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A influência de Aristóteles

na hermenêutica e na
argumentação jurídica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar, em Aristóteles, a retórica, tópica, dialética e erística.


 Analisar a retórica a partir de Aristóteles.
 Avaliar a importância prática desses estudos até os dias atuais no
Direito.

Introdução
Aristóteles é considerado um dos maiores filósofos da Era Clássica. Autor
de conceitos fundamentais como a práxis, a metafísica, ele influenciou a
prática jurídica de forma profunda a partir dos seus estudos sobre a retórica.
Neste capítulo, você conhecerá os conceitos da tópica, da retórica, da
erística e da dialética e as suas influências na práxis jurídica atual a partir da
construção do discurso técnico jurídico e das próprias peças processuais
que compõem o objeto de trabalho e estudo do jurista.

Tópica, dialética, erística e retórica


Muitos consideram Aristóteles o maior representante da filosofia grega, por
ter compilado os pensamentos socráticos e platônicos que antecederam a sua
noção de práxis, unindo a teoria platônica e a prática socrática em um conceito
uniforme voltado à solução de problemas concretos a partir do pensamento
filosófico. Essa linha de pensamento em si resguarda semelhanças profundas
com a chamada hermenêutica jurídica, uma vez que se trata de um instru-
mento interpretativo pelo qual o jurista, ao pensar ou filosofar sobre o conteúdo
normativo, constrói uma solução voltada ao mundo dos fatos, representando
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uma verdadeira aplicação da práxis aristotélica. Além disso, o filósofo trouxe


contribuições importantes para a construção do próprio argumento jurídico e
da prática discursiva legal, por meio do desenvolvimento dos conceitos tópica,
dialética, erística e retórica.
Segundo Pessanha (ARISTÓTELES, 1987, p. 3), a tópica:

[...] integra o Organon — conjunto de escritos lógicos de Aristóteles — e


examina os argumentos que partem de opiniões geralmente aceitas. Aqui se
situa a dialética, na concepção aristotélica: a arte da discussão e do confronto
de opiniões, importante exercício intelectual que prepara o espirito para a
construção da ciência.

A obra Tópico, de Aristóteles, pode ser compreendida como a organização


dos critérios que tornam a dialética um exercício lógico e coeso, que caracteriza
a discussão como tópica. Conforme Aristóteles (1987, p. 34-35):

[...] os materiais de que partem os argumentos são iguais em número e


idênticos aos temas sobre os quais versam os raciocínios. Com efeito, os
argumentos partem de “proposições”, enquanto os temas sobre os quais
versam os raciocínios são “problemas”. Ora, toda proposição e todo pro-
blema indicam ou um gênero, ou uma peculiaridade, ou um acidente — já
que também a diferença, aplicando-se como se aplica a uma classe (ou
gênero), deve ser equiparada aqui ao gênero. Entretanto, como daquilo que
é peculiar a uma coisa qualquer, uma parte significa a sua essência e outra
parte, não, vamos dividir o “peculiar” nas duas partes mencionadas e cha-
mar “definição” a que indica a essência, e, quanto ao restante, adotaremos
a terminologia geralmente usada a respeito dessas coisas, referindo-nos a
ele como uma “propriedade”. O que acabamos de dizer torna, pois, claro
que, de acordo com nossa presente divisão, os elementos são quatro ao todo,
a saber: definição, propriedade, gênero e acidente.

Dessa forma, o estudo da tópica é a definição das categorias que estabelecem


o sentido dos componentes de determinada argumentação. Essas categorias
devem ser estabelecidas, ter correspondência com fatos conhecidos que lhes
dão propriedade, organizar-se quanto ao gênero e à elaboração categórica das
distinções que tornam certa figura acidental ao seu gênero específico.

Não se suponha que com isso queiramos dizer que cada um desses elemen-
tos enunciados, isoladamente, constitua por si mesmo uma proposição ou
um problema, mas apenas que é deles que se formam tanto os problemas
como as proposições. A diferença entre um problema e uma proposição é a
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construção da frase. Porque, se nos expressarmos assim: “um animal que


caminha com dois pés é a definição do homem, não é?” ou “animal é o gênero
do homem, não é?”, o resultado é uma proposição. Mas se dissermos: “é
animal que caminha com dois pés a definição do homem, ou não é?” ou “é
animal o seu gênero ou não?”, o resultado é um problema (ARISTÓTELES,
1987, p. 35-36).

Porém, como alerta o filósofo, os elementos selecionados não constituem


por si só as proposições ou problemas que conduzem o diálogo estabelecido
entre as partes, mas componentes para a formulação de um problema a ser
debatido ou uma proposição a ser analisada:

Depois do que precede, devemos dizer para quantos e quais fins é útil
esse tratado. Esses fins são três: o adestramento do intelecto, as disputas
casuais e as ciências filosóficas. Que ele é útil como forma de exercício
ou adestramento, é evidente à primeira vista. A posse de um plano de in-
vestigação nos capacitará para argumentar mais facilmente sobre o tema
proposto. Para as conversações e disputas casuais, é útil porque, depois de
havermos considerado as opiniões defendidas pela maioria das pessoas, nós
as enfrentaremos não nos apoiando em convicções alheias, mas nas delas
próprias, e abalando as bases de qualquer argumento que nos pareça mal
formulado. Para o estudo das ciências filosóficas é útil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto
nos permitirá detectar mais facilmente a verdade e o erro nos diversos
pontos e questões que surgirem. Tem ainda utilidade em relação às bases
últimas dos princípios usados nas diversas ciências, pois é completamente
impossível discuti-los a partir dos princípios peculiares a ciência particular
que temos diante de nós, visto que os princípios são anteriores a tudo mais;
é à luz das opiniões geralmente aceitas sobre as questões particulares que
eles devem ser discutidos, e essa tarefa compete propriamente, ou mais
apropriadamente, à dialética, pois esta é um processo de crítica no qual se
encontra o caminho que conduz aos princípios de todas as investigações
(ARISTÓTELES, 1987, p. 36).

Por fim, a tópica é caracterizada por Aristóteles como um método de


organização do exercício dialético para atender a diferentes finalidades, como
o “adestramento” ou convencimento da parte contrária de suas proposições,
a elaboração de um plano de investigação, que permite a exploração mais
acurada de determinado problema, ou mesmo a determinação do curso de
ação em debates casuais ou disputas científicas.
Conforme visto, a tópica é uma forma de organização de um processo
dialético, que, por sua vez, é uma forma de debate que orienta a construção
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de conhecimento, bastante difundido na filosofia clássica, na qual, segundo


Aristóteles (1987, p. 19-20):

Platão ensinava na Academia e nos seus “Diálogos” que a compreensão


dos fenômenos que ocorrem no mundo físico depende de uma hipótese: a
existência de um plano superior da realidade, atingido apenas pelo intelecto,
e constituído de formas ou ideias, arquétipos eternos dos quais a realidade
concreta seria a cópia imperfeita e perecível. Por meio da dialética — feita de
sucessivas oposições e superposições de teses —, seria possível ascender do
mundo físico (apreendido pelos sentidos e objeto apenas de opiniões múltiplas
e mutáveis) à contemplação dos modelos ideais (objetos da verdadeira ciência).
A dialética era, todavia, uma construção marcada pela índole hipotética da
matemática que inspirou o platonismo. Aristóteles justamente já teria per-
cebido que a dialética platônica só se comprometia com a certeza em última
instância — o que conferia ao platonismo sua inquietação permanente e sua
flexibilidade, deixando-o, porém, sob a constante ameaça do relativismo. O
projeto aristotélico torna-se, então, o de forjar um instrumento mais seguro para
a constituição da ciência: o Organon. Nele, a dialética é reduzida a condição de
exercício mental que, não lidando com as próprias coisas, mas com as opiniões
dos homens sobre as coisas, não pode atingir a verdade, permanecendo no
âmbito da probabilidade. Essa concepção da dialética como uma “ginástica
do espírito”, útil como fase preparatória para o conhecimento, mas incapaz de
chegar à certeza sobre as coisas, justifica a concepção aristotélica da história
e, em particular, da história da filosofia: a história — inserida no domínio
da dialética — é útil e indispensável na medida em que conduz à sua própria
superação, quando o provável se transforma em certeza.

Assim, em Aristóteles, a dialética representa um diálogo estruturado


entre pessoas presentes, ou mesmo com os filósofos históricos, de modo que
as teorias de cada um possam ser testadas pelo debate entre teses e antíteses,
conformando uma verdadeira base para a geração e a melhoria do conhecimento
científico ou mesmo mundano.
A dialética é um processo de confrontação de ideias, geralmente provenien-
tes de verdades aceitas pela maioria. No entanto, compõe o processo dialético
o debate que se utiliza da erística, ou seja:

Falemos agora do raciocínio erístico ou sofístico: (1) é ele um raciocínio apenas


aparente, sobre temas em que o raciocínio dialético é o método adequado de crítica
mesmo quando a conclusão do primeiro é verdadeira, pois o outro nos ilude no
tocante à causa; e também (2) há os paralogismos que não se conformam à linha
de investigação própria do tema particular, embora se pense geralmente que estão
de acordo com a arte em questão. Os falsos desenhos de figuras geométricas, por
exemplo, não são sofísticos (pois os erros que deles resultam são conformes ao
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tema próprio da arte), como tampouco o é qualquer diagrama falso que se possa
apresentar em prova de uma verdade (ARISTÓTELES, 1987, p. 250).

Dessa forma, a erística é uma forma de argumento falacioso, no qual


são utilizadas premissas verossímeis, porém falsas para a composição de
determinada proposição ou problema. O pensamento erístico reveste-se de
forma tópica no exercício da dialética. No entanto, verificamos como falsa
informação que é apresentada com intuito de exercitar o diálogo, mas que não
contribui para a verdadeira geração de conhecimento, senão para a defesa de
determinados interesses do interlocutor.
Finalmente, a retórica, segundo Aristóteles (1953, p. 52) é

[...] correlata à dialética, pois ambas tratam de coisas que, de certo modo,
são de conhecimento comum a todos e não correspondem a nenhuma ciência
determinada. Por isso, todos, de certo modo, participam de uma ou outra, já
que todos, até certo ponto, buscam inventar ou resistir de determinada razão
e defender-se ou acusar. E se isso é verificado, é evidente que tratam da arte
algo exterior ao assunto que definem a todos os demais, como o que há de
conter o exórdio ou a narração e cada uma das demais partes (porque não se
ocupam de outra coisa nela senão como dispõe ao juiz de maneira determi-
nada), mas não mostram nada sobre os argumentos conforme a arte, o que é
dizer de onde se pode tornar hábil em entimemas.

A retórica, portanto, é uma forma avançada de dialética apoiada em silogis-


mos desenvolvidos por oradores experienciados, que são capazes de dominar a
arte da argumentação. É utilizada para narrar fatos externos à relação de forma
sistêmica, tópica e eloquente para o convencimento da outra parte, podendo se
utilizar de silogismos fundados em conhecimentos de reconhecimento geral
ou mesmo de erísticas para a sua configuração.

A tópica, a dialética, a erística e a retórica fazem parte de uma mesma arte, conforme o
pensamento aristotélico, sendo a primeira a ciência da organização do pensamento e
do roteiro do diálogo a ser desenvolvido; a segunda, a própria prática do exercício do
debate; a terceira, uma forma de trazer elementos inverídicos ao diálogo e a quarta,
uma forma avançada de estabelecer meios de convencimento ao longo do debate a
partir da criação de silogismos.
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A retórica em Aristóteles
A retórica é uma arte. Uma forma estruturada de direcionar um debate baseada
em informações conhecidas por ambas as partes e na utilização de silogismos
por parte do interlocutor para estabelecer métodos de convencimento da sua
tese ou proposição ou mesmo para estabelecer o problema a ser debatido com
a dialética. É um método cunhado na oratória, seja ela deliberativa ou forense.
Segundo Aristóteles (1953, p. 66):

[...] sendo o método o mesmo na oratória deliberativa e na forense, e sendo


mais nobre e mais própria do cidadão a oratória deliberativa que se refere aos
contratos, essa não lembra em nada aquela, senão que todos tentam fazer arte
da que se refere aos pleitos, porque é menos útil expor nos discursos delibera-
tivos o alheio ao assunto e é menos astuto a oratória deliberativa que a forense,
porque é de interesse mais comum. É na deliberativa que o ouvinte julga sobre
coisas próprias, de maneira que não se requer outra coisa senão demonstrar
que é assim como diz o que se aconselha; porém, nos discursos forenses, não
basta isso, porque é útil cativar o ouvinte, pois como o juízo julga sobre coisas
alheias, os juízes o fazem por seu próprio agrado, escutam por favoritismo e,
assim, concedem aos que litigam, mas não julgam. Por isso, em muitos lugares,
como foi dito anteriormente, a Lei impede de falar assuntos fora da questão; na
retórica deliberativa, os ouvintes mesmos vigiam isso suficientemente.

Assim, Aristóteles divide a retórica nas modalidades deliberativa, ou


entre pessoas comuns no âmbito da sua capacidade privada de deliberação
e discussão de cláusulas entre elas, e forense ou jurídica, na qual se procura
convencer o julgador do pleito requerido a partir da formulação de raciocínios
dialéticos-indutivos.
O produto da retórica, segundo o filósofo, é o entimema:

Dado que é evidente que o método, conforme a arte, refere-se aos argumentos
retóricos, e os argumentos retóricos são uma espécie de demonstração (pois
prestamos crédito sobre tudo quando entendemos que algo está demonstrado), a
demonstração retórica é um entimema (o qual é, por dizer, em geral o mais forte
dos argumentos). Um entimema é um silogismo (e sobre o silogismo de todas
as classes é próprio que trate a dialética, ou toda ou em parte). É evidente que o
melhor pode considerar que premissas, e como resulta o silogismo, esse poderá
ser mais hábil no entimema, pois compreende ao que se aplica o entimema e que
diferenças possui em relação aos silogismos lógicos, pois tanto o verdadeiro como
o verosímil é próprio da mesma faculdade de enxergá-lo, já que os homens são
suficientemente capazes da verdade e de alcançar a maior parte da verdade; por
isso, ter o hábito de conjecturar frente ao verosímil é próprio de quem também
possui o mesmo hábito para com a verdade (ARISTÓTELES, 1953, p. 58).
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O entimema, portanto, é produto de uma construção lógica, amparada em


premissas verdadeiras ou verossímeis (ou seja, que parecem ser verdadeiras),
por meio de um encadeamento de conhecimentos comuns ou erísticas. Por
exemplo, ao construir um cenário em que determinado réu é culpável por um
acidente ocorrido na sua empresa, o advogado do reclamante deverá construir
na sua argumentação endereçada ao juiz os fatos que demonstrem que o aci-
dente é relacionado à atividade laboral e que não houve culpabilidade da vítima
que possa eximir a culpa do empregador. Essa construção é suportada por
fatos do caso concreto, que são comunicados por meio de linguagem comum,
para que o magistrado possa chegar à conclusão de que há responsabilidade
do réu. O produto da construção lógica desse encadeamento de fatos comuns
é o entimema, que poderá resolver o conflito, caso o juízo compreenda a
lógica como verdadeira em detrimento do entimema construído pelo próprio
réu em sua defesa.

Sobre os fins destas e como se relacionam entre si, já foi dito quase o sufi-
ciente. Da persuasão mediante demonstração ou demonstração aparente, o
mesmo que na dialética há a indução ou o silogismo, ou o silogismo aparente,
também aqui é de modo semelhante: pois o exemplo é de uma indução que
o entimema é um silogismo, o entimema aparente, um silogismo aparente.
Chamo entimema o silogismo oratório e exemplo, a indução oratória. Pois
todos dão provas para demonstrá-lo dizendo exemplos ou entimemas e nada
além disso; de maneira que, em absoluto, é preciso que qualquer coisa se prove
pelo silogismo ou pela indução (ARISTÓLTELES, 1953, p. 68).

Como bem defende Aristóteles (1953), o domínio do entimema é tão


imponente sobre a construção de uma conclusão dialética que é capaz de
realizar um convencimento, independentemente de outras provas, ou mesmo
suplantar provas produzidas em determinado caso, a depender da habi-
lidade do interlocutor em tecer um silogismo suficientemente verossímil
e inteligível em relação àquele que se pretende convencer. Para tanto, é
necessário retomar a tópica para organizar os quatro meios de suprimento
de um raciocínio pertinente:

[...] (1) prover-nos de proposições; (2) a capacidade de discernir em quantos


sentidos se emprega uma determinada expressão; (3) descobrir as diferenças
das coisas e (4) a investigação da semelhança. Os últimos três são também,
em certo sentido, proposições, pois é possível formar uma proposição cor-
respondente a cada um deles. Por exemplo: (1) “o desejável pode significar
tanto o honroso como o agradável ou o vantajoso”; (2) “a sensação difere do
conhecimento em que o segundo pode ser recuperado depois que o perdemos,
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enquanto a primeira não o pode” e (3) “a relação entre o saudável e a saúde é


semelhante à que existe entre o vigoroso e o vigor”. A primeira proposição de-
pende do uso do termo em diferentes sentidos, a segunda, das diferenças entre
as coisas e a terceira, da sua semelhança (ARISTÓTELES, 1953, p. 46-47).

Ao construir um entimema, portanto, é necessário:

 planejar as proposições a serem encadeadas;


 discernir sobre os sentidos expressos e compreensíveis quanto às ex-
pressões utilizadas de acordo com a cultura do orador e do receptor
da informação;
 distinguir as coisas de acordo com os seus gêneros e buscar coerência
técnica sobre as analogias construídas, para que sejam realizadas in-
ferências induzidas;
 investigar a semelhança da informação elaborada com a probabilidade
da sua interpretação como verossímil ao receptor.

Dessa forma, a retórica em Aristóteles deixa de ser apenas um exercício


de debate para aquisição de determinado objeto experimental para se tornar
uma verdadeira ciência do convencimento entre as partes a partir do estudo
cultural, semântico, lógico e informacional entre as partes.

A atualidade do estudo da argumentação


a partir de Aristóteles
Ao compreendermos a força do estudo da ciência da retórica e as premissas
da tópica, da dialética e da erística, é possível traçarmos um paralelo direto
para com a atuação jurídica atual. Em que pese a característica da oralidade
em nossos sistemas de Direito romano-germânico ser relegada a determinados
âmbitos específicos — como os Juizados Especiais Cíveis, o Direito de Família
e o Direito do Trabalho, além de casos especiais dentro do Direito Penal —,
é cediço informar que a metodologia dialética e a sua forma mais avançada,
como retórica, em muito superou a oralidade para se tornar um instrumento
imprescindível à comunicação escrita.
A influência de Aristóteles na hermenêutica e na argumentação jurídica 17

A retórica pode ser compreendida como a maior ferramenta disponível para a argu-
mentação do jurista, a qual, em um procedimento legal, exprime-se pela petição inicial
escrita. Eis que a peça primordial de qualquer processo é o local apropriado para a
construção da tese jurídica que define os limites do pedido ao juízo.

Também é possível utilizar, é claro, os ferramentais da retórica em campos


extrajudiciais, como na negociação de contratos, e nos meios alternativos de
resolução de conflitos, como ocorre na conciliação, na mediação e mesmo na
arbitragem, a partir da construção de diálogos elaborados que visem à indução
a partir de entimemas jurídicos. Em qualquer um dos casos, seja em uma
dialética deliberativa ou forense, o entimema formado é certamente calçado
na legislação vigente e nas regras procedimentais de cada sistema jurídico
empregado, seja na forma escrita ou oral.
Além dos advogados responsáveis pelas teses e antíteses da petição e a
sua respectiva contestação, o próprio juízo se vale da construção dialética
em debate firmado entre as partes na narrativa dos fatos que antecedem a
sentença e da sua própria contribuição a partir da fundamentação legal e do
silogismo criado para o estabelecimento da sentença, que, em conjunto com
casos análogos, configuram a jurisprudência que compõe verdadeiro norte
normativo dentro do âmbito judicial.
Assim, as teorias desenvolvidas por Aristóteles, seja na interpretação
normativa, seja na própria argumentação jurídica, são atuais e compõem
as principais ferramentas do jurista no desenvolvimento de uma dialética
que reflete a verdadeira práxis profissional do ramo, revestida da teoria
dogmática e dos argumentos e entimemas tecidos pelos elementos da
prática judicial.
18 A influência de Aristóteles na hermenêutica e na argumentação jurídica

ARISTÓTELES. Retórica. Madrid: Instituto de Estudios Politicos, 1953.


ARISTÓTELES. Tópicos: dos argumentos sofísticos. São Paulo: Nova Cultural, 1987. v.
1. (Os Pensadores).

Leitura recomendada
ARISTÓTELES. Retórica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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