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REVISTA

GOTHIC
STATION
ESTILO & CULTURA
N º 2 - Setembro 2017

A DIVERSIDADE
DO GÓTICO
BRASILEIRO
Desafiando todos
os preconceitos...

Entrevistas exclusivas:
FAUN
the BEAUTY of GEMINA
Literatura:
O Sublime e o Gótico
O que é moda
MEDIEVAL? Festivais pelo mundo!

E MUITO MAIS:
Cinema, música, turismo, lançamentos...
PATRONOS:
AGRADECIMENTOS Colaboraram nesta edição:
ÍNDICE
Elton Jose Pereira Márcia Alfredo
Elton Marques Marcos Antônio KIPPER
Fã Clube Lacrimaníacos Editor geral, diagramador e criador
Érica de Freitas Marcos Corvinus Mattos
Shaiene Nasser Do Nascimento Erika dos Santos Parreira Marcos Roberto dos Santos da revista, escreve sobre literatura,
Carliany de Jesus Ribeiro Erika Duarte Pinheiro Mariana Carmo Cavaco música e realiza entrevistas e artes.
Marcell Diniz De C. Chaves Fabio Martins Mariana Gomes Trabalha desde 1988 na imprensa.
Liesel Raum Fábio Pereira Matias Marianna Ody www.gothicstation.com.br
Adriano Myotin Fausto Saglauskas Dias Melani Lopes Tome
SANA SKULL
Gothic Station # 2 - Setembro de 2017:
Felipe Alexandre Michelle da Silva
Felipe Ribeiro Cazelli Monica Viciious Escreve sobre moda, estilo e história

2
Cleidson Barbosa de Oliveira Fernanda Zys Munique Gomes Moura Santana da moda. Estudou Design de Moda,
Fernando Molina Nayara Soares é Jornalista, Consultora e
Adrianne Linhares Fidel Bjorkuud Nina De Marco pesquisadora de História da Moda. COMPORTAMENTO: Diversidade Gótica
Adriano Faria da Cruz Franci Dietrich Nivia Larentis www.modadesubculturas.com.br

10
Alexandre Paschoaletto Gabi Sampaio Ohi Pablo Santiago Freire
Alexandre Porto ILUÁ HAUCK
Alexandre Vavallo
Gabriel Amorim
Gabriela Campanille
Paulo Nojento
Pedro Lopes Em Londres há 20 anos, é artista plástica
TURISMO: Entremuralhas Iluá Hauck
Aline de Sousa Pereira

14
GB XB - Cláudio Gimenez Pedro Maia Nogueira e jornalista de arte. É artista e curadora
Aline Schlaepfer Monteiro Genevieve Heinstein Pedro Rodrigues dos Santos em lugares históricos: o “Cemitério de
Alter Breitenbach Gilberto Nunes Morais Priscilla Coelho Campos da Paz Brompton” e o “Upstairs at l’Escargot”. MÚSICA- Resenhas & lançamentos 2017
Aluizio de Almeida cruz Gilberto Valente de Oliveira Rangel de Oliveira www.iluahauckdasilva.com

16
Amanda Oliveira da Silva Santos Giorge F. Araújo Raquel Carneiro
Ana América Faria Gui Wave Regiane Assunção ALEX TWIN
Ana de Oliveira Bueno Guilherme C. Wuthrich Renan Caique Silva Organizador de festivais internacionais, ENTREVISTA: Faun Kipper
Ana Frehmaz

20
Guilherme Seabra de Mello Renato Zanotto de Paschoal proprietário do selo Wave Records,
Ana Luísa Borin Trevisan Gustavo Duarte Roberto Gomes Junior membro das bandas 3 Cold Men, Wintry,
Ana Paula Canel Bluhm
Ana Paula de Jesus Passos
Hebert Alan Diener Rodrigo Ortiz Vinholo Individual Industry e Pecadores.
www.waverecordsmusic.com
MODA: Estilo Medieval Sana Skull
Hellays Tatiane Fernandes Rômulo Meira Lima Ferreira Filho

26
Analy Layla Nut Hellen Bastos Rosana Barrera
Andre Zangari Henrique Cunha Carvalho Sara Metzli LUCIANA FÁTIMA
André Luiz Araújo Humberto Luminati Sergio Oteiro de Oliveira & Arlindo Gonçalves são escritores e COBERTURA: Woodgothic Morfeus Affinito &
Andreia Maria Delfino da Silva Ilua Hauck da Silva Sheila Cristina Alvarez fotógrafos. Luciana é pesquisadora do Santiago Laranjeira
30
Andressa Pires Quintilhano Isabela Cristina Dourado Simone Silveira Venzel Romantismo, sobretudo da vida e obra
Anelize Opolis do poeta Álvares de Azevedo.
Angell Ferreira
Isael da Silva
Jackson Pereira Mendes da Silva
Solaris Okemi Severon
Tainã Braghin facebook.com/DelirioPoesiaMorte
CINEMA: 3 Filmes 80’s Luciana Fátima &
Beatriz Cerqueira Biscarde Arlindo Gonçalves
34
Janaína Souza Tânia Kanno
Beatriz Thaísa Watanabe Janistorp Pereira de Sá Tatiana Yuri Hatushikano JULIO FRANÇA
Bianca Schwarz Janyson Correa de assis filho Thacy Mendes Professor Adjunto de Teoria da Literatura COBERTURA: Wave Gotik Treffen Alex Twin
Bruna Caroline Silva Jaqueline Campos Thaís de Paula do Instituto de Letras da UERJ. Autor de

40
Bruna Guimarães Jean Michel Macêdo dos Santos Thamy Adriana dos Santos “As nuances do Gótico: do Setecentos
Bruno Augusto Jean Riè Tharusca Thaiane à atualidade” entre outras obras.
Bruno Fischer Dimarch Jesse Soares Nascimento Thiago Benevides www.juliofranca.academia.edu ENTREVISTA: Beauty of Gemina Kipper
Bruno Túlio

44
Jessica Carmo Thiago de Paula
Caio Pimpinato Jéssica Cleofer Amaral de Abreu Thiago Meyer MORFEUS AFFINITO
Camila Figueiredo Cordoni
Camila Makie
Jéssica Helena Corrêa Thiago Soares Santos Ativista cultural, é organizador das
coletâneas musicais do zine “De Profun-
LITERATURA: O Sublime Julio França
Jessica Mayara Tiago Albarn

49
Carlos Augusto Ferreira Jéssica Oliveira Tiago Silveira da Silva dis”, sócio do sebo “Clepsidra”.
Carlos Eduardo Madureira Trufen Jonnhson Benício Duarte Ulisses Righi www.facebook.com/seboclepsidra
Carolina de Moura Grando Jorge Potyguara de C. de Freitas Vanessa Barreiros Maurici HUMOR: Mondo Muerto Kipper
Caroline Pazini Cavalcante Josiane Mattos dos Santos Vasconcelos Ferreira da Silva Filho THAIS DE PAULA
Cassia Larrubia Julio Cesar França Pereira Viih Alves Revisora. Jornalista (USJT) atuante nas
Cassia Silva Junior Spades Bonifácio Vitória Bulgari áreas de revisão, cultura,
Cassia Silvana Arnaut Karen Botelho Batista Wagner Galesco tecnologia, marketing e logística.
Catharina de Leonardo Karla Alves Barbosa Walison Henrique Silveira thaisp.cultura@gmail.com
Cecília Rosa A modelo da capa frontal é nossa
Karla Passoni Walquiria Oliveira Carvalho
Christian Anubis Karoline Rente Wellington Matos RESENHAS: amiga Lorrane, que junto com Jéssica,
Claudio Martins Katia cristiane barreto de lima Wenderson Oliveira Ricardo Bola, Karina Pinotti, Kipper, Mone e Fernanda, de Belo Horizonte,
Cristiano Maia Ferreira Lanke Bat & Sara de Rosa Wilame Araújo Nanda McCoy, Ana B. Gaertner foram clicadas pelo driano Ramalho em
Daniela Martins Leandro Samael William Borges da Silva e M. Gallo.
Débora Silva um ensaio especial para a Gothic Station:
Leilane Ravenscroft Willis Carmo facebook.com/Adriano.Ramalho.Alone
Deivid Silva de Souza Lila Pacheco Xaena Silva Santos FOTÓGRAFOS:
Dennis Lurm Lohan Montes Yasmin da Silva Amarante Adriano Ramalho
Diego de Oliveira Lopes da Silveira Loja Dark Prophecy Ilka Reiko Foto de capa do CD:
Diego Void Lony OFern Wellington Johnny Débora Puppet por Wellington Johnny
Dimitri Brandi de Abreu Lucas Rocker OBRIGADO! :-)
Diogo Azzi Ferreira
(demais citados nos créditos) facebook.com/wellington.j.cunha
Luciana Fátima
Eduardo Neves Ludmila Fornes CONTATO:
Elen Cristina Pinheiro Ludmila Pontes henrique_kipper@yahoo.com Foto da capa posterior: Roland Korner
Eliz Haddad Marcelo Nunes Rocha Sem o apoio de todos vocês a revista (11) 981596458 The Beauty of Gemina/ Divulgação
Elson Fróes Marcelo reis Vasconcellos GOTHIC STATION não existiria! <3

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COMPORTAMENTO
De Minas Gerais, da esquerda para a direita:
Jéssica Resende, Fernanda Morgana e Mone
Wenzel. Embaixo: Lorrane Seabra

DIVERSIDADE
GÓTICA
A diversidade humana salta aos olhos de quem frequenta
eventos góticos no Brasil. Porém, até hoje, surpreendia a quase
invisibilidade da representação midiática desta realidade.
Felizmente isto está começando a mudar.
O que góticos pelo Brasil nos contam sobre isso?
Hoje em dia ainda acontece muito, re- “Você fica bem mais gótica quando
JÉSSICA: cebo algumas ofensas pelo Facebook a usa filtros que te clareia nas fotos”“-
respeito do meu tom de pele e as rou- Você é a única gótica morena que já vi
A meu ver, o Brasil é um país de di- pas que uso. Pessoas que querem me e achei bonita”
versas misturas raciais, logo encontra- ofender usando isso como argumento!
mos na cena gótica nacional uma vasta Acontece também de sofrer preconcei- Acho um absurdo, porque várias pes-
diversidade de etnias. Antigamente to nas entrelinhas e até elogios racis- soas sofrem com isso todos os dias e
existia muito aquele padrão de Góticos tas, como: ficam caladas por vergonha de expor
brancos e pálidos, com olhos claros e “Acho que esse estilo fica mais bonito isso aos outros! Gótico não tem padrão
cabelos extremamente lisos, mas essa em pessoas de pele mais clarinhas’’ de cor, mas, em pleno 2017, ainda tem
não é a nossa realidade. “Cabelo colorido não pegou bem para umas pessoas que teimam em ofender
sua cor’’ os outros com essas palavras...
O nosso país é feito de misturas, não “Para uma morena até que você é bo-
existe padrão físico aqui, cada um nas- nita’’ Antigamente, evitava sair no sol para
ce de um jeito diferente e assim tam- não ficar mais escura, usava mil filtros
bém é na cena gótica, ou seja, cada em fotos, tirava fotos na luz, passava
qual com sua aparência e personali- MORGANA: sempre maquiagem mais clara e morria
dade única, sem padrões estéticos ou de vergonha de usar meu cabelo cache-
raciais!! Eu nunca tive ou sofri preconceito na ado. Usei várias químicas para deixar
cena gótica, por cor ou estilo. Para ele liso e pensava que só seria aceita
Você sofreu ou presenciou algum tipo mim, ofender-se por ser chamado (a) dentro do meio gótico fazendo essas
de preconceito racial ou de outro tipo de preto (a) ou, de acordo com as pes- coisas!
dentro cena gótica? soas, qualquer tipo de ofensa do gêne-
ro, é ter preconceito consigo mesmo. Hoje em dia, muita coisa mudou, estou
Muitos!!!! Quando iniciei na cena ou- Acho que, quem se orgulha de ser ne- na cena gótica há dez anos, mas ainda
via várias piadinhas de que negros não gro (a) não se sente ofendido com estes sim existe preconceito camuflado de
podiam usar visual vitoriano, pois na comentários. elogios, intolerância e comentários ma-
época vitoriana os negros eram escra- liciosos a respeito!
vos! Com 16 anos conheci uma turma gó-
FOTO: ADRIANO RAMALHO

tica e me identifiquei. Conheci outros Jéssica Rezende, 24 anos


Que eu não podia ser adepta do vam- estilos que gostei também, mas me en- Produtora de eventos e dona de loja
pirismo, pois não existiam vampiros contrei mesmo no meio gótico. voltados ao publico Gótico.
negros, ou que certo tipo de roupa ou Ibirité - MG
cor de cabelo não caia bem em mim Fernanda Morgana, 30 anos Me aproximei da cena gótica
por causa do meu tom de pele! vendedora, Belo horizonte - MG por volta dos meus 13 anos.

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FOTO: BRUNO BAVOSE

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


CLAYTON: JEANE:
Quando entrei para a cena gótica foi Foi bem complicado quando comecei a
uma época que conheci o significado ter interesse na subcultura gótica. Não
da palavra “Preconceito”, tanto de me sentia a vontade quando ia para os
quem frequentava quanto de quem era eventos, como se não devesse estar na-
“de fora”. Sobre as pessoas que não quele lugar.
frequentam e não conhecem, suas
opiniões têm pouca importância para Cheguei a ouvir “mas você é negra,
mim. não existe gótico negro”. Também fa-
lavam que eu era alegre demais pra
Entretanto, sobre os “ataques”, não te- curtir esse tipo de música. Precisava
nho muito a dizer. Eu pouco ligo, pois enfrentar os olhares maldosos e de
essas pessoas não têm conhecimento. desaprovação quando me dirigia, toda
Portanto fica fácil ignorar certos co- produzida, para algum evento. Além
mentários e piadinhas nas ruas e nas disso, comprava um pó mais claro para
redes sociais. ficar mais pálida e tentar me encaixar.
Incrível a falta de pessoas negras na
Quando me descobri gótico, uma coisa cena gótica, acho que assim como eu,
que eu não esperava era ouvir os mes- Clayton Santos, de as poucas que frequentavam não se
Vanessa
mos preconceitos da galera que fre- Betim, Minas Gerais sentiam bem.
LIddell, do Rio
quentava. Tentavam me reduzir pelas
de Janeiro
roupas, pelo pouco conhecimento que
Com passar dos anos, fui me aceitan-
eu tinha. E, acreditem, já ouvi até que
do e continuei indo a eventos e deixei
preto não pode ser gótico, mas ainda
de ouvir opiniões alheias e não desisti
bem que não eram todos.
de continuar na subcultura gótica.
samos dar mais valor à diversidade que De uns tempos pra cá, tenho visto
No entanto, as pessoas que me trata- MONE: temos em nosso país, sem tentar bus- VANESSA: uma mudança enorme nesse aspecto, Jeane Cristina, 25 anos, Autônoma
ram bem nessa época continuam sendo
car um padrão. as pessoas estão aceitando o cabelo, a Fortaleza/CE
góticas, mas muitas não frequentam Eu acho fundamental termos uma cena Eu particularmente nunca sofri e nem
mais devido às palhaçadas que rolam,
cor da pele e percebendo que podem Na cena gótica desde 2013.
gótica bem diversificada no Brasil, Você sofreu ou presenciou algum tipo presenciei racismo dentro da cena, mas ser maravilhosas como elas são.
por exemplo, de algumas das pesso- pois este país é uma mistura de povos não significa que nunca aconteça. Tal-
de preconceito racial ou de outro tipo
as mais velhas caçoarem das pessoas e, obviamente, não teremos aqui um vez você entreviste outras pessoas que
mais novas devido à roupa, devido ao dentro cena gótica? O assunto tem sido comentado e eu
mesmo padrão europeu. vão te dizer que sim. acho isso algo muito positivo.
pouco conhecimento, por serem nova-
tas. Algumas pessoas saíram, por mais Nunca sofri, mas já vi pessoas fazendo
Então, acho que quando se tem uma comentários maldosos (pelas costas) Em relação a outros preconceitos, só Eu fico muito feliz ao ver as pessoas se
que elas gostem, porque perderam a cena com pessoas de tipos bem dife- posso dizer que ainda falta mudar mui-
paciência para esse tipo de coisa. sobre outras pessoas que, de alguma libertando!
rentes, é super legal para todos se sen- forma, não estavam dentro do padrão ta coisa.
tirem representados.
Jeane, de
Isso me faz pensar que, quem é verda- de beleza que vemos pregado como o Quando você se aproximou da cena Fortaleza
“certo” no mainstream e também na Desde que descobri a cena, quando gótica, online ou presencialmente?
deiro não ridiculariza os mais novos, ao Mas, infelizmente, apesar disso, ainda eu era adolescente, sempre vi pessoas
contrário, são acolhedores e, de um jei- cena alternativa.
temos na cena alternativa de forma ge- brancas e com cabelos lisos como re- Quando eu tinha 13 anos descobri que
to ou de outro, permanecem na cena, ral e também na gótica uma busca por ferência em todos os lugares, acho que
pois pra eles não é uma mera fase. Quando começou a frequentar a cena existia uma cena gótica, mas não tive
padrões que não são os nossos. Talvez Gótica? isso quer dizer alguma coisa. contato direto. Com 16 anos, na época
seja pela pouca referência que temos do Orkut, passei a ter contato com as
Penso que se a galera fosse mais aco- de cenas mais diversificadas, já que fo- Em quem as pessoas negras se inspi-
lhedora e menos ignorante já seria um Em 2009/2010, comecei a frequentar pessoas e conhecer algumas bandas.
camos muito no que vemos em outros os eventos no Matriz, casa de eventos ravam? Já com 19, comecei a sair para as festas
passo muito grande para sermos mais

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


países e pouco no que temos mais per- aqui de Belo Horizonte. Como resultado, vi e também vivi e estou nessa até hoje.
unidos, assim como outras tribos.
to da gente. isso, as pessoas tentavam se aproxi-
mar cada vez mais desse padrão ali-
Clayton Santos, 23 Anos, vendedor, Acredito que com um pouco mais de Mone Venzel, 25 anos sando os cabelos, tentando clarear a Vanessa Liddell, 26 anos,
vivencio a cena há seis anos. tempo e a divulgação de cenas mais Suporte administrativo e modelo pele com maquiagens de tons errados, Costureira/ Artesã
Cidade de Ribeirão das Neves - MG diversas, isso comece a mudar e pos- alternativa. Betim - MG evitando pegar sol. Rio de Janeiro - RJ

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Maria
Débora Puppet, de Campinas, SP

Scott, de
Salvador
na Bahia

FOTO
: GIV
AS SA
JULIANA RAFAEL

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

NTIAG
Você já sofreu racismo dentro da

O
cena gótica?

Sim e a mais pesada foi em 2001, num


sábado, em uma casa conhecida: uma
rodinha de góticos, todos brancos e um MARIA AMANDA
passou a mão em mim. Eu claramente
não gostei e discuti. Então, ele disse: As pessoas imaginam que góticos são
“mas você é preta devia ter gostado!” aquelas pessoas brancas e com aspec-
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
to de vampiro.
adotei a postura de conhecer os ou-
DÉBORA PUPPET tros, acima de tudo, e compartilhar a
Outra vez que marcou muito foi em
uma festa em uma casa no centro de Mas dentro dessa cena, dentro da sub-
arte para superar essas situações des- São Paulo ano passado. Fui ao banhei- cultura gótica em geral, não existem só
Existe um padrão de beleza sutil na necessárias que, muitas vezes, acabam ro e duas mulheres começaram! Deixei pessoas brancas de cabelo liso, exis-
cena, porém poucos realmente assu- desanimando os entusiastas. quieto e continuei retocando a maquia- tem negras e negros também. E acho
mem.
gem (verão acaba com qualquer make, isso interessante, pois quando estamos
Ainda sofro preconceito de muitos ha- rs). reunidos em rolês e até em eventos, as
Sabemos que os seres humanos são ters, porém acredito que este, infeliz- pessoas que não são de dentro da cena
complexos, porém não creio que justi- mente, é um dos males da tecnologia: podem ver que não existem padrões,
Uma disse para outra num tom bem
fica qualquer elitização ou segregação o anonimato que cria falsos corajosos. que somos diferentes pelo estilo de se
baixinho: “Preta e querendo ser góti-
de pessoas. A oportunidade de fre- vestir e pela fisionomia.
ca é muito feio”. Saíram rindo muito,
quentar os eventos deve ser de todas O importante é sermos quem somos sabe... isso dói na alma. ruim para minha família. Só por eu
as pessoas! acima de tudo e irmos atrás das coisas Dentro da cena de Belo Horizonte eu SCOTT POHL gostar de um lugar, uma música ou li-
que acreditamos. Até meus filhos já sofreram com isso, nunca sofri preconceito por ser negra e vro diferente que a maioria das pesso-
Quando abracei a cena, aos meus 16 principalmente o Ícaro que tem o cabe- gótica. Entretanto, fora da cena e den- Como você vê a questão da diversi- as prefere, sofri preconceitos.
anos, foi justamente por conta da li- Débora Puppet, 29 anos lo black power. tro do movimento alternativo, já sofri dade e dos padrões da beleza na cena
berdade de expressão que proporcio- Arquiteta e Youtuber - Campinas- SP preconceito sim. Os “headbangers” fi- Gótica brasileira? Hoje em dia, é difícil dizer que o gótico
nou pra mim através da música, poesia, Contatou a subcultura Na escola, recebi um bilhetinho da cavam de transfobia (porque sou trans) brasileiro tem todos os traços do góti-
sentimentos compatíveis, ideologia e gótica em 2003 professora do pré dizendo para cortar e faziam piadinhas por conta do tom Eu vejo como um leque que, a cada pe- co inicial, porque não tem. Existe uma
todo clima. o cabelo dele, porque não atendia os da minha pele... ríodo, mostra sua melhor beleza. O gó- cultura distorcida do que é ser gótico,
padrões da escola. Isso deu processo tico não pode ser definido como uma então é necessário analisar, obra por
Poucos têm a mesma visão que a mi- e tudo ainda está rolando. Eu não me Eu passo por uma certa discrimi- coisa só, pois há estética e beleza dife- obra, artista por artista e dizer o que
nha: o preceito artístico puro que resi- calo mais em relação a isso, princi- nação, porque o padrão pro gótico é rentes onde a maioria das pessoas não de gótico cada um tem.
de em tudo isso e criam uma competi- palmente quando se trata das minhas sempre andar com cores escuras, ou percebe. Desde as vertentes do New
ção massiva desnecessária. crias. até mesmo quentes ou frias. Além Romantic até o Cyber, por exemplo. Quando você se aproximou da cena
disso, usava roupa alternativa no dia Quando conheço uma nova influência, gótica foi algo online ou presencial?
Sofri muito preconceito no início em Como conheceu a cena gótica? a dia, mas eu, nos últimos tempos, considero como uma arte. Em se tra-
2005, por ter crescido no interior e por não uso mais no meu cotidiano. Op- tando de cultura, nada é feito apenas Meu contato inicial com a cena já foi
ser mais gordinha, mas com o tempo, Eu demorei muito para sair do mundi- tei por usar roupas “normais”, pois de uma coisa e sim de traços, rostos, presencial. No período do colegial, nos
por sempre ir atrás de conhecimento, nho da minha cidade... só com 19 anos chamava muita atenção e me inco- gêneros e idades. grupos de amigos, sempre tem alguém
sempre ser participativa, realizar even- Antes disso já me correspondia com modava um pouco. Algumas pessoas com um poema e conhecimentos dife-
tos, tornar-me modelo alternativa e ser muita gente, trocávamos informações ficam até hoje me perguntando se eu Você sofreu ou Presenciou algum tipo rentes. Foi onde despertou meu inte-
quem realmente sou, obtive certo res- de bandas e tal, gravávamos fitas K7 não sou mais gótica, sem saber que de preconceito racial ou de outro tipo resse.
peito na cena gótica. e enviava para os amigos... Era muito isso vai muito além de roupa e estilo. dentro da cena Gótica?
legal. Scott Pohl, 28 anos, produtor
E, nesse meio tempo, observei muitas Maria Amanda, 21 anos, Cabeleireira Quando nos identificamos com algo, do Gothic Nic Salvador, DJ e criador
pessoas segregando de forma tola, seja A paulista Juliana Rafael, 34 anos, Trancista e maquiadora profissional sempre queremos viver aquilo, porque do Gothic. Intoxication, Terapeuta
por seu biótipo, cor de pele, sexo e en- Juliana Afro e Revendedora de Roupas Ribeirão das Neves- MG nos faz bem. Então, o uso do preto e Holístico Especialista em Hipnose
tre outros. Para combater isso, sempre Franco da Rocha- SP Na cena gótica há cinco anos. da estética gótica era visto como algo Clínica - Salvador - BA
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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no rosto para tentar me encaixar e me

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


Jhon é metalúrgico sentir mais aceita. Tinha vergonha de
e estudante de ser a única negra do rolê, mas isso era
história em Belo uma questão minha.
Horizonte
Porém, quando comecei a ter um es-
tudo mais profundo sobre o que real-
mente é a subcultura gótica, como se Desde 2005 estou sempre colaboran-
iniciou, qual papel ela teria na minha do com a manutenção da cena local
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

vida e a analisar as letras das músicas e participando com um zine, confecção


o que elas me diziam, deixei um pouco de um caderno de poesias, nos encon-
de lado essas neuras. tros, eventos e discotecando, até che-
gar a montar a banda Noturna Régia,
Estamos no Brasil, um país mestiço hoje minha maior colaboração para a
e levando em conta que a cena nunca Danel D. Vill da banda Noturna Régia, subcultura gótica.
exigiu certos padrões, o lance com a de Campina Grande - Paraíba
Daniel D.vill, 37 anos,
JHON MICHELLE minha cor era muito além de apenas
querer ser uma gótica branca, era uma DANIEL D. VILL Gostaria de expor três exemplos, po- Técnico em vigilância ambiental.
esfera mais ampla da minha autoacei- rém não vou me estender muito. Campina Grande - Paraíba
Como você vê a questão da diversi- Já passei por alguma situações de ra-
tação, de baixa autoestima enraizada A beleza brasileira atualmente esta
dade dentro da cena gótica? cismo, principalmente coisas virtuais. Começando por Manaus que possui
Sempre tem os “haters” covardes que
e, é claro, o racismo e preconceito pre-
sentes em qualquer “rolê” com pessoas
sob os holofotes do mundo, geralmen-
te representada pela figura da mulher uma temperatura média anual de 26°C, LORRANE
Vejo a diversidade dentro da nossa se escondem atrás do computador. Tal- impondo o uso de visuais mais apro-
que já carregam uma bagagem social sensual e exuberante, porém este es-
cena com bons olhos, pois estamos vez menos ao vivo porque, apesar de priados para as altas temperaturas. Você já sofreu ou presenciou racismo
distorcida. tereótipo não representa a diversidade
quebrando alguns paradigmas daque- ter a pele mais escura, eu ainda me en- Nessa cena fica evidente um número na cena gótica ou alternativa?
les que achavam que o gótico deveria caixe em certos padrões, por ser des- étnica que constitui a nossa população
Eu costumo dizer que quem prejudica e esse erro também ocorre no ambien- significativo de góticos que descendem
ser aquela pessoa de pele clara e apa- cendente indígena. Eu já passei por uns das mais variadas etnias indígenas. Já disseram que eu tenho sorte de não
as ideologias são as pessoas, assim te alternativo.
rência cadavérica. aperreios, mas geralmente por quem é ter a pele tão escura, pois, caso contrá-
como são elas quem as mantém vivas
de fora da cena Na Paraíba, meu estado natal, a beleza rio, meu tom de pele não combinaria
e presentes. Em todas as áreas em que O papel estético é bastante significa-
Quanto mais pálido a pessoa, mais ela gótica é representada por uma singela com certos acessórios etc. Esse fato foi
lidamos com pessoas existirá gente es- tivo na identificação de um individuo
se identificava com o dark. Sentia falta de representatividade, mas diversidade, sendo composta basica- o que mais marcou.
crota. Sempre terá uma pessoa agressi- como membro de uma subcultura, com
isso é plausível por se tratar de uma mente por indivíduos descendentes de
va num grupo ou subgrupo. isso, ainda deixamos a desejar com
Hoje em dia, toda a diversidade que há subcultura eurocêntrica. Já me marti- europeus, africanos e índios. Acredito que para cena se manter tem
dentro da cena, comprova mais ainda rizei muito por isso, clareava as fotos uma acanhada representatividade ét- que deixar de existir essa separação
E dessa forma é a cena gótica, que não nica nas mídias direcionadas ao publi-
que não existem padrões para quem se ao máximo e passava muito pancake Também somos adeptos da politica do afinal todos estão nela pelo mesmo
é um ser supremo isento de gente es- co gótico, na sua esmagadora maioria
identifica com o dark. “Somos a pró- faça você mesmo, prática comum entre ideal. O foco da subcultura não está
crota. Muita gente “entra” só pra ser ilustradas pela clássica figura: pálida,
pria quebra de padrões”, poderia dizer Michelle os góticos, confeccionamos e/ou esti- em padrões.
descolada, porque é “cool” e “diferen- esguia, de olhos claros e feições euro-
um espelho maldito da sociedade que lizamos nossas próprias vestimentas.
tona”, sem conhecimento algum e sem peias confrontando diretamente com a
busca padrões de perfeição. Por mais que a visão de muitos em re-
vontade de aprender. infinidade de formas, tamanhos, cores
Não menos estilosa, a cena da Bahia lação a diversidade e padrões de be-
Se já sofri algum tipo de preconceito e etnias existentes nos nossos padrões. leza tenha mudado e se ampliado ao
Como vivemos em sociedade, as pes- é constituída por um número expres-
racial? Não! Mas, pelo fato de ter um sivo de afrodescendentes. Por essa, longo dos anos, ainda é muito focada
soas trazem consigo suas vivências Devemos nos questionar sobre esse
estilo com o qual me sinto bem, algu- tenho um apreço especial, justamente no padrão europeu.
que, em grande maioria, já são molda- estereótipo servindo erroneamente
mas vezes causo incomodo. por pertencer a essa etnia e também
das pela sociedade preconceituosa lá como principal referência, assim difi-
por estar presente em um dos grandes Quando você se aproximou da cena
fora. cultando a familiarização do indivíduo
As pessoas olham meio desconfiadas eventos realizados nos bons tempos, gótica?
e podem ficar me observando. Quando negro, índio, mulato ou cafuzo, entre
Mas, por incrível que pareça, estar no outros, com a subcultura gótica. Só onde essas produções eram realiza-
entro em algum estabelecimento, as das com maior frequência. Confesso Comecei na cena gótica mais ou menos
underground não significa ser under- nós sabemos o quanto nos fizeram (e
pessoas me seguem achando que vou que fiquei muito impressionado com com 15 anos através das aulas de lite-
ground. Parece cagação de regra, mas até hoje nos fazem) falta essas tais re-
roubar ou algo do tipo. a quantidade de afrodescendentes que ratura. Escutava algumas bandas (The
sou a favor do conhecimento aprofun- ferências, noite apos noite, em nossos
ali celebravam. Cure, por exemplo), mas não fazia ideia
dado sobre a cena gótica, no mínimo rôles.
Infelizmente, somos vistos como um de que tinha alguma relação direta rs.
para saberem que quando se estuda
mau elemento ou mau exemplo que não Tenho mais de dez anos de convívio na Comecei a ter contado, de fato, na
sobre ela e se vive nela, você percebe Felizmente essa pluralidade vem sen-
deve ser seguido, apenas por não pare- cena gótica e sou feliz em relatar que época do Orkut, assim conheci pesso-
que não tem como ser preconceituoso, do divulgada através de sites, blogs,
cer com aquilo que eles julgam normal. nunca passei por uma situação de pre- as que se interessavam pelas mesmas
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

que não há espaço para isso. (agora também em revista), páginas e


conceito, pelo menos de maneira dire- coisas e a frequentar alguns encontros.
grupos nas redes sociais evidenciando
Jhon, 34 anos, Metalúrgico Michelle, 23 anos, a nossa majestosa beleza étnica até en- ta, porém, isso não quer dizer que o
e Estudante de Historia, Profissional Autônoma, tão pouco divulgada dentro da subcul- racismo e outras mazelas não estejam Lorrane Seabra, 26 anos
Belo Horizonte - MG Caraguatatuba - SP tura, trazendo consigo um certo alívio implantados na nossa cena, portanto é Auxiliar de Cabeleireiro,
Na cena mineira desde 2006. Conheceu o estilo gótico há dez anos. para quem busca essas referências. nosso dever combatê-las. Belo Horizonte- MG

8 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 9


Iluá Hauck TURISMO
LEIRIA - PORTUGAL

ENTRE
MURALHAS
Quando fui convidada para ser correspondente da Europa,
além de ter ficado muito feliz, comecei a pensar sobre
o que interessaria aos leitores alternativos/góticos brasileiros.
O Festival ‘Entremuralhas’, que acontece no castelo da cidade
de Leiria, em Portugal, logo me veio a mente. Por que?
Esse evento é completamente lindo! O Há uma preocupação dos organizado-
Castelo de Leiria tem quase mil anos! res em proteger o castelo, que desde
1910 é considerado patrimônio históri-
Por ter sido alvo de invasões e recon- co em Portugal - apesar dele se manter
quistas ao longo dos séculos, partes majestosamente em pé, há partes que
dele tiveram que ser reconstruídas e estão em ruínas (o que é de se esperar
outras foram adicionadas. de uma construção de 900 anos).

Devido a isso o complexo do castelo


hoje apresenta três estilos arquitetô-
“Somente
nicos: Românico, Gótico e Neogótico. 737 pessoas
Agora, imaginem um festival gótico
acontecendo num lugar assim? Sim-
podem entrar
plesmente um sonho! no festival
por dia.”

FOTO: GABRIEL EDVY


“O Castelo
de Leiria tem quase Assim, somente 737 pessoas podem
entrar no festival por dia. Super digno,
mil anos.” né? Além de proteger o castelo, tal nú-
mero restrito de pessoas significa que
Entendo que a maioria dos góticos bra- a atmosfera no festival é super amigá-
sileiros iriam ao WGT, caso estivessem vel e íntima e, ao contrário de outros
de viajem para a Europa, porque todo festivais e eventos góticos, não há se-
mundo sabe o que o Treffen é. Porém, quer uma gota de pretensão na atitude
o Entremuralhas oferece uma experi- de quem vai, o que é muito legal!
ência íntima ímpar.
Para mais informações, visite:
INFOARTE: KIPPER

Entretanto, isso não quer dizer que os


FOTOS: ILUÁ HAUCK

Mas, como um festival pode ter uma góticos portugueses não sejam esti-
fadeinaacultural.com
atmosfera íntima, sendo que por natu- losos – são sim e muito do bem! In-
reza festivais atraem multidões? clusive, quando eu estava com tudo

10 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 11


TURISMO

FOTO: ILUÁ HAUCK


Ela dá uma dica: usar sapatos baixos
ou de plataforma sem salto, bem con-
fortáveis, pois o terreno em ruínas do
castelo, suas ladeiras e a subida até ele,
fazem com que salto alto seja impossí-
vel de se usar!

E fica aqui uma dica minha: em agosto,


na época do festival, faz calor durante
o dia. Contudo, à noite, a temperatura
lá em cima no castelo cai bastante e
o vento é gelado. Então levar agasalho
bem quentinho é essencial!

Além de música, o Entremuralhas tam-


bém traz uma exposição de arte na Tor-
re. Vale a pena conferir o trabalho dos
artistas, assim como o espaço e a vista
da cidade lá de cima.

Festival a parte, passear por Leiria é


super gostoso. A cidade é bonita e
Há três palcos no castelo. Enquanto tranquila, com bons restaurantes e ca-
uma banda toca em um deles, a próxi- fés. Para nós brasileiros, Leiria tem ar
ma se prepara em outro. E todo mundo de cidade colonial, um pouco como Pa-
vai de palco pra palco, de um show pra rati ou Ouro Preto.
outro, passeando pelo castelo, o que é
tudo de bom! É preciso alugar carro de Lisboa (ou
do Porto, caso alguém voe pra lá) para
O meu palco favorito é o Igreja da chegar até Leiria – e pra quem se hos-
Pena, literalmente nas ruínas do altar Uma vista superior geral do castelo
pedar longe do centro, carro também é durante o festival, com a cidade abaixo
da igreja gótica do castelo – a energia indispensável.
lá é mágica e a arquitetura perfeita
FOTO: ILUÁ HAUCK
Annmari Thim (ex-Arcana) com o Angelic Foe no Entremuralhas para a música.
FOTO: XAVIER MARQUIS

agendado para ir a edição de 2014, e Mas bem, que tipo de banda toca lá? Eu, infelizmente, não fui na edição em
Banda Geometric Vision FOTO: ALEXANDRE PAIXÃO / musicfest.pt
não conseguia comprar ingressos on- Em seus oito anos de existência, o En- que a banda Angelic Foe tocou, mas
line antes de chegar em Leiria, entrei tremuralhas já teve em seus palcos, como sou amiga de anos da vocalista
ILUÁ HAUCK
em contato com organizador, o Carlos além de várias bandas portuguesas, Annmari Thim, não resisti perguntar
Mato, que foi muito gentil e reservou outras internacionais, como: para ela como foi sua experiência.
Brasileira radicada em Londres
dois bilhetes para mim e minha amiga. há 20 anos, onde trabalha como
Clan of Xymox, Diary of Dreams, Le- “no Entremuralhas artista plástica, modelo alternativa
“O festival não banon Hanover, Laibach, Arcana, Ash
Code, Qntal, Sex Gang Children, The é possível ver e jornalista de arte.
É artista e curadora residente
tem fins lucrativos Beauty of Gemina e She Past Away TODAS as bandas!” em dois lugares históricos:
e faz parte (que eu tive o prazer de ver pessoal-
mente quão excelentes eles são!!). Ela já tocou no Entremuralhas duas ve-
o “Cemitério de Brompton”,
um dos cemitérios vitorianos
de uma instituição zes (em 2015 com a Angelic Foe e em de Londres; e o “Upstairs
municipal maior” Esse ano Front Line Assembly e o he-
adline, e Arnica, Barlin, e Darkher são
2011 com a Arcana) e falou que sua me-
lhor memória é justamente ter tocado
at l’Escargot”, um clube privado
criado em cima do restaurante
algumas das outras atrações. no Palco Pena, na frente de uma audi- francês mais antigo de Londres,
E por falar na organização, eu não po- ência gótica linda de morrer, que desa- instalado em uma casa Georgeana
deria deixar de mencionar que todos Diferentemente de outros festivais, no fiava os raios de sol (as janelas góticas de quatro andares.
os organizadores do Entremuralhas Entremuralhas é possível ver TODAS as da igreja não têm mais vidros, assim
trabalham voluntariamente. O festi- bandas! os raios solares entram por elas. Então, Está desenvolvendo projetos para
val não tem fins lucrativos e faz parte vampiros que se cuidem!). ambos espaços e sua próxima
de uma instituição municipal maior, a Nada de frustração, pois duas bandas exposição será em fevereiro de 2018.
Fade In, responsável por vários even- que você quer ver estão tocando no Assim como eu, a Annmari achou o
tos culturais em Leiria. Uma iniciativa mesmo horário, nada de ficar em fila festival amistoso, tranquilo, bem or- www.iluahauckdasilva.com
maravilhosa! por horas para conseguir ver os shows. ganizado e lindo.

12 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 13


LANÇAMENTOS

OPERA MULTI STEEL MARKUS MIDNIGHT WINTRY TROBAR DE MORTE LACRIMOSA THE KNUTZ DIARY OF DREAMS DAS PROJEKT
“Reminiscences”(2017) “Blutgeld” (2017) “Ausweg”(2017) “Ouroboros” (2017) “Testimonium” (2017) “We Are the Monsters” “Hell in Eden” (2017) “Songs of War ” (2017)
Oito revisitações de faixas Primeiro compacto 7” do Formado por Alex Twin O sexto álbum da banda Você será surpreendido (2016) Com este álbum e “É energético e monumen- A banda enriqueceu o
clássicas de várias épocas canadense Markus Midni- (Individual Industry/ 3 Cold catalã traz um trabalho com uma pegada bem mais outro ao vivo (também de tal como nenhum outro gothic rock inserindo ele-
diferentes da banda. Con- ght com duas faixas exclu- Men) e Anne Goldacker esmerado e minucioso de sinfônica e menos metal do 2016) registrando sua turnê álbum do Diary of Dreams mentos indígenas e acres-
servando intactas as letras, sivas para o vinil: Blutgeld (ex-Obsc(y)re), foi produ- música folk, medieval, cél- que os últimos álbuns. Esse internacional, os cariocas foi antes, mas ao mesmo centando ênfase no instru-
mas reforçando-as com e Your Devil. Misturando zido por John Fryer (4AD tica e onírica que tem sido é uma homenagem aos ído- mostram sua maturidade tempo cálido, escuro e mental, como na faixa “Sun
novos arranjos e vocais. coldwave, sequencers, Records) e traz faixas com aclamado pela crítica euro- los de Tilo e Anne falecidos musical. Gosta de gothic- frágil, tentando você a se and Thunder”, cantada em
Não mera coletânea; um melodias e vocais soturnos, o toque oitentista/4AD peia, junto aos shows com em 2016: Bowie, Prince, -rock, rockabilly, deathrock, perder em sua mágica. inglês e tupi guarani, com
sobrevoo a extensa carreira criando hits para as pistas típico misturado ao novo performances e musicalida- Cohen, George Michael, e e criatividade? Então não Adrian Hates voltou com toques de piano orquestral.
do OMS (Ricardo Bola). escuras (Ricardo Bola). Darkwave (Ricardo Bola). de perfeitas (Kipper). outros (Karina Pinotti). pode perder (Kipper). mais uma obra prima.” Histórico! (Nanda McCoy).
waverecords.bandcamp waverecords.bandcamp wintrybr.bandcamp trobardemorte.com lacrimosa.com theknutz.bandcamp diaryofdreams.de/en/ dasprojekt.bandcamp

PITCH YARN OF MATTER LES CHATS NOIRS KRIISTAL ANN SHALOW GRAVES THE EDEN HOUSE THE CRUXSHADOWS EISBRECHER BACK LONG ARCH
“It’s New, Sounds Old...” “Les Fleurs des Morts” “Delirious Skies” (2017) “Breathing Prayers...”(2017) “Songs for the Broken Ones” “Astromythology”(2017) “Sturmfahrt”(2017) “Le Feu Rouge”(2017)
(2017) Usando referências (2017) Estréia do Duo bra- Observamos linhas total- Segundo álbum da banda Este supergrupo é formado Conhecidos por energéticas Com direito a cover de “Eis- O Back Long Arch é uma
de artistas da música eletrô- sileiro formado por Lucien mente novas de “cold elec- de Goth Rock. Marcado por membros do Fields of the performances ao vivo e por baer” do Grauzone, Eisbre- banda com raízes na música
nica alternativa da década D’Anjou e Nyx Raven. tronic”, que convergem com por intensa instrumentação Nephilim, a vocalista Moni- singles que conseguem cher, que é um destaque da erudita, e de estética pre-
de 80, e também de antigos Inspiradíssimos por boa a antiga tragédia Grega no e melodias soturnas, traz ca Richards (Faith and The chegar até a parada main- “Neue Deutsche Härte”, faz dominantemente darkwave,
trabalhos, o álbum presta literatura, música, assuntos começo do álbum (Fortune Christian Rossbach, de Muse) e convidados como tream, Rogue e sua gangue seu tributo a Neue Deuts- apesar de outras influên-
uma homenagem ao estilo. da alma, trazendo canções of Medea) e particularmen- várias clássicas bandas de Lee Douglas (Anathema), voltam com um álbum ela- che Welle, a que deve várias cias. “Le Feu Rouge” é uma
O P.Y.M. lança seu 3º álbum com intensa carga dramáti- te as referências inteligentes Goth Rock/Darkwave, como Kelli Ali (Sneaker Pimps), borado, misturando synth, bases eletrônicas sob seu boa amostra dessa versatili-
pela gravadora Wave ca e tensão (Ricardo Bola). a grandes poetas o Madre del Vizio (Ricardo Simon Hinkler (The MIssion), gothic, new wave e rock de Electro-Industrial-Rock de dade. (Ana B. Gaertner)
Records. (M. Gallo) waverecords.bandcamp (Anna Michailidou). Bola). theshallowgraves. e outros. Confira! (Kipper). forma única (Kipper). sucesso. (Kipper) Deepland Records.
waverecords.bandcamp darkwave/ethereal kriistalann.bandcamp.com bandcamp theedenhouse.bandcamp thecruxshadows.com eis-brecher.com backlongarch.com.br

14 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 15


ENTREVISTA

FAUN
Oliver S. Tir

“Days of Black” é o 16º álbum


do COX, mas tem a energia de
um álbum de estréia, como pou-
cas vezes vemos em bandas com
tanto tempo de estrada, já é um
dos destaques de 2017. Confira
online o vídeo de “Loneliness”
com direção de Zoe Kavanagh
(Demon Hunter). Com faixas
de estilos e ritmos variados, o
principal é que Ronny Moorings
continua um grande compositor
e letrista.

FAUN
Fiona Frewert

O grupo alemão encantou os paulistas no final


FOTOS: BEN WOLF / FAUN/ DIVULGAÇÃO
de 2016. Já foram oito álbuns de inéditas
com uma incrível qualidade musical, um álbum
acústico, um ao vivo, 2 DVDs, tudo isso em 14 anos.
Conversamos com Oliver S Tir para saber mais
desse universo mágico que é o FAUN.
H.A.Kipper
16 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 17
FOTO: MICHAEL MEISTER / FAUN/ DIVULGAÇÃO
ffen. Como tem sido a evolução desta
experiência, como vocês vivenciam a DISCOGRAFIA:
experiência de palco e público?
CD’s:
OLIVER: Estamos sempre progredin- “Zaubersprüche” (Incantations)
do. Ficar estagnado e fazer o mesmo 2002
show por vários anos não nos daria
satisfação. Terminamos nossa gran- “Licht” - 2004
de MIDGARD TOUR com uma nova
orientação que foca na música nórdica “Renaissance” - 2005
e viking, com convidados importan-
tes como Einar Selvik (do Wardruna) e Faun é conhecido por suas grandes performances ao vivo “Totem” - 2007

FOTOS: BEN WOLF / FAUN/ DIVULGAÇÃO


FOTOS: BEN WOLF / FAUN/ DIVULGAÇÃO

Martin Seeberg.
“FAUN & the pagan folk festival
mos a sorte de encontrar em 2012, um OLIVER: Isso é parte da música do
LIVE” – 2008
Mas tentamos também nos manter le- selo que podia divulgar nossa música Faun: procurar por instrumentos des-
ais às pessoas que nos ajudaram nos em larga escala na Alemanha. conhecidos e antigos. Nós também “Buch der Balladen”
nossos primórdios. Festivais, como modificamos estes instrumentos e tra- (acoustic CD) – 2009
Wave Gotik Treffen (Alemanha) e Cas- Agora, com a ajuda de um time de balhamos em conjunto com artesãos
tlefest (Holanda) não nos convidavam divulgação e aparições na TV alemã, musicais para criar nossa música. “Eden“ - 2011
muitos anos atrás, quando as pessoas nós alcançamos uma audiência muito
“Von den Elben” - 2012
não nos conheciam ainda. maior com nossa música tão especial.
“A sonoridade
Niel Mitra
FOTOS: BEN WOLF / FAUN/ DIVULGAÇÃO
Stephan Groth
É uma sensação muito boa ser capaz desses instrumentos “Luna” - 2014
GS: ...esquecemos alguma coisa? Vo-
cês são bastante produtivos, como
Assim, nós tentamos voltar lá tão fre-
quentemente quanto podemos. E, tam-
de espalhar nosso Pagan Folk e nossas
mensagens “pagan” através da maqui-
evoca antigas “Midgard” - 2016
vocês administram as coisas para bém, porque esses são grande festivais nária da mídia mainstream. imagens em nós.” DVD’s:
manter esse ritmo criativo e também bem legais para ir. Mas, tocar em pa-
viajar em turnê? íses estrangeiros é um grande prazer * Nota: Na Alemanha o prêmio Disco Eu acredito fortemente que a sonorida- “Lichtbilder” - 2004
e honra para nós. Nossos shows e a de Platina é dado a artistas que vendem de desses instrumentos evoca antigas
OLIVER: Nós simplesmente tocamos plateia em São Paulo foram fantásticos! 200 mil cópias de um álbum. O Disco imagens em nós e pode nos ajudar a “Ornament” - 2007
muita música. Também temos sorte de de Ouro lá corresponde a 100 mil. lembrar nosso passado e origens.
viajar muito e passar bastante tempo
em mercados e festivais medievais.
fazer o mesmo GS: A música do Faun é única, mas to- GS: Vocês têm desenvolvido e muda-
faune.de
Se você caminha pelo mundo com show por vários dos os músicos têm suas influências. do seu trabalho ao longo do caminho.
os olhos abertos, há muita inspiração
para encontrar. Nosso problema maior
anos não nos daria Você poderia nos contar sobre elas? O que podemos esperar para o próxi-
mo álbum, depois do Midgard (2016)?
é encontrar tempo para gravar todas as satisfação OLIVER: Esta é uma questão muito Fazendo as contas... podemos esperar
ideias e melodias legais. complicada, porque todos os músicos algo em 2018?
GS: Os três mais recentes álbuns de no Faun tem gostos e influências musi-
Se você caminha vocês gradualmente escalaram as pa-
radas alemãs. Soubemos que vocês já
cais bem diferentes. Niel, por exemplo,
gosta muito de música eletrônica expe-
OLIVER: Há tantas opções.

pelo mundo com receberam o prêmio “disco de ouro” rimental, como Aphex Twin. Muito já é certeza. Há muitas músicas
os olhos abertos, na Alemanha. É a primeira vez que
isso acontece? Como vocês veem esse Fiona tem suas raízes mais na música
que não puderam entrar mais no nosso
CD “Midgard” porque simplesmente
há muita sucesso depois de todos esses anos na celta. Stephan ama folk e rock progres- tínhamos faixas demais. Estas canções
inspiração para estrada? sivo. E eu, nos últimos dois anos, estou
focando mais no folk nórdico.
estão agora esperando para serem gra-
vadas. Assim, vamos gravar material
encontrar OLIVER: Com nosso CD “Von den El- novo em 2018 com certeza.
ben” nós até mesmo recebemos como GS: Vocês usam alguns instrumentos
GS: Os fãs brasileiros ficaram encan- prêmio um disco de Platina* recente- especiais, alguns que realmente não se Vamos realmente tentar voltar ao Bra-
tados com a performance de vocês mente. “Luna” alcançou o disco de acha facilmente. Como é a produção sil em 2018. Cruzem os dedos, faremos
em 2016. Desde 2003 vocês tocaram ouro. Depois de fazer tudo por conta desses instrumentos? Eles são parte nosso melhor, pois realmente amamos
oito vezes no festival Wave Gotik Tre- Rudiger Maul própria nos primeiros dez anos, tive- de um trabalho de pesquisa? estar aí em 2016! “Von den Elben” - 2012

18 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 19


FOTO: QUAZAR PHOTOGRAPHY
Sana Skull HISTÓRIA DA MODA

FOTO: BEL CAETANO FOTOGRAFIA

O medievalismo
da Era Vitoriana
Naiara Vasconcelos e Luiz José inspirou moda,
em trajes de inspiração medieval arquitetura e
posteriormente
a subcultura nascida
no fim do século 20.
O ESTILO MEDIEVAL GOTH
Dhyana Beltrami, artesã O Castelo de Otranto de Horace Wal-
da loja de temática medieval pole (1764), precursor da literatura gó-
DhyNgetal, em traje tica, é de temática medieval. O termo
de inspiração celta
“gótico” associa-se a um clima de hor-
dhyngetal.iluria.com ror, morbidade, escuridão e ao sobre-
natural relacionando-se com a era me-
dieval e fazendo uso de suas catedrais,
cemitérios, florestas, casas de pedra
em ruas tortuosas, ruínas, gárgulas no
topo das igrejas sendo cenários desta
literatura que se estendeu pela Era Vi-
toriana como um escape de seus tem-
pos, uma nostalgia de outra era.

Os escritores constantemente associa-


vam a época medieval a um período
obscuro, misterioso e de rituais su-
persticiosos.

A INFLUÊNCIA O medievalismo da Era Vitoriana ins-


pirou moda, arquitetura e posterior-
mente a subcultura nascida no fim do
DA século 20.

Assim como a moda da Era Vitoriana

MODA
(abordada na edição passada), a in-
dumentária medieval foi adotada de
forma romantizada pela subcultura
gótica, tomando como inspiração a
imagem do amor cortês, de cavaleiros
envoltos em armaduras e donzelas em

MEDIEVAL
longos vestidos de veludo, aliada à um
imaginário escapista feudal onde o pa-
ganismo era praticado em misteriosas
florestas e os homens lutavam com es-
padas para proteger o reino.

NA ESTÉTICA GÓTICA
20 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 21
Jefferson Silva e Sara Seibert
para a loja Dark Fashion
darkfashion.com.br
INDUMENTÁRIA NA ERA MEDIEVAL manhos variados com mangas justas
e casacos longos, sendo as meias e as
Dois períodos da Era Medieval influen- calças em cores muito vivas. Nos pés,
ciaram a moda gótica com mais força, sapatos ou botas de pontas pontiagu-
o primeiro foi de 400 a 1200 d.C., uma das. Na moda feminina, um vestido
época onde as roupas eram muito sim- longo, ajustado e decotado, fecha-
ples e os homens ocidentais são fre- dos por cordões na frente com man-
quentemente descritos usando túnicas gas justas podia ser complementado
de comprimentos variáveis com cinto. com uma sobreveste de mangas bem
Capuz, xales ou mantos protegiam as largas. Os cabelos eram soltos ou re-
costas, calções (braies) iam até os tor- partidos ao meio e enfeitados com fi-
nozelos e meias (chausses) iam até a tas, grinalda de flores, diademas com
coxa. Nos pés, um calçado de couro de pedras preciosas, coroas ou longas
tiras que se cruzavam na perna. Já a tú- tranças. Os calçados eram bastan-
nica das mulheres era igualmente sim- te pontudos como os dos homens.
ples, de manga longa, ia do pescoço
aos tornozelos, fechada com broches, A MODA GÓTICA MEDIEVAL
fitas, cintos e fivelas adornadas com (Medieval Goth)
pedras. No século 12 surge o corpete
do vestido, este moldado justo até os A indumentária da elite medieval foi
quadris com uma amarração nas cos- adotada em forma de releitura pelos
tas acompanhado de saia ampla cain- góticos, sendo que a principal dife-
do até os pés e ornamentado com jóias rença é o uso das cores. Enquanto os
na cintura. medievos usavam cores fortes, a paleta
de cores da moda gótica prioriza um
Um outro período muito influente na esquema mais sombrio em tons escu-
estética da subcultura são os anos ros ou fechados. Na maioria das vezes,
que vão de 1200 - 1480 d.C., onde os especialmente no estilo feminino, a
homens usavam túnicas lisas de ta-

FOTO: CAROL MULLER

Vestido da loja
Dark Fashion Attitude Top,
Acima, a pintura
“Kneeling female donor”, Dark Brotherhood loja Punk Rave
cerca de 1455, de Petrus Top, loja Punk Rave
Christus

Pintura atribuída a Hans


Memling (1465–1494) :
“Portrait of a young wo-
man” aproximadamente
de 1485–90
FOTO: THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART

FOTOS DA PÁGINA: DIVULGAÇÃO


FOTO: DIVULGAÇÃO

22 GOTHIC SETEMBRO 2017 ROMANTIC THREADS/ DIVULGAÇÃO/ LE MEW PHOTOGRAPHY GOTHIC SETEMBRO 2017 23
Dhyana
Beltrami
em traje de
inspiração
celta As amarrações medievais se misturam
à silhueta e acessórios vitorianos
nestes vestidos romantic goth

FOTOS: THE GOTHIC SHOP/ DIVULGAÇÃO


Colar da marca
Alchemy Gothic
Winklepicker góticos da marca
The Gothic Shoe Company

silhueta histórica é mantida. Já os ho- sino, saias longas e lisas, blusas ciga-
mens costumam manter a túnica. Os ninha, cintos com correntes, luvas co- ROMANTIGOTH
calçados pontudos se tornaram peças brindo o antebraço. Ritual Hoodie, loja Killstar
icônicas na subcultura com os famosos Existe uma estética da moda gótica
pikes shoes ou Winklepicker. A maquiagem é simples, mas escura ESTILO CELTA/ ETHEREAL: chamada de Romantic Goth. É um es-
como uma “fada negra”. Nos pés, co- tilo que mistura referências medievais
Também são adotados aspectos fantás- turnos, botas ou sapatos boneca. Os De inspiração folk, esse é um dos pou- e vitorianas num mesmo visual. Os
ticos do período, que incluem elemen- homens usam blusas de gola em V com cos estilos góticos que abusam das co- adeptos desta moda se interessam por
tos celtas, lendas arturianas e fadas. amarrações, acompanhadas de calças res, em especial verde, azul, vermelho poetas românticos, história medieval e
justas e botas. e tons terrosos nos acessórios. As biju- procuram beleza na morte e em cemi-
Esses são vistos na joalheria que in- Calça Vampires Pride da terias costumam ser prateadas e ador- térios. As meninas são vistas em vesti-
corpora dragões, unicórnios e criaturas Casacos com cortes que lembram ar- loja Punk Rave nadas com pedras. dos de silhueta medieval, mas usando
míticas também expressando interes- maduras são inspirados nos cavalei- acessórios com referência vitoriana,
se pelo paganismo, ocultismo e outros ros e blusas longas com capuzes, nos As referências são ninfas, fadas e don- como gargantilhas em renda e esparti-
símbolos religiosos camponeses. É comum bijuteria com zelas em longos vestidos e normalmen- lhos. Os rapazes misturam a blusa esti-
espada, nó celta ou símbolos religio- te longos cabelos. lo túnica com calças de couro, casacos
Dentre as peças mais usadas pelas sos. A capa, essencial para os invernos de corte vitoriano acompanhados de
moças que adotam o estilo medieval medievais e posteriormente associada cartolas e coturnos ou piked shoes.
mais “dark”, estão blusas com amar- aos vampiros vitorianos se faz presen-
ração frontal, mangas com formato de te para mais dramaticidade.

SANA SKULL
Poulaines medievais
que inspiraram os Escreve sobre moda, estilo
Winklepicker góticos. e história da moda. Jornalista
Imagem escaneada e Consultora de Moda,
do livro História do pesquisadora de Subculturas
e História da Moda.
Vestuário, Carl Köhler.
Fundadora do blog
FOTOS DA PÁGINA: DIVULGAÇÃO

Poulaines, c. 1400. “Moda de Subculturas”.


Germanisches Museum.
É estilista de moda alternativa
em trabalhos que abrangem
FOTO: QUAZAR PHOTOGRAPHY gótico, punk, heavy metal,
fetichismo e figurinos.”
Vestido de silhueta medieval modadesubculturas.com.br
complementado com um corset
underbust inspirado na era vitoriana
FOTO: THE GOTHIC SHOP/ DIVULGAÇÃO

24 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 25


ENTREVISTA Morpheus Affinito COBERTURA
SÃO THOMÉ DAS LETRAS - MG
WOODGOTHIC
WOODGOTHIC
Já na sua sexta edição, o Festival WoodGothic reúne desde 2008
O isolamento da idílica mas rústica
São Thomé é periodicamente invadido os apreciadores de música obscura minimalista sob as névoas
por um terremoto sônico...
e mistérios da cidade histórica de São Thomé das Letras (MG).
Focado principalmente nas tendências post-punk, coldwave
e deathrock, a edição de 2017 foi mais um encontro catártico
que ficou marcado na memória dos participantes.
HINOS À NOITE novação devido à mudança de cenário, previsto proporcionou um charme ain-
pois as outras aconteceram na “Central da maior para esta edição do evento.
“Nas fibras do peito vibra de Shows” ao lado da rodoviária da ci-
funda melancolia” - Novalis dade. Muita gente utilizou das dependên-
cias da pousada ou camping, criando
A cidade de São Tomé das Letras sem- Desta vez, devido à sabotagem da ad- assim um espaço de convivência entre
pre esteve na agenda dos darks des- ministração municipal, foram obriga- bandas e público para além dos palcos.
de os anos 80, muito devido ao apelo dos a deslocar o evento para a “Pou- Quem se hospedou na cidade, contava
místico atribuído ao pequeno vilarejo sada das Magas”, chácara situada há com a emoção do caminho descendo
no topo de uma montanha cercado de alguns quilômetros da cidade. Este im- a montanha e cortando o negrume da
vales e belas paisagens por todos os noite até o portão da Pousada.
lados.
O evento contava com uma estrutura
Em Maio de 2008, essa cidade ao sul básica, mas que atendia aos anseios
de Minas Gerais foi tomada de assal- do público e das bandas, frequenta-
to por uma turba de pessoas trajando dores das noites mais alternativas que
preto, camisetas de bandas não con- podemos imaginar.
vencionais e sobretudos (o frio da re-
gião ajuda muito nesse quesito). Como das outras vezes, haviam pes-
soas de todas as partes do país, que
Era possível entrar em uma padaria entre um show e outro, circundavam a
para tomar o café da manhã e conhecer enorme fogueira, ponto alto da socia-
gente de Campina Grande, Vitória ou bilidade desse Woodgothic.
Florianópolis, entre outras cidades. As
praças com várias mesas reunidas, as Vale lembrar que os organizadores
pousadas lotadas onde esbarrávamos foram tomados de surpresa quanto à
no corredor com nossos iguais... mudança do local, portanto se houve
alguma defasagem quanto à estrutura
E, enfim, o Woodgothic, trazendo a do evento, devemos não só dar um des-
maior e melhor inovação em nossa conto quanto a isso, como parabenizá-
cena ao deslocar o público dos porões -los pela reação e atitude.
de suas metrópoles Brasil adentro para
FOTOS: ILKA REIKO/ WOODGOTHIC

uma pacata cidade onde aflorou um As Mercenárias, Afinal, mais que darem continuidade
sentimento de irmandade e pertenci- banda a um sonho, eles expuseram a nossa
mento, que vem se repetindo a cada emblemática realidade, onde o post punk e, prin-
edição. do post-punk cipalmente, o rock gótico sobrevive
brasileiro marginalizado, sem apoio ou subsídio
Em meados de junho deste ano acon- cultural e, muitas vezes, apesar de sua
teceu a sexta edição, com ares de re- longa história, sem ser levado a sério.

26 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 27


Les Chats Noirs
Gangue Morcego

QUINTA-FEIRA – 15 DE JUNHO tentes mais psicodélicas do post punk,


a “guitar band” WRY aportou ao fes-
Abrindo o evento com muita catego- tival com seus acordes anos 90, con-
ria, os capixabas da FAKE DREAMS, quistando a plateia e provando a força
levaram o público à frente do palco de seus clássicos como em “Sister”.
para agitar de “Olhos Mortos” até o hit
“Lembranças de Setembro” embala- Os anfitriões do festival, o duo ES-
dos na performance frenética de Kelly CARLATINA OBSESSIVA fez o show
Tybel, dando voz ao rico instrumental esperado, agitando a galera que ainda
da banda. teve acesso ao CD Drusba, lançado na
ocasião. Terminando a primeira noite
O BALLET CLANDESTINO trouxe a do festival a GANGUE MORCEGO fez
energia do rock nacional com referên- o que já é de hábito em suas apresenta-
cias oitentistas, culminando no hino ções: um show espetacular, com direi-
entoado em uníssono “Substantivo to a “Dias Escuros” e “Sobrenatural”!
Abstrato”. Abrindo espaço para as ver-
SEXTA-FEIRA – 16 DE JUNHO

Escarlatina Quem inaugurou o segundo dia do fes-


Obsessiva tival foi o CÜBUS, electro duo com sua
performance sintética dando ares de
rave ao ambiente rural. LES CHATS
NOIRS com uma darkwave mais at-
mosférica encantaram o público, pois
Wonder Dark o duo causou uma ótima impressão e
fez um dos shows mais marcantes.
um guitarrista, argentinos, tornando a para um festíval fantástico, que ainda
TEMPOS DE MORTE transportou to- apresentação um atrativo diferente até contou com djs renomados como Ri-
dos que estavam ali para aquele perí- mesmo para os fãs acostumados com a cardo Wolff e Zauber para fazer a som-
odo entre 76/78 quando algumas ban- banda nos palcos. bra entre as apresentações das bandas.
das punks estavam cultivando outras
esferas; uma apresentação visceral POPULAÇÃO ZERO é daquelas ban- O Woodgothic se tornou marcante
e arrebatadora. GATTOPARDO fez, das onde a música é o caminho para para a subcultura gótica, talvez por
como sempre, uma ótima apresenta- um contexto maior, cujo impacto é proporcionar momentos mágicos atra-
ção, com sua poesia e musicalidade ainda mais forte que a pegada sono- vés da reunião de pessoas das mais
cosmopolita, empolgou muito e fez a ra: um punk rock com influências dos diversas origens e localidades. Emba-
galera pular. anos oitenta brasileiro. lados por shows memoráveis de ban-
das brasileiras , que refletem sua pla-
Fechando magnificamente, VARSÓ- O ponto alto da noite e, talvez do fes- teia, como uma catarse, ali a história
VIA mostrou o porquê de ser um dos tival, foi a apresentação das MERCE- do gótico brasileiro se fez magistral e
grupos mais cultuados dos anos 80, NÁRIAS, demonstrando o porquê de verdadeira em espírito, ritmo, estética
além do fato de ser uma das primeiras ser influência de metade das bandas e atitude.
bandas de post-punk brasileiras, can- da cena atual, sejam punks ou góticas.
ções como “Após as Luzes”, “Dias de Sandra eleva as canções a hinos e rege Morpheus Affinito
Dúvida”, “Noites”, “Viagens” e para o público com maestria, como poucas e Santiago Laranjeira
fechar a icônica “Ian” - Difícil conter bandas conseguiram prevalecer em
aquela lágrima de emoção!!! seu meio com tamanha dignidade!
MORPHEUS AFFINITO
SÁBADO – 17 DE JUNHO Como último grupo a se apresentar, o
Organizador de diversas coletâneas
ANVIL FX - do experiente Paulo Beto
de bandas nacionais como a
Após um recital, a POETISA DISSE- e da excelente Biba Graeff - cumpriu
Violet Carson e a série De Profun-
CADA tocou seu punk gótico com o com a missão de não deixar a energia
dis, mesmo nome do seu zine. Hoje
FOTOS: ILKA REIKO/ WOODGOTHIC

fervor arrebatador que “O Deus Ver- esmorecer, fuzilando a plateia com seu
é também sócio do excelente sebo
me” e “Medo” justificaram, com um Synth/electro/dark riquíssimo em tim-
Clepsidra, em São Paulo, com grande
guitarrista substituto muito competen- bres e ritmos hipnotizantes, canções
acervo obscuro e de literatura Gótica.
te: Dennis (do Days are Nights). como “Prova de Biologia” deram o
Visite-os pessoalmente ou online e
tom da ótima apresentação, que ain-
encomende boas leituras:
O WONDER DARK e seu minimal da contou com uma versão espetacular
wave nos vocais de Camila e Gutisk, de “Aqui e Aqui”, da banda Divergên-
facebook.com/seboclepsidra
tiveram o reforço de um baixista e cia Socialista. Foi um final apoteótico

28 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 29


3
CINEMA
WIKIMEDIA COMMONS/ DOMÍNIO PÚBLICO

“Todos aqueles momentos serão Luciana Fátima &


perdidos no tempo, como lágrimas
na chuva. Hora de morrer” Arlindo Gonçalves
Monólogo em “Blade Runner”

FILMES
DOS ANOS

Em “Blade Runner” os atores Rutger


Hauer e Daryl Hannah (acima) são
1980
Q UE Peter Murphy, vocalista da banda
gótica Bauhaus, em cena do
Três cults cinematográficos da década perá-la e terem suas individualidades
dois seres artificiais com limitado
tempo de vida que são perseguidos
de 1980 souberam, como nunca, cap- preservadas – em outros termos, bus- INFLUENCIARAM o sangue de seus amantes. O atual (in- filme “Fome de Viver”
terpretado por David Bowie) começa a
A ESTÉTICA
tar e expor elementos da subcultura cam a humanidade tal como a criatura
pelo caçador de andróides envelhecer em ritmo acelerado; esse é
gótica, realizando com isso os feitos de Frankenstein, do romance gótico de
interpretado por Harrisson Ford

G ÓTICA
simultâneos de registrar toda a estéti- Mary Shelley. o preço cobrado pela longevidade ofe-
ca de uma época e servir de fonte para recida por Mirian.
novas gerações. Quando os robôs se rebelam e viram
Bruno Ganz interpreta o anjo assassinos, eles passam a ser perse- Durante suas derradeiras horas, o vam- A maquiagem clássica
Damiel em “Asas do Desejo” A DECADÊNCIA E A BUSCA guidos por Rick Deckard em uma bus- do terror, pela degeneração paulatina piro procura ajuda da médica especia- da replicante Pris
DO SER HUMANO ca alucinante por vielas, prédios de- dos corpos fabricados; e ambientes lista, Sarah Roberts, que terá papel
crépitos e em meio a multidões. Nessa opressivos. Revisando todos esses ele- fundamental na trama. Temos, então,
O filme Blade Runner, o Caçador de caçada, o policial acaba se envolvendo mentos góticos, o filme acabou con- um paralelo com o filme anterior: os
Androides – dirigido por Ridley Scott amorosamente com uma das androi- solidando-os no imaginário coletivo. androides de Blade Runner também lu-
em 1982 – retrata uma Los Angeles fu- des e questionando a sua própria hu- Sua estética serviu de base para outros tam para não se decompor, da mesma
turista ambientada no distante (para a manidade. filmes, músicas, clipes e até HQs. forma que John clama por socorro para
época de seu lançamento) ano de 2019. conter seu envelhecimento.
Baseado livremente na novela de Phi- O visual de Blade Runner apropriou- VAMPIROS MODERNOS
lip K. Dick, “Androides sonham com -se de elementos underground, como a O longa inova ao reciclar a temática
ovelhas elétricas?”, a cidade do longa é maquiagem punk de uma das persona- Fome de Viver (1983), de Tony Scott gótica dos vampiros. O casal central
decadente, poluída e chuvosa. gens (que lembra muito a de Siouxsie); (irmão de Ridley Scott) é outro filme circula elegantemente pela cidade es-
roupagem gótica (sobretudo do prota- que notabilizou a subcultura gótica no cura, frequenta casas noturnas – como
As ruas são apinhadas de seres degra- gonista); cabelos descoloridos; visual cinema. a da antológica cena de abertura com a
dados que, por conta de sua genética noir da cidade (influência de Metrópo- banda Bauhaus –, trajando roupas chi-
desfavorecida, não puderam migrar da lis, de Fritz Lang); e o comportamento Se em Blade Runner estamos no futu- ques e óculos escuros; fumando praze-
Terra, tal como fizeram pessoas mais desencantado de suas personagens. ro, em Fome de Viver a ambientação é rosamente seus cigarros e ostentando
afortunadas. A Tyrell Corporation feita no presente, na cidade de Nova o inconfundível Ankh (símbolo egípcio
produz androides programados para A trama enfatiza elementos do pas- Iorque – palco para a atuação de Mirian da vida eterna, amplamente incorpora-
terem pouco tempo de vida e, ao des- sado, como as memórias falsas im- Blaylock, uma vampira moderna que se do ao visual gótico), em busca de víti-
cobrirem essa sina, eles lutam para su- plantadas nos androides; psicologia mantém jovem através dos séculos com mas para saciar sua sede imortal.
FOTOS: DIVULGAÇÃO / REPRODUÇÃO

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“Nós podíamos ser heróis,
perto do MURO...”
(Heroes, Bowie)

O filme popularizou
os ankhs-adagas

Nick Cave
se apresenta
em uma cena
A vampira antológica de
Mirian Blaylock “Asas do Desejo”
David Bowie e Catherine Deneuve
pronta para encarnam os vampiros estilosos
seduzir mais de “The Hunger” (Fome de Viver).
uma presa Sarah, interpretada por Susan Sarandon,
é atraída pelo casal

OS ANJOS DECADENTES Enquanto nos dois filmes anteriores, Pela contemplação dessas películas –
os seres anseiam por estender sua seja nos ambientes urbanos, seja no
O último desses cults talvez seja aque- existência, Wim Wenders personifi- visual ou comportamento das perso-
le que nos deixe reflexões mais profun- ca um ser divino disposto a tornar-se nagens –, os góticos puderam se ver
das; não apenas acerca da subcultura mortal para experimentar as sensações magistralmente representados e os
gótica, mas sobre o conflito existen- do mundo físico, consumando, assim, novos seguidores dessa subcultura po-
cialista Razão X Paixão. sua paixão humana. dem encontrar ali também fontes com-
portamentais valiosas de uma época
Asas do Desejo (1987) é dirigido por Novamente, aqui a aparência dos seres que nos inspira até hoje.
Wim Wenders, que busca inspiração celestiais ecoa o visual gótico: elegan-
na poesia de Rainer Maria Rilke para te sobretudo e cachecol em contraste
apresentar Damiel e Cassiel – duas com o despojado rabo de cavalo.
LUCIANA FÁTIMA&
figuras angelicais que assistem ao so-
ARLINDO GONÇALVES
frimento e desventuras dos seres hu- As imagens monocromáticas ganham
manos, pairando sobre uma dividida cores quando a perspectiva passa dos
são escritores e fotógrafos. Formam
Berlim pós-guerra. anjos para os humanos. Portanto, a
Moderna para a época de seu lança- o coletivo Diálogos com a Cidade,
partir do momento em que Damiel
mento, a película insere ainda elemen- pelo qual fizeram exposições e publi-
A década de 1980 traria – além da dis- abandona sua imortalidade e se une
tos de lesbianismo no enredo e, apesar caram livros. Individualmente, Lucia-
seminação da subcultura “dark” no à trapezista Marion, a película passa
de não ter feito muita bilheteria, é hoje na é pesquisadora do Romantismo,
Brasil – mais incertezas do que espe- a ser colorida – como se essa transi-
um cult absoluto dos góticos. sobretudo da vida e obra do poeta
ranças; mais apatia do que realizações. ção representasse o grande triunfo. “O
Álvares de Azevedo; e Arlindo é au-
poeta juntou as ruínas de um mundo
A estética de Fome de Viver influencia tor de ficções e crônicas urbanas. No
A contemplação refletida nas cenas em desfeito e de novo o fez uno.” (Rilke)
até hoje outros filmes, como Amantes momento, ele finaliza um livro sobre
preto e branco de Asas do Desejo nos
Eternos (2013). A estilosa representa- a cena musical da década de 1980.
faz questionar sobre a concretude da Vimos que, a partir da década 1970,
ção do casal vampiresco Mirian e John Saiba mais em:
felicidade, especialmente quando Da- o cinema influenciou sobremaneira
é inspiração para centenas de casais miel apaixona-se pela trapezista de a subcultura gótica. E, em particular,
facebook.com/dialogoscomacidade FOTOS: DIVULGAÇÃO / REPRODUÇÃO
góticos que vemos nas noitadas – ne- um circo em decadência e sofre por esses três filmes da década de 1980 O anjo se apaixona pela trapezista Marion
facebook.com/DelirioPoesiaMorte
nhum deles, felizmente, bebendo o não poder realizar seu desejo de tocá- vieram para consolidar uma estética já e de repente preto e branco parece pouco
sangue alheio (será?). facebook.com/NoivodaMorte
-la devido à sua condição etérea. vigente.

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Alex Twin COBERTURA
LEIPZIG - ALEMANHA

WGT WAVE GOTIK TREFFEN:


MÚSICA, MODA & CULTURA
Nem só de música, vive o festival Alemão em Leipzig!
O conhecido festival WAVE GOTIK TREFFEN, completou
26 anos em 2017 atraindo cerca de 25 mil pessoas
e oferecendo atrações diversificadas por toda cidade.
Junho de 2017, mais um ano de festival ingressos, comerciantes locais apoian-
em Leipzig na Alemanha. do o evento e facilidade para saque
com cartão no AGRA (local principal
O conhecido festival WAVE GOTIK do festival na cidade, com camping,
TREFFEN, completou 26 anos em gerenciamento, palco principal, mer-
2017. Não foi fácil sobreviver e estar cado principal, praça de alimentação).
em plena ativa após todos estes anos.
Organizar um pequeno festival ou
O festival começou em 1991, e nas pri- evento, quem já o fez, sabe que não é
meiras edições não tinha pouco mais nada fácil. São muitos detalhes: pro-
que 300 pessoas na audiência. Hoje o moção, venda, divulgação, técnica,
evento reúne em torno de 25.000 pes- contratos, cachês, entre outras coisas,
soas. Alguns anos depois, foi compra- e no caso do WGT, podemos dizer que,
do por novos sócios e começou a de- contando organização, segurança e
colar como um dos principais festivais técnicos, devem ter quase 1000 pesso-
do mundo. as trabalhando durante os quatro dias
do evento.
Estive na 12° edição, quando fui para
Leipzip em 2003. Fiquei impressio- O festival tem em média 180 atrações
nado desde aquela época, por vários em se tratando de bandas que tocam
motivos: desde a estrutura, número de nos quatro dias espalhados por mais
palcos espalhados pela cidade e quan- de 12 locais pela cidade. Além disso,
tidade de público, entre outras coisas. há dezenas de djs nos after party, ex-
positores e vários eventos culturais que
Passados 14 anos desde minha primei- começam ao meio dia.
ra vez no festival, posso afirmar que
de maneira geral muita coisa melhorou WGT não é só música, são realizados
de lá para cá. vários workshops, palestras, expo-
sições, falando sobre temas de ocul-
Participei de outras sete edições, no tismo, psicologia, entre outros. Você
decorrer destes últimos anos, e senti pode ir a uma palestra de doutora em
muitas mudanças, como: psicologia falando sobre psicopatas,

FOTO: EDSON RJ
ou então ouvir uma análise histórica
Maior quantidade de locais do even- sobre lápides e túmulos em cemitérios,
to pela cidade, melhor estrutura nos e por ai vai.
mercados do festival, o transporte por
Bach, que viveu em Leipzig
FOTO: ALEX TWIN

TRAM (um tipo de bonde) pela cidade, Alguns workshops de música clássica
Show de Peter Heppner séculos atrás, contempla a
eventos culturais relacionados ao mun- também aparecem na programação do
(ex-Wolfsheim) diversidade musical do WGT
do alternativo, facilidade na compra de evento anualmente.

34 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 35


FOTO: EDSON RJ

FOTO: ALEX TWIN


A galera relaxando no
Mercado AGRA parque da cidade
com uma infinidade
de opções
do Moritzbasteai, um forte medieval
com mais de 500 anos e localizado no
subterrâneo, cujo mercado fica no seu
topo, no nível acima da rua.

ATRAÇÕES MUSICAIS

Das quase 200 atrações do festival


anualmente, a maioria são bandas da
Alemanha e, claro uma boa parte tam-
bém, são originárias de várias partes
da Europa, América e Rússia.

Todo ano tem alguma banda que toca


terminam a meia-noite todos os dias. com exclusividade na Alemanha para
Depois disso existem muitas festas o festival, em 2017 foi o Skinny Puppy.
com sonoridades para todos os gostos: Em cada palco espalhado pela cidade,
industrial noise, EBM, death rock, fe- todos os dias temos em torno de seis
tish party e synth pop, entre outros. shows por local, sendo sempre a últi-
COMO FUNCIONA des/trens que andam pela cidade toda, da Alemanha. A população da cidade É só escolher o estilo que lhe agrada. ma banda a headline (principal) do dia.
inclusive tem o número 31 PRETO que sabe do evento e inclusive participa
O festival dura cinco dias contando ligam exclusivamente a maioria dos lo- de muitas formas e, apesar das pes- MERCADO Geralmente as bandas maiores, que
com a quinta feira onde acontecem cais onde o evento acontece. soas mais velhas não falarem inglês, os estão em alta ou muito populares,
festas de abertura do evento por toda jovens na grande maioria falam duas Existem dois mercados, o principal tocam no palco principal AGRA, que
a cidade, com djs e também alguns ACOMODAÇÃO línguas. localizado no AGRA, onde temos um fica quase saindo da cidade e onde se
eventos com shows. Depois começam galpão no estilo do Anhembi em SP, concentra a maior quantidade de pes-
os eventos da programação do festival Geralmente para conseguir um bom Quanto a alimentação, a cidade tem de com expositores de várias partes da soas diariamente, pois além do palco
na sexta até a segunda feira, sempre local para se hospedar na cidade, caso tudo, desde comida típica alemã até Europa, com música, acessórios, rou- principal, temos o camping, mercado
caindo em um feriado prolongado da não queira usar o camping, deve-se re- cantinas italianas, restaurantes vege- pas exclusivas, gravadoras indepen- principal, praça de alimentação e a vila
Alemanha, que geralmente é na segun- servar meses antes, em janeiro, pois tarianos, kebabs, chineses, japoneses dentes, decoração, perfumes etc. E medieval, além do jardim da infância,
da-feira. existem muitos eventos esportivos e etc. Os preços são bem acessíveis! temos também um mercado medie- onde pais podem deixar seus filhos
de outros tipos na cidade durante o Claro que existem estabelecimentos val que acontece na parte superior com monitores durante todo o dia.
Existem dois tipos de ingressos: um festival, o que pode esgotar as vagas caros, como em todo lugar, mas além

FOTO: ALEX TWIN


para todo o festival e outro que inclui em hotéis e pousadas. disso, nos principais pontos de shows,
o direito a usar o Camping. Nos dois temos fast food, com churrasco alemão
casos, você tem direito a entrar em to- HOSPITALIDADE E ALIMENTAÇÃO e lanches, entre outras opções.
dos os mais de 40 locais espalhados
pela cidade, a hora que quiser durante A cidade é muito legal, era parte da O QUE FAZER NO FESTIVAL
os quatro dias. Você pode comprar o Alemanha oriental antes da queda do
ingresso antecipadamente ou chegan- muro de Berlin. Lembro que em 2003 e Não são só de shows que vive o fes-
do na cidade. Você o troca por uma 2004 existiam muitos prédios e cons- tival. Já encontrei com pessoas da In-
pulseira que te dá direito a usufruir do truções abandonadas, pois o pessoal glaterra, por exemplo, que vão somente
festival. simplesmente abandonou e foi para o para festas após os shows ou simples-
ocidente. mente para fotografar.
TRANSPORTE Como o festival começa ao meio dia,
Público se diverte nas lojas
FOTO: ALEX TWIN

Agora em 2017, já vemos poucos pré- até as 17 horas, basicamente, os par-


A maioria dos pontos do evento espa- dios abandonados e cresceu bastante ticipantes dispõe de vários eventos
lhados pela cidade são ligadas pelas o custo no mercado imobiliário, mas culturais pela cidade. Após as 17 horas
linhas de TRAM, que são aqueles bon- ainda é uma das cidades mais baratas começam os shows que, geralmente, As crianças tem onde ficar

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FOTOS: ALEX TWIN
FOTO: ALEX TWIN
O CUSTO BRASIL: são na mesma linha, embora você não
conheça, muitas vezes você descobre
Deveríamos valorizar as poucas pes- ótimas bandas. Ver uma banda ao vivo
é bem diferente de ouvir um disco e
Lebanon Hanover
soas que gastam seu tempo tentando
organizar eventos internacionais no a maioria delas fazem sucesso naquela
Brasil, com custos exorbitantes, pas- região por suas apresentações ao vivo.
sagens, hospedagem, alimentação, e
Spock
sem contar um custo que na Europa WGT 2017:
não tem: são vistos de trabalho, ecad,
sindicato dos músicos, coisas que o De alguns shows que assisti este ano,
Trobar de Morte Brasil inventa para poder tirar dinheiro posso destacar alguns: SKINNY PU-
(veja o novo álbum PPY, BLEIB MODERN, TROBAR DE
e dar a entidades que, de modo geral,
na seção de lançamentos
na página 14) não demonstram real interesse sobre a MORTE, SPOCK, PETER HEPPNER,
cultura ou os direitos dos artistas. BOX AND THE TWINS, RITUAL
HOWLS E LEBANON HANOVER.
COMO VER TANTAS BANDAS
NO WGT? Claro que gosto não se discute, mas
tento sempre ver bandas de diferentes
Impossível, nos dois primeiros em que estilos e, mesmo que não me impres-
fui, até tentei ver bastante banda, mas sione tanto, tento ser imparcial e ver a
não dá realmente. Esta é uma das ra- banda pelo lado profissional e não do
zões do porquê o WGT é um festival meu gosto pessoal. e ET Phone Home. Sempre divertidos, Lebanon Hanover: o duo foi atração
tão único. alegres e empolgantes, os suecos têm principal em um dos palcos durante o
SEGURANÇA de música, rádios, revistas especiali- Skinny Puppy: fez show exclusivo em realmente uma performance que agita festival. O Show foi bem simples, sem
zadas que podem ser encontradas na Você pode fazer várias coisas durante o 2017 na Alemanha para o WGT, já havia a plateia. telão, apenas alternando entre baixo,
Nunca vi nenhum tipo de briga, tumul- maioria das bancas de qualquer esta- evento, como ver shows, passear pela ficado impressionado com uma apre- guitarra e teclado, o duo foi simples
to ou algo similar nos sete festivais que ção de trem das cidades, comércio for- cidade com o público todo espalha- sentação que vi em 2004 em Amster- Peter Heppner (Wolfsheim): o ex-vo- porém objetivo, tocando os principais
participei. No geral, este tipo de pú- te de roupas, discos, entre outros. do por ela, ir a palestras, almoçar no dã, mas este estava realmente melhor calista do duo Wolfsheim, foi a atração hits. E, claro, o destaque para William
blico é pacato e não gera nenhum tipo centro, encontrar alguma banda pela em todos os sentidos, na produção, principal de uma das noites em um dos Maybeline, que é a alma da banda.
de confusão, claro que pode até haver Tudo isto faz com que exista uma base cidade, ver pessoas desfilando pela performance e seleção de músicas! palcos do WGT. Tocaram após o Spock
algo, mas nunca vi ou fui informado. que dá suporte para um festival como cidade, o que acontece muito, pois e, apesar de trazerem os clássicos da
Então não se preocupe em ir ao festi- este, além claro da cultura europeia, algumas pessoas vão exclusivamente Bleib Modern: estava curioso para vê- era do Wolfsheim, em matéria de per- Confira o site oficial do evento:
val, pois é muito pacífico. especificamente alemã, com um rico para posar pela cidade, para turistas, -los ao vivo e, mesmo com apenas qua- formance não mostraram nada demais.
histórico musical, que influência mui- revistas etc. Geralmente a pessoa se tro anos de existência, a banda mos- Claro que as mais cantadas foram as wave-gotik-treffen.de/english/
POR QUE ESSE TIPO DE EVENTO tas das bandas alternativas. prepara para vestir uma roupa em es- tra ser perfeita e muito bem ensaiada músicas dos anos 90, mas posso dizer
FUNCIONA POR LÁ? pecial para cada um dos quatro dias do ao vivo. Eles se apresentam em cinco que foi um bom show.
Essa parte cultural, infelizmente não evento. Existem muitos fotógrafos de músicos. Tenho apenas uma pequena
revistas pela Europa que ficam foto- critica, pois achei que a comunicação ALEX TWIN
Mesmo tendo dedicado toda minha temos aqui, onde crianças da maioria Box and the Twins: grata surpresa,
vida a música alternativa, eventos e das famílias não aprendem a tocar ins- grafando durante todo o dia. com o público foi limitada, muito pela apesar de ter visto apenas o final do
timidez da banda, mas isso deve evo- Organizou alguns dos maiores
selo independente, tenho que admitir trumentos musicais desde bem jovens. show, a performance e a música fazem
Conselho: marque as bandas que você luir com o passar do tempo. festivais internacionais brasileiros
que é muito difícil que um festival com Com tudo isto e mais uma boa inje- uma mixagem muito boa. Se apresen-
mais gosta, ou queira ver ao vivo, ge- como o Wave Summer Festival (2015)
esta estrutura funcione no Brasil. Por ção de dinheiro e promoção, o festival tam em trio e a vocalista tem uma bela
ralmente dois ou três por dia, pois as Trobar de Morte: das bandas novas na e Wave Winter Festival (2016).
ter esta visão geral do WGT, até tenta- cresce e dá lucro. voz ao vivo, lembrando bastante Coc-
vezes a locomoção de um ponto a ou- linha medieval/etéreo/folk, com certe- Há 10 anos é proprietário do selo
mos fazer o Wave Festival em SP, po- teau Twins / 4AD um pouco mais do
tro na cidade demora, quando se tem za uma das melhores que já vi ao vivo. brasileiro Wave Records
rém são muitos os fatores necessários A maioria das bandas pequenas ban- início da banda.
que pegar o TRAM e se os horários fo- O grupo tem uma performance exce- especializado em darkwave.
num projeto como este. cam sua viagem ao festival, o que aju-
rem bem próximos, com certeza você lente, utilizando instrumentos típicos, Há mais de 25 anos cria música de
da muito nos custos, os organizadores Ritual Howls: banda americana, foi
não chegará a tempo. e toca muito bem ao vivo e destaque qualidade participando de grupos
Na Alemanha, existe um espaço con- pagam cachê e acomodação. outra boa surpresa, já havia gostado
para os vocais de Lady Morte. internacionais, como o 3 Cold Men
solidado, onde há pilares para que uma dos dois álbuns, mas ao vivo são bons
Muitas vezes é interessante você per- e Wintry. e nacionais, como
cena alternativa exista: bandas, gra- Outro fator importante é a locomoção mesmo. Guitarra ao estilo western dos
manecer em um local onde tem alguma Spock: o trio synth pop dos anos 1990 Individual Industry e Pecadores.
vadoras/selos, clubs para se tocar ao infinitamente mais barata para as ban- anos 1980, com bateria eletrônica e
vivo, lojas especializadas, empresas das, que dispões de facilidades ao op- banda que te agrada, pois geralmente fez um show bem animado, com seus baixo marcado. Boa voz e boa perfor-
as bandas que tocam antes e depois, vários hits como Never Trust A Klingon waverecordsmusic.com
de promoção e divulgação deste tipo tar por carro ou trem. mance.

38 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 39


ENTREVISTA

Dono de uma já GS: A beleza de um nome, “Gemina”


foi a musa ou discípula de Plotino,
Essas eram as paisagens da “terra de
Gemina”…. e agora todos os nossos
Então, talvez por isso, tornei-me pro-
dutivo, escrevendo umas 80 músicas
respeitável discografia, certo? Ela seria mais sábia que bela? fãs que vêm da Alemanha e outros pa-
íses para a Suíça para os shows dizem
neste período. E, as vezes, eu já me
pergunto “o que virá a seguir, talvez
The Beauty of Gemina MICHAEL: Ela é um personagem real,
a musa de um antigo filósofo da Gré-
“Nós vamos para a Terra de Gemina”... eu devesse ir mais devagar” …

é destaque europeu cia chamado Plotino. Ele tinha um tipo


muito interessante de filosofia: você
GS: Que Legal! GS: Então vocês já tem outro álbum
a caminho?
e fez um show não tem que procurar por Deus no céu
mas sim procurar no seu eu. Acho que
MICHAEL: ...então era nossa ideia tra-
zer a música mas também trazer essas MICHAEL: Não nesse momento exa-
inesquecível em é uma ideia refinada. Se a musa dele é
Gemina, talvez ela tenha que ser muito
ideias visuais. Muitos diretores me dis-
seram que a música do TBOG é boa
to. Minor Sun (2016) levou dois anos,
antes eu estava no meu caminho, ten-
São Paulo este ano. bela... ou pode ser um lugar que você para desenvolver visuais, pois há mui- tando várias formas, e acho que com
FOTO: ROLAND KORNER / THE BEAUTY OF GEMINA

quer estar, ou sonho, ou um desejo que tas imagens nas canções e também que Minor Sun eu encontrei o que eu esta-
H.A.Kipper você queira realizar. são boas para trilha sonora. Assim, a
cada álbum fazemos alguns vídeos...
va procurando.

É como uma porta aberta: você pode ir Ele inclui todas as facetas do Beauty
e preencher com sua própria ideia, essa
é “A Beleza de Gemina”.
“Como um of Gemina. Fizemos uma grande tur-
nê pela Alemanha, estamos a primeira
compositor eu estou vez aqui no Brasil, Atenas, Londres...
GS: Então você gosta de filosofia e de
ler em geral…
sempre procurando então estamos trabalhando para levar
Minor Sun para todos.

THE BEAUTY por inspiração

of
G
MICHAEL: Como um compositor eu
estou sempre procurando por inspi-
e os livros são GS: Podemos ver que o TBOG não
fica preso a uma fórmula criativa
ração e os livros são uma parte dis- uma parte disso.” nem faz simplesmente música reviva-
so. Eu leio e, quando tenho tempo, eu lista. Vemos que vocês criam tirando
gasto horas lendo livros. As vezes há GS: E hoje em dia é comum as pesso- inspiração das mais diferentes fontes.
histórias e personagens que se tornam as conhecerem a banda primeiro pe- Pode nos contar o que os inspira?

EMINA
ideias para músicas. los vídeos...

Também assistir filmes é interessante, MICHAEL: Sim, pelo Youtube, um


“ouvi música
pois neles há música, diálogos, his- canal importante, muitos dos jovens brasileira como
tórias, atores. Tudo isso junto, é uma
forma de arte muito elevada, talvez a
hoje, que querem descobrir música ou
banda nova, vão primeiro lá e encon-
(Heitor) Villa Lobos,
coisa mais complexa em arte. tram um vídeo. piano clássico, órgão
GS: Em outra entrevista você comen- GS: Sete álbuns em 10 anos, vocês
de igreja...”
tou que TBOG é também uma “músi- são bastante produtivos! E vocês ain-
ca visual”. Você tenta fazer algo assim da viajam bastante em turnê. Isso é MICHAEL: Para mim o mais impor-
no trabalho? Vocês tem vídeos muito como um trabalho em tempo integral, tante era encontrar minha própria lin-
bem produzidos... se é que você chamaria de “traba- guagem musical. Essa é minha princi-
lho”...? pal preocupação. Eu posso usar muitos

MICHAEL SELE MICHAEL: O que é importante para


mim é que eu comecei dez anos atrás
com este sonho, este projeto (TBOG) e
MICHAEL: É um privilégio para mim
gastar toda minha energia e criativida-
instrumentos ou partes instrumentais
diferentes, mas sempre soa como Be-
auty of Gemina.
eu realmente tento cuidar de detalhes, de com o TBOG e não ter que fazer ou-
como este pássaro do nosso design, o tros trabalhos de estúdio, é um privilé- Eu também sou muito aberto a tra-
“pássaro gemina”. Eu o encontrei bem gio ter muito tempo para isso. Eu não zer diferentes estilos para nossa mú-
perto de casa, com essas montanhas era mais tão jovem quando comecei o sica, como jazz, blues... no começo
altas, com uma vista vasta, longos ou- TBOG, então talvez eu tivesse a sensa- as pessoas disseram “Como assim
tonos e a primeira canção foi “Suicide ção de que eu tinha que me apressar, blues...???”. Mas blues combina per-
Landscapes”. pois meu tempo não é mais tão longo. feitamente, tem esse espírito podero-

40 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 41


Em São Paulo no
Deepland Festival,
abril de 2017
so, está na raiz de nossa música. E em GS: E quanto ao álbum acústico, também tocamos em festivais interes- Não é ruim ter amigos na banda, mas
nosso álbum acústico tivemos muitas “Myrrh Sessions”, como foi a expe- santes na Rússia, Polônia e também é melhor ter um bom guitarrista. E aí
influências clássicas. riência? em Portugal, um dos meus preferidos* faça tudo com o coração e com um pla-
e, por isso, quis vir aqui ao Brasil. no, isso é muito importante.
Quando eu ainda era uma criança eu MICHAEL: Foi muito interessante re-
aprendi violão clássico, também ouvi duzir as músicas ao mínimo, as vezes (* Veja a matéria sobre esse festival Não pense só em você mesmo, pense
música brasileira como (Heitor) Villa só voz e piano, ou só voz e violão e ver em Portugal na página 10.) como você pode levar a música para
Lobos, piano clássico, órgão de igreja... que a canção ainda funciona. Tínha- as pessoas. Pense sobre mídias sociais,
posso perfeitamente trazer elementos mos umas 80 canções no computador, GS: Você comentou em uma entre- sua imagem, faça boas fotos, você tem

FOTO: BRUNA ROCKER


de jazz ou industrial... O importante é só no básico, aí trouxemos os violon- vista anterior que apesar de vocês que ter uma identidade autêntica. Tra-
que tenho as letras e uma história que celos, violinos, levadas mais jazz, per- não se enquadrarem em nenhum es- ga sua alma própria e trabalhe muito.
chega ao coração das pessoas. cussões para o baterista e dois violões tilo restrito, parte do seu trabalho
acústicos. é “o desafio de transferir a música Você precisa de disciplina e trabalhar
“Sempre pensei GS: O resultado foi maravilhoso!
darkwave ou gótica para a era digi-
tal”. É um desafio?
duro todo dia. Algumas bandas pare-
cem que (pensam): “eu compro uma
em como trazer Nesse álbum vocês também fizeram Eu quero dizer que precisamos de mais GS: Creio que podemos dizer que guitarra, faço uma canção e está ok... o
o espírito dos 80’s, uma versão de “Listening Wind” do
Talking Heads. E a sua versão tomou
MICHAEL: Acredito que é um desafio,
há algum tipo de problema em todo es-
bandas que tragam ideias modernas
para a música.
hoje o TBOG é uma banda de suces-
so, não?
mundo vai esperar”. É como no espor-
te, o pessoal diz “oh, o Neymar”, mas
a emoção e também mais ares de um tipo Leonard Cohen... tilo musical. No rock, muita música é ele tem que trabalhar muito também...
a independência Por que essa música? muito “retrô”. Há muitas novas ban-
das, mas todas querem tocar como The
Na Suíça a cena está menor, muitos
clubes estão fechando, é como se es-
MICHAEL: Acho que sim, mas depen-
de do que você acredita que “suces- GS: E nós aqui vimos o Neymar no co-
e transportar MICHAEL: Honestamente foi meu pri- Cure no começo, é um novo revival, e perassem pelo que vem a seguir, talvez so” significa. Sim, temos o privilégio meço (risos), ele não era tão bom ainda!
isso para uma meiro cover, porque eu sempre pensei
que se você vai fazer um cover, é im-
não era pra ser. seja preciso uma banda que faça suces-
so como o The Cure...
de trazer (nosso trabalho) para tantos
países diferentes, não só no Brasil. No MICHAEL: É o mesmo com os mú-
nova época.” portante que você já tenha identidade
“Você não pode México, por exemplo, nosso perfil no sicos! Você tem que estudar seu ins-
suficiente para que você possa dizer: GS: Talvez seja o TBOG! Spotify tem mais de 10 mil seguidores, trumento, ensaiar, ensaiar, todo dia...
GS: E os outros membros da banda “ok, de alguma forma ainda lembra tocar o mesmo mais do que na Europa. é isso que quero dizer com “ter um
também trazem outras influências? Listening Wind do Talking Heads, do
álbum de 1981 MICHAEL: (risos) Não tenho muita plano”.

MICHAEL: Sem dúvida! Em estúdio


David Byrne. Entretanto, por outro
lado é também The Beauty Of Gemi- do Robert Smith
certeza, mas nós tentamos. Nós toca-
mos na Grécia e foi interessante, pois
“Traga sua DISCOGRAFIA:
eu trabalho sozinho, foi assim desde na”.
para sempre.” um DJ veio perguntando “Que tipo de alma própria
o princípio, o estúdio é como minha
cozinha, com meus instrumentos e um Esse era o desafio e esperei alguns
música é essa? Progressivo talvez?”
Por que não? Pode ser!
e trabalhe muito.” CDs de Originais:
milhão de partes. É como meu “play- anos para fazer isso. E esse era o mo- Eu sempre pensei em como trazer o es- Diary of a Lost - 2007
ground” ... e computadores. E é claro, mento e ao vivo eu toco apenas com pírito dos 80’s, a emoção e também a GS: Na Suíça vocês alcançaram tam- Isso para mim é um presente, você A Stranger to Tears - 2008
eu canto, tenho as guitarras, violões, violão, voz e cello, algo bem íntimo independência e transportar isso para bém as paradas musicais oficiais, não faz música e alguém nas Américas At The End Of The Sea - 2010
pianos etc... e as ideias para músicas. com o público bem próximo, podendo uma nova época, de forma que os jor- foi? ou em outro continente está ouvindo Iscariot Blues - 2012
Ao vivo nós tivemos diferentes guitar- ouvir cada nota. nalistas e as rádios não digam “isso é a mesma música. Isso é ter sucesso The Myrrh Sessions - 2013
ristas e baixistas. velho, isso é velho... é um homem de- MICHAEL: Sim, mas só uma vez, nas para mim. Eu toco seus corações... tal- Ghost Prayers - 2014
GS: Você excursionou com o Unhei- primido na floresta, na névoa com um paradas, que são controladas pela mí- vez não milhões deles, mas temos que Minor Sun - 2016
O baterista Mac está desde o começo. lig, um dos artistas mais populares da longo cabelo negro”. dia oficial. Com “Minor Sun” alcança- trabalhar para espalhar, contar a eles:
Mas todos os músicos ao vivo trouxe- Alemanha, esteve em festivais como mos a posição 25, o que é legal por- ouçam nossa música, venham para os CDs ao Vivo:
ram suas próprias ideias. Isso é muito M’era Luna, Montreaux e três vezes Para mim o verdadeiro espírito e sen- que muita gente não compra CDs. E shows...
interessante, o som do TBOG muda as no Wave Gotik Treffen (WGT)... qual timento da música darkwave ou gótica nós fazemos isso: CDs e álbuns, pois Live at Moods
vezes. E, agora, temos Ariel Rossi, um o show inesquecível? não é algo antigo... é o futuro. E os achamos importante você ter algo que GS: Que conselho você daria para (A Dark Acoustic Night) - 2015
guitarrista muito bom, com técnicas jovens deveriam procurar por isso. pode ter em suas mãos. Eu posso au- bandas iniciantes? Minor Sun - Live in Zurich
variadas. Michael - Montreaux é um festival tografar, eu posso dar para os fãs. Mas (2CD) – 2017
de jazz muito famoso e importante Então, acredito que é preciso manter as nós temos muitos canais de streaming, MICHAEL: É uma pergunta difícil... eu
A gente se conhece há muitos anos de na Suíça e acredito que fomos a pri- portas e as mentes abertas. Você não como Youtube e Spotify. diria “não se comprometa”, se vocês Antologias:
bandas industrial, metal ou world mu- meira banda darkwave a tocar nesse pode tocar o mesmo álbum de 1981 são três ou quatro caras e todos que- Anthology Vol. 1- 2007-2015
sic, além da época dos estudos dele na festival. Foi muito especial, algo que do Robert Smith para sempre. “Porno- GS: Qual você acha que será o futuro rem a mesma coisa, então está bem.
faculdade de música. Enfim, uma gran- dá credibilidade. WGT, claro, é um graphy” foi um grande álbum do The da música? Mas, se vocês sempre tem discussões, thebeautyofgemina.com
de diversidade. evento gigantesco na Alemanha, mas Cure, mas foi 30 anos atrás! MICHAEL: Acredito que o streaming... dê um tempo, ok vou sair...

42 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 43


Julio França LITERATURA

OS PRAZERES
DA
DOR
Cinco anos antes de Horace Walpole publicar o Castelo
de Otranto, o despretensioso romance que mudaria os rumos
da literatura inglesa, um irlandês havia escrito a obra que pode
ser considerada a fundamentação filosófica avant la lettre *
da literatura gótica: “Investigações filosóficas sobre a origem
de nossas ideias do sublime e do belo” (1759).
* Avant la lettre significa: antes de certa plavra ou conceito existir ou estar definido como o conhecemos.

Será somente na obra de Edmund intensidade da verdadeira dor. Ainda a ponto de serem capazes de ofuscar
Burke que as relações entre o conceito que não sendo positivamente prazero- nossa razão, seriam por eles orienta-
de sublime e a literatura gótica serão so, o pesar é uma sensação que man- dos.
definitivamente estabelecidas. teria os aspectos mais agradáveis do
objeto do prazer no pensamento – é E, entre os dois, a emoção mais pode-
Isso porque o sublime burkeano se o que ocorreria, por exemplo, quando rosa seria a dor, porque a ela estariam
baseia em um peculiar entendimento nos recordamos de eventos agradáveis associadas as paixões relacionadas aos
das noções de prazer e de dor: nem a do passado. nossos instintos de autopreservação.
dor seria simplesmente a eliminação Afinal, é óbvio que, para o desempe-
do prazer, nem o prazer seria o simples
extinguir da dor. Tanto uma quanto o
“Nem a dor seria nho de qualquer uma de nossas ativi-
dades, é fundamental estarmos vivos
outro seriam sensações independen- simplesmente e saudáveis. Qualquer coisa que ponha
tes.
a eliminação em risco nossa vida ou nossa saúde
nos afeta, portanto, de modo intenso.
A cessação do prazer não conduziria do prazer, nem
imediatamente à dor, mas à indiferen-
ça (nos casos em que o prazer cessa
o prazer seria Embora a dor seja a mais intensa de
nossas sensações, a ideia da morte se-
naturalmente, após ter-se prolongado o simples extinguir ria ainda mais poderosa. Uma vez que
por um certo período); ou a uma sen-
sação de inquietude que Burke chama
da dor.” o risco da interrupção da vida é a ame-
aça derradeira aos nossos instintos de
de decepção (nos casos em que o pra- autopreservação, Burke supunha que
De modo equivalente, a diminuição da
zer é subitamente interrompido); ou o terrível poder da dor sobre nós ad-
dor tampouco conduziria ao prazer,
ainda ao pesar (nos casos em que o viesse de sua condição de, em suas
mas a um sentimento de alívio que,
objeto do prazer está irremediavelmen- próprias palavras, emissária da “rainha
embora agradável, não se confundiria
te perdido, de modo a não haver mais dos terrores”.
com o prazer positivo. Burke chamará
como desfrutá-lo).
essa sensação de deleite.
E o que isso tem a ver com o Gótico?
ILUSTRAÇÃO: CAU GOMEZ

Para Burke, nenhum desses sentimen-


Prazer e dor, portanto, seriam sen-
ILUSTRAÇÃO: KIPPER

tos originários da interrupção do pra- Ora, se as paixões relativas à auto-


sações autônomas e possuiriam suas
zer seria mais intenso do que a dor pro- preservação são meramente dolorosas
próprias causas e consequências. To-
priamente dita. Mesmo o mais agudo quando estamos expostos às suas cau-
das as nossas paixões, isto é, todos os
deles, o pesar, não se aproximaria da sas, quando as experimentamos sem
sentimentos suficientemente intensos

44 GOTHIC SETEMBRO 2017 GOTHIC SETEMBRO 2017 45


LITERATURA

que estejamos realmente sujeitos aos corporal não deixa de vir acompanha-
riscos, as paixões decorrentes do seu
“A sublimidade mamente relacionados, algo que pode
ser observado mesmo fora do plano da “O sublime do de um certo grau de dor, mas sem ANN RADCLIFFE
alívio produzem o prazer específico do e o sentimento ficção. terrível burkeano esse tipo de estímulo o ser humano fi- (H. A. Kipper)
caria debilitado e enfermo.
deleite – conforme vimos, uma sen-
sação prazerosa que não se confunde
do horror estariam O assombro produzido pela contem- tornou-se Ann Radcliffe (1764-1823) foi um su-
com prazer positivo, uma vez que é ge- intimamente plação de manifestações naturais do uma categoria De modo semelhante, se a experiência cesso literário no final do século XIX
da dor e do terror são moderados e não
rado a partir da dor. relacionados.” sublime – o poder e a vastidão da Na-
tureza, a infinitude do cosmos, a mag- estética crucial.” conduzem à destruição do indivíduo,
(década de 1790) e é um dos melho-
res exemplos de como o conceito de
Dito de outra maneira: dada a inten- nificência da ideia de divindades – vi- o exercício de nossas sensações e pai- sublime de Burke é desenvolvido em
ria sempre acompanhado de um certo um efeito de estupor, semelhante ao xões é benéfico, além de possuir facul-
sidade das sensações relacionadas à Como seria possível, entretanto, expe- romances góticos.
grau de horror. de uma dor aguda. dade de produzir o prazer peculiar do
morte, a experiência da dor ou a do rimentar uma sensação de dor ou de
perigo não se estando, efetivamente, horror deleitoso. Suas obras também se aproximavam
perigo consistiria na matriz ideal para Dor e terror seriam equivalentes, mas
submetido às situações reais de risco? Parte da força do efeito sublime está mais do gosto romântico e eram me-
a experiência do sublime, a mais forte com uma diferença importante: as
justamente no fato de que seu arreba- Ao longo dos anos, o sublime terrível nos socialmente ofensivas e escanda-
emoção de que o espírito é capaz. causas da dor agem sobre o espírito
Para Burke, a resposta está relacionada tamento antecede o emprego da razão. burkeano tornou-se uma categoria es- losas do que as de Horace Walpole,
Isso porque o medo é uma paixão que através de uma intervenção no corpo, tética crucial para o entendimento da
a outros tipos de paixão, sobretudo ao William Beckford e Matthew Lewis
Para tanto, é essencial que o indivíduo despoja o homem de suas capacidades enquanto que as causas do terror afe- potência e vitalidade da narrativa góti-
sentimento de empatia, por ele defini- (comentados na Gothic Station nº1).
não esteja realmente em uma situação de ação e de raciocínio. tam o corpo através de uma ação direta ca até nossos dias.
da como “uma espécie de substituição,
de perigo ou de dor – é o caso, por sobre o espírito.
mediante a qual colocamo-nos no lu- A autora influenciou muitos escritores
exemplo, do que se dá na fruição de gar de outrem e somos afetados, sob Sendo uma espécie de arauto da dor A descrição do funcionamento do hor- românticos do começo do século XIX
obras ficcionais. ou mesmo da morte, o medo pode ter Se o sublime está de fato relacionado ror ficcional feita por Edmund Burke
muitos aspectos, da mesma maneira e popularizou também um modelo de
ao terror e, portanto, por extensão, à serve de fundamento para as mais di-
que eles”. “sobrenatural explicado”, em que uma
dor, restaria saber qual o valor da ex- versas reflexões sobre a literatura do
A FILOSOFIA DO SUBLIME NOMES IMPORTANTES aparente ameaça sobrenatural tem ao
periência do sublime para o ser huma- medo, como pode ser percebido nas
É justamente por meio da empatia que NAFILOSOFIA DO SUBLIME: final uma explicação racional, modelo
no. reflexões de ficcionistas do gênero,
Edmund Burke, dando continuidade as artes representativas em geral con- mais adequado ao “bom gosto” racio-
seguem produzir as paixões em seus como Ann Radcliffe, H. P. Lovecraft nalista da época. Décadas depois o so-
às reflexões de Shaftesbury, Dennis e, Longino: Ignora-se quem ele seja, bem A resposta de Burke é de cunho fisio-
leitores e espectadores. e Stephen King, entre tantos outros. brenatural explicado vai ser explorado
sobretudo, Addison, redimensionou o como a data precisa da obra, prova- lógico. O exercício físico é a proteção
papel de uma categoria estética que velmente do século I D.C. Seu autor se por Edgar A. Poe em muitos contos.
do corpo humano contra os transtor- A obra de Burke é, assim, não apenas
viria a ser crucial para o entendimento Desgosto, infelicidade, crueldade, vio- chamou Longino, ou Dionísio, ou Dio- nos e as inconveniências dos estados precursora, mas uma das mais brilhan-
da arte na modernidade: o sublime. lência, a própria morte, todos motivos nísio Longino. O sucesso do Romance Gótico gerou
prolongados de repouso e de inação. O tes defesas do valor e da legitimidade
que causam aversão no plano da reali- muitos imitadores, levando a escrito-
esforço muscular associado à atividade do Gótico.
A história da teoria do sublime nos es- dade, no plano da ficção seriam capa- Boileau: Nicolas Boileau-Despréaux. ra romântica Jane Austen (1775-1817) a
tudos literários era longa, remontando zes de gerar, graças ao sentimento da Crítico e poeta francês (1636-1711) satirizar os clichês do gênero em “Nor-
a um tratado retórico do século III, es- empatia, não prazer, mas deleite, isto thanger Abbey”(1817). Nele, a prota-
CRONOLOGIA (1764-1800): JULIO FRANÇA
crito por um incerto Longino. O texto é, a sensação peculiar de fruição que Burke, Edmund. Uma investigação gonista é uma ávida leitora desse esti-
foi redescoberto pela tradição ociden- aflora após a cessação da dor. filosófica sobre a origem de nossas lo e cita obras que por muito tempo se
Doutorado em Literatura Comparada
1749- Horace Walpole compra pensou serem fictícias.
tal em 1674, e não causaria maiores ideias do sublime e do belo. Tradução, pela UFF (2006) Pós-doutorado
impressões até ser recuperado por al- Tal ideia aproxima o modelo burkeano apresentação e notas de Enid Abreu Strawberry Hill
pela Brown University (2015), EUA.
guns seguidores de Boileau. Naquele da noção aristotélica de catarse, o alí- Dobránszky. Campinas, SP: Papirus, 1754- Edmund Burke publica seu Mas depois descobriu-se que todas
É Professor Adjunto de Teoria da Literatura
momento, os dilemas e a ansiedade da vio prazeroso que se segue à intensa 1993. [1759] ensaio sobre o sublime existiram, sendo recuperadas e repu-
do Instituto de Letras da UERJ.
modernidade nascente encontraram experiência do páthos (excesso) trági- 1764- O Castelo de Otranto- blicadas em conjunto - ou separada-
Fundador e Co-líder do grupo
eco na obra, que descrevia o sublime co. Shafttesbury: Anthony Ashley-Co- de Horace Walpole mente- sob o título “Northanger Horrid
de pesquisa Estudos do Gótico (CNPq).
como um estilo voltado para conduzir Assim, se a beleza é uma categoria oper, 3º Conde de Shaftesbury (1671- Novels” ou “The Northanger Novels”.
1786- Vathek- Willian Beckford
ao êxtase e não à persuasão. estética positiva, relacionada à nossa 1713), foi um político, escritor e filóso- 1793- William Beckford começa a Livros publicados recentemente:
percepção de seres, eventos e objetos fo Inglês. Recentemente a editora Pedra Azul
constuir a Fonthill Abbey As nuances do Gótico: do Setecentos
Tratava-se, portanto, de uma experi- que nos inspiram amor e afeição, o su- lançou uma tradução nacional de “Os
1796- O Monge- de Matthew G. Lewis à atualidade (Bonecker, 2017);
ência de choque que provocaria uma blime seria de ordem bem mais com- Dennis: John Dennis (1658- 1734) críti- Mistérios de Udolpho”, confira:
De ANN RADCLIFFE: Páginas Perversas: narrativas brasileiras
sensação de adynasía (impotência, plexa. co literário Inglês. pedrazuleditora.com.br
1790- Um Romance da Sicília esquecidas (Appris, 2017);
indigência, impossibilidade) no leitor, e Poéticas do Mal: a literatura do medo no
Enquanto uma é fundada no prazer, o 1791- O Romance Da Floresta Ou encontre outras edições brasileiras
diante das situações limites provo- Addison: Joseph Addison (1672-1719) Brasil (1840-1920) (Bonecker, 2017)
cadas pelo impacto das paixões, das outro relaciona-se com a dor e o de- poeta e ensaísta inglês. 1794- Os Mistérios de Udolpho ou portuguesas no Sebo Clepsidra:
ideias ou das imagens apresentadas. leite. Não por acaso, a sublimidade e 1797- O Italiano facebook.com/seboclepsidra
juliofranca.academia.edu/
o sentimento do horror estariam inti-

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