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GOTHIC

ESTILO & CULTURA

STATION
N º 5 - Dezembro 2020

Clássicos
Góticos:
Lançamentos
no Brasil

EDIÇÃO
DAS
BRUXAS
Moda
Two Witches Fetichista
na Subcultura Gótica
&
Monica Richards Arqueologia
do Faith and the Muse do Post-Punk

RETROSPECTIVA 2020
Brasil & Mundo: Destaques Musicais
AGRADECIMENTOS
Quer saber mais sobre Jessica Mayara B. Silva Gothic Station # 5
a subcultura gótica? Nossa gratidão à todos que Joan Lamark Menezes Farias Dezembro 2020
apoiaram esta edição no Josiane Mattos

Gothic Station:
período de pré-venda: Juliana Martins Almada da Silva
Junior Spades Bonifacio Colaboradores:
ÍNDICE
Adriana Mattioli Katia Cristiane Barreto de Lima
Adriana Reis Lauren Scheffel KIPPER
HISTÓRIA DA MODA:
gothicstation.com.br Alexandre Paschoaletto Lohan M. Montes Editor geral e de arte
Alissa Farias Lucas Alexandre Ferreira da Gothic Station, escreve sobre 2 Estilo Fetichista Sana Skull
literatura, música e realiza entrevistas.
Download dos livros Allan Merighi Miotto Ludmila Pontes da Silva
Trabalha desde 1988 na imprensa RESENHAS MUSICAIS:
Allison Rosney Padilha Luiz Fernando Plastino Andrade
Happy House vol. 1 e 2 Aluízio Kanter Marcell Diniz Chaves e vagueia pela subcultura gótica
e muito mais: Amanda Laguna Andrezzo Márcia Sandrine
desde 1990. 12 Retrospectiva Mundo*
www.gothicstation.com.br
Amanda S. Ferreira Marcos Roberto Ferreira de Mattos
Amara Khrisna De O.Andrade Marcos Scheel
18 Retrospectiva Brasil Bruno Rocha
gothicstation.com.br/ Ana América Faria Marilena A. K. Caires Fiorillo
SANA SKULL

download Ana Beatriz Del Santo Ferreira Maurício Porão


Escreve sobre moda, estilo e história ENTREVISTAS MUSICAIS:
da moda. Estudou Design de Moda,
Ana de Freitas Thomaz Melissa Tribal é Jornalista, Consultora e
Ana Flora Schlindwein Micaele Fernanda Bernardino pesquisadora de História da Moda.
28 Monica Richards*
Playlists para ouvir online: Ana Paula Canel Bluhm Michel Goulart da Silva www.modadesubculturas.com.br
Arielton Martins de Sales Miss Danger Drag
34 Two Witches*
LUCIANA FÁTIMA
gothicstation.com.br/ Beatriz Cerqueira Biscarde Munique Gomes Moura Santana
& LITERATURA & LIVROS:
Bianca Bonora Nayara Soares
playlists Bruna Guimarães Almeida Nina Artemis
ARLINDO GONÇALVES

Bruno Tulio Nivia Larentis


Ela é pesquisadora da vida e obra do 42 Literatura: Clássicos Góticos da Clepsidra
linktr.ee/DJKipper Camila e Luciano Paloma da Silva Tamura
poeta Álvares de Azevedo.
Ele publicou duas biografias afetivas
Luciana Fátima & Arlindo Gonçalves
Camile Brison Paola Santiago Freire sobre a banda Joy Division. Juntos,
Carlos Augusto Ferreira Paula Romano Damasceno Ferreira eles possuem vários projetos 46 Entrevista com Simon Reynolds*
Mais para ler: Carlos Ferreira Paulo Renato literários e fotográficos. facebook/:
Carlos Jamaica Paulo Roberto Pinto /AlvaresdeAzevedoPoeta 51 Resenha Crítica de “Goth Culture”*
Carolina Erreira Rafael Bruno ou
modadesubculturas.com.br Caroline Kapelinski Raquel Carneiro /JoyDivision.InAeternum ARTIGOS & DEPOIMENTOS:
Caroline Pazini Cavalcante Rebecca Janice Costa Pessoa
theatmospheremusic. Cássia Regina da Silva Regiane de Souza Assunção ALEX ANTUNES 52 Krautrock Alex Antunes
Alex Antunes é jornalista, escritor
Catherine Santos Vitagliano Ricardo Marques
wordpress.com Celso Henrique Heredia Lopes Romulo Ferreira FH
e produtor musical. Foi editor da
54 Formação do Post-Punk Alex Antunes
revista Bizz, criador da revista Set,
Celso Henrique Heredia Lopes Rubia Sorc Martins e colaborou, com a Rolling Stone,
Links extras Christian Anubis Sandy Neves Rocha General. Vocalista do Akira S & 56 Humor: Mondo Muerto*
Clarissa Santos de Paulo Tânia Kanno As Garotas Que Erraram e
dessa edição: Cristiano Maia Ferreira Tatiana Hatushikano Alex Antunes & Death Disco Machine * Kipper
Denis de Oliveira Thais De Paula facebook.com/lex.lilith/
Ouça bandas Diane Batista dos Santos Thamires Amaral Para acessar textos extras dessa edição, use o link abaixo:
Diego de Oliveira Lopes da Silveira Thamy Adriana dos Santos BRUNO ROCHA
Internacionais: Cearense de Caucaia, é professor bit.ly/GS5_textos
Elaine França de Campos Tharusca Thaiane Guedes Borges
de Matemática. Bruno Rocha é
Emanuel Rodrigues Thiago Lanke Bat A modelo da capa
editor-chefe do blog The Atmosphere,
bit.ly/GS5_inter Eneida Raquel Lascowski Coelho Tiago Galiza Leme especializado em tudo que é tipo frontal é Monica Richards
Felipe Awen Vanessa Schimith Carreira de Dark Music, e atende também vocalista do Faith and The
Felipe Ribeiro Cazelli Wadna da Silva Conceição pelo site Roadie Metal. Muse e multi artista, veja
Ouça bandas Nacionais: Gabrielle Lacerda Wagner Galesco theatmospheremusic.wordpress.com a entrevista com ela nesta
Gabrielle Reis Washington Palandri Sigolo edição. A modelo da con-
Grazi Rodrigues Wenderson Gonçalves de Oliveira
bit.ly/GS5_brasil Helena Raquel Machado Coelho de Wilame AC FOTÓGRAFOS: créditos nas fotos.
tra-capa é Miss Blueberry,
tecladista membro da
Souza Yasmin da Silva Amarante banda Two Witches e
CONTATO:
Textos Complementares: Ingrid Bezerra
henrique_kipper@yahoo.com professora de pole-dance
Isabelly Vitória Aguiar Lage finlandesa, que também
(11) 9 8938 6235
Jady Santana OBRIGADO!!!! :-) está na entrevista do Two
bit.ly/GS5_textos Janistorp Pereira de Sá Sem o apoio de todos vocês a revista Witches nesta edição.
GOTHIC STATION não existiria! <3

GOTHIC DEZEMBRO 2020 1


FOTO: DIVULGAÇÃO
HISTÓRIA DA MODA A estola de pelos
e lingerie se destacam
nesta fotografia
do personagem
Frank-n-Furter
(1973-1975)

Blixa Bargeld com


calça de couro, arreios
com ilhoses e argolas,
cintos. Tanto os
acessórios como o
couro sugerem
a restrição de
movimentos
(Foto de Fred Berger
para a revista
Propaganda,1984)

por
Sana Skull
Ana veste cosplay do
personagem Edward Mãos
de Tesoura. Os elementos
INFLUÊNCIA FETICHISTA NO
ESTILO GÓTICO
fetichistas são amenizados
devido à característica
romântica do look, mas
estão presentes no couro,
nos studs e nas fivelas.
Quando falamos em Moda Fetichista nos referimos a um segmento
Foto: Desiree Baptista de mercado que emergiu em paralelo com as culturas juvenis
Modelo: @insaniacos
e teve a cultura gótica como uma das principais divulgadoras.
O mercado de moda alternativa fetichista na atualidade é imenso,
criativo e motor para diferenciação estética através do choque
visual. Nesta matéria é traçado um breve histórico da moda
fetichista citando algumas das principais referências musicais,
literárias e cinematográficas que fazem parte da cultura gótica.
2 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 3
O figurino idealizado pela
atriz Diana Rigg para a
personagem Sra. Peel
no seriado “Os Vinga-
dores”, trazia peças em
couro, botas, espartilho
e gargantilha de spikes,
que tornaram a imagem
da moda fetichista mais
acessível ao grande públi-
co consumidor.

Nico em performance
fetichista do Velvet
Underground produzi-
da por Andy Warhol

Lou Reed teve ligação com a cena gay de NY. Na fase


1973 e 1974 mostra o uso de várias coleiras e pulseiras,
MODA FETICHISTA Domenica Cândido, estes acessórios de moda surgem inspirados
FOTOS: REPRODUÇÃO/DIVULGAÇÃO
NA SUBCULTURA GÓTICA a “Lady Death”, em coleiras de cachorros, associadas à imagem
num traje justo do aprisionamento
O termo ‘fetiche’ tem sua origem asso- adornado com cor- Foto: capa de álbum
ciada aos colonizadores portugueses set e arreios. Aqui
quando se depararam com objetos ritu- a ideia de restrição
ais de povos africanos utilizados para de movimentos
magia ou feitiçaria. une tecidos duros abre caminho uma importante divi-
e macios além da são: a subcultura underground fetichis-
Em 1887, o psicólogo francês Alfred exibição da pele
Binet, lança em seu ensaio “Le Feti- ta e a estética fetichista como produto
chisme dans L’Amour” a associação de moda. Embora unidas por diversos
da palavra com as perversões sexuais a pontos em comum, é a partir de mea-
respeito de objetos e partes do corpo, dos do século 20 que a Moda Fetichista
res através do fascínio por objetos, se fico de Irving Klaw. Sua principal mo- se torna algo em si próprio: um merca-
ligando tais atos à semelhante devoção submetendo aos desejos masculinos delo viria a se tornar uma referência
dos povos africanos por seus objetos do de consumo mainstream.
seja por fingimento ou por real prazer. estética para meninas góticas décadas
mágicos. Como um substituto fálico, o fetichis- depois, seu nome era Bettie Page. Uma grande amostra dessa divisão
mo também flerta com o falocentrismo entre cultura underground fetichista e
Seguindo esse pensamento, em 1927, através de objetos-fetiche adorados ir- As fotos de Irving com Bettie retratam
Sigmund Freud desenvolve uma teoria mercado de moda fetichista, é a per-
racionalmente, como sapatos de saltos um tipo de estética que depois se tor- sonagem Sra. Peel no seriado “Os Vin-
que alegava que a origem do fetichis- altíssimos. naria parte da cultura pop: Bettie era
mo masculino advinha do medo da gadores”, que foi ao ar entre 1961 a
fotografada com lingerie – algumas ve- 1969. O figurino idealizado pela atriz
castração, a partir do momento em que Desde pelo menos o século 19 trajes zes feitas por ela mesma, espartilhos,
o menino percebe a ausência do pênis Diana Rigg com peças em couro, bo-
de fetiche aparecem em imagens por- roupas de couro, meias calças, chicote, tas, espartilho e gargantilha de spikes
na mãe e cria uma aversão aos órgãos nográficas, na década de 1940, a pu- amarrações e saltos altíssimos criados
genitais femininos, transferindo seu – usadas uma década antes dos punks
blicação Bizarre Magazine, criada pelo especialmente para ela. A roupa sendo -, para a personagem Emma Peel foram
desejo para um objeto inanimado ou americano John Willie, ajudava a dis- o meio de transferência de uma ideia,
outra parte do corpo como substituto. parar em lojas de departamento, aju-
seminar a estética. de um conceito estético. dando de forma significativa a tornar a
Em seu artigo “Fetichismo e subjeti- imagem da moda fetichista mais aces-
Em 1950 a subcultura fetichista manti- Com a ascensão da cultura adolescente sível ao grande público consumidor.
vidade feminina” a psicóloga Denise nha-se de forma restrita e invisibiliza- na década de 1950, os jovens passa-
Teles Freire Campos aborda como o da no underground, mas neste mesmo ram a ter poder aquisitivo de realizar
fetichismo se apresenta nas mulhe- O visual da personagem, na cor pre-
período se destaca o trabalho fotográ- compras diferentes de seus pais. Isto ta, reforça a ideia de que o preto é a

4 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 5


FOTO: DIRCEU SANTANA
ativos desde pelo menos a década de

FOTOS: DIVULGAÇÃO
1920, estes bares que na década de
Ensaio gótico de 1950 cresciam, ajudaram a difundir a
Karina e Maia, em estética entre os frequentadores, um
comum ambas as dos propósitos era chamar a atenção
estéticas exibem pele para o homem gay abertamente mas-
exposta, arrastão, culino em contraposição com o gay
couro, studs efeminado que dominava a cultura po-
e argolas. pular do período, este comportamento
também envolvia a luta do movimento
pelos direitos homossexuais.

No começo da década de 1970, refle-


tindo a diminuição da opressão se-
xual na sociedade, o musical “Rocky
Horror Picture Show” reflete a mu-
dança social que vinha ocorrendo. A
peça estreia em 1972, e o filme, que se
A saia “Cenobite” da
tornou cult, em 1975, homenageava a
loja Reversa, é de vinil
gothic novel e o cinema de horror das
com fivelas e
homenageia o filme O figurino do
décadas de 1940 e 50. Seu principal filme “Hellraiser” tem
Hellraiser
personagem, um transexual bissexual inspiração na moda
chamado Frank-n-Furter que vestia pe- underground fetichista
ças de referência fetichista. BDSM, tema que
Isso gerou um profundo impacto vi- é recorrente nas
As subculturas Leatherman e a punk sual no mercado de varejo de moda, obras do autor
se unem ainda na década de 1970, fazendo com que já na década de 1980, Clive Barker
quando Malcolm McLaren em parce- elementos da moda fetichista ganhas-
ria com Vivienne Westwood passa a sem destaque na cultura popular, es-
vender na loja SEX peças de inspira- tando tão presentes e algumas vezes
ção fetichistas como camisetas com as tão diluídos que não eram mais tão im-
ilustrações de Tom of Finland, calças pactantes e percebidos como fetichis-
bondage, peças em látex, pvc, borra- tas aos olhos do público que se habi-
cha, espartilhos, atingindo diversos tuou a ver couro e borracha em filmes,
jovens de classe média que se torna- séries e editoriais de moda. mais exploradas por artistas e adeptos conseguia decifrar sua abertura. A cai-
riam a primeira geração punk, que iam desta cultura alternativa. Uma questão xa, abria um portal para o inferno onde
em busca de uma estética socialmente Dentre os punks e especialmente no interessante sobre a presença da moda habitavam demônios chamados de Ce-
agressiva e chocante. Bromley Contingent, a cantora Siou- fetichista na subcultura gótica, apare- nobitas, que forneciam prazer sádico.
xsie Sioux se destacava graças a sua ce nos desdobramentos estéticos sur-
O aparecimento destes jovens na TV e estética extremamente fetichista. A gidos entre fim da década de 1980 e a Os trajes dos Cenobitas – muito bem
a presença de artistas como Siouxsie cantora, como bem descrito na matéria década de 1990. observados nos 8 filmes do Hellraiser
Sioux, Boy George e Adam Ant na loja sobre Trad Goth da edição número 4 - tem inspiração fetichista BDSM, tema
cor fetichista por excelência. O preto, Isso abre caminho para que na déca- ajudariam a difundir a moda fetichista da revista GOTHIC STATION, chamava Fãs de grupos musicais e até mesmo que é recorrente nas obras do autor,
com potencial de absorver a luz, evo- da de 1970, homens e mulheres façam para um público maior de jovens. a atenção com a montagem de looks os adeptos de uma estética mais vam- Clive Barker.
ca a escuridão e noite, o mistério e o uso da estética fetichista, citando duas compostos muitas vezes exclusivamen- pírica adotaram elementos da moda fe-
inesperado. grandes subculturas do período, os Le- te por peças que remetiam ao BDSM. tichista. Isso é muito bem visto espe- Adentrando os anos 1990, “Edward
atherman e os Punks. cialmente em calças masculinas de pvc Mão de Tesoura” surge como um filme
O preto também é associado a uma ati- Seu visual se compunha de botas de e minissaias femininas em vinil. Uma influenciado e influenciador da cultura
tude masculina, de poder, mesmo que, Os Leatherman são uma subcultura cano alto e saltos, minissaias de cou- análise visual de fotografias de bandas gótica. Com referência a filmes expres-
em termos de moda, seja difícil fazer homossexual masculina surgida a par- ro, amarrações, studs (tachas, rebites, do período nos dá uma amostra dessa sionistas como “O Gabinete do Dr. Ca-
essa divisão entre os sexos, já que uma tir de clubes de motociclistas formada ilhoses), tela arrastão, gargantilhas e popularidade. ligari” e “Metrópolis”.
mulher de preto, usando moda feti- por homens que retornaram da segun- luvas.
chista, também evoca a ideia de poder, da guerra mundial que enfatizavam sua Mostrando a força do fetiche na cul- Edward é uma espécie de Frankens-
daí vem também a imagem marcante masculinidade através de roupas de MODA FETICHISTA tura de massa, em 1987 estreia o fil- tein com visual gótico do Batcave (ver
da dominatrix. negras de couro, como jaquetas, calças NA SUBCULTURA GÓTICA me “Hellraiser”, que conta a história matéria na revista GOTHIC STATION
e botas. Uma das imagens mais repre- de um homem chamado Frank Cotton número 4) ou Deathrocker. Com traje
Ainda na década de 1960, diversas sentativas desta subcultura são as ilus- Arreio Com o surgimento da subcultura gó- que é obcecado pelos prazeres do sexo em couro negro, afivelado, semelhante
modas subculturais surgiram e jovens trações de Tom of Finland. masculino tica, tanto música quanto estética se perverso e vai procurar uma tal “cai- a armadura que dificulta seus movi-
gastavam tempo e dinheiro com a for- da loja espalharam ao redor do mundo, sen- xa de Lemarchand” porque ouviu falar mentos, lembrando a imobilização que
mação da aparência através da moda. Diversos bares gays e lésbicos já eram Petrus Brand. do a estética fetichista sido uma das que ela realizava os desejos de quem ocorre em atividades bondage.

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FOTOS: DIVULGAÇÃO
A saia da loja Dark Fashion
pode não parecer mas traz
elementos fetichistas: a pele
é exibida através de um tecido
com transparência e está
adornada com um cinto
com ilhóses e correntes

Blusa da loja
Dark Fashion traz
características da
moda fetichista:
transparência,
tecido brilhante e
detalhe de fivelas Cena do filme “O Corvo”, de 1994,
com amarração. com o personagem Eric Draven
usando couro preto e amarrações,
refletindo a popularização da
estética fetichista na
global, que a moda fetichista se es- cultura de massa
palha de forma abrangente nas mais
diversas subdivisões estéticas da sub- moda fetichista se tornou para os não De todo esse histórico sobre a estética Gitane Demone em traje de látex.
Rúbia, conhecida como sexualmente adeptos do fetiche uma fetichista é importante deixar clara a
cultura. O látex é um dos materiais mais
Nosferotika, usa vestido mercadoria composta por objetos de divisão que existe entre a subcultura emblemáticos da moda fetichista,
preto justo. Na moda feti- desejo. Peças de moda fetichista pro- underground, super restrita a poucos
Uma das peças mais populares na atu- é difícil de vestir e de se mover,
chista, os tecidos lisos vocam desejo de consumo, produzi- adeptos praticantes, do mercado de
alidade são os arreios (harness) usa- provoca suor e seu brilho remete
e brilhantes remetem das por marcas especializadas, muitas moda fetichista que se populariza na
dos como acessórios que vão desde o aos fluídos sexuais
à lubrificação corporal possuem valor elevado. década de 1960.
envolvimento da cintura e pescoço ou
cintura e pernas. O cybergoth merece
ser analisado por pegar peças em pvc e Peças como botas em verniz com sal- E é esse mercado que produzirá peças
vinil que seriam originalmente pretas e tos altíssimos se tornaram objetos de para consumo para formação estética
O filme “O Corvo”, de 1994, com o Vampiro” de Anne Rice, os adeptos do dar a elas cores brilhantes, resultando adoração, uma mercadoria que não de subculturas como a punk e a góti-
personagem Eric Draven usando couro romantismo vampírico vitoriano tam- numa leitura mais leve às peças origi- serve apenas para ser um produto hu- ca. Portanto é preciso estar atento que que aceitam e utilizam estes códigos e
preto e amarrações também reflete a bém não escaparam de incluir elemen- nalmente pretas. mano utilitário, mas uma peça para ser nestas – e em algumas outras subcul- símbolos com entusiasmo.
popularização da estética fetichista na tos fetichistas em seus trajes. exibida pelo seu valor simbólico, que turas – a moda fetichista atua como
cultura de massa. Dois anos antes, o Além das roupas, os calçados são pe- carrega desejos que vão muito além do algo meramente estético, sem conota- A moda fetichista saiu da cultura un-
filme “Batman O Retorno” trazia Mi- Ainda na década de 1990, a Alemanha ças importantes para a cultura do fe- que o produto representa carregando ção sexual ou de dominação. derground sexual para se tornar um
chelle Pfeiffer em um macacão de lá- se destaca como um epicentro da cena tiche, entrando nesta categoria como também a subjetividade do consumi- segmento de mercado de moda fazen-
tex. EBM / Eletro / Industrial, de estética modelos de saltos elevadíssimos, pla- dor. A intenção é meramente criar visuais do parte da cultura popular através de
marcadamente masculina ou masculi- taformas, tiras de amarração que alu- impactantes que conversem com as re- subculturas como a gótica, cujos adep-
Após o lançamento de Edward Mãos nizada, esse segmento da subcultura dem à escravidão e botas de cano alto. Uma bota gótica de saltos altíssimos ferências musicais, literárias e cinema- tos são interessados na quebra de ta-
de Tesoura em 1990, o look fetichista resgata a imagem do fetiche associado ganha vida própria e se desassocia de tográficas admiradas pela subcultura. bus e na expressão individual.
do personagem que, embora refletisse ao poder, com calças bondage, botas e Se no século 19 Karl Marx cunhou seu produtor, como um ‘fetichismo de
a moda da subcultura, provocou um in- coturnos com solado alto e saias mas- o termo “fetichismo da mercado- mercadoria’, oculta as relações de tra- Os góticos têm fama de terem uma A moda fetichista é hoje, utilizada nas
teresse ainda maior em peças daquele culinas em vinil e gargantilhas com ria” para descrever a forma como os balho e é adquirida por uma parcela atitude mais aberta em relação ao ero- ruas abertamente e carrega com ela os
estilo dentro da comunidade gótica. studs, por exemplo. objetos produzidos através do traba- de consumidores de estéticas alter- tismo, sexualidade e papéis sexuais, significados que se relacionam da libe-
lho humano adquiriam valor de troca nativas que no prazer de se vestirem, e isso se reflete na adoção da moda ração sexual gay e feminina que per-
Também a publicação e filmagem cine- É na década de 2000 com a popula- exagerado, este termo pode ser trazi- exprimem uma imagem de poder, não fetichista, não significando que os mitiram que a estética surgisse como
matográfica de obras como “Dracula rização da internet e das lojas on-line do como análise para a atualidade no necessariamente sexual, mas de status góticos sejam adeptos de práticas de mercado de moda para as culturas al-
de Bram Stoker” e “Entrevista com o de moda gótica, que atingem clientela segmento de moda fetichista, já que a estético. fetiche ou sadomasoquismo, mas sim ternativas.

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por Sana Skull
Em “Edward Mão de Tesoura”,
o personagem tem visual
gótico com traje em couro
negro, afivelado, semelhante
a uma armadura que
CARACTERÍSTICAS
Natália Lima veste
dificulta seus movimentos,
lembrando a imobilização
que ocorre em
da MODA máscara de “mulher
gato”. O figurino da
atriz Michelle Pfeiffer
atividades bondage.
FETICHISTA no filme “Batman - O
Retorno”, popularizou
Os tecidos da moda fetichista se di- esse tipo de máscara.
videm em dois: os duros, que aludem
à restrição de movimentos, sendo rí-
gidos e desconfortáveis, provocando
suor, sendo eles tecidos ou materiais
lisos, brilhantes e pretos como couro e
A revista Skin Two fundada em 1984, borracha, Polivinil (PVC) e látex.
trás a temática BDSM em suas páginas,
foi uma das influencias de maior impacto E os tecidos moles que se associam
no desenvolvimento de uma moda gótica à maciez da pele humana e exibem a
fetichista no fim do século 20 pele, como arrastão ou tela e tecidos
de brilho molhado (remetem à lubrifi-
cação corporal).
A legendária revista
gótica Propaganda
Alguns dos acessórios comuns são:

FOTO: DIVULGAÇÃO
trazia em suas páginas
zíperes; amarrações; fivelas, studs (ta-
o brilho negro do

FOTOS: ANNIE BERTRAM / BLUTENGEL


chas, spikes, ilhoses) e arreios. Alguns
vinil e látex.
exemplos de peças de moda:

- Saias justas curtas (minissaias de


couro, por exemplo) ou longas, de pre-
ferência bastante apertadas.

- Espartilhos: devido à ideia de apri-


sionamento do corpo e sua amarra-
ção traseira, é uma peça com bastan-
te importância na estética fetichista.
Originalmente uma roupa de baixo,
na moda alternativa surge como peça Natalia Lima - na foto acima
exterior. veste peças em vinil com ilhoses
e correntes.
- Botas: de preferência com canos lon-
gos (até os joelhos e/ou as coxas), abo-
SANA SKULL toadas ou amarradas. O cano alto está nos. Na moda alternativa as meias cal- ch, através da história de Wanda, uma
associado à perna e esta se direciona ças são substituídas por longas meias mulher que vestida em peles amarra e
Cria conteúdo sobre Moda à vagina. de látex. chicoteia seu amado Severin. A ban-
para diversas mídias. da Velvet Underground homenageia o
Pesquisadora de Subculturas, - Calçados apertados ou restritivos, - Lingerie: seja em materiais como romance em seu álbum de estréia em
Culturas Alternativas como saltos altíssimos ou mais recen- couro, vinil, látex ou o extremo oposto 1967.
e História da Moda. temente, calçados sem saltos. Os sal- com rendas, transparências e babados.
tos altíssimos (salto agulha) além de São peças que escondem o corpo e os - Uniformes e até mesmo piercings e
Fundadora do blog “Moda genitais e aludem ao desnudamento. tatuagens.
de Subculturas”. Como estilista provocarem dificuldade ao andar (res-
e produtora, seus trabalhos trição), tem simbologia fálica.
Detalhe da capa - Peles: são entendidas como uma “se- - Luvas raramente são peças de feti-
abrangem gótico, punk, heavy
da revista - Meias finas: assim como as botas, gunda pele”. Ficaram famosas através chismo mas podem aludir à fantasia já
metal e fetichismo.
Propaganda 6 são o caminho para os genitais femini- do romance “Vênus in Furs” do austrí- que escondem as mãos nuas.
(1986) modadesubculturas.com.br aco Ritter Leopold von Sacher-Maso-
Foto de Fred Berger
10 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 11
Ouça os álbuns internacionais
citados nesse artigo
no link abaixo:
Os italianos bit.ly/GS5_inter
maXX Caos e
N0emi Aurora por Kipper

DESTAQUES
INTERNACIONAIS
A safra de lançamentos musicais foi das mais fartas,
com uma grande variedade de estilos, da darkwave ao
electro-medieval, do gothic-rock ao ethereal, do
industrial-rock à minimal wave, com novidades e retornos...
HELALYN FLOWERS explorados mais recentemente, sempre
IMJUDAS com as belas canções.
BLACK SHINE FEVER
SOPOR AETERNUS &
O casal de artistas italiano maXX Caos The ENSEMBLE OF SHADOWS-
e N0emi Aurora é responsável por vá- Island Of the Dead (2020)
rios projetos musicais de qualidade em Anna-Varney Cantodea volta com sua
estilos diferentes. O cultuado duo HE- fórmula (e isso é bom) que inclui barro-
LALYN FLOWERS já tem uma longa co, neoclássico, arranjos orquestrados
estrada desde o começo do século e e toques eletrônicos minimalistas, e
vários álbuns excelentes na sua conta, sua performance vocal altamente te-
fazendo um industrial-rock misturado atral característica, sempre atuando
com synth/eletro-goth e os belíssimos cada uma das histórias e personagens
vocais de Noemi Aurora. de suas letras cortantes e inteligentes.
Neste álbum temos muitas faixas com
O mais recente álbum, Nyctophilia tempo mais acelerado, uma diferença
(2018), foi seguido em 2019 e 2020 em relação à álbuns do passado mais
também excelentes singles como Me- downtempo. Se você gosta de Anna-
tropolis Necropolis e Suicidal Birds. -Varney, vai lá, que esse é dos bons.
Maxx também tem desenvolvido mais
recentemente o seu projeto IMJUDAS, THEODOR BASTARD
mais na linha Electro Dark Wave/Syn- Volch’ya Yagoda (2020)
thpop na trilha de Gary Numan e De- Podemos situar a sonoridade do grupo
peche Mode com uma energia atual.
Anna Varney - Sopor Aeternus russo entre folk étnico, world music
Noemi Aurora é também uma designer e trip-hop, com vocais ora femininos
profissional com trabalhos incríveis CLAN OF XYMOX- ora masculinos. Encontramos uma mú-
como a linda capa do outro projeto de Spider on The Wall (2020) sica que é ao mesmo antiga e moderna,
Maxx, o BLACK SHINE FEVER, que Há mais de três décadas o COX tem como o som do Dandelion Wine que
lançou seu álbum de estreia Via Nega- entregado composições com cuidado comentamos mais adiante. Tanto os fãs
tiva (2020), com uma sonoridade úni- melódico e lírico, as vezes mais eletro- de Qntal e Faun vão perceber, como
ca misturando no seu caldeirão “partí- -goth e synth, as vezes mais atmosféri- os do Dead Can Dance, que Theodor
FOTOS: DIVULGAÇÃO

culas de doom, post-punk, dark, goth, cas e etéricas, com a voz bem definida Bastard alcança aquele nível ritual da
black metal e 80’s New Wave”, usando e conhecida de Ronny Moorings. Este música. Os álbuns anteriores também
as palavras da própria banda. Vale a novo álbum, além só ter faixas fortes, são recomendados, tendo sonoridades
pena ficar de olho na produção dessa também transita tanto pelos estilos que exploram também instrumentos
dupla de artistas. antigos do início da carreia como pelos antigos, étnicos e percussões tribais.

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FOTOS: DIVULGAÇÃO SNAKESKIN- Medusa’s Spell (2020) Mercy, quanto em suas composições vocais etéreos ou líricos femininos (e
Mais uma obra prima de Tilo Wolff, próprias. Com arranjos ricos e maestria masculinos) e arranjos com detalhes
o arquiteto da catedral chamada La- de composição, mas forte e emocional orquestrais, temos um trabalho com
crimosa, desenvolve seu lado mais com pés no blues, folk e muito mais, ritmos mais acelerados e dançantes em
darkwave/electro/EBM... e, como o faixas como “Friends of Mine” são no- algumas faixas, em comparação com
Lacrimosa, ligeiramente inclassificá- vos clássicos que Jacques Brel cantaria trabalhos anteriores. Além do nome
vel. Canções dançantes sem abdicar de em uma nova despedida. Mas o saldo do álbum, também faixas cantadas em
ricas orquestrações e vocais femininos do álbum é um clima musical refinado inglês acompanham as tradicionais le-
líricos da cantora de ópera Kirsten Do- e de esperança para o futuro, nestes tras em francês. Um álbum imperdível
elle. O álbum alterna estilos e fórmulas tempos de “isolation”. para os amantes de darkwave e ethe-
faixa a faixa, sem se repetir ou cair em real e com sempre belíssimos vocais.
soluções óbvias, não sendo um álbum LINEA ASPERA – LP II (2020)
para você ouvir distraído. Nos remixes, & ZANIAS – Extinction (2020) GLORIA DE OLIVEIRA
alguns convidados de peso: Frozen Depois de anos de espera desde o pri- Fascination (2020)
Plasma e SITD. meiro lançamento, o projeto volta com Gloria é uma multiartista teuto-brasi-
O russo Michael uma sonoridade mais madura transi- leira: cineasta, atriz, artista visual, can- O gothic rock do
Draw, do Otto Dix THE MOON AND THE tando entre o synth-pop e darkwave tora, compositora... o álbum Fascina- Wisborg,
NIGHT SPIRIT- Aether (2020) dançantes em que ecos de Kirlian Ca- tion é uma compilação de novas faixas da Alemanha
O duo húngaro de neo-folk étnico e mera e Opera Multi Steel podem ser e eps anteriores que em poucos anos
ethereal incorpora mais um excelente ouvidos tanto na base musical quanto acumularam uma coleção de obras pri-
álbum à sua carreira que começou em nos lindos vocais femininos de Alison mas ethereal-wave e dream pop. Fãs de
2003. Com percussões tribais e vocais Lewis, também conhecida como Zoe Cocteau Twins e Kate Bush vão encon-
Ouça os álbuns internacionais encantatórios que alternam a voz mas- Zanias, responsável por outro proje- trar um abrigo confortável e as vezes CORLIX mas mantendo as características do
citados nesse artigo culina e feminina, as vezes de forma to que você pode gostar, o ZANIAS, obscuro em Fascination, mas também Together Apart (2020) trabalho anterior: se trata de uma cita-
no link abaixo: delicada, outras, poderosa. Cada faixa que lançou o EP “Extinction” em 2020, ecos de sonoridades mais contempo- Nesse álbum a banda inglesa reduziu ção, não de um revival, pois apesar das
bit.ly/GS5_inter leva você a um reino mítico diferen- com a diferença de uma sonoridade râneas com synths de baixo impacto, a voltagem electro-industrial da sua influências serem perceptíveis, o álbum
te. Fãs de Warduna, Dead Can Dance eletrônica mais uptempo e synthpop/ com vocais delicados e românticos darkwave e traz um belo apanhado de soa como uma música dark eletrônica
e Faun vão apreciar. Com sete àlbuns electro, mas com os mesmos vocais de mas que deixam transparecer uma for- canções que nos embalam com uma atual com uma poderosa atitude glam/
com temática pagã e folclórica, a dis- Zoe. Vale a pena conferir a discografia mação apurada de canto. sonoridade mais típica dos anos 80, new wave atualizada para 2020
cografia mantém a qualidade e é reco- do Zanias que pode variar do puro pop
mendada aos fãs do estilo. eletrônico ao ethereal (principalmente ANGELS OF LIBERTY
no álbum “Into the All) lembrando as Servant Of The Grail (2019)
OTTO DIX – Autokrator (2020) vezes a sonoridade de grupos como O álbum póstumo da banda britânica
Nesses tempos em que o mundo tem Fever Ray e The Knife, e outras vezes, lançado após o falecimento do voca-
que decidir o que fazer com seus go- explora as fronteiras da EBM. lista Voe Saint-Clare foi uma surpresa,
vernantes autoritários, o russo Michael e trouxe de volta o gothic-rock de alta
Draw lança um álbum cujo tema exata- WISBORG – From the Cradle qualidade que caracterizou a banda
mente é o poder e cujo título pode ser To The Coffin (2019) durante sua existência. Um álbum obri-
livremente traduzido como “autocráti- Na sequência do seu poderoso álbum gatório para os amantes do gothic-ro-
co”. A música do Otto Dix guarda com de estréia de 2018 (The Tragedy of Se- ck de inspiração oitentista, que mostra
o pintor homônimo a característica do conds Gone) a banda lança esta sequ- suas raízes mas não se limita a copiá-
expressionismo, seja ele delicado e lí- ência que poderia muito bem formar -las. Fãs de the Sisters of Mercy, Ro-
rico em alguns álbuns, de acordo com um álbum duplo com o primeiro, tanto setta Stone e The Mission vão adorar.
o tema (como no belo álbum Anima, pela arte gráfica quanto pela sonorida- Se ainda fizesse álbuns, Mr. Eldritch
2013), ou mais agressivos, como nes- de. Logo depois de uma abertura ins- devia estar fazendo algo assim...
te caso, quando o tema pede, quando trumental ao piano, somos atingidos
temos sua darkwave subir de tom com pelo excelente gothic rock moderno LES ANGES DE LA NUIT-
mais guitarras rumo a uma sonoridade que caracteriza essa banda. Fãs de The The Witch (2020)
mais electro-industrial. Os vocais de Sisters of Mercy, Type O Negative e Esta banda originária da Flórida che-
Michael oscilam entre o pop e o ope- Fields of the Nephilim vão apreciar o gou ao topo das paradas alternativas
Tilo Wolff rístico. Mais um grande álbum deste trabalho do Wisborg, que tem um so- alemãs (e outras) em 2020 com o EP
do SnakeSkin artista tão versátil, que também é es- noridade original que vai além de suas “Trois Points de Suture”, tirado deste
e Lacrimosa critor de ficção. influências. álbum. A banda já chega ao seu quinto
álbum com uma sonoridade e vocais
THE BEAUTY Of GEMINA COLLECTION D’ARNELL-ANDREA - bem característicos, transitando entre
Skeleton Dreams (2020) Another Winter (2019) o dark-electro, darkwave e future-pop. Corlix
Ecos de Leonard Cohen, Johnny Cash É interessante ver uma banda antiga A maioria das faixas fazem a alegria de
e Nick Cave podem ser ouvidos tanto que é referência para tantos artistas qualquer pista de dança, com synths
quando o excelente grupo suíço faz co- novos voltar com sua sonoridade eter- pulsantes e vocais graves e profundos,
vers do The Cure e do The Sisters of na renovada. Além dos tradicionais por vezes em francês, outras em inglês.

GOTHIC DEZEMBRO 2020 15


FOTO: KATJA RUGE
OUTROS ÁLBUNS - CAOS RESEARCH - Ravens
QUE DESTACAMOS: (2020, Neoclassical Darkwave)
- TEARFULL MOON - Under The
- OCTOBER BURNS BLACK - Red Veil (2020, Synth/Darkwave)
Reflections (2019) + Fault Line (2018) - THE BIRTHDAY MASSACRE -
(Gothic Rock) Diamonds (2020, Synth-Rock)
Faun - RAIN CHILDREN - Crooked House - TIRAMIST- Phoenix
(2018, Gothic Rock/Female Voices) (2019, Synth, Darkwave)
- THE MACHINE IN THE GARDEN- - CAROLINE BLIND - The Spell
(2020, Darkwave/Gothic) Between (2020, Gothic Rock/Folk)
- LUNAIRES - If All the Ice Melted - THE BLACK CAPES - Lullabies
(2019, Synth-Wave, Ethereal) for The Dead (2020, Gothic Rock)
- CANIS ET LUPUS - - WHISPERS IN THE SHADOW - Gloria de
Dust and The Civilization of Ghosts Yesterday is Forever Oliveira
(2020, Gothic Rock) (2020, gothic rock, darkwave)
- BLACK ANGEL- Kiss of Death - ARIEL MANIKI and THE BLACK
(2020, Darkwave, Gothic Rock) HALOS - Jade (2019, Gothic Rock)
- DIE KRUPPS - Vision 2020 Vision - EVASION ON STAKE - Again In the
(2019, Electro-Industral) Past (2019, Electro/Darkwave)
- ANDERS MANGA - Andromeda - SONSOMBRE - One Thousand
(2020, Synth/ Darkwave) Graves (2020, Gothic-Rock)
- MYRKUR - Folkeseange - THEN COMES SILENCE - Machine
(2020, Ethereal/Folk) (2020, Eletro-Goth, Rock)
RENARD FAUN - MAYFLOVER MADAME - - ASTARY NITE - Here Lies
Waking up In a Märchen & Mythen (2019) The Moon and Prepared for a Nightmare (2020, Darkwave)
Different World (2020) Alguns álbuns da banda alemã Faun the Nightspirit (2020, Post-Punk/Gothic Rock) - ECHOBERYL - The Awakening
Markus Reinhardt, fundador do são mais sonho, outros mais romance, - ARMAGEDDON DILDOS - Dystopia of a Mutant Girl (2020, Synth-Pop)
WOLFSHEIM, está de volta. As fai- mas esse é claramente uma festa. Uma (2020, Electro-Industral/EBM) - PARADOX OBSCURE - SynOesis
xas Hotel e Damn Happy são uma grande celebração. Todas as caracterís- FOTO: COLIN PAGE - N E O (Near Earth Orbit) - (2020, Synth/Coldwave)
colaboração com o lendário vocalista ticas que fizeram a banda ser amada M.A.S.S Extinction + Outerworld - SELOFAN - Partners in Hell
do Alphaville, Marian Gold (Forever por sua vasta e consistente discografia (2020, Gothic Rock/Progressivo) (2020, Minimal Synth/Synth-Pop)
Dandelion
Young... lembra?). O álbum traz outros lançada nos últimos 20 anos. Na parte Wine
convidados: o vocalista Pascal Finke- das novidades temos uma nova voca-
nauer faz um bom revival da antiga lista e um toque celta maior no tradi-
banda de Markus, mas o álbum não cional pagan-folk com instrumentos
se resume um Wolfsheim com outros antigos. Sonoridade rica com ritmos TOP 10 Rain
vocalistas: ele consegue desenvolver e instrumentos antigos, vocais belís- ALEX BORGES Children
um synth-pop moderno com carac- simos, estribilhos saltitantes, o álbum (WAVE RECORDS)
terísticas próprias. Temos também pode ser colocado como um dos me- Ouça no nosso link de audição:
grandes vocalistas convidadas: a com- lhores da banda, e são 15 faixas sem
positora grega Marietta Fafouti, Sarah deixar a peteca cair! BROKEN UP - Soul Victim (2020)
Blackwood do Client e Dubstar, Eliza JONATHAN BREE -
Hiscox do Royalchord e folk urbano de DANDELION WINE After The Curtains Close (2020)
The Machine
Joseh em outras faixas, completando a Le Coeur (2020) COMPILATION - MADAME
in the
variedade desse álbum. O grupo australiano continua com sua Underground Club VOL. 1 (2020)
Garden
sonoridade única, trazendo elementos RIKI - Riki (2020)
LOVEBLIND medieval folk e neoclássicos que en- WINTRY - Timeline (2020)
Sleeping Visions (2020) contram ritmos modernos ou eletrô- TWIN TRIBES - Ceremony (2019)
É curioso que a vocalista Dorian E. soa nicos, sem abdicar de belos riffs e in- FOREVER GREY - Departure (2020)
muito como Brian Molko, mas com tervenções de guitarra pontuais e uso KILL SHELTER -
maior alcance em outros registros, um instrumentos históricos. Vocais femi- In Decays / Bodies (2020)
toque de Siouxsie em algum lugar. Mu- ninos entre etéreos e líricos são acom- SYZYGYX -
sicalmente, imagine um pouco de The panhados de arranjos que não deixam The Graveyard Compilation 2019
Cure, Smashing Pupkings, Ladytron, os elementos de música tradicional MINUIT MACHINE / HANTE
Placebo… talvez possamos chamar de cairem no revivalismo. Fãs de Qntal, Split (2020)
synth-wave shoegaze rock? Seja qual Faun e Dead Can Dance vão gostar, e
for a classificação, todas as referências os álbuns anteriores também são re-
são excelentes, e este é um grande ál- comendados para os apreciadores das
bum de estreia. misturas de música antiga e moderna.

16 GOTHIC DEZEMBRO 2020


por Bruno Rocha

FOTOS: DIVULGAÇÃO
NEWCOMERS:
Muito sangue novo
no cenário brasileiro
em 2019 e 2020
Muito além dos vários lançamentos Permaneço
que bandas e projetos consagrados de Deitada
nosso país trataram de disponibilizar
recentemente, uma enxurrada de no-
vos grupos surgiu nos últimos anos e que recentemente lançou um ótimo das resolveram nos últimos anos se Ainda no campo da música eletrônica,
todos eles surpreendem pela qualidade single de estreia chamado “Carmilla”. aventurar com novos projetos a fim de vimos também o surgimento (ou re-
absurdamente boa de criatividade, de O Anum Preto, projeto Post Punk do explorar uma faceta diferente dentro nascimento?) do Quântico Romance,
composição e de lançamentos. músico Aerson Moreira que já lançou daquilo que eles já praticam ou mesmo projeto carioca cujo mentor é o vetera-
dois álbuns em menos de um ano. tentar coisas completamente novas em no músico Karlos Junior e que já jogou
Muito embora saibamos as condições seus currículos. para os fãs de Synth/Technopop dois
com as quais a maioria das bandas un- O Ratpajama, projeto Synth/Darkwa- trabalhos recheados de som “kraf-
derground tem que conviver, fato este ve solo da cantora e musicista Kyara Este é o caso do Fake Movie, duo ele- twerkiano” de 2019 para cá.
que acaba culminando em uma produ- Jereissati, o 777, projeto Post Punk/ trônico formado por Airton S. (Plasti-
ção não tão boa em alguns trabalhos de Synthwave que já conta com o EP que Noir) nos vocais e por Jean Rié (ex- Deixando um pouco os synths de lado
estreia e também em longos intervalos “Desfiladeiro do Campo Liso”, e o -Scarlet Leaves) nos synths que transita e voltando para as guitarras e os bai-
entre um lançamento e outro, músicos Profundezas do Silêncio, projeto mu- competentemente e com muita pers- xos, nos deparamos com uma grata
e artistas de todo o país arregaçam as sical Neofolk/Dark Ambient bastante picácia através de várias ramificações surpresa vinda da capital nacional,
mangas e as mentes em prol de conce- interessante. que a música eletrônica possui. Brasília.
der vida às suas ideias musicais.
O interior do Ceará também não está A ousadia marca a estreia do Lunar O Tomb Of Love é uma banda de Go-
Um exemplo cabal deste fenômeno deixando de participar do movimento, Dream, projeto brasiliense de J.P. Ma- thic Rock que estreou no ano passado
vem acontecendo no Ceará através vide o Pontagulha, projeto Coldwave noeli (Blue Butterfly, Banda Invisível) com o EP “A Permanent Reminder of
daquilo que este Escriba costuma de- da cidade de Uruburetama capitane- e de Eliza Wen que não tem vergonha Our Failure”, um trabalho extrema-
nominar de “New Wave of Fortaleza ado pelo músico Lucas Caducco que, nem pudor nenhum ao misturar ele- mente soturno e congelante que preci-
Post Punk/Gothic Rock”. com um EP e um single já disponibili- mentos de Trip Hop, EBM e até mesmo sa ser urgentemente adicionado às suas

RETROSPECTIVA
zados, vem obtendo uma surpreenden- Reggae em seu Synthwave safado! playlists.
De uns anos para cá o cenário gótico te repercussão na internet, inclusive
cearense não vem se resumindo tão- com retornos internacionais.
Fake Movie

B RA S I L
-somente ao Plastique Noir. E também
nem sequer me refiro ao Black Knight Ainda pelo Norte/Nordeste, o Misfor-
Frequency, projeto fundado pelo gui- tune Deep, de Manaus, vem chaman-
tarrista Márcio Benevides pouco tem- do bastante a atenção de todos aqueles
po depois que ele deixou o Plastique. que acompanham o cenário under-
ground alternativo com seu Synthpop
Um boom de novas bandas cearenses e olhe que eles sequer lançaram um
está acontecendo há pelo menos dois trabalho oficial de estúdio ainda! Com
O Misfortune Deep, anos, dos quais podem ser apontados nova formação composta por Lanna
direto de Manaus o Maldigo, banda de Gothic Rock que Areque, Roberth Fernandes e o mem-
intercala em seus arranjos elementos e bro-fundador Augusto Batcave, o Mis-
escalas típicos do Oriente Médio e que fortune Deep está lançando um single
conta em seus vocais com Juliana Wey- por mês numa estratégia que ao final
ne, uma das mais completas cantoras se transformará em seu EP de estreia.
de Rock no Brasil atualmente.
Mas não só de gente novata que este
O Dark Hertz Transmission, trio que texto se propôs a tratar. Músicos vete-
mistura Post Punk com Synthpop e ranos e já consagrados por outras ban-

18 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 19


Maldigo,
gothic rock que
vem do Ceará
FOTO: FELIPE QUEIROZ FOTOGRAFIA

SINFÔNICO
À BRASILEIRA
Antes de mais nada ouça o novo single
“Nossa Terra” no Spotify ou Youtube.
Parece que Zé Ramalho compôs com o
messa brasileira além destas que reco- Nightwish e a Marisa Monte está can-
mendamos aqui? tando em Português...

Marcelo Kpta, vocalista do Das Pro- Entre os projetos que estão surgindo
jekt, em entrevista a esta revista em Wilame AC do Discotronike, em 2020, Grazi é uma surpresa por
sua edição de estreia, disse: “guarde com seu parceiro do Electro Porém, o primeiro single de “Catarse”, quebrar alguns estereótipos de es-
seu Violator do Depeche Mode por 5 Bromance à esquerda intitulado “Devaneio”, já está disponí- tilo. Para começar temos os vocais
minutos e vá atrás de novidade.” Tá vel para audição no YouTube com clipe com letras em português, cantados
esperando o que para encontrar aque- O RETORNO DO oficial. por uma voz bem treinada tecnica-
la que pode vir a se tornar a sua nova
banda preferida?
DISCOTRONIKE E o que se percebe é que o Discotro-
mente mas sem exageraos operísticos
que as vezes caracterizam o estilo.
O nome do músico paraibano Wilame nike está de volta com uma produção
AC está atualmente mais associado muito superior à do primeiro EP; sobre Na parte musical temos surpre-
ao duo Synth/Electropop Electro Bro- este detalhe, o próprio Wilame costu- sas como elementos brasileiros bem
mance, no qual ele canta e divide os ma mencionar que nos anos 2000 ele equilibrados dentro de uma estéti-
arranjos de sintetizadores com Hansen ainda não dispunha de todo o conhe- ca rock, sem parecerem “colados”.
Pessoa. cimento de produção musical que ele Finalmente, temos uma compositora
tem hoje. administra todas as fases de produção
Todavia, o primeiro projeto eletrônico da sua música, saindo de outro cli-
de Wilame não é o Electro Bromance, Musicalmente, o som do Discotronike chê da vocalista de banda “contrata-
mas sim o Discotronike. Se você não se diferencia do Electro Bromance não da” pelos “músicos donos da banda”.
conhece, não se flagele por isso. só pela inclusão de violinos e violas,
mas também pela atmosfera mais in- A artista assina “Grazy”, mas você
-Não esqueça de incluir também outra “Palácio dos Sonhos” (2018) e “Abis- O Discotronike lançou em 2008 um EP trospectiva e melancólica, mais pró- encontra no Spotify e Youtube como
revelação, desta vez vinda de São Pau- mos” (2019). Tendo em vista tama- de cinco músicas chamado “Sorrow”, xima ao Darkwave, muito embora seja “Grazi Rodrigues”, e também no nos-
lo, o Secret Shelson’s Band, trio que nha sortidão de bandas de qualidade BRUNO ROCHA trabalho este que apresentava uma também dançante. so link de audição.
pratica um concretoso e cinzento Post inquestionável, fica a expectativa e o criativa ideia de juntar violinos e violas (resenha Kipper)
Punk que bebe das fontes clássicas e otimismo de que cada vez mais mú- Cearense de Caucaia, Bruno Rocha é a bases eletrônicas. É como se o The Frozen Autumn en-
também soviéticas do estilo. sicos se inspirem nesta onda atual e editor-chefe do blog The Atmosphere, contrasse o My Dying Bride, duas ban-
também deem início aos seus próprios especializado em tudo que é tipo de Este trabalho obteve certa repercussão das as quais Wilame é um fã declarado.
Ainda, aproveite e curta também mais projetos para enriquecer ainda mais o Dark Music, e atende também pelo na época de seu lançamento e chegou a
duas novas bandas de gente veterana: nosso cenário. site Roadie Metal. receber elogiosos comentários em pu- Portanto, não deixe o Discotronike pas-
o Nouvelle Vie, banda Post Punk/Shoe- É professor de Matemática, mas blicações de países como Alemanha e sar batido nas suas próximas playlists
gaze formada por Edu Krummen (Das Opções para se ouvir estas promessas escrever textos sobre Música tem sido Itália. e se prepare para ouvir belas melodias
Projekt), Call Lament (ex-Das Projekt) e da música underground nacional tam- seu hobby preferido há alguns anos. de violino enquanto dança movido pe-
Dennis Sinned (Days Are Nights, 1983) bém não faltam: Spotify, Deezer, You- Torcedor do Ferroviário e amante de O Discotronike esteve hibernando há las empolgantes arranjos eletrônicos!
que lançou três singles e um videoclipe Tube, Bandcamp e asseclas reúnem as Fórmula 1, Bruno (finge que) toca mais de uma década e foi ressuscitado
este ano. mais variadas opções para você ouvir bateria em uma banda de recentemente. Wilame atualmente está LINKS:
tanta coisa boa da forma como você Heavy Metal, mas não fica um dia produzindo o primeiro álbum comple-
O Stenamina Boat, banda Post Punk bem entender. sequer sem ouvir The Frozen Autumn to do projeto; o mesmo se chamará discotronike.bandcamp.com
de cheiro oitentista formada por Már- e Clan Of Xymox. “Catarse” e tem previsão de lançamen-
cio Calixto (Vesuvia), Igor Vieira, Car- Fique de olho também nas web-rádios to para o primeiro semestre de 2021. electrobromance.bandcamp.com
los Rodrigues e Rogério Meni que já alternativas; quem sabe em uma delas theatmospheremusic.wordpress.com
possui em sua discografia dois EP’s: você não conhece mais uma nova pro-

20 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 21


as engrenagens são cada elemento que
faz o underground: bandas, músicos,
produtores de eventos, estúdio, divul- JENNY SEX
por Bruno Rocha gadores, mídias especializadas, selos e SONGS THROUGH YOUR TONGUE / TREASURES
etc. Tal qual um conjunto de engrena- (Vários, 2018-2020)
gens, cada elemento que compõe este No final de 2018 a banda paulista lançou o álbum digital e em 2020 novo
Selos e plataformas como Wave Records, Deepland Records, universo precisa trabalhar com união single “Treasures”, mantendo a sonoridade post-punk clássica que vai
Paranoia Music e Plainsong tem apoiado o trabalho das bandas e harmonia, onde as habilidades e co-
nhecimentos de um ajudam nos pro-
agradar muito os fãs de Joy Division e algum amigo Shoegazer que esteja pas-
sando por aqui com saudade de Galaxie 500 (sem o sax, sorry).
nacionais, levando sua música ao público interessado, tanto via pósitos e objetivos do outro. O novo álbum já está prometido e deve sair em breve.
streaming quanto por mídias físicas, para todo Brasil e mundo. Trabalhos como os desenvolvidos pela CUM MORTUIS (2020)
Paranoia Musique e pela Plainsong são Antigos conhecidos continuam na ativa em um projeto “com inspiração
Não basta somente um artista compor importantes nomes do cenário gótico na música alternativa, trazendo deta- um alento para que os artistas que a na obra “Quadros em uma exposição”, de Mussorgsky, e “na banda
sua música, gravá-la e esperar que as nacional e do exterior, como bem sa- lhes e curiosidades de nomes clássicos. priori se viam sem apoio busquem esse Dead Can Dance”. Al Vavallo (que você deve lembrar da Gothic Station 4,
pessoas conheçam a sua obra da for- bemos. apoio com gente que realmente enten- quando o entrevistamos com sua antiga banda Back Long Arch) continua
ma mais aleatória possível. Um músico Por falar em plataformas digitais, re- de do negócio e que conhece as ne- produzindo com seus parceiros música de altíssima qualidade, agora com novo
underground precisa também saber di- Todavia, ainda existe na mente do centemente surgiu uma plataforma que cessidades das bandas. Que esse tipo conceito. E nas horas vagas ele inventa algum instrumento que não existe!
vulgar a sua obra e fazê-la chegar ao músico que a gravadora que lança um olha para o artista independente e que de iniciativa reverbere cada vez mais
máximo de ouvidos possíveis. álbum também tem a obrigação de se adapta as suas necessidades e con- e que novas “Paranoias Musiques”, THE TEARS OF BLOOD - CAMINHO OBSCURO (Álbum 2020)
divulgá-lo em todos os canais e sites dições. Trata-se da Plainsong, que foi “Plainsongs”, “Waves” e “Deeplands” The Tears of Blood foi por muito tempo o nosso Siouxsie and the Banshees
A não ser que o músico em questão se especializados, o que não é bem as- criada em 2017 por Armando Louder, surjam Brasil afora. Ainda assim, isso e X-Mal da ex-terra da garoa, com uma pitada de Joan Jett. Uma das bandas
satisfaça em tocar sua própria música sim. Para isso servem as assessorias organizador do Caxias Music Festival, não desobriga as bandas e músicos a referência de sua geração, continua “na ponta dos cascos” como se diz, em
só para si mesmo trancado em seu de imprensa. Estas sim são as marcas após o processo de curadoria da edição buscarem conhecimento no campo da plena forma e total criatividade. Mas uma grande injustiça finalmente é
quarto, o que não acho que seja o caso que cuidam da imagem e divulgam o deste festival naquele ano. divulgação. corrigida: a banda, dona de excelente repertório próprio e performances
de quase 100% dos músicos e artistas artista. ao vivo perfeitas e intensas, não tinha até hoje um registro oficial em CD.
que militam no underground. Com a ideia de abordar a “música Se você é músico e não sabe o signi- Os dois registros anteriores, lançados no final dos anos 1990, eram o que
A Paranoia Musique é uma exceção. independente em primeiro lugar”, a ficado de termos como “release” ou na época chamávamos de “produção independente”: Darkness (1998)
Não estou dizendo que o músico un- O selo/assessoria/produtora criado Plainsong exibe em sua plataforma tra- “press-kit”, não se preocupa tanto em e In The Way of Soul (2000). Mas agora a Deepland Records está lançando
derground precise ser um especialista pelo músico carioca Diego de Oliveira balhos de artistas independentes que atualizar informações nas redes sociais o tão esperado álbum e para nossa alegria trazendo o estilo característico
em marketing ou em vendas. Por outro (Cubüs) une sob sua marca as neces- podem se cadastrar de forma simples, de sua banda ou não possui fotos em do Tears of Blood mas com uma pegada intensa e sonoridade atual.
lado, ele tem que saber como atingir o sidades de bandas independentes no bastando para isso atualizar seu rele- boa resolução, procure se atualizar, Vai agradar os fãs antigos e conquistar novos.
seu público-alvo usando para isso as que se refere a lançamentos, divulga- ase, foto e capa do álbum e, desde já, pois isso é tão importante quanto com- A formação atual, que podemos ver na foto abaixo, é, da esquerda
mais diversas ferramentas que o mun- ção e de eventos. subir suas músicas. por boas composições e produzir um para a direita, Andreza P. Reginato, Rui Rodrigues, José Carlos Reis,
do digital e globalizado nos fornecem. ótimo álbum! Alessandra Carvalho e Marcus Dutra.
Surgido com a necessidade de movi- Ou seja, um método bem acessível (resenhas: Kipper)
Felizmente, existem em nosso meio mentar ainda mais a cena undergrou- para o artista independente e sem nada A não ser que você componha para
profissionais que entendem bem como nd/independente do Rio de Janeiro, a da parte burocrática e financeira que ninguém ouvir.
alcançar este tipo de objetivo, domi- Paranoia Musique aos poucos foi se as grandes plataformas digitais exi-
nam os métodos para se conseguir tornando um dos principais baluartes gem. De similar modo, os fãs também
tal feito e que estão disponíveis para de apoio ao artista do universo Góti- podem se cadastrar na plataforma para LINKS:
apoiar o artista underground em seus co/Post-Punk/Synth nacional dando comentar, apoiar e criar suas próprias
intentos. apoio para lançar seus trabalhos nas playlists. A grande ideia da Plainsong é waverecords.bandcamp.com
plataformas digitais, fazendo um óti- ofertar um espaço para que as produ-
Quando pensamos em profissionais e mo trabalho de divulgação para sites ções independentes utilizem como vi- waverecords.lojavirtualnuvem.com.br
marcas que estão relacionados à músi- e canais especializados com releases trine e que tal espaço seja construído
ca gótica nacional, os primeiros nomes e press-kits, organizando coletâneas e em cima de um modelo autossusten- www.kingdomrockstore.com
que chegam à ponta de nossa língua promovendo eventos. tável de modo que bandas, selos e fãs
são os da Wave Records, na pessoa de a usufruam de maneira personalizada. facebook.com/DeeplandRecords
Alex Twin, e o da Deepland Records, Além disso tudo, a Paranoia Musique
sob responsabilidade de Marcelo Kpta. promove em seu canal no YouTube de- Este escriba sempre gosta de comparar paranoiamusique.bandcamp.com
Estes dois selos são responsáveis por bates, entrevistas e giros de notícias, o universo underground artístico com
lançar no mercado obras musicais de sempre repercutindo o que acontece uma máquina movida a engrenagens. E plainsong.io

22 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 23


R
citados nesse artigo
no link abaixo:
ESENHAS
NACIONAIS
Ouça os álbuns internacionais

bit.ly/GS5_brasil
por Bruno Rocha

I.A.N.X. – FLUIDO responsabilidades com a baterista Da-


(Álbum, 2020) nielly Simões em uma agradável sono-
O projeto eletrônico capitaneado pelo ridade que transita entre o Post Punk e
músico e artista plástico Ian Veiga (Der o Shoegaze/Dreampop.
Baum) e que conta também com Fer-
nanda Gamarano (Der Baum, Polly ETERN – GRATITUDE (Álbum, 2018)
Noise and The Cracks, Laps.ia), Pris- O Etern voltou à ativa após uma (lon-
cilla Fernandes e Camila Visentainer ga) pausa de quase duas décadas com
possui duas facetas, uma musical e o álbum “Gratitude”, que reúne boa
outra visual, que se complementam. parte dos melhores materiais que o
O lado musical carrega influências que projeto lançou em sua existência jun-
vão do Synthpop à arranjos distorcidos tamente com uma música antiga, mas
do Industrial enquanto o vídeo, que jamais lançada, do Pitch Yarn Of Mat-
conta com a participação da banda e ter, banda a qual Maurício XV fundou
de vários artistas cênicos, é um show em 1993. “Gratitude” traz em suas 16 Doom Metal com Gothic Rock capaz
de criatividade e de produção com faixas tudo aquilo que se espera de um de agradar gregos e troianos, como se
excelente uso de luzes e cortes e com bom Synthpop com fortes influências o Black Sabbath se encontrasse com o
performances de fazer cair o queixo. da música oitentista, ótimos sequen- Fields Of The Nephilim. O álbum “Ri-
Ambas as experiências precisam ser ciamentos e composições empolgan- tes Of Fire” é muito bem produzido e
testemunhadas juntas, portanto, pro- tes. empolgante do começo ao fim, tanto
cure logo pelo vídeo no YouTube. que o The Secret Society foi a banda
TECHNIQUE – CONNECTED responsável por abrir o show do The
DER BAUM – GUARUJÁ NIGHTS (Álbum, 2018) Sisters Of Mercy na capital paranaense
(Álbum, 2018) O terceiro álbum de estúdio do Techni- em 2019.
Por falar na intrépida e inquieta artista que, “Connected”, é o melhor e o mais
Fernanda Gamarano, sua banda prin- bem produzido trabalho do trio forma- DAS PROJEKT & PLASTIQUE NOIR
cipal, o Der Baum, lançou em 2018 seu do por Alex Tibaldi, Robert Tibaldi e – AS ABOVE, SO BELOW
álbum de estreia, que carrega o bem Marcio Vaez. Desde o clima Dark de (Split, 2020)
sacado título “Guarujá Nights”. Seu “Still Alive”, passando pela animação A expectativa para o lançamento deste
Rock Alternativo com pitadas de New “erasuriana” de “Trapped” até che- split entre duas das principais bandas
Wave e Synthwave é descompromis- gar na densidade sombria de “Fear”, de Gothic Rock do país era imensa,
sado e feito puramente para diversão; “Connected” agradará a qualquer fã pois o que cada banda poderia apron-
mesmo assim, a preocupação com os de Synthpop que não se incomode de tar tocando as músicas da outra, ten-
arranjos de guitarras e as inserções saborear uma sonoridade homogênea do em vista que elas seguem escolas
de sintetizadores são muito bem pen- com pitadas de Electro e de EBM. distintas dentro do estilo? O resulta-
Fernanda sadas e encaixadas em cada música. do final foi bem satisfatório e o maior
Gamarano, Destaque para a faixa-título, “Allstar” THE SECRET SOCIETY – atrativo deste split é exatamente o fato
vocalista do e “If You Call”, esta bem densa e in- RITES OF FIRE (Álbum, 2019) de que cada banda adaptou as músicas
Der Baum e trospectiva. Aproveitando a deixa, não Ainda em Curitiba (um dos principais da outra para o seu próprio estilo, com
outros projetos deixe passar batido os demais proje- celeiros do Rock brasileiro atualmen- o Das Projekt acrescentando peso às
tos de Fernanda Gamarano: o Laps.ia, te), temos como um dos grandes des- músicas do Plastique Noir e os cearen-
seu projeto-solo de Synth/Darkwave taques da cidade o The Secret Society, ses pincelando as músicas dos paulis-
carregado de lisergia, e o Polly Noise uma banda que pratica uma eficiente tas com aquela aura oitentista cheia de
And The Cracks, no qual ela divide as e muito bem feita mistura de Heavy/ efeitos e de dissonâncias.

24 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 25


Wintry

Escarlatina
Obsessiva

com participação da cantora Kriistal o álbum “Serpentário” é composto de


Ann). Destaque também para a esoté- 13 faixas que foram sendo lançadas
U Just
rica e viajante “Burn”. ao longo de 13 meses, de setembro de
2019 a setembro de 2020, que transi-
ESCARLATINA OBSESSIVA – tam entre o Post Punk e o Gothic Rock
PERMANEÇO DEITADA – ASSIM BACK TO THE LAND (Álbum, 2018) ao mesmo que pescam influências do
FALAVA O HOMEM-COELHO Mais uma vez o duo alquimizou em típico Rock brasileiro oitentista, do
(EP, 2020) seu refúgio de São Tomé das Letras/ Dub e até da Surf Music, formando as-
Bira L. Silva, Yugh Synth e Letícia Torga MG extraindo um álbum consistente sim um trabalho variado, mas honesto
trazem com o Permaneço Deitada no e criativo lançando mão de sua vasta e com identidade e que vai agradar até
EP “Assim Falava O Homem Coelho” paleta de influências. Até mesmo di- mesmo o velho Zagallo (“o velho Za-
um som simples, mas extremamen- dgeridoo, um tradicional instrumento gallo” tem 13 letras. Sinais!).
te sombrio, denso e melancólico. Os típico da Austrália, foi usado na faixa
synths de “As Traças e os Ratos” mais de mesmo nome. A banda brinca e NOTURNA RÉGIA – SOBRE ANJOS
parecem uma mente girando sob ata- passeia por diversas instâncias da Mú- E OUTROS CONTOS (Álbum, 2018)
ques de melancolia enquanto “Aracne” sica na excelente “Stars”, na espiritual A cena gótica paraibana é uma das
transporta o ouvinte através de uma efeito, esta palavra batiza o seu quarto e o som das profundezas da mente um a competente cozinha formada por Ed “Obaluaiyê” e na maléfica “Vindictive mais fortes do Brasil na atualidade.
viagem pelo etéreo e pelo introspec- álbum de estúdio de forma bastante trabalho rico, inebriante e que toca no Cioneck Jr. (baixo) e Wlad Carlos Ze- Witch”, por exemplo, até encerrar o ál- Uma das principais responsáveis por
tivo. Recomendado ouvir somente se merecida e apropriada. “Legacy” é o âmago. Ainda estou encantado pelo chner (bateria) são carregados de mui- bum com a animada e ensolarada “It’s tamanha força é a banda Noturna Ré-
estiver relaxado em seu mundo pesso- quarto álbum completo do duo atu- charme da voz de Anne... ta identidade e criatividade. “You Just” Just Great”. gia, de Campina Grande. Seu primeiro
al, de preferência no escuro. almente formado por Marcelo Gallo é um álbum suscinto e suas músicas, álbum completo, Sobre Anjos e Ou-
e Fernando Jr. e as ideias muito bem CODE SIX – TEIAS ANESTÉSICAS apesar de curtas, são bastante eficien- HERZEGOVINA - EMERGENCY tros Contos, é uma aula de como fa-
BELAVIST – BELAVIST colocadas em prática em cada uma das (Álbum, 2020) tes e cumprem tão bem o seu papel a (Álbum, 2020) zer Gothic Rock sem amarras criativas,
(Álbum, 2019) 11 faixas (das quais duas são bônus) é O Gothic Rock/Darkwave do Code Six, ponto de posicionar a banda como um Os cariocas do Herzegovina estrearam indo desde a atmosfera inebriante de
O Belavist (uma homenagem ao bairro a constatação que a história da banda projeto do músico Alessandro Farias dos destaques do estilo na atualidade. recentemente com o álbum “Emergen- “Artemísia” até um flerte com o Rock
Bela Vista, principal reduto do under- não é importante só para outros pro- (ex-Dead Pop), é feito não só para aca- cy” trazendo fortes referências princi- Industrial em “Klaustrofobia”. Outros
ground paulista) surgiu em 2018 atra- jetos, mas também para si própria. lentar os corações daqueles que pro- THE COLOURS OF SILENCE – palmente de Bauhaus e de Killing Joke destaques vão para a tribal “Licantro-
vés do experiente músico Pulga Joe e Destaque para as músicas “Like Dia- curam um som obscuro, mas também BETWEEN THE DARKNESS AND em sua musicalidade. O clima de cami- po”, a grudenta e arrepiante “Medusa”
de Hans Zeh, músico e produtor de monds”, “Faults”, “Control” e a faixa- para quem curte dançar ao som de THE LIGHT (Álbum, 2019) nhada noturna de “In Danger”, o refrão e a etérea “Valquíria”.
longo currículo com importantes ban- -título. timbres nostálgicos e de synths gla- Mais um projeto transnacional assim grudento de “Road Of Joys”, os arran-
das e na TV, com a ideia de misturar WINTRY – murosos. O álbum de estreia da ban- como o Wintry. O The Colours Of Si- jos bem sacados de “Fellini’s Dream”
Synthpop, Electro e Rock. O álbum de TIMELINE (Álbum, 2019) da, “Teias Anestésicas”, vem com treze lence é composto pelo produtor cario- e as muito bem colocadas percussões
estreia do duo, autointitulado, é uma Arranjos de synths soturnos, bends de faixas que passam voando e tem tudo ca Hélio Peixoto (A World Of Mystery, em “Rubilite” fazem de “Emergency”
prova de que a mistura de estilos pro- guitarra que puxam seu pescoço para para agradar fãs de She Past Away, Vox Insana) e pelo vocalista australia- um álbum sortido, animado e atraente,
posta é bem praticada e executada trás e um charme germânico na voz da Drab Majesty e Plastique Noir, mas não no Michael Aliani (Chiron, ex-IKON) e sem deixar de lado o clima de garagem
graças a experiência e ao conhecimen- cantora são os infalíveis ingredientes se engane: a identidade do projeto é eles foram responsáveis pela façanha e a poeira da gravação lo-fi.
to de causa de ambos os integrantes. que fazem do Wintry um dos melho- bem aflorada e está bem em destaque. de transportar o ouvinte por diferentes
res projetos Synth/Darkwave da atua- atmosferas em cada uma das 12 faixas SIGNO 13 – SERPENTÁRIO
PITCH YARN OF MATTER – lidade. Formado pela vocalista alemã U JUST – YOU JUST (Álbum, 2019) de “Between the Darkness And The (Álbum, 2020)
LEGACY (Álbum, 2020) Anne Goldacker e pelo instrumentis- A poderosa e expressiva voz da canto- Light”. O título do álbum define per- “Serpentário” é a 13ª constelação do
Algo que não se pode negar jamais ta Alex Twin, cujo currículo dispensa ra Hil Wiest é um dos grandes desta- feitamente as diferentes sensações de Zodíaco, a razão pela qual a banda bra-
quando o assunto é Pitch Yarn Of Mat- descrições, o Wintry lançou em 2019 ques desta ótima banda Post Punk/Go- cada faixa, como se pode perceber do siliense liderada por Felipe Rodrigues
ter é a importância de seu legado mu- “Timeline”, seu segundo álbum, ofer- thic Rock que vem de Curitiba. Os riffs Darkwave puro de “Voices” até o clima (Vox Lugosi) é batizada de Signo 13.
sical para o Synthpop brasileiro; com tando a quem busca as falas do etéreo e técnicas do guitarrista Itacy Canto e New Wave de “Colours Of Rain” (está Como se isso tudo por não bastasse,

26 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 27


MR
ONICA
ICHARDS
ENTREVISTA
por Kipper
Há muito tempo Monica tem nos encantado com seus diversos
projetos musicais como o Faith and Muse. Hoje ela nos conta
muitas histórias desde os anos 80 em seu caminho de
desenvolvimento ligado aos ciclos míticos da natureza.
Musicalmente e tematicamente, você compasso com o mundo moderno, fui
se sentiu com mais opções criativas mais uma sonhadora, desejando criar
no Faith e The Muse e também em meu próprio mundo desde pequena. Eu
sua carreira solo? Você trabalha em estava muito envolvida com mitologia,
ambos os projetos com músicas de contos de fadas, histórias e contos de
diferentes culturas e de diferentes outros mundos e épocas. À medida
épocas... que cresci e comecei a levar essa pes-
quisa de maneira séria, tudo seguiu um
Monica: Sim, acho que sou conheci- padrão. Quanto mais você olha, mais
dapor minha diversidade. Com Faith percebe que esses contos e panteões
and the Muse, decidimos fazer todo mitológicos são iguais, mas diferencia-
e qualquer tipo de música que quisés- dos pela cultura, clima e história.
semos, Medieval, Céltica, hard rock,
death rock, Sea Shanty e até techno.
“Essas verdades
“decidimos fazer básicas são uma
todo e qualquer Mitologia Matriarcal
tipo de música que mundial”
quiséssemos” Essas verdades básicas são uma Mito-
logia Matriarcal mundial: respeito pela
Eu faço o que gosto na minha música natureza (animais e também pela ter-
solo, sou mais ligada à música do que ra), respeito uns pelos outros (homens
ao estilo, se uma música ou letra me e mulheres juntos, nenhum está acima
comove, uma melodia ou riff que seja do outro), respeito pelos ancestrais e
realmente bom, eu sigo seu caminho pelos mais velhos e continuar o conhe-
até o estilo de música em que ela res- cimento que eles deram a você, soman-
pira melhor. do-se ao que você aprendeu, viva com
leveza e em harmonia com a Natureza.
Você cita várias tradições culturais e Seja honrado em sua palavra.
religiosas em seu trabalho. Quando
esse interesse começou? Meu caminho é o tanto que posso ser
(embora o ser humano tenha seus de-
Monica: Sempre me senti em des- feitos), prefiro meus dedos no solo,

28 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 29


Ouça alguns álbuns ENTREVISTA
citados nesse artigo
no link abaixo:
bit.ly/GS5_inter

sa, me xingando. Eu senti que a cena ração anterior Patti Smith / Talking frentes. Conte-nos um pouco sobre
punk tinha acabado pra mim depois Heads / Blondie / Père Ubu). Anafae, uma história em quadrinhos
disso. desenvolvida com James Neely.
Monica: Sim, início dos anos 80! Éra-
Comecei a fazer música mais melódi- mos os mais jovens, a galera artística Monica: Comecei a escrever pequenas
ca, pesada e obscura, saindo da cena de Washington DC não estava feliz histórias e contos desde a infância.
punk, algo mais experimental como as conosco, ha ha! Queria tanto ainda ter aqueles caderni-
coisas pós-punk. E por volta de 1987- nhos! Anafae é sobre a Mãe Natureza
O mais recente álbum, de 2019
1989, com o Strange Boutique, vi a
cena mudar ao meu redor, e foi mara-
“Eu senti que manifestando-se em forma humana e
caminhando pela terra depois que uma
vilhoso. a cena punk tinha grande praga destruiu tudo. O artista

Havia uma nova facção de fãs, garotas e


acabado pra mim Jim e eu levamos cinco anos apenas
para fazer a primeira edição.
garotos como eu - maquiados, mais so- depois disso”
nhadores, abertos ao nosso estilo. Eles Fizemos uma segunda edição, mas a
estavam bem vestidos, como o estilo Seus álbuns têm algumas versões própria vida atrapalhou e nunca a ter-
New Romantic. Eles sabiam todas as lindas que são livros encadernados; minamos. Meu marido Steve é um es-
letras. Pela primeira vez em anos, senti cada álbum é uma história? critor de quadrinhos e tem um talento
que eu estava sendo compreendida e tão grande para contar histórias atra-
apreciada. Embora a sociedade possa Monica: Sim, nem todo mundo quer vés dos quadrinhos. Com o que aprendi
tê-los considerado mais femininos, eu apenas baixar uma música, com cer- com ele, sinto que Anafae precisa ser
vi isso mais como uma transformação, teza. Tenho esperanças de que meus refeito e pensar mais antes de seguir
mais dramática e de mente aberta. álbuns sejam uma experiência comple- em frente!
ta, como os álbuns costumavam ser.
Posso ter problemas para traduzir Quando eu estava crescendo, eu os Você também tem um livro para
“hard dark music” em português comprava como uma peça integral, ou- colorir, como surgiu a ideia?
(risos). Por “hard”, aqui você quer vindo a música enquanto olhava a arte
dizer “hard rock” no estilo ou “difícil e lia as letras. Monica: Cat Carnell da brilhante revis-
e complexo”, ou ...? ta gótica clássica dos anos 90, Carpe
Nestes dias e época de gratificação Noctem, (você se lembra desta revis-
rodeado pela Natureza. E é assim que Você acredita que ao longo dos anos hiperfeminilidade, tanto simbólica Monica: Eu diria ambas as coisas - mais instantânea e downloads do tipo “Eu ta?). Ela estava publicando livros para
escrevo minha música, normalmente. seu trabalho tem crescido em direção quanto estética. Você acha que essa “hard” como no hard rock (em oposição quero tudo agora”, sinto a necessidade colorir e perguntou se eu faria um com
(Estou escrevendo meu novo álbum a uma consciência de uma simboliza- integração simbólica da feminilidade ao punk hardcore) e mais complexo do de voltar e lembrar a mim mesmo e aos ela. Meu estilo de arte sempre foi com
bem devagar, “Hiraeth, está tudo en- ção artística e estética mais feminina no grupo social gótico te atraiu, que a música punk também! fãs como os álbuns eram amados como contornos bem densos, então achei que
trelaçado com isso ...) / ying, buscando o equilíbrio, tanto de alguma forma? um todo... seria um bom desafio. Na verdade, foi
individual quanto socialmente? Era a cena punk-hardcore do início muito terapêutico desenhá-los e, em
Faith and the Muse oscilava Monica: Bem, eu vim em tudo isso en- dos anos 80, certo? (não mais a ge- Você tem obras de arte em várias seguida, colori-los para que eu pudes-
harmoniosamente entre um lado Monica: Sempre tive essa consciência, quanto era novo, então tudo esteve ao
étnico ou mais suave e um outro e foi como um segredo sobre o qual meu lado no meu caminho, com minha
lado de rock mais agressivo. tive que sussurrar por muitos anos - música sendo chamada de “Doom and
Como foi esse processo de trabalho que havia um desequilíbrio em tudo, Gloom” antes do termo gótico apare-
criativo com William Faith? que nós, como sociedade humana, es- cer! Mas eu comecei na cena punk, e
távamos saindo do controle. Isso está o gótico veio dessa subcultura. Como
Monica: Você sabe, minha música no se tornando mais reconhecido agora, uma mulher cantora na cena punk,
Strange Boutique se chamava “Doom e eu tive uma ótima conversa com um foi muito difícil. Comecei em 1981.
and Gloom” antes do termo gótico fã que conhece minha música desde os
aparecer. Na época em que conheci anos 80. “Monica, você cantava sobre Conforme a cena punk crescia, uma
William, eu estava com muita vonta- isso o tempo todo!” ele me disse. facção de estranhos apareceu. Eram
FOTOS: DIVULGAÇÃO

de de criar diferentes tipos de música apenas caras que viam punks e skinhe-
e deixar o formato de ‘banda de rock’. Dunja Brill, em seu livro “Cultura ads em filmes e em artigos e vinham
William foi um grande parceiro musi- Gótica: Gênero, Sexualidade e Estilo” em busca de brigas. Houve uma noite
cal, que levou minhas ideias e minha considerou que a Cultura Gótica horrível em que um grupo deles gritou The Eden House
escrita a sério. se caracteriza por uma espécie de comigo, me dizendo para tirar a cami-

30 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 31


FOTOS: DIVULGAÇÃO
A versão livro

FOTOS: DIVULGAÇÃO/SIM
ilustrado do CD
“Naiades”

DISCOGRAFIA BÁSICA

FAITH AND THE MUSE:


Monica: Steve Carey me abordou após toda insanidade online. Nossos cére- -Elyria (1994)
um show de F&TM em Londres nos bros e emoções humanas não foram -Annwyn, Beneath
anos 90 e perguntou se eu estaria inte- feitos para todo esse estresse e luta. The Waves (1996)
- Evidence Of Heaven (1999)
Por mais diferentes que possamos ser
“somos todos considerados, somos todos pratica-
-The Burning Season (2003)
-Ankoku Butoh (2009)
praticamente iguais, mente iguais, mas céus de cores dife-
rentes nos são mostrados por aqueles
se verificar as linhas. Foi um grande
projeto para aquele ano.
À medida que nossa ideia evoluía ape-
nas com Steve tocando violão, come-
Mas Anthony teve algumas ideias ma-
ravilhosas sobre colocar algumas das
mas céus de cores que lucram com nossas divisões. Mas MONICA RICHARDS:
çamos a conversar sobre realmente ter minhas músicas juntas com as dele diferentes nos são existem milhares que estão trabalhan-
do duro em soluções positivas para
-InfraWarrior (2006)
Como tem sido o trabalho recente de -Naiades (2012)
relembrar o Strange Boutique?
toda a banda se apresentando, e foi
quando Dennis Kane foi trazido para
para apresentações ao vivo, então a
ideia partiu daí. Amo trabalhar com
mostrados por o futuro da humanidade, e devemos
-Kindred (2013)
tocar as partes de Fred, e então Rand música com Anthony, e o álbum “Aes- aqueles que olhar para eles, não apenas para os
pontos negativos que são atirados con-
Monica: Depois que nosso guitarrista, tuarium” é a realização perfeita de
Fred ‘Freak” Smith foi morto em 2017,
voltou a tocar bateria. Já se passaram
15 anos desde que tocamos! Fala-se da nossa parceria.
lucram com nossas tra nós o tempo todo. MONICA RICHARDS
Steve e eu tivemos uma série de con- possibilidade de fazer outro show em divisões” and ANTONY JONES:
Estamos lidando com o aumento dos -Aestuarium (2019)
versas diretas lembrando nossos tem- DC no futuro, várias pessoas não pu- Podemos esperar novas músicas
eventos climáticos, que mudarão cada
pos com Fred e o Strange Boutique. deram comparecer e gostariam de ter a suas em breve? ressada em fazer uma música para uma
vez mais nossas maneiras de viver, e
Isso abriu um diálogo sobre a possi- chance de nos ver... veremos no futuro. banda que ele e Tony Pettit estavam
somos uma espécie muito adaptável
STRANGE BOUTIQUE:
bilidade de fazer um show em DC em Monica: Não neste momento, tenho montando. Eu disse a ele, ‘mande-me - The Loved One (1991)
em nosso centro, apesar da insanida-
memória de Fred. No ano passado vocês lançaram mais trabalhado em outros projetos, in- a música e vou ver se é algo para que
de que ocorre na superfície. Temos a -Charm (1993)
um álbum lindo, com Anthony Jones, cluindo a trilha sonora de um filme eu possa cantar”. Alguns anos depois,
como foi esse trabalho e como e um documentário dirigido por Juliet eles enviaram a música “To Believe in
capacidade de mudar nossos compor- -The Kindest Worlds (1994)
tamentos. Eu tenho um site sobre meu
começou essa parceria artística? Landau. O documentário se chama sé- Something” e eu percebi que era sim-
trabalho em Permacultura:
rie The Undead (mais informações no plesmente brilhante. Então eu fiz a mú-
Monica: Conheço Anthony há mui- nosso link de textos extras). sica e foi incrível. Então, alguns anos
infrawarrior.com
tos anos por meio da cena e o admiro atrás, eles perguntaram se eu cantaria
muito como artista. O estilo dele e o E o filme se chama “A Place Among no novo álbum, eu disse a eles, é claro,
que vai em encontrar minha maneira
meu são semelhantes no estilo Worl- the Dead” (Um Lugar Entre os Mor- e eles enviaram músicas incríveis!
de trabalhar com minha terra deserta
d-music e eletro-tribal do One-Heart. tos), é uma espiral estranha, onírica e
para viver em harmonia com a natu-
Ele entrou em contato comigo sobre infernal de uma mulher sendo assom- Neste mundo polarizado de 2020,
reza. Quando você estiver se sentindo
fazer um show alguns anos atrás, em brada por um vampiro. Ela espera es- que mensagem você gostaria de
desanimado, olhe para as pessoas da
um momento em que eu não estava re- trear em breve! deixar?
Permacultura; há tantas pessoas traba-
almente interessado em me apresentar
lhando em todo o mundo de maneira
ao vivo. Você também participou do super- Monica: Este ano tem sido bizarro,
positiva. O caminho em si pode ser
grupo The Eden House. Como foi o com certeza ... e essa pandemia real-
o meio, não onde termina, mas como
encontro com esses artistas e como mente acabou com todos, não apenas
você vive, se isso faz sentido.
O livro de colorir tem sido o trabalho? fisicamente para aqueles que a pega-
criado por Monica ram, mas também emocionalmente de

32 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 33


Ouça alguns álbuns ENTREVISTA
citados nesse artigo
Jyrki Witch, no link abaixo:
vocalista da banda
bit.ly/GS5_inter
Two Witches

Conversamos com Jyrki Witch, Miss Blueberry


e Marko Hautamäki da banda finlandesa Two Witches,
referência do estilo Gothic Rock desde os anos 80, que continua
em intensa atividade criativa e tocaram no Brasil em 2019
Lämmin veri pulppusi Irenen suuhun niin
nopeasti, ettei hän ehtinyt niellä kaikkea,
Adoro
vaan osa a valui
maneira como
pitkin hänen vocêVeren
kasvojaan. descreve ches, hoje conhecido pelo Lacrimosa).
huumaamana
o estilo de Two hän oli samalla
Witches raastanut tytön “rock
como Então Anne e eu abrimos uma loja

J. Witch
kasvot ja rinnat pisaroiville naarmuille.
gótico puro e desavergonhado”. de roupas e discos góticos chamada
É uma declaração
Unien valtiatar ousada e corajosa
on pääosin nykyaikaan Darklands e logo depois abrimos uma
sijoittuva, vahvasti eroottissävyinen ja
emrokkipitoinen
uma cena conhecida
kertomus naispuolisesta pela estraté- gravadora com o mesmo nome.
vampyyristä ja miehistä hänen ympäril-
gialään.estranha
Tarinan kertoja “Ardil 22” que sempre
elää unelmaansa

Unien valtiatar
rokkistarana, Noitarovion basistina, kun
diztapaa
“Eu sou tão gótico
valtiatta- que não sou Virei DJ de rádio em uma estação de
entrevista com
keikkareissulla uniensa
ren. Siitä hetkestä eteenpäin uusi ihastus
päättäägótico”. Então,
joka tanssissa sekä parabéns!
rytmin että rádio local, tinha meu próprio progra-
sävellajin. Irene on vuosisatoja vanha
Você não acredita
vampyyri, joka on sopeutunut nyky- que precisamos ma noturno de música gótica. Fundei

T ITCHES
aikaan paremmin kuin moni kohtalo-
mais desse “orgulho do rock gótico” pequenos fanzines e lancei álbuns

WO
toverinsa. Kumppanit ja identiteetit
vaihtuvat ajan kuluessa, ainoastaan
na cena
verenjano on pysyvä olotila.
gótica? para bandas locais e também agendei
J. Witch on tamperelainen musiikkimies
shows para eles. Também organizei um
Jyrki: Acho que
ja goottikulttuurin seria Hänet
monitoimikone. bom para a cre-
tunnetaan DJ:nä, tapahtumajärjestäjänä,
pequeno festival gótico duas vezes no

W
dibilidade
toimittajana jade toda a cena
Two Witches-yhtyeen
lusolistina. Unien valtiatar on hänen
lau- se as bandas final dos anos 80, mas a hora estava
tivessem orgulho de sua própria cena e
esikoisromaaninsa. errada e tive que esperar mais de dez
apoiassem sua própria ideia.
ISBN 978-952-7325-02-5
anos pela próxima tentativa com o fes-
KK031
84.2
Capa do tival gótico, até que no início dos anos
Para ser honesto, eu nunca enten-
kuoriaiskirjat.fi
aavetaajuus.fi livro de 2000 eu formulei a ideia do Lumous
Kannen valokuva: Sakari Karipuro
di porque tantas ISBN
9 789527 325025 bandas góticas têm Jyrki Witch Gothic Festival.
por Kipper
978-952-7325-02-5

vergonha disso. Assim como eu não


entendo porque os fãs parecem seguir Que é o maior festival gótico da
exatamente aquelas bandas que negam que muitas bandas claramente góticas Finlândia (Lumous Gothic Festival).
ser góticas. Tenho orgulho do fato de não consigam admitir, só porque agora Há quanto tempo você o organiza
que tocamos rock gótico, quer os ou- não é popular admitir. como é esse trabalho se
tros gostem ou não. Pelo menos não desenvolveu desde o início?
mentimos para ser nada além do que Quando vocês começaram, havia
somos, pura e desavergonhadamente uma “cena gótica” na Finlândia, Jyrki: O Lumous completou 20 anos
uma banda gótica. como a entendemos agora? Existiam neste verão e ao mesmo tempo foi
bandas, gravadoras ou revistas? também o último capítulo na história
Marko: Rock gótico puro e desavergo- do festival.
nhado é o que fazemos. É apenas uma Jyrki: Não havia muitas bandas seme-
maneira muito precisa de descrever lhantes naquela época. Conhecíamos o Ninguém havia organizado um festi-
nosso som. Um pouco mais de “orgu- pessoal da banda eletrônica Advanced val gótico de quatro dias na Finlândia
lho do rock gótico” certamente seria Art, que também moravam na área de antes de nós. Em 20 anos, trouxemos
bom para a cena, mas apenas se estiver Tampere. Porém, logo conhecemos a mais de 100 artistas estrangeiros para
realmente em sincronia com seus gos- banda gótica Russian Love que veio do a Finlândia e um total de cerca de 200
norte da Finlândia.

G
tos musicais e personalidade. bandas foram vistas se apresentando.

OTHIC ROCK Rótulos são necessários para falar so-


bre qualquer coisa, mas quando um ró-
Na verdade, não decidimos montar ne-
nhuma cena, ela apenas se formou ao
nosso redor. O primeiro movimento foi
Mas pessoalmente, as bandas não fo-
ram o principal motivo para a orga-
nização do festival, mas sim ser algo

S
tulo se torna um propósito em si mes-
mo, torna-se problemático. Siga seu começar a organizar o primeiro clube para as pessoas: um período de quatro

EM MEDO DE SERFELIZ
FOTO: DILAN BAL

próprio caminho. Se esse caminho for gótico, Black Celebration, em nossa dias para encontrar amigos afins, fa-
gótico, bom, se não, também é bom. cidade natal junto com Jana da banda zer novos amigos, companheiros, par-
Advanced Art e Anne Nurmi (naquela ceiros sociais, criar novas bandas e se
MissB: Eu acho que é uma vergonha época ela era tecladista do Two Wit- divertir com os amigos. É por isso que

34 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 35


FOTO: TOMI VITIKAINEN

FOTO: PERTTI YLINEN


não havia nenhuma banda gótica assim
na Finlândia naquela época, então deci- -up comigo. Era também uma banda
dimos formar nossa própria banda. de formato, todas as canções eram
histórias sobre diferentes formas de
Nenhum de nós era um músico muito sexualidade, do bdsm ao groupsex.
bom, mas com a tática de “tentativa
e erro”, terminamos as primeiras mú- Fizemos dois álbuns, Seducer (2002) e
sicas. Então nós imediatamente agen- Innocence.Lost (2008), e dois EPs. Es-
damos os primeiros shows e o estúdio távamos tocando pela Europa, mas os
para gravar as primeiras produções. outros estavam ocupados demais com
Logo percebemos que não tínhamos seus outros projetos. Então, eu conti-
mercado para nós mesmos na Finlân- nuei no mesmo formato como uma du-
dia, então começamos a fazer turnês pla chamada Jyrki Witch & Zynthexia,
por toda a Europa. nós também fizemos turnês mas desde
que Zynthexia deixou o Two Witches
era hora de continuar como um projeto
“Rock gótico solo. Eu fiz um mini-álbum solo “XXX
puro e Rated” (10 “vinil) alguns anos atrás
com os mesmos temas líricos.
desavergonhado
é o que fazemos” “acho que os
Fizemos nossas primeiras turnês via- públicos
jando nos trens noturnos e dormimos eletroindustrial
nas casas ocupadas, nos fundos das
casas de show e nos parques. Carrega- e gótico se
mos tudo o que precisávamos, desde mance de vampiros que foi lançado na dade de estilos musicais, mas o som misturam bem”
tivemos diferentes atrações, como sau- MissB: Entrei no Lumous Gothic Fes- os instrumentos até nossos pertences Finlândia no ano passado e talvez isso de Two Witches está firmemente en-
na, filmes, exposições, Dark Market, tival há 16 anos, inicialmente como vo- pessoais em mochilas e malas de cida- tenha me inspirado, depois de muito raizado no passado, presente e futuro Essa é apenas minha opinião, mas
piqueniques, cruzeiro no lago, apre- luntária e gradualmente como uma das de em cidade. O mais importante era tempo, a escrever algum novo texto do rock gótico. A parte do futuro ain- acho que o rock electro-industrial e o
sentações, lançamento de livros, etc. organizadoras. Durante esse tempo, tocar para o público. com temática de vampiros. A última da está mudando, mas estamos traba- gótico se encaixam melhor do que o
em todos os dias do evento. tive a chance de ver o crescimento do vez que escrevi sobre o mesmo assun- lhando nisso ;) rock gótico e o metal.
festival, se tornando um evento maior, Não conseguíamos tocar as músicas to foi no final dos anos 90.
Quando começamos, era um evento e a mudança do público à medida que de outras pessoas, então tivemos que Você fez turnês como Jyrki Witch & Marko: Em relação à mistura de públi-
bem pequeno, mas com o passar dos novos chegavam e, ao mesmo tempo, fazer nossas próprias músicas. Pelo Meu material solo continua nos mes- Zynthexia, com um estilo diferente. cos, acho que os públicos eletroindus-
anos a demanda do público cresceu e os mais antigos o deixavam. mesmo motivo, nunca pensamos que mos temas do SinMasters; fetiches O SinMasters, que você gravou um trial e gótico se misturam bem, pelo
cresceu e no final tínhamos artistas éramos melhores ou piores do que sexuais, bdsm, sexo em grupo, escra- ótimo álbum há alguns anos, menos na maior parte da Europa. Es-
estrangeiros em sua maioria e a cada O Two Witches existe desde os anos qualquer outra banda, éramos apenas vidão, shibari, fantasias, etc. também é mais eletro-industrial. pecialmente na Finlândia, ambas as ce-
ano um evento maior. O problema era 80, primeiro como “Noidat” (“bruxa” nós, o Two Witches. Pode falar sobre esses projetos? nas são tão pequenas em números que
que fazíamos tudo com um grupo de em finlandês, tanto para homens Marko: Tenho alguns projetos parale- Como é uma experiência diferente separadamente não aconteceria muito.
poucas pessoas e tudo feito de forma quanto mulheres). Você comentou Na música atual de Two Witches, los ativos. Chaos Research é uma du- de produzir essa música e se Portanto, é lógico combinar forças
totalmente voluntária. que, naquela época, como não havia quais influências musicais você vê pla neoclássica de darkwave liderada relacionar com o público? para que ambos os grupos possam se
uma banda de rock gótico na Finlân- predominar? E quanto aos seus por mulheres e nosso quinto álbum Você acha que os públicos de beneficiar.
Infelizmente, a organização do fes- dia para seguir, então vocês tiveram projetos paralelos? “Ravens” foi lançado pela Deepland electro-industrial e de rock gótico
tival começou a tomar muito tempo, que criar uma. Naquela época, quais Records em março. Por causa da si- se misturam bem? Embora nem todo mundo goste da mú-
principalmente porque comecei a ficar bandas te faziam pensar: Jyrki: Nas letras do Two Witches, tal- tuação do corona, descobri que tinha sica dos outros grupos, geralmente não
tão ocupado com o trabalho que não “Eu quero ser tão incrível quanto vez a própria vida tenha causado o algum tempo extra em minhas mãos, Jyrki: O SinMasters esteve ativo entre há uma aversão muito forte que cause
conseguia mais focar em administrar o X ou Y, ou melhor”? maior impacto. Política mundial, me- então também comecei um novo pro- 1999-2009, tanto no palco quanto no dificuldades. Aqui, dark ambient, ne-
festival como um hobby. dos e desejos das pessoas, pensamen- jeto darksynth chamado Warlock Me- estúdio. Era uma espécie de “supergru- ofolk, darkwave, gothic rock, ebm e
Jyrki: De fato, com Anne Nurmi, éra- tos em sua mente, desejos, amor e mui- gaton. Até agora, existem poucos EPs po” na Finlândia. Havia, por exemplo, industrial são praticamente um só gru-
Mas temos orgulho de que por 20 anos mos feitos para ser fãs de alguma ban- tas outras coisas. Claro, as influências digitais lançados. Ambos irão lançar Jan Yrlund (ex-Lacrimosa), Toby (ex- po. De certa forma, as bandas se be-
a Finlândia teve sua própria versão pe- da, acompanhando a banda aos shows, também vêm de arte, livros, filmes... algo mais durante 2020 ainda. Quanto -Love Like Blood, ex-Two Witches), neficiam criativamente de uma ampla
quena do WGT. apoiando-os e assim por diante. Mas Eu escrevi meu primeiro livro, um ro- às influências, tento ouvir uma varie- Timv (Harmony Garden), etc. no line- gama de influências. Por outro lado, o

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FOTOS DESTA MATÉRIA: CHRONOS IMAGENS

FOTO: TOMI VITIKAINEN


FOTO: STUDIO WOLMARI
público de qualquer nicho específico é escolhemos os melhores momentos camos surpresos com a subida ao pal- Wave Gotik Treffen (você tocou Jyrki: O casamento foi muito só nos-
muito pequeno. tecnicamente das gravações. Marko co tão tarde, pois todos na Finlândia duas vezes no WGT certo?). Isso in- “toda a cena so, não falamos sobre isso com ante-
fez um bom trabalho limpando os ruí- já teriam ido para casa. Mas no Brasil, fluenciou a banda de alguma forma? realmente não cedência, exceto para o nosso guitar-
O álbum do show de vocês 2019 no dos extras e masterizando o álbum. a multidão continuou festejando até Como você vê essas tendências do
Deepland Festival 2019, aqui no Bra- de manhã e em um clima alto-astral final dos anos 80 e ao longo tomou forma até rista Marko e uma das amigas do pole
dance da Miss Blueberry. Esses dois
sil, está sendo lançado agora. Temos Também queríamos compartilhar com e animado. dos anos 90? os anos 90” também foram testemunhas da ceri-
orgulho disso, poucas bandas valori- os fãs as memórias de toda a nossa vi- mônia. Nós nem contamos para nossos
zam shows aqui dessa forma. Como sita ao Brasil. É por isso que também Como foi a experiência quando Jyrki: “Requiem” foi uma daquelas (*nota: “disco de ouro” premiação parentes ou outros músicos da banda.
foi a experiência desde o festival em adicionamos algumas fotos turísticas vocês se tornaram uma banda canções influenciadas pela onda góti- dada para artistas que vendem muito)
si até ver o álbum pronto? tradicionais ao encarte. “internacional”, saindo em turnê ca alemã dos anos 90. Mas, por outro Não pertencemos a nenhuma igreja
por outros países da Europa? lado, toda a banda vivia em um estado Quais foram os maiores festivais nem realizamos cerimônia de casa-
Jyrki: A ideia para o álbum ao vivo Marko: Nós apreciamos imensamen- de mudança ao mesmo tempo e tanto em que você se apresentou? mento em uma igreja. Após a cerimô-
veio logo no início do planejamento te toda a parte sul-americana da nos- Jyrki: Nós realmente nem pensamos as habilidades de tocar quanto o pró- nia fomos para uma lanchonete local
da turnê. Da mesma forma, a decisão sa turnê de 2019. Ficamos honrados sobre a coisa toda naquela época. Em prio estilo da banda estavam em cons- Jyrki: Temos tocado em muitos festi- com alguns amigos, em seguida, direto
de gravar especificamente o show em em tocar no festival Deepland, então uma idade jovem, parece que o mundo tante evolução. E, claro, o WGT tam- vais esses anos. WGT é muito impor- para o aeroporto e lua de mel para o
São Paulo. Já estivemos em shows na foi apropriado lançarmos algo desse inteiro está aberto. Nós apenas parti- bém contribuiu para o fato de termos tante e grande, é claro. A primeira vez Japão. Só então anunciamos publica-
América Latina várias vezes e todas as show. Gravamos o som direto da mesa mos para ver o que seria encontrado estabelecido nosso próprio festival, o tocamos em Agra (palco principal do mente que éramos casados. Portanto,
viagens foram ótimas. de mixagem e também em gravadores fora da Finlândia. E ainda estamos na Lumous, na Finlândia. WGT) e a segunda vez em Felsenkeller. sem confusão, despedidas de solteiro,
portáteis. mesma jornada. O principal motivo ajustes ou grande cerimônia. Casa-
É por isso que queríamos fazer um dis- para continuar a banda é tocar pelo Acho que a maior diferença é que toda Os outros que vale a pena mencionar mento e lua de mel, só isso. Ser casado
co ao vivo em gratidão por esses mo- Ao combiná-los, conseguimos ob- mundo e conhecer novos lugares e a cena realmente não tomou forma podem ser como Castle Party (Po- ajuda a administrar a banda e viajar
mentos. Pedimos o interesse da grava- ter um material ao vivo com um som pessoas. até os anos 90. Sim, nos anos 80 hou- lônia), Whitby (Reino Unido), Invo- juntos, nós dois sabemos por que es-
dora em lançar o disco e exploramos muito bom. Misturei tudo durante os ve algumas bandas realmente grandes cation (Reino Unido), Herbstnächte tamos fazendo isso. É mais fácil fazer
a possibilidade de gravar o show da meses de inverno e acho que o resul- No início dos anos 90 você que chegaram às paradas e ganharam (Alemanha), Carnival of Souls (Reino tudo com sua alma gêmea.
mesa de mixagem. tado final é muito bom. Somos princi- fez uma turnê pela Europa. “disco de ouro”* em alguns países em Unido), Kunigunda Lunaria (Lituânia),
palmente uma banda ao vivo e acho Foi um momento em que houve grandes gravadoras, mas foi na década Sunset Park (Suécia), mas existem MissB: O evento foi pequeno, mas ca-
O festival foi ótimo, encontramos que isso realmente transparece neste uma nova “onda” da Alemanha de 90 que surgiram muitas pequenas muitos outros também. loroso, havia apenas as pessoas que
muitos novos e velhos amigos e tam- álbum. normalmente chamada de “Neue gravadoras independentes, bandas or- eram mais importantes para nós. Exa-
bém o show correu bem. Depois de co- Deutsche Todeskunst”, ganizaram shows entre si e muito de Como foi a experiência de se tornar tamente do jeito que nós dois quería-
locarmos o material em nossas mãos, MissB: Do ponto de vista finlandês, fi- e os primeiros festivais novos clubes surgiram. Sr. e Sra. Witch este ano? mos. Eu não tinha pensado em me ca-

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FOTO: DILAN BAL
Ao vivo é quando
a coisa esquenta!
Two Witches no
Castle Party

“A bruxa de hoje
é ser uma mulher
que não se curva
aos moldes que a Coletânea “...Put a Spell on You”
comunidade espera lançada em 2018 pelo selo brasileiro
de você” Deepland Records

aos moldes que a comunidade espera


de você. Ainda assim, pessoalmente,
DISCOGRAFIA BÁSICA
público me faz sentir muito bem. No
teatro, no entanto, aprendi a atuar com gosto de esticar esses limites. Também
Cartaz do festival Lumous é importante que todas as bruxas res- Álbuns:
“Sempre fui um naturalidade e gosto de estar no palco
e de aproveitar todo o palco. peitem a natureza.
“gótico de verão”. - Agony Of The Undead
Você pode me falar mais sobre
sar antes, mas agora parecia a solução Eu realmente odeio Parece que vocês gostam
do clima aqui no Brasil seu livro e sobre seus
Vampire Part II (1992)
- The Vampire’s Kiss (1993)
certa. o inverno finlandês, ou no México, não é? gostos literários?
- Phaeriemagick(1993)
Você teve todos os veículos e frio, neve e dias Jyrki: Sempre fui um “gótico de ve- Jyrki: Não deveria ser surpresa para - Bites (1995)
equipamentos da banda roubados cinzentos” rão”. Eu realmente odeio inverno fin- ninguém que meu primeiro livro foi - Eternal Passion (1999)
na turnê de 2002 e perdeu tudo. landês, frio, neve e dias cinzentos. Nas uma história contemporânea e cheia de - Goodevil (2014)
Como isso aconteceu e como foi Estávamos completamente sem dinhei- férias, a Miss Blueberry e eu costuma- sexo sobre uma banda de rock e uma
começar de novo do início? ro, a turnê foi forçada a ser cancelada mos ir a algum lugar onde é quente e mulher vampira. Resumindo, escre-
(exceto por dois shows acústicos feitos ensolarado, como a Ásia ou o sul da vi a história por cerca de um ano. Eu
Jyrki: Nós tínhamos agendado uma com guitarras emprestadas em Berlim) Europa. Eu adoraria estar na América encontrei a editora muito rapidamente
vampiros, a história, as biografias e a
Euro-tour de três semanas; Bélgica, e tudo teve que começar de novo. Latina com mais frequência, fazer tur- e obtive total liberdade artística. Pedi
fantasia são do meu agrado, mas tam-
Holanda, Alemanha e Finlândia. Está- nês e passar férias seria uma combina- à Miss Blueberry que posasse para a
bém leio muito mais. Terry Pratchett é
vamos a caminho do primeiro show Então acabamos nos mudando para ção perfeita. capa do livro e nossa amiga tirou as
meu maior favorito.
na Bélgica e dirigimos o dia todo pela Berlim com toda a banda, pois havia fotos.
Suécia e Dinamarca. mais shows e gravadoras mais próxi- Marko: Sem dúvida gostamos. Peru e A especialidade da senhorita Blue-
mas na Alemanha. De volta à estaca Chile também. Os invernos na Finlân- Como um dos personagens principais
berry é pole dance e acrobacias
Paramos para comer em Copenha- zero, enxugue as lágrimas e força em dia tendem a ser frios e irritantes, en- atua na banda e uma parte da história
aéreas. Por que pole dance?
gue, dirigimos até um estacionamento frete para novas decepções. tão é bom chegar a algum lugar quente é sobre as atividades da banda, é cla-
pago, trancamos o carro e partimos para variar. Pareceu-nos que alguns ro que tivemos que formar essa ban-
MissB.: Pratico pole dance desde 2012
em busca de um restaurante adequado. Soubemos que você teve uma ex- brasileiros estavam reclamando do da, chamada “Noitarovio” (significa
e ensino desde 2014. Também estou
Depois de comer, voltamos ao estacio- periência no teatro como cantor e calor. Nós estávamos completamente uma bruxa na fogueira em finlandês).
competindo, mas talvez eu goste ain-
namento e o carro tinha desaparecido. dançarino antes da banda… foi uma felizes com o clima. Marko compôs algumas músicas, eu
da mais de me apresentar e competir
formação importante? escrevi as letras e então Marko, Miss
principalmente porque isso traz obje-
Ao mesmo tempo, perdemos todos MissB.: Como são nove meses de frio e Blueberry e eu gravamos algumas mú-
tivos e motivação. Sempre adorei to- Formação:
os instrumentos musicais, mercado- Jyrki: Certamente isso também foi escuridão na Finlândia, aproveito cada sicas com o pseudônimo Noitarovio.
rias, faixas de apoio, roupas de per-
das as acrobacias e jogos e com esse - Jyrki Witch (vocais)
útil, aprendeu a se mover e respirar momento em que está quente. esporte você pode fazer muitas acro-
formance e a faixa de fundo do palco corretamente enquanto cantava, sabia Nós até tocamos um show (como ban- - Marko Hautamäki
bacias e aprender coisas novas sempre.
da banda, bem como, claro, todos os como fazer contato com o público e O que significa ser um “noidat” da de apoio para Two Witches) e o pri- (guitarras, programação),
itens pessoais para a viagem de três ajudou a usar a voz cantada na frente (bruxa/bruxo) do século 21 para meiro disco veio dentro do meu livro. - Miss Blueberry (teclados)
Jyrki: Esperamos estar de volta ao
semanas. do público. você? Por que valeria a pena ser Algumas dessas canções (como “De-
Brasil o mais rápido possível. Tomara
queimado hoje? epland”) também foram gravadas por
Além disso, o ônibus era meu, então Two Witches, mas com as novas letras
que não demore 22 anos novamente Músicos ao vivo:
O mais importante, porém, foi o fato desta vez.
a perda financeira geral foi grande. O de sempre ter gostado da presença MissB.: Nada ainda valeria a pena quei- em inglês. - Antti Hermanni (baixo)
seguro não substituiu nada para mim na frente do público. Eu gosto de me mar porque eu ainda quero ver e ex- Mordidas e beijos sangrentos para
- HayDee Sparks (guitarra)
porque “nada deve ser armazenado no apresentar no palco muito mais do que perimentar muito de tudo. A bruxa de Eu leio muito e muitos livros ao mes- - Alarik (bateria)
todos vocês.
carro.” fazer gravações no estúdio e um bom hoje é ser uma mulher que não se curva mo tempo. A literatura clássica sobre

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CLÁSSICOS LITERATURA
por Luciana Fátima

GÓTICOS Editora Clepsidra: ressuscitando


a tradição da
Literatura Gótica
mercado, os sócios decidiram então
partir para a nobre missão de resgatar
algumas dessas obras que orbitam os
imaginários gótico, romântico e deca-
No início do século XIX, quando da dentista – para deleite dos leitores.
criação das duas primeiras faculdades
de Direito no Brasil, não havia edito- Sua proposta editorial é a construção
ras ou livrarias por aqui, afinal, a taxa de um catálogo interligado, autorrefe-
de alfabetização entre a população era rente, com obras relacionadas, em uma
muito baixa. espécie de narrativa de como se desen-
volveu a literatura gótica mundial. Se
Os poucos leitores que existiam, se você leu o artigo Um verão negro (Go-
quisessem ler os grandes clássicos da thic Station #3), sabe sobre o famoso
literatura universal, tinham de impor- encontro na Villa Diodati.
tá-los da Europa – privilégio apenas de
uma elite abastada. Pois bem, praticamente todos os li-
vros envolvidos naquele evento estão
Em São Paulo especificamente, com a nos planos da editora: desde Fantas-
instalação da Academia de Direito no magoriana (contos que inspiraram Lord
Largo São Francisco, os estudantes Byron a propor que cada um escreves-
eram responsáveis pela disseminação se sua própria história de fantasma), sado. Caim, publicado em 1821, é um
de autores góticos e românticos, tra- passando por uma série de obras liga- poema dialogado, escrito, conforme
duzindo-os e fazendo-os circular pelos das a Frankenstein, até Lord Byron e o próprio autor: “no estilo metafísico
corredores da faculdade e nas repúbli- seu médico, John Polidori. de Manfredo e repleto de declarações
cas onde moravam. titânicas”. Byron sabia que esta obra
Estamos falando de diversas manifes- suscitaria discussões e geraria polêmi-
Para além da literatura britânica, fran- tações: drama, poesia, contos, roman- ca – razão pela qual manteve-se mais
cesa e alemã, um dos grandes ídolos ce, artes plásticas (livros ricamente discreto que o usual, durante sua rápi-
daquela época era o poeta inglês Lord ilustrados), teoria crítica, Penny Drea- da produção (sete semanas) –, mas ele
Byron – a quem os jovens emulavam. O dfuls, Bluebooks, ou seja, uma visão não imaginava o tamanho do escânda-
escritor José de Alencar afirmou, certa panorâmica, bastante aprofundada e lo que os questionamentos religiosos
feita: “todo estudante de alguma ima- abrangente, para enriquecer a relação constantes na obra causaria!
ginação queria ser um Byron, e tinha das pessoas com o Gótico. Veja algu-
por destino inexorável copiar ou tradu- mas das obras resgatadas pela Editora COLEÇÃO
zir o bardo inglês”. Sebo Clepsidra: IMAGINÁRIO GÓTICO:
parceria com Aetia Editorial
Com o passar do tempo, outros estilos COLEÇÃO
literários impuseram-se e o entusias- LORD BYRON O Aparicionista: das memórias
mo pela literatura gótica foi arrefecen- do conde de O**
do. Muito do interesse pela publicação De autoria do controverso bardo in-
desses autores se perdeu, deixando glês, já foram publicadas duas obras: O poeta, filósofo, médico e historiador
órfãos os apreciadores do gótico no Manfredo, poema dramático e Caim, Friedrich Schiller é autor de O Apari-
Brasil. um mistério. Manfredo é um dos mais cionista, reconhecidamente o primeiro
autobiográficos dentre os anti-heróis romance gótico alemão. Escrito entre
Foi pensando nisso que a Editora Sebo byronianos. Composto enquanto o au- 1787 e 1789, o livro – embora incom-
Clepsidra surgiu. Aberto no final de tor habitava a Villa Diodati, o livro ori- pleto – influenciou monstros sagrados,
2016 por três apaixonados pela subcul- ginalmente publicado em 1817, possui como Lord Byron, Matthew Gregory
FOTOS: DIVULGAÇÃO

tura gótica – Cid Vale Ferreira, Eduar- passagens que remetem à sua relação Lewis e Ann Radcliffe; além de seu
do Morpheus Affinito e Rogério Floyd incestuosa com a meia-irmã. estilo peculiar em lidar com mistérios
–, o Sebo Clepsidra imediatamente ter servido de modelo para a criação
se transformou em uma referência na É um poema dramático dividido em de detetives, como Auguste Dupin
região central de São Paulo. Perceben- três atos, no qual um mago procura (de Poe) e Sherlock Holmes (de Conan
do a carência dos clássicos góticos no expiação de crimes cometidos no pas- Doyle).

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Kinski com to). E, em parceria com a Editora Ex
Isabelle Adjani Machina, está prevista a publicação de
no filme de Contos clássicos de fantasmas, a mais
Werner Herzog, abrangente coletânea do gênero já pro-
1979 O vampiro: edição comemorativa duzida em língua portuguesa; e da Bi-
de 200 anos blioteca Lovecraftiana Fundamental
(Contos reunidos do mestre do horror
O conto escrito por John William Poli- cósmico e Mitologia lovecraftiana, a
dori, quando da competição proposta totalidade pelo horror).
por Lord Byron na Villa Diodati para
que escrevessem contos de fantasma, E se você pensa que isso é tudo, en-
inesperadamente teve um impacto tão gana-se! A editora promete ainda pu-
significativo que veio a inaugurar a blicar os autores nacionais, na Coleção
prosa vampírica britânica. Epicureia. Se os estudantes daquela
Academia de Direito lá do século XIX
Publicado em 1819, O Vampiro apre- pudessem ver isso tudo, eles certa-
senta uma espécie de caricatura do mente ficariam muito felizes. E você,
bardo inglês, que chegou a ser conside- caso queira deleitar-se com essas e ou-
rado o autor da história, mas se apres- tras publicações, acesse: JOY DIVISION - Closer: testamento musical
sou a desfazer a confusão: “Eu tenho www.seboclepsidra.com.br de Arlindo Gonçalves
uma aversão pessoal a ‘vampiros’ e a
pouca familiarização que tenho com Zona leste de São Paulo, 1986. Em plena fase de abertura política, que marcou
eles não me induziria, de forma algu- a transição do regime ditatorial para a democracia, o autor deste livro compa-
ma, a divulgar seus segredos”. Esta rece ao show da banda pós-punk Siouxsie & the Banshees. Seria seu primeiro
Com a instigante narrativa do Conde edição celebra o bicentenário da obra concerto internacional. Dez anos antes, em Manchester, norte da Inglaterra, são
de O**, acompanhamos as aventuras com uma miríade de textos relaciona- realizados dois shows dos Sex Pistols, no Lesser Free Trade Hall.
do Príncipe de** pelos canais de uma dos a ela, como: cartas, trechos de di-
Veneza fantástica; e, na segunda parte, ários, resenhas, narrativas relacionadas Esses fatos são, aqui, preservadas as devidas proporções, descritos como saltos
suas desventuras, contadas pelas car- – tanto no drama quanto na ficção –, de liberdade, momentos em que somos inspirados a fazer coisas ligadas à cria-
tas do Barão de F** ao Conde. Um óti- além de uma belíssima galeria de ima- ção intelectual e artística, como forma de ampliar horizontes. Em Manchester,
mo artifício que, com a interrupção das gens. a partir daqueles shows, surgem diversas bandas. No Brasil, após a vinda dos
cartas, deixa o final em aberto. Banshees, outros grupos internacionais da mesma estirpe passam a vir tocar
O RESGATE DOS CLÁSSICOS no país. Ganha fôlego, então, toda uma cena underground nacional, que, se já
O Necromante: uma história existia, torna-se mais notória.
fantástica de fontes A Editora Sebo Clepsidra pretende não Luciana Fátima e Arlindo Gonçalves
orais e escritas apenas resgatar os clássicos inéditos são colaboradores da revista Gothic Tendo como ponto de partida esses dois momentos, o fotógrafo e escritor Arlin-
da literatura gótica com tradução di- Station. Ela é pesquisadora da vida e do Gonçalves repassa a trajetória da banda Joy Division, com especial atenção
Publicado pela primeira vez em 1794, reta para o português brasileiro, como obra do poeta Álvares de Azevedo. à criação do segundo álbum do grupo, Closer, o preferido do autor. Por meio de
o livro de Lorenz Flammenberg – em também produzir edições elegantes, Ele publicou duas biografias afetivas um conteúdo que mistura ensaios históricos, ficção, relatos de processos criati-
complementação ao de Schiller – teria com capa dura, belas ilustrações, além sobre a banda Joy Division. Juntos, vos, fotografias e ilustrações, somos apresentados a narrativas inspiradas pelo
sido escrito apenas para entretenimen- de prefácio, posfácio e notas escritos eles possuem vários projetos literários disco de Ian Curtis & Cia.
to dos leitores. Isso é o que o autor por especialistas. e fotográficos. Pela Editora Sebo Clep-
sugere nas primeiras páginas; aconte- sidra, os autores lançaram Ad Infini- As emoções íntimas que afloram da audição de cada faixa de Closer invocam o
ce que a obra acabou se consolidando Entre as publicações que não estão li- Ainda dentro da proposta de um catá- tum: réquiem para Álvares de Azeve- drama de um jovem que sofre pelo desemprego crônico, pela falta de perspecti-
como um marco do romance gótico gadas a nenhuma coleção específica, logo interligado, há O Corvo, de Edgar do e Ian Curtis, uma ficção insólita vas, pelo isolamento e pela perda de sentido de sua existência. Essa história real
alemão, tendo sido até mencionada está Hinos à noite, de Novalis – des- Allan Poe, com tradução de Machado em que o poeta brasileiro e o músico inspira a construção de personagens como dona Joana, uma velha alcóolatra,
por Jane Austen, em A Abadia de Nor- tacando-se na aurora do Romantismo de Assis e gravuras de Gustave Doré; inglês encontram-se no além-vida para verdadeira rocha que chora a ausência de um filho executado numa chacina e o
thanger. alemão como uma amálgama de versos A vida e os amores de Edgar Allan conversar sobre amor, morte e poesia. casal de artistas fracassados, Tânia e Marcos.
e prosa poética que viria a influenciar Poe, uma HQ biográfica com arte de Seus diálogos regados a vinho são
O necromante do título é o misterioso enormemente a poesia que se produ- Eduardo Schloesser e roteiro de R. F. constantemente atravessados pelas Os textos, organizados e expostos por Arlindo, e conectados ao retros-
Volkert, que teria o poder de evocar os ziria no Ultrarromantismo brasileiro, Lucchetti; e, de autoria deste último, memórias de ambos, momentos nos pecto biográfico do Joy Division, servem como um exercício estético de ovacio-
mortos, e segue aparecendo aqui e ali, com temas ligados à noite, à melanco- Poemas de Vampiros. quais o fã de ambos deleita-se com nar Closer em seus 40 anos. Com drama e tom pesado, e também com humor
ao longo das narrativas, que são entre- lia e à morte; e também Ad Infinitum: as inúmeras referências a suas obras decadente e autodepreciativo – marcas de estilo do autor –, o disco é celebrado
laçadas – ora em relatos de viagens, ora réquiem para Álvares de Azevedo e Algumas obras tiveram campanhas e biografias. Para saber mais sobre o – não como uma peça mórbida, simples culto ao suicídio de Ian Curtis a inspirar
em escritos deixados por personagens Ian Curtis, ficção em que os dois poe- de financiamento coletivo muito bem- trabalho dos dois autores, acesse no outros a fazerem o mesmo –, mas como uma obra-prima que valoriza o aprendi-
envolvidos em casos de assombrações, tas encontram-se em uma taverna-fan- -sucedidas no site Catarse e estão em facebook/: zado pela compreensão dos grandes dramas individuais e coletivos; um triunfo
assaltos, duelos, assassinatos – com as tasma para discutir sobre vida, morte fase de finalização, como Varney, o /AlvaresdeAzevedoPoeta da vontade inspirada pela arte para superar as perdas e o sofrimento humano.
aparições do velho feiticeiro, que traz e poesia [vide box]. Em Frankenstein vampiro (Coleção Clássicos dos Penny ou
uma solução sobrenatural para proble- 200, doze quadrinistas ressignificam o Dreadfuls) e Presunção, ou a sina de /JoyDivision.InAeternum. Ian Curtis previu que o disco seria um fracasso. Felizmente, ele estava errado.
mas mundanos. clássico escrito por Mary Shelley. Frankenstein (Coleção Teatro Insóli-

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FOTOS: DIVULGAÇÃO
CHOQUE, Descubro que as únicas ocasiões em

FOTO: ADRIANA BIANCHEDI


que estou totalmente imerso na músi-
ca são quando estou em um carro ou

DESBUNDE
fazendo algum tipo de atividade pre-
dominantemente manual que mantém
minhas faculdades estéticas e informa-
tivas bem abertas. Então, quando es-
tou cozinhando, é uma boa hora para

& RETRÔ
ouvir música.

“Hoje em dia,
‘underground’
entrevista com realmente significa
SIMON REYNOLDS ‘nicho de mercado’
- é mais como uma Simon Reynolds
boutique ou
O jornalista e crítico musical inglês Simon Reynolds tem algum tipo de
pesquisado e escrito sobre música há decadas, desenvolvendo artesanato” Acho que o streaming corrompeu O que a oposição mainstream vs. un-
uma teoria musical crítica abrangente em vários livros sobre O conceito de “álbum”
minha audição, ou pelo menos enfra-
queceu minha capacidade de ouvir o
derground significa neste contexto do
século 21?
os mais diversos movimentos musicais da história. sobreviverá ao streaming? álbum como um todo coerente. Enfra-
queceu meu desejo de fazer isso. Parece ter se tornado sem sentido, mas
Parece sobreviver como uma espécie ainda parece significar para algumas
A última década trouxe a consoli- e por nada, ou muito pouco, se você me levantar e procurar por uma peça de escuta educada e adquirida, algo Na verdade, desenvolvi uma espécie pessoas e elas permanecem apegadas
dação do streaming como forma de se inscrever. musical de forma sólida e me dar ao que você deve cultivar. As pessoas de aversão às “Obras-primas”. Eu li a ele. Certamente, a ideia de “música
as pessoas ouvirem e aprenderem trabalho de colocá-la em uma máquina continuam a fazer álbuns que preten- pessoas falando sobre a grandeza de que poucas pessoas conhecem, e eu
sobre música, enfraquecendo os DJs No entanto, é possível que a própria de reprodução. dem ser afirmações musicais coeren- um álbum de Kendrick Lamar ou LP de sou uma delas” ainda tem um apelo
e fazendo as bandas buscarem novas facilidade e a sobrecarga de opções tes, com temas e tracklists cuidadosa- Janelle Monae ou, mais recentemente, para aqueles que valorizam a ideia de
estratégias. Apesar de uma recente se tornem pouco atraentes - ou que as Mas tem um efeito insidioso de trans- mente sequenciadas - e uma minoria seria Lana Del Rey e Fiona Apple. individualidade e não sendo conduzi-
“vingança analógica”, com o ressurgi- pessoas descubram que isso está ma- formar todas as músicas em música de de ouvintes aprende a ouvir assim, dos pelo marketing, mas encontrando
mento do vinil em segmentos especí- tando seu amor pela música, ao tor- fundo. E eu nem mesmo uso os algo- como se em algum tipo de viagem no Esses discos são celebrados nessa lin- seu próprio caminho através da músi-
ficos e publicações especializadas em ná-la menos especial - como um mero ritmos que preveem o seu gosto e es- tempo de volta aos anos 1970. guagem crítica antiquada do álbum ca.
papel. Podemos fazer previsões utilitário, como água ou eletricidade. colhem as coisas para você. Eu conti-
como obra-prima, totalmente temática
sobre o futuro próximo do nuo exercitando minha habilidade de Mas a maioria dos ouvintes ouve fai- e rica em significado, mas também rica Mas era uma vez, a ideia de undergrou-
mercado musical? E então você pode imaginar uma revol- selecionar e determinar meu próprio xas e faz listas de reprodução e ouve em diversidade musical. E eu me pego nd tinha algum tipo de conceito de
ta em massa contra o streaming e uma caminho na escuta. álbuns parciais - grupos de faixas de bocejando - só me desanima a ideia de oposição por trás dela - era oposta à
Alguém provavelmente poderia fazer volta a pagar pela música, ou algum que gostam. sentar reverente e atentamente frente a corrente principal (mainstream), ela se
previsões, alguém que sabe que tipo outro sistema que force as pessoas a No entanto, ele ainda se transforma
esse trabalho genial. alinhava com vários valores progressi-
de coisas estão em desenvolvimento ouvir de uma forma mais seletiva e fo- efetivamente em som ambiente com Essa é uma abordagem que começou vos ou contraculturais.
no nível da tecnologia. Mas não me cada, ao mesmo tempo que recompen- muita frequência. nos CDs - descobri que eu transforma- Os álbuns de que gosto ainda parecem
atreveria a fazer previsões! sa mais os artistas. va muito rapidamente até mesmo um funcionar de uma maneira diferente, Hoje em dia, ‘underground’ realmente
Acho que é em parte porque a maioria CD favorito em uma espécie de mini- como um bloco sustentado de atmos- significa ‘nicho de mercado’ - é mais
Parece que o streaming é uma espécie Eu odeio streaming e filosoficamente dos dispositivos em que você está fa- álbum das faixas de que mais gostei e fera. Discos que têm um clima e um como uma boutique ou algum tipo de
de desenvolvimento terminal - no sen- sou contra isso - mas cada vez mais é zendo streaming são dispositivos nos raramente ouço até o fim. som um pouco variado, mas essencial- artesanato que “os connoisseurs” co-
tido de que é difícil imaginar as pesso- como eu ouço música. É muito conve- quais você pode fazer outras coisas -
mente cada faixa é uma lasca desse nhecem. Ele não tem mais aquela aura
as encontrando outra maneira de ouvir niente. Eu acho que mesmo quando eu acessar a internet, verificar seu e-mail, Simplesmente porque avançar ou pro- mesmo bloco. Grupos como Lo Five. de insurreição ou exílio do mainstream.
música que seja mais fácil, que tenha já tenho um disco em vinil ou CD, eu procurar mais músicas - então você gramar uma sequência de faixas de CD É muito mais como cervejas artesanais
uma gama tão ampla de músicas que o ouço no streaming ou no YouTube, acaba executando várias tarefas e cai era muito fácil. O streaming leva isso Suponho que de certa forma seja uma ou pequenas empresas de camisetas
você pode acessar instantaneamente, pois é mais conveniente não ter que na síndrome de atenção partilhada. para o próximo nível. forma diferente de “ambient listening”. descoladas vendendo roupas caras.

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ENTREVISTA

Bem, existem muitos, muitos grupos não sabiam tocar ou cantar de maneira que o punk acontecesse, é incerto. Ele 80 para os anos 90 e início dos anos
que não têm nenhuma relação com a convencional irem até lá e tentar. Os pode ter sido um poeta ou um escri- 2000), reuniões, lineups de festivais
música do Kraftwerk. Você pode per- quatro Banshees originais não eram tor experimental de prosa. Ou apenas cheios de bandas antigas.
correr um longo caminho através da músicos convencionalmente habilido- permanecer como um funcionário de
música heavy metal e metal extremo sos, mas criaram um som único traba- almoxarifado. Há uma próspera indústria de reedi-
sem encontrar qualquer influência do lhando com suas limitações. ções e um culto aos formatos analógi-
Kraftwerk! Com o passar dos anos, alguns punks cos como o vinil e o cassete. Mas tam-
Mais tarde, as pessoas que se junta- adquiriram algumas habilidades mu- bém parece haver mais correntes de
“a afirmação ram aos Banshees para sua segunda e
mais rica fase musical - John McGeoch
sicais e quiseram fazer sons mais so-
fisticados, o que contribuiu para o
inovação nos anos 2010 do que quando
eu estava escrevendo o livro (que foi
“Kraftwerk era mais e Budgie na guitarra e bateria respec- pós-punk. Mas muitas vezes as ban- nos últimos anos dos anos 2000).
importante do que tivamente – bem mais preparados e das teriam uma mistura de músicos

os Beatles” não é
provavelmente estariam fazendo mú-
sica em um contexto ou outro, inde-
talentosos e músicos muito mais rudi-
mentares e ingênuos - como PiL, onde
“Bowie inventou
tão estúpida quanto pendentemente do punk ter aconteci- Keith Levene havia praticado por anos essa ideia do artista
parece”
do ou não. Mas provavelmente não tão
interessante quanto o que eles fizeram
e queria ser como o Yes, enquanto Jah
Wobble era um baixista autodidata.
que está sempre
com Sioux e Severin, nem uma cantora mudando seu estilo -
Fale um pouco sobre a Futuromania,
Mas em termos de música pop dos
anos 80 em diante, e dance music na
natural, nem um baixista natural, mas
cheio de ideias e um gosto muito des-
Esse tipo de mistura criou uma quími-
ca interessante. Havia também regras
até mesmo sua E há o que chamei de conceptronica,
onde há um som altamente processado
sua publicação sobre a história da era techno-rave, e black music de todos colado para música esquisita. persistentes do punk sobre não fazer identidade -” digital, percussão bombástica e, mui-
música eletrônica. os tipos, sua influência é legião e in- solos de guitarra, evitar influências de tas vezes, uma fusão com software de

É uma coleção de peças de música


comensuravelmente grande. Portanto,
a afirmação “Kraftwerk era mais im-
“O Punk abriu um blues rock, etc. - o que ajudou a manter
a música em um caminho de estranhe- Eu diria que o retro “ainda é proemi-
vídeo de “construção de mundo” para
criar uma fusão audiovisual total.
eletrônica - não apenas dance music, portante do que os Beatles” não é tão espaço onde todos za e inovação nente, mas não dominante”. Alguns
mas os artistas cosmic synth dos anos
70 como Tangerine Dream, synthpop,
estúpida quanto parece.
os tipos de pessoas Portanto, o ‘punk’ em ‘pós-punk’ per-
dos modismos sobre os quais escrevi,
como mash-ups, ou a tendência das
Artistas como Arca, SOPHIE, Amne-
sia Scanner, Holly Herndon e muitos
industrial e várias formas de música Certamente, se você olhar para a músi- se inspiraram manece muito importante. Significa bandas de tocarem seu álbum mais outros - todos muito diferentes, mas
popular Black que são essencialmen-
te eletrônicas e digitais, mas poucas
ca pop contemporânea, não encontrará
muitas evidências audíveis dos Beatles
para tentar um compromisso com o extremismo,
para experimentar, para ser desafia-
famoso da faixa 1 à última, desapa-
receram. Você pode ver o retro ainda
compartilhando certos aspectos rela-
cionados ao audiovisual, muitas vezes
pessoas as classificam como “música como um legado sonoro. Mas você fazer música.” dor - para deixar para trás o passado forte na música e na moda, e talvez um ímpeto político ou uma polêmica
eletrônica”, como dancehall, R&B, rap, pode ouvir vestígios do Kraftwerk por do rock e todos aqueles valores anti- mais forte do que antes na TV (com conceitual sobre a cultura digital.
etc. E também incluo alguns escritos toda parte. O Punk abriu um espaço onde todos gos. Para de alguma forma continuar o remakes de séries clássicas ou pro-
sobre música eletrônica de vanguarda, os tipos de pessoas se inspiraram para choque do punk, mas em um contexto gramas com sabor dos anos 80 como Não é um desenvolvimento completa-
música concreta etc. Anos atrás, um jornalista (do The tentar fazer música. Algumas pesso- sônico em evolução, em vez de apenas Stranger Things). mente novo, você pode rastrear seus
Guardian) perguntou a Siouxsie as envolvidas com o punk já estavam tentar repetir o Sex Pistols de novo e precursores até os anos 90 com figu-
A abordagem varia do jornalístico ao Sioux se ela concordava com sua em bandas há vários anos, mas muitos de novo, etc. Há muitos remixes de influências jun- ras como Oval e o rótulo Mille Plate-
teórico. A gênese do livro é muito avaliação de que o punk era superes- realmente começaram ali e então - os tos, mas também há muitos que não se aux, Thierre Thaemlitz, Matmos, Mat-
complicada para entrar em detalhes, timado e mitificado. Siouxsie res- Slits, os Raincoats, muitos outros. Fale um pouco sobre o seu livro encaixam no conceito de “tudo é um thew Herbert.
mas é algo que está saindo em italia- pondeu: “Er ... acho que você estava “Retromania”. Tudo é um remix? remix”.
no, alemão e japonês, com esperanço- certo.” Severin comentou que os O que era realmente diferente era que O Brasil é especialmente um país Mas certamente aumentou enorme-
samente outras línguas a seguir. Não Banshees teriam existido mesmo sem você tinha todos os tipos de vozes es- nostálgico, parece que alteramos Na música, tem havido um monte de mente nos anos 2010 e ao contrário
acho que sairá em inglês, pois tenho o punk. No livro “Rip It Up”, você tranhas - pessoas cantando com sota- uma versão estendida dos anos 1980 direções criativas, muitas vezes nas da música underground descolada so-
outros planos para algumas das peças aprofunda essa questão ao apresen- ques ingleses da classe trabalhadora a 1999 diretamente no renascimento áreas mais convencionais do pop - bre a qual escrevi na Retromania, que
da coleção - algum tipo de “Reynolds tar um amplo repertório de referên- em vez de fingirem ser americanas, dos anos 80 no início do século 21... como o estilo fortemente autotuned era muito sobre arquivos, pastiche e
Reader” de todos os meus principais cias e documentações, mostrando a com letras que introduziam todos os (autoafinado) de trap ou mumble rap, retrabalho de história, essas pessoas
ensaios ao longo de várias décadas. variada formação musical dos artis- tipos de novos conteúdos abrasivos e Já se passaram quase 10 anos desde que é um som genuinamente novo, pretendem ser uma vanguarda e real-
tas que cresceram nos anos 70. estilo linguístico. que o livro foi publicado e mais de dez artistas como Future e Migos proces- mente querem fazer música futurística
Sobre o triste falecimento de Florian anos desde que o livro foi concluído sando seus vocais e desenvolvendo um e politicamente progressista.
Schneider, Peter Hook comentou Eu discordo disso, acho que é bem Alguém como Mark E. Smith pode ter como escrito. De certa forma, tudo o estilo vocal que está a meio caminho
para a NME: “Roubamos o Kraf- provável que Sioux e Severin nunca ti- feito algo na música, mas se ele seria que Retromania fala ainda é relevan- entre rap e canto. Você tem gêneros de Você também escreveu um livro
twerk assim que fomos capazes”. vessem feito música sem o punk e o capaz de encontrar um público na mes- te - há muito revivalismo, pastiche (as rua como o drill do Reino Unido e os sobre Glam Rock, “Shock and Awe”.
Quem não roubou? espaço que isso abriu para pessoas que ma proporção que The Fall o fez, sem referências agora mudaram dos anos Afrobeats e footwork. De Roxy Music, Eno, Bowie,

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PENSE & DANCE

FOTOS: DIVULGAÇÃO
por Kipper

UTOPIA
EST(ÉTICA)
qual é o principal legado rappers, como Kanye West, Drake, Rae
do Glam Rock? Sremmurd, o tema da música pop tor-
nou-se fama - a glória disso, a deca-
Não há muito legado sônico para o dência dela, o vazio dela.
glam rock audível no presente. Você
não ouve artistas abertamente como o As pessoas se tornaram estrelas can- “Eu me comunico pelas minhas rou- Na cena gótica, atualmente, vemos o
Bowie ou pessoas influenciadas pelo tando sobre o estrelato. Drake é o pas” já nos ensinava nos anos 1970 o visual feminino ser usado mais como
Roxy Music. exemplo paradigmático disso. É pra- semiólogo Umberto Eco, mais tarde símbolo de empoderamento, associa-
ticamente seu único assunto. E isso é famoso também como romancista au- do muitas vezes ao discurso de “bru-
Mas Bowie inventou essa ideia do ar- muito glam rock. No início dos anos tor de “O Nome da Rosa”. xas da atualidade”. Não por acaso, tem
tista que está sempre mudando seu es- 70, o rock tornou-se autorreflexivo e crescido na subcultura gótica o imagi-
tilo - até mesmo sua identidade - com a metalinguístico - em vez de falar sobre Como o Sherlock Holmes medieval da- nário de “sagrado feminino”.
forma como sua carreira envolveu uma o dia a dia do adolescente (como nos quele romance, a semiótica e a linguís-
série de novas personas, com uma apa- anos 50 e início dos 60) ou sobre po- tica nos ensinaram a ler o mundo, seja Dunja Brill destaca que é melhor
rência completamente diferente e mui- lítica e espiritualidade e coisas sérias nos “textos” da escultura, do cinema, existir uma subcultura cujo discurso adotam um estilo mais romântico e
tas vezes com um novo som também. do mundo exterior (de meados ao final dança ou vestuário, do comportamen- aponta para uma utopia de “gender- sensível, ou “como Lacrimosa, Goe-
dos anos 60), o rock começou a ser so- Nesse livro de 1996 Reynolds e Joy to, entre outras produções humanas lessness” (ausência de caracteres de thes Erben ou Illuminate” que apre-
Isso foi muito influente.
bre si mesmo. Músicas sobre turnês, Press comentam que o rock era até cer- que se constituem como discursos. gêneros socialmente definidos) do que sentam uma versão de masculinidade
sobre o estilo de vida excessivo de ser ta época um “clube de garotos brancos outras subculturas que desenvolvem que incorpora aspectos historicamen-
Mesmo alguém como Taylor Swift vai
roqueiro. raivosos”. Doutora em estudos culturais e pes- um discurso sistemático de reforço de te considerados femininos da persona-
falar sobre si mesma nesses termos -
havia a música / vídeo “Look What You quisadora de subculturas, Dunja Brill valores conservadores ou tradicionais. lidade, são rejeitados pelos “garotos
O rock se tornou uma forma de show- Muitos movimentos do rock levanta- também explora os subterrâneos sim- durões” de subculturas com uma sim-
Made Me Do”, onde ela fala sobre “a
biz, com cabelo mais comprido e letras vam a bandeira da rebeldia e liberda- bólicos, e escreveu nessa obra sobre Brill aponta que o discurso do gótico e bologia e discurso mais “masculinis-
nova Taylor” e desfila diante de nós to-
mais atrevidas, mas na verdade ape- de, mas na estética e na prática, ge- os jogos de poder de gênero, especial- de outras subculturas constroem uma ta”, ou mesmo por indivíduos conser-
das as supostamente diferentes perso-
nas uma versão jovem de Las Vegas ralmente essa liberdade era do ponto mente na cena Gótica. representação de mundo, que ela de- vadores da própria cena gótica. Porém,
nagens anteriores de Taylor Swift.
e Broadway. E então a reação contra de vista de jovens homens brancos que fine como utópica. Utopias são inten- ressalta a autora, esses artistas “têm
isso, trazendo-o de volta à vida real e objetavam ou apagavam tudo que não Ela explica que há um tipo diferente ções e projetos, individuais e coletivos. um grande número de seguidores entre
Então Bowie criou a ideia de que você
aos problemas de ser jovem, foi o punk fosse jovens homens brancos: para mu- de organização dos papeis gênero na Essa utopia pode não se realizar no góticos de ambos os gêneros (p.156).
poderia se reinventar e não precisava
- que era muito anti-showbiz, muito di- lheres, sobravam os lugares de grou- subcultura gótica, apesar de muitos coletivo ou totalmente, mas acaba
se ater a um ato ou estilo; pode ser
zendo “nós somos mais do que entre- pies ou backing vocals, ou capas sexy problemas tradicionais permanecerem. alterando as relações micropolíticas A maioria das discussões musicais no
uma série de papéis, como se você fos-
tenimento”. de álbuns. reais da nossa vida cotidiana. Como é meio alternativo não tem a ver com
se um ator. Ou um produto que está
sendo reiniciado. Pois ao contrário do que se relatou no comum dizer, “as utopias são o motor música, mas com a manutenção de do-
Bem, eu acho que o século 21 até agora Posteriormente surgem, paralelamen- passado, explica Brill, na realidade e da realidade”. mínios de status e poder de um seg-
te, outras vertentes dentro do Rock, prática o estilo Gótico não é andrógi- mento sobre outro, em que questões
Bowie apresentou ao pop o que hoje foi uma mudança massiva de volta aos
(e do pop) em que os homens incor- no: é hiper-feminilizante para as mu- Como Brill salienta em outro trecho, como machismo, misoginia, homofo-
em dia seria chamado de rebranding. É valores do showbiz. após o grunge dos
poram o lado feminino e os discursos lheres, ao mesmo tempo que cria um vários autores relatam que setores de bia, preconceito de classe e racismo
uma ruptura com a ideia de autentici- anos 90. Espetáculo, glamour, declara-
ções de moda extremas, camp e essa começam a ser menos objetificantes e tipo de masculino que incorpora o fe- “culturas ligadas à música alternati- são disfarçados sob discursos de ou-
dade como consistência e integridade,
coisa muito autorreferente de pop-so- conservadores. minino, mas que também não pode ser va tendem a associar o comercial e o tros assuntos. Nesse sentido, o caráter
a ideia de que sua arte deve refletir um
verdadeiro eu imutável. bre-pop, fama-alcançada-por-escre- confundido com o andrógino típico. inautêntico com o feminino”, se de- utópico de uma subcultura progressis-
ver-sobre-fama.” Mas as práticas demoram a mudar, e finindo assim preconceituosamente ta é importante como projeto e prática
surgem novas vertentes do rock e un- O visual gótico masculino não bus- contra um suposto “mainstream femi- de desconstrução desses discursos.
Uma das teses em Shock and Awe é
O que é muito showbiz em si mesmo derground que criticam o rock por es- ca parecer mulher ou indefinido, mas nilizado de produção de massa”.
que o legado do glam não é necessa-
- pense em canções como “The Show tar “se viadizando” (para o machista, criar um tipo de masculino coerente Como qualquer grupo social, a reali-
riamente saudável - mas um legado
Must Go On”, “There’s No Business humanização é sinônimo de “desmas- com discurso simbólico da subcultura Assim, muitas vezes o “EBM e Indus- dade da subcultura gótica não é per-
sombrio.
like Show Business”, “Life is a Caba- culinização” e perda do seu privilégio). gótica, (P. Hodkinson,“Goth”, 2002). trial são considerados domínios mas- feita, nem é isenta de indivíduos com
E não é necessariamente que haja um ret”. Hollywood adora fazer filmes so- culinos, enquanto estilos mais suaves comportamentos incoerentes ou anti-
bre a indústria do cinema - é por isso Assim, a linha conservadora e ma- Essa hiper-feminilização da mulher como o synthpop são ridiculariza- éticos, mas o projeto coletivo estabe-
link direto do glam para o que está
que existem quatro versões diferentes chista do rock pode ser vista até hoje, gótica pode ser vista de duas formas: dos como “música para meninas”, (p lecido pelo discurso estético da sub-
acontecendo no pop contemporâneo,
de A Star is Born. paralela às linhas mais libertárias, ge- como um empoderamento ou como 154)... ou “viados” (veja a resenha do cultura gótica abre um espaço social
mas há definitivamente um eco de
rando inúmeros conflitos entre prática uma conformidade à regra social. livro “Sex Revolts” na página 50). que realiza em seu microcosmos uma
temas glam no pop do século 21 em
E, você sabe, a versão mais recente foi social e discursos artísticos. Como sempre, o significado do símbo- utopia positiva e mais libertária se
termos de uma obsessão com estre-
lato e fama. Com figuras como Lady estrelada por Lady Gaga. lo será dado pelo contexto da frase, do Nesse contexto machista e preconcei- comparada a algumas outras subcultu-
Gaga, mas também com a maioria dos emissor e do receptor. tuoso, mesmo artistas homens, que ras ou à regra da sociedade dominante.

50 GOTHIC DEZEMBRO 2020 GOTHIC DEZEMBRO 2020 51


por Alex Antunes Ouça os álbuns e músicas
citados nesse artigo
no link abaixo:
bit.ly/GS5_textos
arqueologia do post-punk curiosa: se a batida do funk respira, Dois dos álbuns
emblemáticos

KRAUTROCK
é sístole e diástole, a batida alemã é
só expiração maquínica, sem a sínco- da banda Can
pe (a deslocadinha) da música negra.
O Kraftwerk exploraria esse viés até o
“man machine”;

6) Essas bandas vinham de várias ci-


O Krautrock serviu, ao lado de outras referências setentistas, dades (as principais sendo Berlim: Tan-
como o dub e o funk – de matriz para o Post-Punk. Foi a essa gerine Dream, Kluster, Cluster, Ash Ra
Temple; Munique: Amon Düül, Popol
receita que John Lydon, ex-Johnny Rotten, recorrereu, Vuh; Colônia: Can; Dusseldorf: Kraf-
quando teve que subir a aposta artística. twerk, Neu!; Wümme: Faust). Ainda
que algumas figuras conectem várias
delas (Conrad Schnitzler fundou o clu-
O que viria a ser chamado de “krautro- vadorismo e o imperialismo, particu- cidade de Stockhausen e de seus cur- be Zodiac FAL, o Tangerine Dream, o
ck”, ou o progressivo alemão, é pro- larmente quanto à a guerra do Vietnã. sos de música nova. Irmin Schmidt Kluster – que deu origem ao Cluster,
duto de uma combinação de circuns- O desprezo pelo schlager, o diluído e Holger Czukay do Can estudaram sem ele, e ao Harmonia, reunindo o
tâncias. Que o tornaram num tipo de pop alemão, expressava a revolta tan- com ele (Zappa e Duprat, o maestro da duo do Cluster, Moebius e Roedelius,
som distinto, que em geral ficou bem to contra os submissores como contra Tropicália, também). Mas outros mú- a Rother do Neu! – e o Eruption, que O livro “Publikation” de
menos datado que o rock progressivo os submissos. Nas palavras de Edgar sicos alemães manifestavam esse tipo reuniu Manuel Göttsching a Klaus David Buckley conta muito
em geral (com algumas honrosas ex- Froese, do Tangerine Dream, não ha- de interesse, citando John Cage, Yoko Schulze, por sua vez fundadores do da história do Krautrock nessa
ceções). via nada a perder, por isso a música Ono, Velvet Underground (onde tocou Ash Ra Temple), uma boa parte das biografia no Kraftwerk.
tornou-se freeform; John Cale, de formação vanguardista). dezenas de bandas surgidas entre 1967 Leia mais sobre Krautrock no
É por isso que serviu – ao lado de ou- e 1970 e poucos só tinham em comum link de textos extras
tras referências setentistas, como o 3) Havia um clima generalizado de Um dos hubs iniciais do krautrock, o o zeitgeist, o espírito da época.
dub e o funk – de matriz para o pós- revolução jovem, dos dois lados do Zodiak Free Arts Lab de Berlim, foi da com conceitos cyberpunk (da lite- glaterra, mas a fonte era valiosa). E os
-punk. Como melhor exemplo, foi a Atlântico. Ao mesmo tempo, muitos pensado como uma espécie de com- Esse zeitgeist determinou que bandas ratura de J. G. Ballard) e estilizações anos 80 estavam projetados – o Faust,
essa receita que John Lydon, ex-John- desses jovens hippies alemães (Damo binação da Factory de Andy Warhol de formação convencional, como o Can contra-tradicionais. As capas do Neu! em seus experimentos, até já apontava
ny Rotten, recorrereu, quando teve que Suzuki, do Can, se disse menos hippie com o ICA, o Institute of Contempo- (baixo, guitarra, bateria, teclados, voz) já eram pura new wave, assim como diretamente para a segunda metade
subir a aposta artística, com o final do que “transportador metafísico”) rary Arts de Londres; estivessem entre as mais inovadoras. as não-costeletas, cortadas rente, de dos anos 1980, o rock industrial;
dos Sex Pistols. não se satisfariam com os clichês do Já outros rumaram (no caso, no terceio Hütter e de Karl Bartos, do Kraftwerk.
rock, como... guitarras. Pelo menos as 5) Esse ambiente formou o que Jaki disco) para a eletrônica absolua, como 8) A Alemanha, em todo caso, seguiu
E que circunstâncias seriam essas? convencionais. Liebzeit, o baterista do Can, ex-bate- os “conectores” Ralf Hütter e Florian Na verdade, alguns anos antes, Brian seu próprio rumo na música eletrônica
rista de jazz que foi um dos formula- Schneider, estudantes de música que Eno, quando estava sem rumo para seu e de invenção – não é à toa que o pós-
1) Tinha chegado à idade adulta a pri- A ainda incipiente oferta de instru- dores do “motorik” (a batida linear do vinham do Organization, e acabaram glam rock, foi ao encontro do Harmo- -punk alemão, a chamada Neue Deuts-
meira geração nascida após a segunda mentos eletrônicos foi desde o início krautrock) chamou isso de “revolução por juntar Dinger e Rother, do Neu!, nia, e voltou com os conceitos de am- ch Welle, foi das mais interessantes, e
grande guerra. Portanto ela podia colo- uma fonte de fascínio. Por exemplo, mental” (o Can surgiu quando a revo- numa breve formação do Kraftwerk. bient music, de no musician e de ênfa- que alguns desses, como Conrad Sch-
car de lado os complexos do nazismo nos vídeos dos primeiros shows do lução parecia estar nas ruas, em 1968). Como vários outros discos da cena, o se na timbrística (a escolha de timbres nitzler, estavam em seu ápice nos anos
e da derrota. Não só se afirmar como Kraftwerk, em 1970, Ralf Hütter apa- Klaus Dinger é considerado o pai do único disco da Organization, de 1969, não-naturalizados). 80.
não-responsável, como afrontar os res- rece tirando timbres engraçados de um motorik, e era metade do Neu!, com foi um dos primeiros produzidos por
quícios de nazismo da velha geração, Tubon, o avô dos keytars, construído Michael Rother, para quem o ponto Conny Plank, que é um dos depurado- David Bowie, fugido de Los Angeles, Se antes o italiano Moroder foi a Mu-
ainda protagonista na sociedade. Esse em 1966. central era a negação do blues (o que res do estilo; tinha chegado a Berlim, para gravar nique para fundar a disco europeia,
radicalismo pode ser atestado pelo estabelece um ponto em comum com Low, disco que de um lado é soul-funk DJ Hell é o herdeiro. Em Berlim, um
fato dos músicos do Amon Düül e os Antes de ter acesso a sintetizadores, o as bandas mais experimentais do prog 7) A estética resultante era futurista estilizado, e do outro ambiente (e ex-punk escolhe o nome de Westbam,
membros do grupo terrorista Baader- duo Cluster usou osciladores, seguin- fora da Alemanha, como o King Crim- (de propósito, eu deixei de fora as ban- “Hero” é o nome de uma faixa do Neu! significando o Bambaata da Westpha-
-Meinhof terem partilhado a mesma do a trilha dos pioneiros Silver Apples. son). das consideradas krautrock mas mais – Bowie desistiu de chamar Rother lia. E, apesar de muitos dos membros
comuna em Munique; Segundo Klaus Schulze (Tangerine ligadas ao hard/ blues rock, ao folk e à para a guitarra de seu segundo disco dessas bandas já terem morrido, al-

FOTOS: DIVULGAÇÃO
Dream, Ash Ra Temple), o fato da mú- Curiosamente, a bateria primitiva de música étnica, e ao jazz-rock/ fusion – berlinense, e chamou Robert Fripp, do guns seguem em atividade inclusive. A
2) A Alemanha tinha sido tutelada sica eletrônica não ter uma linguagem Maureen Tucker, do Velvet, também ainda que algumas das citadas, como King Crimson, mas a referência ficou. versão maquinal que o Kraftwerk deu
até então pelos EUA – mas a América consolidada era um atrator; é uma das fontes. O inglês Jono Pod- Popol Vuh, tivessem sons bem bucóli- ao funk americano continua apontan-
estava em plena crise moral e política, more, curador dos arquivos do Can, cos). E iria repercutir dez anos depois. O termo “krautrock”, inicialmente pe- do para o futuro.
acuada pela juventude contra o conser- 4) O fator vanguarda: Colônia era a descreve o motorik de uma maneira Não à toa, na cena britânica, envolvi- jorativo – “chucrutrock” – surgiu na In-

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por Alex Antunes

arqueologia do post-punk

O PÓS QUE
VEIO de ANTES
Alex Antunes, da pioneira e vanguardista banda dos anos 80
Akira e as Garotas que Erraram, comenta as influências do
seu e outros grupos na formação do Post-Punk com suas raízes
na diversidade musical e criativa dos anos 1970.
Pós-punk é assunto que para mim é Se você se interessa pelo gênero, tal- que viria a ser o gótico, Bauhaus e
óbvio – mas parece que não para mui- vez esteja pensando em exemplos que Siouxsie estiveram nesse território – e
Na foto maior, Anna Ruth, Akira S
ta gente. Digo “óbvio” não porque neguem essa afirmação. Mas se se mesmo Sisters surgem com uma faixa
e Alex Antunes, CCSP, 1985
não exista uma enorme quantidade de interessa mesmo, reconhecerá várias (“Alice”) que estaria nessas imedia-
(foto: Luigi Stavale). Á esquerda,
componentes e variações no que veio- bandas diretamente identificadas com ções.
Alex ou Lex Lillith.
-depois-do-punk mas porque há, sim, os inícios do estilo (1977-1981) que (foto de Luciana Mancini)
uma espécie de veio principal, com correspondem a essa descrição: Public Eu poderia estabelecer essas diferen-
uma ética-estética bem específica, que Image Ltd., o primeiro Cure e o pri- ciações com outras cenas que foram
eu chamo de “pós-punk epitômico”. meiro Killing Joke, Gang of Four, Fall, se descolando desse veio, como new da que também se relaciona com essa – textos extras), no qual ele acerta vá- Mas a nossa intenção era que o lado
Wire, Pop Group e dezenas de outros. romantic e o synthpop (na época cha- mas um tanto mais “bem tocada”, que rias delas (Herbie Hancock, Brian Eno, sombrio do som dark entrasse em cur-
Cujas características centrais seriam: mávamos de tecnopop) mas acho que é o punk-funk. E, para isso, o elemen- James Chance & the Contortions, Ca- to-circuito com a música dançante,
Mesmo se você alegar que Joy Divi- deu para sacar o ponto. to fundamental seria o baixista. Foi baret Voltaire), bem no centro do alvo. numa manobra em que, bem, os qua-
a) um baixo mixado à frente, numa sion tem altíssima carga emocional, eu quando eu encontrei o Akira S (Akira dris se divorciassem da mente – para
linha pulsante e/ ou fazendo uma espé- direi que provavelmente você está in- O mais importante para mim é afir- Tsukimoto, hoje Akira Van Der S). Nós partimos muito de um disco do se reencontrar em outra dimensão.
cie de suingue quadrado (que se presta fluenciado pelo destino trágico de Ian mar principalmente que o pós-punk na Robert Fripp – na verdade de um lado
a ser dançado meio espasmodicamen- Curtis, e esquecendo que ele colocava verdade tem referências anteriores ao Há um texto em que eu discorro sobre de um disco do Fripp, chamado Under Eu chamava isso de ‘ético-pop’, não
te); uma certa frieza cruel na sua receita – punk. O progressivo mais experimental a gênese do punk-funk britânico (veja Heavy Manners – no qual ele mistura por fazer uma afirmação, mas para
que é, digamos, a que separa Curtis de (particularmente o krautrock), sonori- o texto “História do Punk Funk” no uma massa de loops de guitarra com plantar uma dúvida.
b) uma guitarra deslocada de suas um Renato Russo (mais risos). dades graves vindas do dub e do funk link de textos extras), remetendo para uma cozinha funkeada (incluindo o
funções no rock ortodoxo, com tim- ( já já reforçarei esse aspecto da black uma playlist) em que começo com um baixista negro Busta Jones, que está
bres mais ásperos, fazendo interven-
ções angulosas, ou com timbres mais
“o pós-punk na music) – o trabalho de músicos como
Brian Eno, Robert Fripp, John Cale e
comentário dos músicos do A Certain no My Life In The Bush Of Ghosts de
Ratio (uma espécie de irmão mais bla- Eno-Byrne, e que fez frilas nos Talking
borrados, fazendo atmosferas impreci- verdade tem outros já buscavam esse ouvido. Ou o ck do Joy Division) falando sobre sua Heads e no Gang of Four). ALEX ANTUNES
sas (eventualmente junto de um tecla-
do). Essas guitarras ou não solam, ou
referências Low de David Bowie não seria, já em
1977, um esboço preciso da sonorida-
relação com o funk dos anos 1970.
Partimos dos estudos de música eru- Alex Antunes é jornalista, escritor
fazem solos catatônicos, baseados em anteriores ao punk” de dos anos 1980 (incluindo a caixa da E buscando entender um espectro que dita contemporânea do Akira com o e produtor musical. Foi editor da
poucas notas e repetições (alguns são bateria bizarramente processada)? vai desde um Cabaret Voltaire (na professor Conrado Silva, origem dos revista Bizz, criador da revista Set,
legítimos não-solos); Talvez seu ouvido esteja correndo para ponta mais eletrônica) até um trio for- seus exercícios editando fitas com e colaborou, entre outros veículos,
a frente, diretamente para o gótico – Eu digo isso com a autoridade de quem temente africanizado como o Kabba- transmissões captadas aleatoriamen- com Rolling Stone, General,
c) vocais mais desleixados, frequen- e aí eu queria lembrar que, antes do teve uma primeira banda, o No. 2, que la, passando por momentos particu- te nas ondas curtas (no lugar dos tais e cadernos culturais da Folha
temente com entonações e prosódias termo goth (e da cena gótica em si), seguiu esse figurino à risca (não disse larmente suingados de Cure, Clash, loops de guitarra), e somamos a uma de S. Paulo e O Estado de S. Paulo.
um tanto estranhos, soando amado- nós na época nos batemos com outras que é bom, só que seguiu à risca). A Bauhaus, Kiling Joke, Clock DVA e cozinha funky.
res mas convictos. Tanto o trabalho de opções (quando “new wave” começou única gravação que sobrou de registro Section 25, além de especialistas como Vocalista do Akira S & As Garotas
guitarras quanto o de vocais evitará a a soar festivo demais), e a nacional pode ser ouvida em “No. 2” (veja no 400 Blows e 23 Skidoo. Interessante que a música que compu- Que Erraram e Alex Antunes
entrega linear, a grandiloquência da foi “dark”. “No wave” seria uma boa, link de audição nacional). semos com esse método, nossa primei- & Death Disco Machine.
catarse emocional, mas deixará no ar mas essa acabou por caracterizar mais Quanto às influências do Akira S, me ra, “Atropelamento & Fuga”, tenha sido
um quê de inquietação e distúrbio esti- especificamente a cena de Nova York. E, quando ganhei um pouco mais de surpreendi com um texto do Kipper regravada pelo Skowa & a Máfia, e facebook.com/lex.lilith/
lizados (risos). Antes de definirem estritamente o habilidade, quis partir para uma cama- (veja o texto “Post-Funk” no link de acabado tocada na Xuxa (muitos risos).

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