem:
“Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas,
enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem:
pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos”.
Mas a narrativa dos discípulos de Emaús, nos dá a certeza de que nas noites escuras da vida e da
história, o Senhor permanece conosco, Ele caminha conosco (Lc 24, 13-35).
Este tempo grave de Pandemia fechou as portas de nossas igrejas, mas a Igreja não está fechada, ela
continua alimentando seus filhos e filhas através da oração, da Palavra, das celebrações transmitidas
pelas TVs Católicas, rádios e mídias sociais, continua assistindo aos pobres e mais necessitados pela
caridade e criando redes de solidariedade. Não sabemos até quando esta crise durará, talvez, em
muitas regiões, ainda que não tenha chegado o pico, porém, já se começa a ver sinais de possíveis
superações. É preciso, vivermos com responsabilidade este momento, incentivando o nosso povo ao
cuidado com a própria vida e com a vida do próximo, como nos exortou a Campanha da
Fraternidade: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”(Lc 10, 33-34). É importante, também,
começarmos a refletir sobre este processo de volta e do pós-pandemia. Propomos, no desejo de
ajudar, alguns elementos para a nossa reflexão:
1.                  Este tempo de Pandemia nos fez estar presentes nas casas e na vida das pessoas de
uma forma nova: por meio das mídias sociais. Já as usávamos como meio de comunicação, de
evangelização, de missão e de solidariedade. Este tempo acelerou o processo de uso das mídias
sociais para reuniões, trabalhos, aulas, missas, etc., tudo on-line. Descobrimos uma nova forma de
nos fazermos presentes nas casas, nas famílias e na vida das pessoas. E as pessoas descobriram este
novo modo de presença, de participação na vida da comunidade. Este caminho deve continuar a ser
trilhado: quantas lives, inclusive com transmissão de celebrações, terços, orações, etc. A PASCOM
(Pastoral da Comunicação) tornou-se uma pastoral fundamental na vida das Dioceses, Paróquias e
Comunidades. É um passo que foi dado e que não poderá retroceder. Porém, nossas celebrações,
voltarão a ser presenciais. Jesus, com seus gestos e palavras, com sua morte e ressurreição,
convocou a assembleia do Novo Israel, a Igreja. A Igreja, desde o Novo Testamento, reúne-se em
assembleia litúrgica, a cada domingo, para celebrara memória da morte e ressurreição do Senhor, a
Eucaristia. A própria assembleia reunida é sinal da presença do ressuscitado (Mt 18,20).É
encontrando-se com o irmão de fé, cantando, rezando, celebrando, ouvindo a Palavra de Deus e se
alimentando da Eucaristia que se mantém o coração aquecido, no amor do Senhor, e que se renova a
disposição de ser dom na vida da sociedade. Não há oposição entre a assembleia litúrgica presencial
e a transmissão virtual, pois existe uma absoluta primazia do presencial. Trata-se de uma forma de
continuar atingindo tantas pessoas que ainda não se despertaram para a importância de viver e
partilhar a fé em comunidade, e que, vendo a vivacidade da comunidade cristã, poderão ser atraídas
para esta.Por isso, o uso das mídias sociais deverá continuar a ser um grande elemento da presença
da Igreja, de evangelização, demissão, de oração com o nosso povo, de promoção da caridade e
solidariedade. Este caminho exigirá maior investimento nas PASCOM, na aquisição de materiais e
de formação de pessoas especializadas.
2.                  A vida moderna é marcada por uma grande agitação que envolve toda a pessoa:
preocupações, corre-corre para o trabalho, tantos afazeres que o ser humano não tem tempo para
parar. A sociedade tornou-se sociedade do operar, do transformar, do consumir, etc. A pós-
modernidade conjuga dois aspectos muito fortes da vida: a racionalidade e o sentimental. A
influência da razão faz com que tudo pareça bem previsível, tudo deve estar sobre o acirrado
controle racional. De um momento para outro, deparamo-nos confinados e isolados em nossas
casas. Esta Pandemia nos colocou diante do imprevisível e impensável.  De um momento para o
outro, sentimos que tudo fugiu do nosso controle: desde a realidade econômica, até o emprego, a
saúde, a liberdade, etc. A vida humana se manifestou em sua fragilidade e contingência. Sentimo-
nos ameaçados naquilo que nos é mais precioso: a vida humana. Neste tempo e campo, podem
aflorar doenças psicológicas, distúrbios, desequilíbrios afetivos e emocionais. Neste cenário, a
Igreja deve estar preparada para se manifestar como uma mãe que cura feridas, que apresenta o
remédio da consolação e da esperança. A oferta de tantas propostas, que fazem parte do rico
patrimônio espiritual da Igreja, como aconselhamento, espiritualidade, métodos de oração, podem
ajudar na saúde física e no equilíbrio espiritual das pessoas. É preciso, neste tempo, conduzir as
pessoas a um sentido mais profundo da existência, a um retorno às raízes, que se encontram no
mistério eterno do amor de Deus (1Jo 4,8.16). Neste caminho, pode-se incentivar o ministério da
escuta, também, a ajuda de profissionais como psicólogos (as),que em nossas comunidades, por
meio do trabalho voluntário, possam ajudar e atender, principalmente os mais pobres. Tenhamos
sempre presente o que nos pede o Papa Francisco: “Há que afirmar sem rodeios que existe um
vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos”[1].
3.                  Depois de um tempo de crise, em que se experimenta a contingência da vida, emerge a
questão do sentido da vida. Nesta busca de sentido aflora a procura pelo elemento religioso. É
possível que haja um despertar da busca religiosa. A Pandemia pode assim, ser um elemento
despertador da dimensão religiosa, da busca de Deus e precisamos estar atentos a isso. A imagem
dos gregos que querem ver Jesus (Jo 12, 21) nos ajuda nesta reflexão: O coração de todo ser
humano traz este desejo profundo de “ver” Jesus. Nesta passagem, o verbo “ver” expressa todo o
desejo e abertura que há no ser humano para a face de Deus, toda inquietação que o coração
humano traz na busca de sentido. Nas situações de doença, no falimento diante da morte, nas
situações limites da vida, coloca-se sempre o problema do sentido da existência, da totalidade de
sentido da vida em si, mas sobre tudo da vida humana. Em cada ser humano há uma busca de
sentido, há um projeto de sentido da vida[2]. O conceito de sentido expressa o projeto de totalidade
da nossa vida, que não pode encontrar o “seu ser-total” sem o mundo no qual está situada. Somente
na experiência de sentido, e por meio desta, o ser humano chega ao “ser-total” e à salvação da
própria existência. O sentido experimentado e realizado seria então a salvação do ser humano[3]. A
religião deve ser portadora de sentido e de esperança à existência humana. É preciso que “a luz da
fé”[4] ilumine os caminhos a serem trilhados no pós-pandemia. A Igreja deve estar preparada para
acolher as pessoas fragilizadas não como uma alfândega cheia de exigências e fardos pesados[5],
mas como uma mãe misericordiosa conduzindo as pessoas ao encontro com a pessoa de Jesus
Cristo e integrando-as na comunidade de fé. Deve-se perceber que a experiência de finitude e
impotência poderá auxiliar a revermos nossa condição humana dependente de Deus. Como cristãos,
precisamos destacar o sentido de seguir o Crucificado que ressuscitou. Rever o lugar da Cruz em
nossa experiência eclesial poderá purificar toda tentação de reduzir a fé cristã aos interesses de
segurança e sucesso.  Os santos místicos nos recordam que “tudo passa e só Deus basta”, mas é
preciso aceitar as noites escuras sem perder a esperança.
4.                  Em meio a esta pandemia, houve a redescoberta da “Igreja doméstica”[6], este belo
conceito de São Paulo VI.  A família reaprendeu a estar junta, a rezar unida, a compartilhar a vida, a
existência, etc. Papa Francisco propôs para o mês de maio de 2020 a oração do terço. Que bonito
seria, se a família, unida e reunida, pudesse rezar o terço. Aqui sim, teríamos o exercício genuíno da
função sacerdotal batismal do pai e da mãe de família, que, com este simples e lindo gesto, estariam
animando e alimentando a oração e a vida espiritual de sua família, de sua “Igreja doméstica”. 
Nesta valorização da Igreja doméstica, As Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil
2019-2023 podem impulsionar o valor das Comunidades Eclesiais Missionárias e da Igreja
Doméstica em tempos de revisão de ação pastoral pós-pandemia. Contemporaneamente, este é um
período e momento em que dramas humanos afloraram e se explodiram, inclusive levando a um
crescimento do número de separações de matrimônios, aumento da violência familiar que vitima as
mulheres, crianças e idosos. Também esta realidade exigirá a presença da Igreja, como uma mãe
misericordiosa, para ajudar a sarar feridas e corações machucados (Is 61,1). O Ano da misericórdia,
pedagogicamente, nos fez encontrar com o amor misericordioso de Deus e impeliu a Igreja a ser
mãe misericordiosa. “A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. Toda a sua ação
pastoral deveria estar envolvida pela ternura com que se dirige aos crentes; no anúncio e
testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia. [...] É o tempo de
regresso ao essencial, para cuidar das fraquezas e dificuldades dos nossos irmãos. O perdão é uma
força que ressuscita para nova vida e infunde a coragem para olhar o futuro com esperança”[7].
5.                  Todos estamos sofrendo com esta Pandemia, mas os que mais sofrem são os pobres:
aumento do número das pessoas em situação de miséria, perda de emprego, vagas de emprego
diminuindo com a quebra de empresas, ausência de condições para precaver-se contra o contágio,
etc. A Igreja, mãe que sempre busca atender os pobres, necessitados e vulneráveis continuará a ser
interpelada no seu cuidado pelos últimos da nossa sociedade. A solidariedade é fundamental neste
contexto. São João Paulo II dizia que a solidariedade “Não é um sentimento de vaga compaixão ou
de ternura superficial pelos males de tantas pessoas próximas ou distantes; pelo contrário, é a firme
e perseverante determinação de trabalhar para o bem comum, isto é, para o bem de todos e de cada
um, a fim de que todos sejam verdadeiramente responsáveis por todos”[8].Neste caminho, é preciso
envolver todos os atores da vida de uma sociedade: poderes públicos, mundo empresarial, meios de
comunicação, instituições educacionais, ONGs, cada cidadão. É preciso, de imediato, assistir aos
pobres, pois quem tem fome não pode esperar. Porém, parece-nos que neste momento é preciso algo
mais, é necessário colocar nossas estruturas a serviço e criar parcerias que possam ajudar as pessoas
a serem sujeitas da própria história. Junto com o SEBRAE, ou outras instituições, é preciso apoiar
pequenos cursos que ajudem as pessoas a criarem seu negócio, a serem um pouco mais profissionais
naquilo que já estão fazendo ou que poderão vir a construir. É preciso apontar caminhos e dar meios
para que as pessoas possam ser sujeitos da própria história. Nesta grande crise que abateu a todos, é
preciso ir além dos discursos, além do assistencialismo, pois “o pensamento social da Igreja é
primariamente positivo e construtivo, orienta uma ação transformadora e, nesse sentido, não deixa
de ser sinal de esperança que brota do coração amoroso de Jesus Cristo”[9].
6.                  Em realidades onde tantas pessoas perderam a vida e não tiveram sequer as justas
cerimônias de despedida, onde os familiares foram impedidos de chorar junto a seus entes queridos,
a Igreja não pode perder de vista que é direito das pessoas chorarem e fazerem a última despedida
antes de sepultar seus corpos. Sabemos o quão importante e significativo é o Ritual das Exéquias.
Primeiro, pela própria concretude da morte: aquela pessoa querida terminou sua jornada, e a
família, quando realiza seu funeral, encerra concretamente este capítulo de uma dolorosa história.
Segundo, o pertencimento social: quando os amigos e outros membros da família expressam as suas
condolências, as pessoas enlutadas se sentem confortadas e pertencentes a um grupo social no qual
construíram sua história ao longo de gerações. Acrescenta-se que no momento do velório conta-se
as histórias do falecido(a), resgata-se seu legado, reconstrói-se a memória da pessoa e o quanto ela
foi amada e importante. A partir disso, os familiares vão elaborando o luto e confortando a dor da
perda, que será sempre irreparável. Desta forma, os ritos fazem com que a morte seja um processo
no percurso da vida, ainda que doloroso. A ausência destes rituais tem um impacto muito negativo e
sofrido, emocional e afetivamente falando.  A falta deste momento de despedida, como estamos
vendo durante a Pandemia do Novo Coronavírus, causa uma lacuna na vida de pessoas e famílias
inteiras, com sentimento de vazio e impotência. A pessoa tem o direito da Cerimônia de Exéquias,
que ajuda no processo de superação do luto. Aqui, o caminho da justa criatividade acompanhada
pela responsabilidade, deve ajudar.
7.                  É importante que, neste processo de abertura, mantenhamos o cuidado e o respeito pela
vida humana, que caracteriza a doutrina da Igreja e que norteiam nossos pronunciamentos e atitudes
neste tempo da Pandemia do Novo Coronavírus. Devemos dar atenção às orientações emanadas
pela Organização Mundial da Saúde, às normas dos Estados e dos Municípios. A Igreja deve sentir-
se sujeito das normas justas emanadas pela autoridade civil, principalmente se visam preservar e
promover a vida humana. Ocorreram intervenções indevidas de agentes do Estado em celebrações.
Deve-se afirmar a liberdade da Igreja de exercer livremente a sua missão e como bem afirmou o
Concílio Vaticano II: “o direito a esse exercício não pode ser impedido, desde que guarde a justa
ordem pública”[10].Se em algum momento, por imprudência ou excesso de zelo de representantes
de alguma das partes, acontecerem conflitos ou exorbitância na competência, o caminho de solução
passa sempre pelo diálogo. Em última instância, a justiça existe para garantir as liberdades
individuais e a justiça nas relações.  Não podemos nos esquecer que a vida humana é um imperativo
para os discípulos e discípulas de Jesus Cristo, que veio “para que todos tenham vida e a tenham em
abundância” (Jo 10,10).
8.                  O amor fraterno deve, neste momento histórico, fazer a diferença na nossa vida e
caminhada de nossas comunidades. Também a Igreja, na sua caminhada, já sente as consequências
da crise na vida de cada um e na vida econômica que está se abatendo sobre o mundo. É tempo de
manifestarmos concretamente o nosso amor através da ajuda entre paróquias que têm melhores
condições econômicas e aquelas menos favorecidas, entre irmãos que têm condições melhores e
irmãos que têm condições piores. O livro dos Atos dos Apóstolos, que estamos lendo neste Tempo
Pascal, indica-nos o caminho: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém
considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum”(At 4,32.2,42).
9.                  Não podemos nos esquecer da saúde física e psicológica dos nossos amados
presbíteros. O estarmos celebrando sem a presença física do nosso povo, igualmente reclusos em
suas casas, os problemas financeiros que começam a afetar a vida das paróquias, podem afetar
também a saúde física e psicológica dos nossos presbíteros. É importante, neste momento, que
ofereçamos suporte humano e psíquico aos nossos presbíteros e que, se preciso for, indiquemos
psicólogos (as) que possam ajudá-los no equilíbrio emocional.
10.              Nós, cristãos católicos, não devemos entrar no falso dilema entre escolha da
preservação da vida ou da economia. As oposições podem manifestar visões parciais da realidade.
Papa Francisco nos relembra que “a unidade prevalece sobre o conflito”[11].A preservação da vida
e o cuidado da economia não estão em contraposição. O cuidado da vida sempre levará em
consideração o cuidado da economia, pois a centralidade deve ser da pessoa humana, não do lucro.
Enfim, a Igreja deve ser portadora da grande Esperança que nasce da fé, tanto para o nosso amado
povo como para a vida da sociedade inteira. Cristo Morto e Ressuscitado é a grande razão da nossa
esperança, e “devemos estar sempre prontos a dar razão dela a todo aquele que no-la pedir” (1Pd
3,15).Como nos pede o Papa Francisco: “não deixemos que nos roubem a esperança!”[12]. O
anúncio de Jesus Cristo tem que ser portador de Esperança. A Esperança Cristã se fundamenta na
memória de Cristo. A ressurreição de Cristo nos diz que Ele não se encontra mais entre os mortos, e
que, portanto, a força deste mundo mortal foi rompida[13]. O cristianismo primitivo fundava sua fé
não sobre uma reconstrução científica do Jesus histórico, mas na escuta da viva proclamação do
Senhor morto e ressuscitado. Este foi o grande anúncio daquele primeiro dia da
semana: Ressuscitou, não está mais aqui! A ressurreição de Cristo nos dá a certeza de que a história
é história de vida e de ressurreição. Ele está conosco (Mt 28,20), não estamos sozinhos na história e
na batalha cotidiana da vida.
Estas indicações querem, simplesmente, ajudar a nossa reflexão neste momento difícil da história.
 
[1] Papa francisco, Evangelii Gaudium, 48.
[2] W. Kasper, Fede e Storia, 128.
[3] W. Kasper, Fede e Storia, 129.
[4] Papa francisco, Lumen Fidei, 1.
[5] Papa francisco, Evangelii Gaudium, 47: “AIgreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há
lugar para todos com a sua vida fadigosa”.
[6] papa francisco, Lumen Gentium, 11.
[7] Papa francisco, Misericordiae Vultus.
[8] João paulo ii, Sollicitudo rei socialis, 38.
[9] Papa francisco, Evangelii Gaudium, 86.
[10] Concilio vaticano ii, Declaração Dignitatis Humanae, 2.
[11] Papa francisco, Evangelii Gaudium, 226-230.
[12] Papa francisco, EvangeliiGaudium, 86.
[13] J. Moltmann, “Ressurreição - fundamento, força e meta de nossa Esperança”, 112.

https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2020-05/pandemia-e-pos-pandemia-dez-pontos-para-
reflexao.html 08 maio 2020, 09:12

FONTS:https://www.vidapastoral.com.br/edicao/a-igreja-no-pos-covid-19-desafios-pastorais/
Publicado em novembro-dezembro de 2020 - ano 61 - número 336 - pág.: 12-20

A IGREJA NO PÓS-COVID-19: DESAFIOS PASTORAIS


Por Maria Cecilia Domezi

Introdução

“Estende a tua mão ao pobre” (Eclo 7,32) é o slogan da carta que, em 13 de junho deste ano, o papa
Francisco publicou como mensagem sua para o IV Dia Mundial dos Pobres, a ser celebrado em 15
de novembro de 2020.

No intenso convívio com a incerteza e a morte, nossas mãos foram dramaticamente sentidas,
pensadas e tratadas. Tantas pessoas não tinham como higienizar as suas, por falta de água e de
recursos de desinfecção. Mãos habituadas a abençoar e acarinhar ficaram isoladas, impotentes,
impedidas do toque final de despedida dos entes queridos. Pelas ruas, motocicletas eram dirigidas
por outras mãos, em serviços de entrega de alimento, transportado nas costas por quem tinha seu
estômago vazio e uma família para sustentar.

Outras tantas mãos foram ao encontro daquelas que se estendiam na mais angustiante
vulnerabilidade e carência. Fizeram de igrejas e salões paroquiais entrepostos de solidariedade, para
recolher e repartir alimento, agasalho e produtos de higiene. Mãos confeccionaram e doaram
máscaras de proteção. Mãos profissionais e cheias de humanismo expuseram-se a sérios riscos – em
tantos lugares do Brasil onde faltaram os adequados equipamentos de proteção individual – para
cuidar dos enfermos e moribundos, transportá-los, curá-los, carregar e sepultar os mortos.

Ao mesmo tempo, sentimos o vazio dos templos fechados pela decretação do isolamento social.
Aliás, um esvaziamento e fechamento de igrejas, mosteiros e seminários já eram vistos antes da
pandemia, na Europa e em outras partes do mundo, evidenciando que precisávamos nos preparar
para um novo tempo na história do cristianismo. As Igrejas precisavam passar de um estático ser
cristão para um dinâmico tornar-se cristão (HALÍK, 2020).

Vivemos o choque diante do túmulo vazio de Jesus, junto com as mulheres discípulas. Ele não
estava ali. Ressuscitado, esperava-nos na Galileia (cf. Mc 15,42-47 e 16,1-8), lugar das pessoas
desprezadas e descartadas.

Já não podemos permanecer acomodados em templos grandes e lotados, mas vazios de ação
missionária.

No dia 27 de março de 2020, foi um sinal dos tempos o vazio plenificado de sentido humano
envolto pelo mistério divino na imensa praça de São Pedro. Francisco, bispo de Roma, ali caminhou
sozinho, carregando no coração a dor da humanidade e do mundo. Mostrou que a cruz vence o
absurdo, liberta-nos do medo e nos dá esperança. Conclamou todos a possibilitar “novas formas de
hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”. E fez esta oração:

Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos
detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não
ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos,
pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora, sentindo-nos em mar
agitado, imploramos-te: “Acorda, Senhor!” (VATICAN NEWS, 27 mar. 2020).
Neste mundo enfermo, são muitos e urgentes os desafios pastorais para a Igreja, que, como insiste o
mesmo papa Francisco, é chamada a ser Igreja em saída.

1. Sair do centralismo clerical e do culto sem vida

É teologia fontal da Igreja cristã que o batismo estabelece entre seus membros uma igualdade
fundamental. De fato, o apóstolo Paulo escreveu: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre
escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gl
3,28).

Com o tempo, porém, as relações fraternas e igualitárias entre os membros da Igreja foram
contaminadas por desigualdades e discriminações. As mulheres, submetidas desde muito cedo ao
crivo do patriarcalismo, têm sido as mais prejudicadas. Os ministérios foram clericalizados e
hierarquizados, com nuances estranhas à mensagem e à prática de Jesus. Isso resultou numa
institucionalização empobrecida e fechada no mundo clerical masculino, em detrimento do carisma
(SOBERAL, 1989, p. 175-177; 290; 331-332).

No Concílio Vaticano II, o aggiornamento da compreensão da Igreja sobre si mesma deu primazia
ao povo de Deus em sua totalidade. A partir do concílio e com base na dignidade de todas as
pessoas batizadas, a hierarquia e os ministérios específicos são redimensionados. Por isso, o papa
Francisco afirma que as funções na Igreja não legitimam a superioridade de uns sobre os outros.
Acima do ministério sacerdotal está a dignidade e a santidade acessível a todos e todas (EG 104).

Nos meses atípicos da pandemia, não faltaram testemunhos de atuação de membros da Igreja
conscientes dessa doutrina e coerentes com ela. Segmentos do laicato católico, junto com
sacerdotes, religiosas e religiosos, prepararam e conduziram, na internet, importantes seminários,
ciclos de formação, momentos de espiritualidade e de liturgia que celebra a vida e a luta. A ação
pastoral caminhou, com seus serviços específicos, na comunhão das Igrejas locais e da Igreja
universal. E o exercício consciente da “cidadania batismal” se fez sentir, na corresponsabilidade de
todos enquanto participantes do ministério comum de líderes-pastores, sacerdotes e profetas.

No entanto, também apareceram descompassos: o de um laicato reduzido a ajudante do padre e


quase somente ao redor do altar do culto, e o de padres restritos ao altar, que enviaram aos fiéis
mensagens quase sempre de mão única, sem espaço aberto para o diálogo. Está certo que muitos
sacerdotes saíram pelas ruas a pé, em cima de caminhonetes e até sobrevoando de helicóptero para
dar a bênção do Santíssimo Sacramento. Famílias esperaram durante horas, reunidas em oração.
Transformaram em capelas suas garagens, varandas, janelas, com toalhas estendidas, flores, velas e
imagens de santos de devoção. Emocionaram-se e se sentiram consoladas. Ali estava o rico
potencial do catolicismo popular.

A questão é que a bênção não pode ser só de passada, num vazio de vínculo e de compromisso com
as pessoas em suas realidades e situações específicas. Ainda mais porque o pluralismo religioso
chama a Igreja a superar aquele modo de cristandade que se impõe como religião de toda a nação. A
Igreja em saída empenha-se numa construção como que artesanal da abertura ao outro,
criativamente, com o ecumenismo que contribui para a unidade da família humana (EG 244-245). E
a dádiva da bênção divina virá pela consciência de que a imagem de Deus está gravada na pessoa de
quem sofre:

São inseparáveis a oração a Deus e a solidariedade com os pobres e os enfermos. Para celebrar um
culto agradável ao Senhor, é preciso reconhecer que toda pessoa, mesmo a mais indigente e
desprezada, traz gravada em si mesma a imagem de Deus. De tal consciência deriva o dom da
bênção divina, atraída pela generosidade praticada para com os pobres. Por isso, o tempo que se
deve dedicar à oração não pode tornar-se jamais um álibi para descuidar o próximo em dificuldade.
É verdade o contrário: a bênção do Senhor desce sobre nós e a oração alcança o seu objetivo quando
são acompanhadas pelo serviço dos pobres (FRANCISCO, 2020a).

Nessa dinâmica que dá vida ao culto, também é preciso repensar a pastoral voltada para as famílias.
Estas, tantas vezes destroçadas e cada vez mais marcadas pela pluralidade religiosa, estão longe
daquele modelo de moral familiar sob o controle do clero católico para manter a sociedade
hegemonicamente católica.

A pastoral familiar precisará de todo o envolvimento e ajuda da comunidade eclesial para que seus
animadores e agentes estejam em permanente formação, cultivando a espiritualidade na interação
com o engajamento social. Como Jesus ao aproximar-se da viúva que enterrava seu filho único (Lc
7,11-17), da sogra de Pedro enferma (Lc 4,38-40), de Jairo e de sua filha que estava morrendo (Lc
8,40-56), é imprescindível a proximidade com as famílias em sua real condição de vida e, agora,
com as marcas dolorosas da pandemia, para ajudá-las a experimentar a misericórdia de Deus
(CNBB, 2019, n. 139).

Na realidade brasileira, principalmente nas grandes cidades, as famílias são atingidas por
isolamentos permanentes e indeterminação de lugar. Muitas delas tornam-se pequenos aglomerados
de indivíduos isolados, sofrendo com a crise econômica e o desemprego, e com uma rotina marcada
pelo medo e pelo desamparo. Um culto que se furte a essa realidade e não se paute no direito e na
justiça torna-se ofensa a Deus. Na palavra divina “quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt
9,13), está o princípio ético absoluto que inclui todos e põe a vida antes da norma e do culto
(PASSOS, 2020, p. 118-119).

As famílias têm o amor vivido, que é força para toda a Igreja (AL 88). E grupos de famílias podem
constituir núcleos comunitários onde a Igreja se reúne para meditar a Palavra, rezar, partilhar a vida
e o pão (CNBB, 2019, n. 140).

2. Ser Igreja na comunhão de pequenas comunidades

Por um lado, faltam-nos estudos, fundados na objetividade científica, a respeito da vivência dos
católicos durante o isolamento social, longe dos padres. Sabemos que é real a crescente
secularização, assim como a tendência aos arranjos pessoais de crenças e práticas religiosas em
meio à modernidade líquida.

Por outro lado, testemunhos de diversos amigos falam da força do catolicismo popular, no qual se
está historicamente habituado a não sentir tanta falta da presença do sacerdote. Podemos lembrar o
ciclo da mineração do ouro na história do Brasil. O poder central da colônia proibiu a presença do
clero religioso e submetia a rígido controle os padres seculares. Em meio às dores da escravidão,
porém, ali nas Minas Gerais, forjou-se um modo de Igreja da base, de face leiga e devota,
comunitária, fraterna e até certo ponto subversiva da ordem injusta e cruel que se impunha. Junto
com alguns freis e padres místicos e andarilhos, os ministérios eram exercidos por capelães de beira
de estrada, beatos, festeiros, fundadores de santuários, membros e dirigentes de irmandades devotas
dos santos.

Essa trilha histórica do catolicismo popular, com seu sulco profundo, preservou-se apesar do
empenho romanizador da hierarquia da cristandade. Seu referencial foi importante para a irrupção
insuspeitada das comunidades eclesiais de base, no pentecostes do Concílio Vaticano II, que a Igreja
da América Latina abraçou de modo original desde a Conferência de Medellín. Como afirma o
Documento de Aparecida, elas “demonstram seu compromisso evangelizador e missionário entre os
mais simples e afastados e são expressão visível da opção preferencial pelos pobres”. A serviço da
vida na sociedade e na Igreja, são fonte e semente da multiplicidade dos ministérios eclesiais (DAp
179).

Será imprescindível a atuação de muitas pequenas comunidades eclesiais missionárias nas ruas,
condomínios, aglomerados, edifícios, unidades habitacionais, bairros populares, povoados, aldeias e
grupos de afinidade. No encontro de comunidades que celebram a Eucaristia, sacramenta-se a
privilegiada comunhão com a Igreja local, os vínculos fraternos se fortalecem, partilha-se a vida, há
compromisso em projetos comuns e impulsiona-se a missão em meio à sociedade (CNBB, 2019, n.
85).

No mundo pós-pandemia, o centralismo na matriz paroquial não será oportuno, tampouco a


concentração de massas de católicos em grandes templos. Quando forem possíveis, o encontro e o
culto em catedrais, templos grandes, estádios serão de comunidades vivas em comunhão e
participação. Na Eucaristia, sacramento da unidade de toda a Igreja, estará a vivência eucarística de
todos os membros em seu cotidiano.

As mulheres, especialmente, têm dado testemunho dessa dimensão eucarística no cotidiano das
casas. Como observa a teóloga inglesa Tina Beattie (2020), surgiu uma Igreja doméstica que
dissolveu fronteiras entre a liturgia formal, mediada por um sacerdócio exclusivamente masculino, e
um mundo doméstico mais informal, de liturgias caseiras e rituais improvisados, muitas vezes
presididos por mulheres. Elas assumiram o sacerdócio da casa e da criação, e tornaram eucarísticas
as refeições.

3. Ser Igreja em defesa da vida, sobretudo da dos mais pobres e vulneráveis

A Igreja em saída é decididamente missionária. Deixa de ser autorreferencial e preocupada em ser o


centro, presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Sai em direção aos outros e chega às
periferias humanas. É a casa do Pai aberta a todos e é mãe de coração aberto. É preferível que esteja
“acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas” a enferma pelo próprio fechamento em
si (EG 46-49).

É claro que os recursos econômicos são necessários, como também as estruturas eclesiásticas
societárias e jurídicas. Será preciso, porém, vencer a tentação de persistir na manutenção da falsa
segurança na grandeza e no poder. E, no âmbito da sociedade, profeticamente dizer não à economia
de exclusão. “Esta economia mata!” Ninguém é descartável (EG 53-56). Nessa perspectiva, são
antievangélicas as barganhas com governantes opressores (CNBB, 2020a). Como disse o papa
Francisco no final do Regina Coeli, em 31 de maio de 2020, “nós, pessoas, somos templos do
Espírito Santo; a economia não”.

Que não se cobre dos paroquianos, já tão angustiados pela crise econômica e pelo desemprego, uma
sobrecarga de obrigações com quermesses, festas e campanhas de arrecadação de dinheiro. A
exemplo das primeiras comunidades cristãs (At 2,42-47 e 4,32-37), é hora de encorajar-se uns aos
outros para a mútua ajuda, leigos e sacerdotes, compartilhando a própria pobreza, as dádivas da
criação, o tempo a dedicar ao próximo, os dons de cada um. Na Igreja local correspondente à
diocese, uma caixa comum será oportuna para diminuir a desigualdade econômica entre os
membros do clero e socorrer os que estejam em necessidade.

Desse modo, a Igreja testemunhará ao mundo que a vida tem de estar em primeiro lugar. O Concílio
Vaticano II afirma que o desenvolvimento econômico deve permanecer sob a direção do ser
humano, mas não deve ser deixado só a cargo de uns poucos indivíduos ou grupos economicamente
mais fortes, nem exclusivamente da comunidade política, nem de algumas nações mais poderosas
(GS 65).
Em 24 de abril de 2020, numa nota reiterativa do Pacto pela Vida e pelo Brasil, de diversas
organizações voltadas para o bem comum, a CNBB afirmou que a economia deve estar a serviço da
vida, na perspectiva da Doutrina Social da Igreja. Além disso, conclamou toda a sociedade
brasileira e os responsáveis pelos poderes públicos “a se libertarem dos vírus mortais da discórdia,
da violência, do ódio”, unindo-se na defesa da vida, especialmente a dos mais pobres e vulneráveis.

Como Igreja em saída, temos de nos lançar nos serviços de cura da humanidade e do mundo. É bem
oportuna a metáfora do papa Francisco da Igreja como um hospital de campanha:

Aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração
dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. É
inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas
feridas. Depois podemos falar de todo o resto. Curar as feridas, curar as feridas… E é necessário
começar de baixo (FRANCISCO, 2013b).

A Igreja como hospital de campanha é a que faz diagnósticos, identificando os sinais dos tempos;
faz prevenção, criando um sistema imunológico ao vírus do medo, do ódio, do populismo e do
neocolonialismo; e faz convalescência, com o perdão que ultrapassa os traumas (HALÍK, 2020).

Nesse modo de atuar na sociedade, como membros da comunidade eclesial, ajudaremos as pessoas
a se libertarem da indiferença consumista, a cultivar uma identidade comum e uma história a ser
transmitida para as novas gerações, a recuperar e desenvolver os vínculos que fazem surgir novo
tecido social. Cuidaremos do mundo e da qualidade de vida dos mais pobres, na consciência
solidária de habitarmos numa casa comum que Deus nos confiou (LS 178).

Referências bibliográficas

BEATTIE, Tina. As mulheres e a Igreja pós-pandemia. Revista IHU On-Line, São Leopoldo, 5 jun.
2020. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/599690-as-mulheres-e-a-igreja-pos-
pandemia-artigo-de-tina-beattie>. Acesso em: 20 jun. 2020.

CELAM. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado


Latino-americano e do Caribe (DAp). Brasília, DF: CNBB; São Paulo: Paulus/ Paulinas, 2007.

CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil: 2019-2023. Brasília, DF:
CNBB, 2019. (Documentos da CNBB, n. 109).

______. Nota de esclarecimento, 6 jun. 2020a. Disponível em: <https://www.cnbb.org.br/a-igreja-


catolica-nao-faz-barganhas-afirma-nota-de-esclarecimento/>. Acesso em: 20 jun. 2020.

______. Nota oficial da presidência, 29 abr. 2020b. Disponível em:


<https://franciscanos.org.br/noticias/posicionamento-da-cnbb-em-defesa-da-democracia-pela-
justica-e-pela-paz.html>. Acesso em: 20 jun. 2020.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no Mundo Atual
(GS). In: ______. Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 20. ed.
Petrópolis: Vozes, 1989.

FRANCISCO, papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no


mundo atual (EG). São Paulo: Paulus/Loyola, 2013a.
______. Exortação Apostólica Pós-sinodal Amoris Laetitia: sobre o amor na família (AL). São
Paulo: Paulinas, 2016.

______. Carta Encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum (LS). São Paulo:
Paulus/Loyola, 2015.

______. Entrevista a Antonio Spadaro. Revista IHU On-Line, São Leopoldo, 19 out. 2013b.
Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523920-procuremos-ser-uma-igreja-que-
encontra-caminhos-novos-entrevista-com-o-papa-francisco>. Acesso em: 20 jun. 2020.

______. Mensagem do Santo Padre Francisco para o IV Dia Mundial dos Pobres, 13 jun. 2020a.
Disponível em: <http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/poveri/documents/papa-
francesco_20200613_messaggio-iv-giornatamondiale-poveri-2020.html>. Acesso em: 20 jun. 2020.

______. Carta ao presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, por ocasião do Dia Mundial do
Meio Ambiente. Vatican News, 5 jun. 2020b. Disponível em:
<https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-06/papa-carta-presidente-colombia-dia-mundial-
meio-ambiente.html>. Acesso em: 20 jun. 2020.

HALÍK, Tomás. Igrejas fechadas: um sinal de Deus? Revista IHU On-Line, São Leopoldo, 3 maio
2020. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/598553-igrejas-fechadas-um-sinal-
de-deus-artigo-de-tomas-halik>. Acesso em: 20 jun. 2020.

MAYER, Tânia da Silva. Igrejas domésticas em tempos de pandemia. Dom Total, 7 abr. 2020.
Disponível em: <https://domtotal.com/noticia/1435277/2020/04/igrejas-domesticas-em-tempos-de-
pandemia/>. Acesso em: 20 jun. 2020.

PASSOS, João Décio. O vírus vira mundo: em pequenas janelas da quarentena. São Paulo: Paulinas,
2020.

SOBERAL, José Dimas. O ministério ordenado da mulher. São Paulo: Paulinas, 1989.

VATICAN NEWS. Papa Francisco: abraçar o Senhor para abraçar a esperança, 27 mar. 2020.
Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2020-03/papa-francisco-coronavirus-
bencao-urbi-et-orbi.html>. Acesso em: 20 jun. 2020.

Maria Cecilia Domezi


doutora em Ciência das Religiões e mestre em Teologia e em História Social, leciona História da
Igreja no Instituto Teológico São Paulo (Itesp). Entre seus livros está Mulheres do Concílio
Vaticano II, publicado pela Paulus. Tem experiência de trabalho pastoral e assessoria às CEBs.

O futuro da Igreja no pós-pandemia


por Crispim Guimarães dos Santos, 12 de fevereiro de 2021, 1 Comentários(s)
Pe. Crispim Guimarães dos Santos
Assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida da CNBB
Secretário Executivo Nacional da Pastoral Familiar

Não se fala de futuro sem uma leitura do passado e do presente. O futuro da Igreja entra nessa
análise, porque as pessoas percorrem essas fases temporais, inseridas na sociedade. Mas a Igreja
deverá fazer uma avaliação a luz da revelação.

Se o chronos é um limite, a humanidade é convidada a viver o kairós, dando ressignificação aos


fatos.

A pandemia exige uma análise do agir humano. Esse desencadeou o presente e seus impactos no
futuro da humanidade. Aos bispos do Brasil, o Cardeal Tolentino disse: “Apercebemo-nos, e de uma
forma dramática, que os nossos discursos, as nossas práticas estabelecidas, os nossos espaços, a
nossa organização foram, de um momento para outro, também colocados em crise ou declarados
inadequados. E transcorridos esses meses, dentro de nós sabemos como era o passado, mas não
sabemos ainda exatamente como será o futuro. Contudo, Jesus também aqui é o nosso Mestre, pois
Ele nos incita a uma auscultação mais profunda da realidade”.

Se a gripe espanhola levou meses para chegar ao Brasil e ao mundo, a globalização fez se alastrar
rapidamente o contágio da COVID-19. Eis um elemento para o qual a Igreja deve estar atenta, sem
globalizar a solidariedade no compartilhamento dos bens temporais e espirituais, nas descobertas
científicas, nos relacionamentos interpessoais e na relação com o Criador, o futuro está ameaçado!
O caminho a ser construído e vivido é a “fraternidade universal”.

O Patriarca Ortodoxo Bartolomeu, em 20 de junho de 2012, advertiu que o modo predatório da


sociedade globalizada é um crime contra o Criador e traz consequências nefastas para o ser humano.
E o Papa Francisco na Laudato Si faz uma defesa veemente da pessoa, defendendo a criação, na
qual ela está inserida.

Com a pandemia, o mundo e a Igreja foram desafiados, nossos sistemas condicionantes foram
invertidos. As pessoas foram atingidas em todos os âmbitos com tantas mudanças bruscas.
Tristemente, observamos que alguns poucos aumentaram em trilhões de dólares suas fortunas
enquanto milhões entraram na linha da pobreza.

As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) 2019-2023, da CNBB,


falam da evangelização do mundo urbano, o nosso mundo. Se o anúncio de Jesus sofreu reveses,
também abriu possibilidades. Jesus é o caminho da Igreja ontem, hoje e amanhã, mas será preciso
redesenhar, repensar e redescobrir como anunciar a Palavra revelada.

O Papa Francisco insiste que o todo é maior que a parte e a realidade é mais importante que a ideia.
“Será preciso mais evangelização e menos sacramentos”. A pandemia é também uma crise
existencial, que denuncia um estilo de vida. A Igreja precisa ser sensível para encontrar e
implementar uma “Nova Evangelização”, que passa pelo caminho do acompanhamento mais
personalizado, com menos eventos de massa, um olhar mais atento para as mídias e novas
tecnologias, utilizando-as com sabedoria, sem cair nas suas armadilhas.

Precisa-se de uma Pastoral Profética e Misericordiosa, que coloque a família no centro da


evangelização, saindo do discurso e assumindo que, se de fato a família não for acolhida,
acompanhada, num processo constante e vivencial de discernimento e inserção, todas as outras
pastorais, e a sociedade em si, estarão fadadas ao fracasso, porque as pastorais trabalham com
famílias. Vale recordar que de 19 de março de 2021 a 26 de junho de 2022, o Papa Francisco
novamente volta a propor a temática, com o ano “Familia Amoris Laetitia”, porque a Família é o
Santuário da Vida, onde se forma o caráter, de onde emanam as vocações e profissões.

A Igreja existe para a evangelização,o seu futuro passa pela defesa, promoção e cuidado com a vida.
Por isso, é tempo de plantar, de construir e de ter esperança, porque tudo na vida tem seu propósito
(cf, Ecles, 3,1-8).

Fonte: Revista Família Cristã - http://vidaefamilia.org.br/o-futuro-da-igreja-no-pos-pandemia/

Discernir a pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas


03 a 06 de maio de 2021. Edição virtual

Cartaz do Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral


03 Mai 2021

Inicia hoje o Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral promovido pela Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia - FAJE. Com uma ampla programação articulada em torno ao tema Discernir a
pastoral em tempos de crise: realidade, desafios, tarefas, o Congresso tem como objetivo refletir
sobre a pastoral da Igreja católica no atual contexto urbano, fragmentado e plural do Brasil em
tempos de pandemia, que afetou tão profundamente a experiência religiosa, a vida eclesial e a
organização das comunidades cristãs, para discernir, em meio a esses “sinais dos tempos”, os
desafios e as tarefas para a ação pastoral e evangelizadora, contribuindo assim na construção de
uma caminhada cada vez mais sinodal da Igreja, como a propõe o papa Francisco.

Eis a apresentação e programação do Congresso

Apresentação

“[...] fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no
mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos
chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento [...] nós nos apercebemos de que
não podemos continuar estrada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos” (PAPA
FRANCISCO, Homilia do dia 27 de março de 2020).

Desde Aparecida, a Igreja vem se dando conta de viver “uma mudança de época” (Ap 44). Essa
mudança é provocada por transformações tecnológicas, culturais, econômicas, antropológicas e
ecológicas. Na pastoral, ela é sentida, sobretudo, através da fragmentação do campo religioso,
ocasionada pela irrupção do pluralismo, que colocou a escolha e o sentimento dos indivíduos como
centro da experiência espiritual, dando origem a uma infinidade de denominações religiosas, muitas
delas de viés pentecostal, afinadas com a sociedade de consumo e seu culto ao bem-estar, à
prosperidade e à transformação do sagrado em magia e espetáculo. O acesso às tecnologias da
informação possibilitou a disseminação de muitas propostas de busca de sentido, e transformou as
redes sociais em grandes púlpitos de pregação e apelo à conversão. Essas mudanças coexistem com
a aceleração do processo de urbanização, o aumento das injustiças, que, segundo o papa Francisco,
dão origem a multidões de “descartados” e a um estilo de vida que não se preocupa em “cuidar da
casa comum” (LS, 45), produz “retrocessos” e faz com que os sonhos sejam “desfeitos em
pedaços”, tornando o outro inimigo e não próximo (FT 10, 45).

A temática do congresso tem a seguinte formulação: Discernir a pastoral em tempos de crise:


realidade, desafios, tarefas. A questão da pandemia será o grande sinal dos tempos a ser pensado
teologicamente no congresso

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Essa “mudança de época” foi acelerada com a crise sanitária provocada pela Covid-19, que revelou
os mecanismos de produção de desigualdades do sistema econômico e social dominante no mundo.
No Brasil, contrariamente ao que se poderia esperar, esta crise, ao invés de unir o país ao redor de
uma política comum de proteção da população, exacerbou a polarização iniciada na eleição de 2014
e radicalizada na de 2018. Inicialmente, os debates opuseram os que defendiam o “cuidado das
pessoas” aos que pretendiam “salvar a economia”. Argumentos “terraplanistas” e “negacionistas”,
mesclados com falsas notícias, deram origem a orientações diversas e às vezes opostas das
autoridades políticas nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Isso suscitou muita desinformação
e contribuiu para o crescimento exponencial do índice de contágio e de mortes. Mais recentemente,
as disputas ideológicas ao redor da vacina indicam que o acesso ao imunizante também será
marcado por grandes dificuldades, sobretudo para a população mais vulnerável. A “volta ao
normal”, tão desejada por tantas pessoas, não pode, porém, ser um retorno à maneira antiga de viver
e de se relacionar com o mundo e as pessoas.

A pastoral da Igreja foi profundamente afetada em todo esse período de pandemia, com muitas de
suas atividades suspensas, sobretudo nos primeiros meses. Após o retorno, tais atividades têm sido
realizadas com restrições, tendo impactos profundos na vida e na organização eclesial. As
tecnologias digitais deram origem a inúmeras iniciativas, na liturgia, na pregação, na formação, na
realização de encontros de todo tipo. Em muitos lugares, quem é do grupo de risco e os que têm
acesso limitado às plataformas virtuais, têm sido excluídos da assistência pastoral.

A temática do congresso atualiza a de 2020 com a seguinte formulação: Discernir a pastoral em


tempos de crise: realidade, desafios, tarefas. Como não podia deixar de ser, a questão da pandemia
será o grande “sinal dos tempos” a ser pensado teologicamente no congresso. De fato, de muitas
maneiras a religião foi utilizada nesse período. O nome de Deus serviu a propósitos díspares,
inclusive para respaldar posições ideológicas contrárias à vida. A própria compreensão de Igreja foi
afetada, levando muitos a se perguntarem sob que figura ela subsistirá no pós-pandemia. João
Batista Libanio, em 2012, na obra Cenários da Igreja num mundo plural e fragmentado, identificava
então no Brasil cinco cenários: 1. o da Igreja instituição; 2. o da Igreja carismática; 3. o da Igreja da
pregação; 4. o das Comunidades Eclesiais de Base; 5. o da Igreja fragmentada, pós-moderna. O
surgimento, nos últimos anos, de grupos tradicionalistas e fundamentalistas, muito ativos na mídia
social, indica a irrupção de um novo cenário, que aposta na polarização, manipula o uso da tradição,
mas rompe com o Concílio Vaticano II, o magistério do papa Francisco e as orientações da CNBB.
Preocupa ainda a persistência, em muitos grupos e movimentos eclesiais, do clericalismo e de
estruturas eclesiásticas contrárias às mudanças empreendidas pelo atual Pontífice. Nesse contexto e
nesses cenários, permanecem, contudo, as questões: o que é evangelizar? Como ser testemunha da
alegria do Evangelho, sobretudo nas periferias existenciais, no cuidado da casa comum, em atitude
samaritana? Como participar ativamente do processo de reforma da Igreja ao qual nos chama o papa
Francisco?

O que é evangelizar? Como ser testemunha da alegria do Evangelho, sobretudo nas periferias
existenciais, no cuidado da casa comum, em atitude samaritana? Como participarmos ativamente do
processo de reforma da Igreja chamado pelo papa Francisco?
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Objetivos do Congresso
Objetivo Geral
Refletir sobre a pastoral da Igreja católica no atual contexto urbano, fragmentado e plural do Brasil
em tempos de pandemia, que afetou tão profundamente a experiência religiosa, a vida eclesial e a
organização das comunidades cristãs, para discernir, em meio a esses “sinais dos tempos”, os
desafios e as tarefas para a ação pastoral e evangelizadora, contribuindo assim na construção de
uma caminhada cada vez mais sinodal da Igreja, como a propõe o papa Francisco.
Objetivos específicos

1. Retomar as principais experiências e aprendizados da pastoral da Igreja católica nesse tempo


pandêmico, avaliando seu impacto, relevância e limites na existência dos fiéis da Igreja no país;

2. Aprofundar os novos desafios levantados pela pandemia à pastoral da Igreja, buscando pistas e
experiências exitosas surgidas nesse período nos vários âmbitos da evangelização e da pastoral;

3. Estudar o impacto das tecnologias digitais no anúncio e na vivência da fé, indicando as pistas que
abriram para a evangelização dos vários âmbitos da sociedade e a organização eclesial;

4. Reler as novas Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, destacando seus


desdobramentos durante a crise sanitária desencadeada pela Covid-19 e depois da pandemia;

5. Refletir sobre o significado do fenômeno pentecostal para a ação pastoral da Igreja, buscando
encontrar, no anseio espiritual dos movimentos e igrejas que se inspiram nesta experiência, pistas
para um agir pastoral em conformidade com a tradição espiritual e pastoral da Igreja;

6. Interrogar-se sobre os gestos, palavras e iniciativas do papa Francisco no decorrer da pandemia,


de seu impacto na ação pastoral da Igreja do Brasil e seus possíveis desdobramentos.

7. Buscar alternativas pastorais aos desafios enfrentados a partir de estudos, reflexões e experiências
pastorais relevantes que permitam abrir novos caminhos pastorais na atualidade.

8. Contribuir na busca de pistas para a vivência sinodal da caminhada eclesial, identificando os


entraves para esta vivência na mentalidade, nas práticas e na organização pastoral da Igreja.

FONTS https://www.ihu.unisinos.br/categorias/608879-discernir-a-pastoral-em-tempos-de-crise-
realidade-desafios-tarefas

Pós pandemia igrejas terão que se voltar mais ao evangelismo digital

01 Junho 2020
A “inovação” que igrejas abraçaram assim que celebrações litúrgicas foram bloqueadas em função
do combate ao covid-19 e passaram a ofertar missas e cultos virtuais “não foi realmente inovação,
foi adaptação”. Algumas das mudanças que viriam daqui a cinco, dez anos – como a normalização
do trabalho remoto – chegaram em dias e a mudança do ministério centrado nas instalações físicas
para o ministério domiciliar aconteceu em horas.

A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.

A análise é do ex advogado e pastor fundador da Igreja Connexus, Carey Nieuwhof, de Barrie, no


Canadá, que mantém blog voltado à formação de lideranças religiosas, mudança e crescimento
pessoal. O normal desapareceu e “uma das tendências mais emocionantes que surgiram até agora é
ver as igrejas se concentrarem no ministério diário, não apenas no ministério dominical”, analisa.

No futuro, prevê o pastor, as igrejas em crescimento serão organizações digitais com localizações
físicas. Com a mudança para a igreja digital como padrão, “muitos líderes perceberão que seu foco
no ministério terá que mudar de suas instalações para as casas das pessoas”, vaticina.

Nieuwhof assinala que “fazer com que as pessoas assumam a responsabilidade por seu próprio
crescimento espiritual, pelo evangelismo, pelo discipulado e até pela liderança de suas próprias
famílias só pode ser uma coisa boa”. No futuro, prossegue, os líderes da igreja se verão mais como
facilitadores, ajudando as pessoas a aprofundar sua fé nos lares, nos bairros e nos locais de trabalho.
“A missão da igreja sempre foi conectar pessoas a Deus e umas às outras. A igreja sempre foi sobre
isso, pessoalmente ou online”, lembra.

Mas ele considera surpreendente que, às vezes, as conexões digitais são tão ou mais significativas
que as conexões pessoais. “Sei que haverá muitos que se opõem a isso, mas é tolice ignorar o fato
de que as pessoas se conectam mais facilmente online e muitas vezes admitem a verdade mais
prontamente online do que presencialmente”.

O líder da Connexus destaca que as igrejas ainda terão reuniões e serviços físicos pós-pandemia,
mas “na futura igreja, se você se importar com as pessoas, vai se preocupar com a igreja digital”. O
crescimento e o impacto online são “subprodutos do trabalho duro de ajudar as pessoas todos os
dias”, afirma.

A lógica de Nieuwhof é simples: “Se as pessoas vivem todos os dias precisando de esperança e
recursos para viver sua fé, ou encontrar fé, todos os dias, os líderes da igreja precisam começar a
acompanhar as pessoas todos os dias”. Ele recomenda: “Embora sua missão nunca mude, seus
métodos terão que mudar”.

Inovar, experimentar, “faça sua missão mais importante que seus métodos”, admoesta. A crise pode
ser um acelerador, mas também é o berço de inovações e avanços. E conclui: “Colocar a igreja
digital de volta à prateleira no novo normal é ignorar a maior oportunidade que a igreja hoje tem
para alcançar as pessoas”.

FONTS https://www.ihu.unisinos.br/categorias/599524-pos-pandemia-igrejas-terao-que-se-voltar-
mais-ao-evangelismo-digital

Igreja após o vírus: futuro plural


22 Abril 2020
FONTS https://www.ihu.unisinos.br/categorias/598250-igreja-apos-o-virus-futuro-plural
"Parece urgente acolher e pensar sobre os desafios postos neste momento, em vista de uma ação
destinada a construir uma sociedade mais solidária e provocar os processos de reforma da Igreja à
luz da experiência de dor e repensamento que estamos vivenciando", escreve Alessandro Cortesi,
professor de teologia sistemática no Instituto de Ciências Religiosas da Toscana e editor do blog La
parola cresceva, em artigo publicado por Il Regno, 20-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.
Os dias da epidemia despertaram muitas preocupações profundas e novos questionamentos. Um
tempo subitamente interrompido e suspenso, marcado por tanta dor e isolamento, gerou
pensamentos, medos, mas também despertou sonhos e esperanças em relação ao que estamos
vivenciando e novas perguntas sobre o futuro possível.

Esse questionamento, combinado com o desejo de troca de ideias, levou um pequeno grupo de
historiadores, filósofos, catequistas, liturgistas e teólogos - unidos por seu empenho com o estudo e
a sensibilidade eclesial e política - a discutir, antes de tudo, para compartilhar a escuta do que essa
situação está gerando em nossas vidas, e depois pensar juntos sobre o que poderia ser um futuro
para a Igreja e a sociedade na passagem dessa crise global.

Uma iniciativa de troca de ideias e pensamento compartilhado


A iniciativa, iniciada em meados de março, a partir de uma solicitação de Serena Noceti, teóloga e
incansável animadora de processos eclesiais, juntamente com o historiador do cristianismo de
Vittorio Berti, de Pádua, tomou a forma de uma primeira série online com a ajuda de meios
tecnológicos.

Primeiro foi compartilhada uma troca de reflexões sobre o presente. Depois foi formulado um
programa de trabalho comum como um serviço para a comunidade eclesial, em um período
próximo à Páscoa, no qual a suspensão das celebrações nas igrejas abria novas questões.

Um projeto de trabalho conjunto


Foi acordado formular uma proposta articulada em três objetivos com divisão de tarefas: o
compromisso de escrever uma carta aberta, reunindo algumas sugestões para animar uma reflexão
mais ampla e um diálogo entre pessoas e comunidades; a preparação de um subsídio como proposta
de celebração doméstica do tríduo pascal; e a publicação de um e-book como uma coleção de
pequenos ensaios sobre a experiência deste período da pandemia em torno de algumas palavras-
chave significativas a serem identificadas com base no intercâmbio implementado.

Juntos no mesmo barco


Para isso foi inaugurado um site que recebeu o título da imagem proposta pelo Papa Francisco na
meditação de 27 de março em uma Praça São Pedro deserta, comentando a página do Evangelho de
Jesus e os discípulos no barco na tempestade: todos juntos no mesmo barco. Imagem que resumia o
senso de compartilhar uma condição comum de fragilidade e a inter-relação da humanidade, de
diferentes povos e do meio ambiente, casa comum, em tempos de epidemia.

Foto: Vatican News

Diante dos desafios do presente: uma carta aberta


Na carta aberta elaborada e coordenada por Simone Morandini e Riccardo Saccenti foi destacado o
desafio que está diante de nós, e indicada perspectiva de imaginar o futuro, quase como colocar uma
semente sob a neve: "O desafio é entender como viver esse tempo, tão cheio de experiências de dor,
sofrimento, morte, talvez vivido na solidão ... um tempo que nos revela de uma maneira diferente
quem somos: mostra nossa fragilidade e evidencia muitas contradições da atual forma social e a
torna mais agudas, ... o que questiona certezas e obriga a repensar o que dá valor e qualidade à
nossa vida”.

Três áreas específicas são identificadas na carta com a sugestão de perguntas para a reflexão.

Este tempo questiona a vida da Igreja, convidada a acolher o chamado do Evangelho contido no
ficar em casa. Como podemos viver esse tempo para que ele seja generativo, para um estilo de
Igreja renovado e fiel ao Evangelho?

O âmbito da realidade socioambiental é provocado para superar um sistema econômico-financeiro


injusto que gera desigualdades globais, para construir um futuro sustentável com vistas à ecologia
integral. Como cultivar uma forte consciência da vida juntos no planeta, à luz da interconexão
vivenciada nos dias de hoje?

Este tempo também indica - com a força da realidade - que a paz é possível se redescobrirmos a
dimensão planetária de nossa existência. Como fazer germinar a partir desses dias de incerteza
perspectivas fecundas, que também reforcem o compromisso contra a pobreza e a grande crise
socioambiental das mudanças climáticas?

Celebrando a fé em casa: um subsídio para o tríduo pascal


Alguns membros do grupo - Andrea Grillo, teólogo liturgista que coordenou o trabalho, Serena
Noceti e Alessandro Cortesi - se colocaram à disposição para a elaboração de um subsídio para
viver na dimensão doméstica o tríduo pascal: é intitulado #iocelebroacasa e delineou três itinerários,
sapiencial, ritual, batismal para a celebração dos dias da Páscoa.

O subsídio publicado no site foi uma proposta para viver os ritos e as palavras da Páscoa no
contexto e na experiência da casa como uma forte experiência da Igreja, isolados, mas não sozinhos,
e valorizando a liturgia da vida.

Outros preciosos colaboradores juntaram-se na obra de realização para o atendimento da seção


dedicada às crianças (Morena Baldacci), na edição (Federico Manicardi) e nas ilustrações e
desenhos (Luca Palazzi).

Palavras e propostas para um futuro possível diferente


Em breve, será publicado um e-book, sob a coordenação de Vittorio Berti e Marco Giovannoni, que
reunirá vários ensaios sobre algumas palavras-chave deste tempo de pandemia.

Serão abordados sob diferentes ângulos e com olhares plurais alguns temas sintetizados em dez
palavras que descrevem os traços da experiência de ler o presente e orientar-se para o futuro: tempo
suspenso (Enzo Biemmi), proximidade (Vittorio Berti), terra (Simone Morandini), corpo (Riccardo
Saccenti), futuro (Alessandro Cortesi), público (Marco Giovannoni), saberes (Riccardo Saccenti),
coparticipação / Igreja (Serena Noceti), periferias (Fabrizio Mandreoli), autoridade/liberdade
(Andrea Grillo).

O desejo compartilhado no grupo - que viveu esse compromisso com espírito de amizade e
compartilhamento - é despertar uma reflexão que se amplie em diferentes âmbitos.

De fato, parece urgente acolher e pensar sobre os desafios postos neste momento, em vista de uma
ação destinada a construir uma sociedade mais solidária e provocar os processos de reforma da
Igreja à luz da experiência de dor e repensamento que estamos vivenciando.

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