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clássicas
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ENTREVISTAS
Bila Sorj
Socióloga e pioneira nos estudos de
gênero no Brasil
Hebe Vessuri
Antropóloga e especialista em estudos
sociais sobre a ciência na América Latina
RESENHAS E CRÍTICAS
AUTORAS CLÁSSICAS
Aleksandra Kollontai || Charllote Perkins Gilman || Clara Zetkin || Flora Tristán || Harriet Martineau
|| Harriet Taylor Mill || Mary Wollstonecraft || Nísia Floresta || Olympe de Gouges || Simone de
Beauvoir || Sojourner Trurh || Virgínia Woolf || e mais
TEXTOS POR
Anita Guerra || Lorena Marina dos Santos Miguel || Lolita Guerra || Luna Campos || Nicole Midori
Korus || Teresa Soter || Vaneza de Azevedo
clássicas
editoras autoras
Marcia Rangel Candido Anita Guerra
Verônica Toste Daflon Carolina Rocha Silva
Felipe da Silva Santos
Lília Maria Silva Macêdo
assistente editorial Lolita Guerra
Mariane Silva Reghim Lorena Miguel
Luna Campos
Mariane Silva Reghim
projeto gráfico Nicole Midori Korus
Ana Bolshaw Teresa Soter Henriques
Vaneza de Azevedo
GÊNERO, RACIONALIDADE E ESCRITA EM “O PAPEL DE PAREDE “CALIBÃ E A BRUXA: MULHERES, CORPO E ACUMULAÇÃO PRIMITIVA”,
AMARELO”, DE CHARLOTTE PERKINS GILMAN DE SILVIA FEDERICI
TERESA SOTER 40 MARIANE SILVA REGHIM 130
Apresentação
Em 1883, nas primeiras linhas de seu ensaio serem apresentadas(os) a nenhuma autora lecionar sobre elas. Agradecemos às muitas
clássico “A mulher como inventora” (Woman clássica. mãos que se uniram ao nosso esforço: as
as an inventor), Matilda Joslyn Gage chamou autoras e autores dos textos dessa coletânea,
atenção para como era comum a alegação Esta revista é resultado de um esforço as entrevistadas, a artista Sophia Pinheiro,
que as mulheres não possuíam atributos coletivo profundamente identificado com responsável pela ilustração que compõe
intelectuais criativos e que não eram capazes a indignação que moveu Gage em 1883: a nossa capa e a designer Ana Bolshaw,
de realizar contribuições originais e úteis à retomar o passado, contestar o presente e idealizadora do projeto gráfico.
vida social. Ciente de que essa afirmação modificar o futuro. No primeiro semestre
era usada para justificar a invisibilização e o do ano de 2017, o Instituto de Filosofia e
não reconhecimento do trabalho intelectual Ciências Sociais da Universidade Federal do
e criativo das mulheres, Gage a confrontou Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ) foi cenário de Marcia Rangel Candido e
com extrema perspicácia: além de resgatar debates, apresentações e aprendizados na
grandes feitos femininos em campos como disciplina “Gênero na Teoria Social e Política Verônica Toste Daflon
a ciência, a tecnologia, a literatura, as artes, Clássica”.
mostrando que nada na constituição biológica
das mulheres as tornava inferiores aos Nos debruçamos sobre o trabalho de
homens, ela também descreveu os fatores autoras pouco estimadas em nossos círculos
estruturais que faziam das mulheres uma e a cada leitura nos surpreendemos com
parcela minoritária entre os inventores, o seu pioneirismo, a engenhosidade das
artistas, cientistas etc de prestígio. suas análises sobre conjunturas políticas e
sociais, e sobretudo nos espantamos com a
Para tal, mencionou aspectos como a exclusão injustificável das suas contribuições
legislação social, a subordinação feminina do cânone da sociologia, filosofia, história,
dentro da família e do casamento, a ciência política etc. Com o intuito de ir
dificuldade de acesso à educação, entre além dos limites das salas de aula e dar
outros. Passado pouco mais de um século continuidade à difusão desses trabalhos,
da publicação desse texto, a necessidade apresentamos nessas páginas artigos
de recuperar as reflexões e invenções das produzidos pelas(os) alunas(os) do curso,
mulheres ainda persiste. Na escola, pouco bem como colaborações de pesquisadoras
se fala de cientistas e pensadoras do gênero convidadas. Esperamos que o contato com
feminino. É comum que estudantes de essas autoras clássicas provoque nas(os)
grandes áreas das ciências humanas concluam leitoras(es) o mesmo prazer da descoberta e
suas graduações, mestrados e doutorados sem o deleite intelectual que tivemos ao estudar e
O grito de independência das
mulheres latino-americanas
Lília Maria Silva Macêdo
Pedro Durante, Retrato de Manuela Sáenz, 1825, José María Espinosa, La Pola en capilla. 1857, óleo
Óleo sobre tela. sobre tela.
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Mais ao sul nos deparamos com a história O breve relato da trajetória de cada uma
de outra aguerrida combatente: a mestiça dessas mulheres já evidencia muitos aspectos
Juana Azurduy que liderou ao lado de seu do engajamento feminino e mostra que tal
companheiro, Manuel Padilla, as guerrilhas experiência política configura um fenômeno
contra os realistas na região do Alto Peru bem mais amplo e complexo. De fato, nas
(atual Bolívia). Por sua atuação de destaque últimas décadas, historiadoras e historiadores
em diversos confrontos ela, assim como têm alertado com maior eloquência para
Manuela, galgou diversas posições militares a participação expressiva das mulheres de
até atingir a patente de Coronela. Em distintos segmentos sociais na luta pela
determinado ponto de inflexão das lutas a sua independência das colônias situadas no caribe
sorte mudou radicalmente (outra semelhança e no subcontinente latino-americano. Essas
com Manuela) e ela passou os seus últimos incursões em batalhas assumiram diferentes
anos de vida na pobreza, sem contar com formatos que tiveram impactos decisivos no
o justo reconhecimento pelos inúmeros processo independentista.
sacrifícios e trabalhos prestados à causa.
Diferente dos trabalhos historiográficos
mais antigos, os estudos feministas
contemporâneos (dentre os quais podemos
citar Carosio, s/d; Ciriza, 2000; García
López, 2011; Gargallo, 2010; González,
2010 e Londoño López, 2009) realizam uma
investigação histórica mais abrangente, que
procura preencher a ausência de olhares
específicos sobre a experiência das mulheres
no processo de conquista da independência.
Nessas perspectivas, a vivência feminina
é o foco prioritário de análise cujo
desenvolvimento ressalta a importância
política da participação das mulheres
e reivindica o reconhecimento de suas
contribuições na história latino-americana.
É difícil mensurar a presença das mulheres trabalho) oferecido pelas mulheres às forças
nesta luta em termos quantitativos. Porém, a militares independentistas. Além de doações
julgar pelas múltiplas formas que ela adquiriu, em dinheiro, elas forneceram alimentos,
é possível que tenha atingido proporções roupas, abrigo e transporte para as tropas
consideráveis. As mulheres foram agentes patriotas e eventualmente acolheram aqueles/
fundamentais, por exemplo, nas atividades de as que sofriam perseguição política.
conspiração pois elas eram responsáveis por
ativar os espaços de sociabilidade em que isto Além disso, não obstante a oposição de
ocorria. Elas organizavam em suas casas as alguns generais, era bastante comum que as
tertúlias nas quais se discutiam as questões mulheres, na condição de esposas ou parentes
políticas correntes, difundindo-se as ideias dos soldados, acompanhassem as tropas em
que formavam o ideário independentista. todas as campanhas da independência. Às
Desempenharam também o papel de espiãs. vezes elas se adiantavam ao exército para a
Por não levantarem muitas suspeitas, elas preparação dos acampamentos de guerra,
podiam penetrar nos círculos realistas para nos quais providenciavam alimentos e
tomar conhecimento de suas ações e planos. acomodações e se mantinham nos arredores
Associada a essa tarefa estava a de transmitir ou na retaguarda para socorrer os feridos e
as informações obtidas para as forças enterrar os mortos após os combates. Por
patriotas. Elas podiam atuar diretamente outro lado, ainda que as tropas libertadoras
como “correios” ou articular redes de tenham sido compostas majoritariamente
comunicação para fazer com que a mensagem por homens, algumas mulheres também
chegasse até o seu destino. foram combatentes, ocupando diferentes
posições na hierarquia militar. Por fim, não
No campo da “propaganda ideológica” podemos deixar de mencionar aquelas que se
deram igualmente contribuições muito converteram em líderes políticas, ou seja, que
relevantes, atuando por exemplo nos jornais detinham autoridade e poder para influenciar
alinhados com a causa e fortalecendo com e mobilizar grupos sociais mais amplos.
isso a imprensa alternativa. Elas também
tomaram as ruas e organizaram protestos A partir deste apanhado de distintas formas
e manifestações, o que fazia ainda mais de engajamento político podemos perceber
importante a sua presença no espaço público. que enquanto algumas atividades estavam
Foi fundamental o apoio material (na forma associadas aos papéis tradicionais de gênero,
de recursos e no emprego da força de ou pelo menos não implicavam algum tipo
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espaço no qual podíamos, com avanços e Lilia Maria Silva Macêdo é doutoran-
retrocessos, colocar a questão dos nossos da em Sociologia pelo Programa de
direitos (2013, p. 154, tradução da autora).
Pós-Graduação em Sociologia do In-
Assim, ao longo de todo o século XIX
stituto de Estudos Sociais e Políticos
as mulheres seguiram lutando para serem da Universidade do Estado do Rio de
reconhecidas como cidadãs com plenos Janeiro (IESP/UERJ) sob orientação do
direitos. professor Breno Bringel. Integrante do
Núcleo de Estudos de Teoria Social e
As considerações aqui apresentadas indicam América Latina (NETSAL).
apenas alguns dos contornos de uma questão contato: liliamaria.sm@gmail.com
muita mais profunda, e apontam para alguns
dos dilemas e debates que a envolvem. É
preciso seguir explorando esses caminhos
e ir colhendo os rastros desses capítulos
esquecidos, porém fundamentais, da história
latino-americana, com a finalidade de desvelar
o significado dessa experiência para as
mulheres e para a sociedade de modo mais
amplo. Mais do que um exercício de revisão
do passado, acreditamos que a abordagem
desse tema implica uma verdadeira
reestruturação do olhar historiográfico e
sociológico que questiona e rompe com
o androcentrismo presente nas ciências
humanas.
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Marcia Rangel Candido Mariane Silva Reghim Para essa primeira publicação, o
Doutoranda em Ciência Política no Doutoranda em Sociologia pelo Instituto conceito da capa para Clássicas foi o de
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da de Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj). desabrochar uma semente, assim como o
Universidade Estadual do Rio de Janeiro É pesquisadora do Núcleo de Estudos de livro é.
(IESP-Uerj), pesquisadora associada Teoria Social e América Latina (NETSAL). Uma semente que vai germinar e florir
do Grupo de Estudos Multidisciplinares contato: marianesreghim@gmail.com para xs leitorxs e também para as futuras
da Ação Afirmativa (GEMAA) e do edições da coleção com mais mulheres
Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera teóricas.
Pública (LEMEP). ARTISTAS GRÁFICAS: Assim como nos ensina Cora Coralina: “eu
contato: marciarangelcandido@gmail.com Ana Bolshaw sou aquela mulher que fez a escalada da
Mestranda em Design na PUC-Rio, em montanha da vida, removendo pedras e
Veronica Toste Daflon que pesquisa identidade visual de cidades. plantando flores”.
Doutora em Sociologia pelo Instituto de É graduada em Comunicação Social As mulheres que estão aqui rompem
Estudos Sociais e Políticos (IESP-Uerj) com habilitação em Cinema na mesma as sementes. Que as ideias cresçam e
e mestre em Sociologia pelo IUPERJ. É instituição. floresçam nesse mundo cada vez mais
bolsista de pós-doutorado do Programa contato: anabolshaw@gmail.com temeroso.
de Pós-Graduação em Sociologia e www.anabolshaw.com
Antropologia (PPGSA, IFCS-UFRJ). Atua
como pesquisadora associada do Núcleo Sophia Pinheiro
de Estudos de Sexualidade e Gênero Mestre em Antropologia Social pelo
(NESEG, IFCS-UFRJ) e do Global Race Programa de Pós-Graduação em
Project Antropologia Social na Universidade
contato: veronicatoste@gmail.com Federal de Goiás (PPGAS/UFG). É
graduada em Artes Visuais e bacharel em
Design Gráfico pela mesma universidade.
Atua como pensadora visual, interessada
acompanhe no youtube o Sobre Elas
nas poéticas e políticas visuais, gênero,
(www.youtube.com/sobreelas), dirigido
processos de criação, na antropologia e/ por Emy Lobo, o canal veicula inúmeras
da arte, culturas e representações das entrevistas com mulheres, além de
imagens. apresentar uma série de curtas com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3686998218403865 pesquisadoras sobre autoras clássicas.
140 clá ssicas – Dossiê Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, Rio de Janeiro, v.6, n.11, 2017 141