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SITUAÇÃO DOS ESTUDOS DE ARGUMENTAÇÃO:

DE DESLEGITIMAÇÕES A REINVENÇÕES

Christian Plantin

Devemos procurar pensar e falar com precisão, sem desejar levar os outros ao nosso
gosto e aos nossos sentimentos; Isto é uma grande empreitada.
La Bruyère

La Bruyère nos lembra que o confronto de teorias é uma arte difícil. Sabemos
que precisamos de muitos acordos para resolver de fato alguns desacordos: devemos
primeiro concordar sobre os conceitos e as palavras que os designam, caso contrário os
"discursos teóricos" permanecem incomensuráveis. Idealmente, é a realidade que deve
desempenhar o papel de "juiz da paz" entre as teorias, através de uma "experiência
crucial"; mas para isso precisamos primeiro concordar sobre o que constitui um dado
capaz de decidir e, no caso de uma disciplina como a argumentação, cuja linguagem
teórica depende fortemente da linguagem natural, é sempre possível fazer operar
mecanismos argumentativos excessivamente humanos, transformando o que é contra-
exemplo para um em confirmação para o outro, como mostra o seguinte diálogo
imaginário:
-As consequências dessa teoria são surpreendentes?
-Isso prova, então, que é insustentável, porque contraria o senso comum
disciplinar, e o bom senso.
-De modo algum, isso confirma o interesse dessa teoria, que produz hipóteses
poderosas capazes de revelar aspectos não percebidos da realidade.
Na prática, para confrontar as teorias, poderíamos tentar fazê-las fazer um pouco
um caminho comum, construindo, por exemplo, uma questão de pesquisa compartilhada
que tentaríamos fazer frutificar em colaboração.
O objetivo desta contribuição será ainda mais elementar. Trata-se de esboçar
uma história de idéias contemporâneas sobre argumentação, isto é, de reconstruir um
espaço que contenha essas teorias e, se nos permitirmos explorar as sugestões que
surgem de sua aproximação, propor uma primeira organização.
A argumentação tem uma longa história desde a Grécia e Roma, mas tem
também uma história recente, que parece possível descrever organizando-a em dois
momentos, o final do século XIX, em que a argumentação parece abandonada em uma

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loja de antiguidades, com retórica oratória e a lógica como espelho do pensamento, e
depois da Segunda Guerra Mundial, em que se afirma como um conceito autônomo.
Para a argumentação, esta inversão da conjuntura ocorre por volta de 1958, quando
aparecem Os Usos do Argumento de Stephen Toulmin e o Tratado da Argumentação de
Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca. O Tratado traz, em sua primeira edição,
como sobre-título, A Nova Retórica, que passará a título na tradução inglesa, mas que
permanecerá precisamente no subtítulo na segunda edição. A ênfase está colocada na
argumentação, o que constitui uma inovação real, e simboliza o movimento de
emancipação dos estudos de argumentação após a Segunda Guerra Mundial.
Em inglês, A. Craig Baird já havia usado a argumentação em um trabalho um
pouco anterior, Argumentation, Discussion and Debate, 1950. Trabalhos mais antigos
usam termos da mesma série, mas em subtítulo. Por exemplo, Whately (1828)
especifica o conteúdo de seus Elementos da Retórica, acrescentando que eles incluem
umaAanálise das Leis da Evidência e Persuasão Moral, com Regras para Composição
Argumentativa e Elocução; e Lever, muito antes, comenta sobre o título de seu livro,
The Arte of Reason, reformulando-o  rightly termed, witcraft teaching a perfect way to
argue and dispute, e explicando seu objetivo de ensinar a perfect way to argue and
dispute (1573). Vemos que no primeiro caso o termo está subordinado à retórica, no
segundo à lógica, segundo a organização das disciplinas no paradigma clássico. A auto-
afirmação dos estudos de argumentação parece, assim, poder ser datada do período
imediato do pós-guerra. Podemos ver isso a contrario : em francês, outros títulos são
baseados na argumentação, antes de 1958, mas a função da palavra é bem diferente;
por exemplo, o trabalho de Ambroisine Dayt, em 1903: Argumentação tendo em vista
esclarecer qualquer ser sobre necessidades inegáveis negadas à mulher desde o
aparecimento do homem na terra. Neste último caso, a argumentação é um termo de
suporte do título substancial; poderia ser substituído por Observações , Tratado ou
Dissertação ("tendo em vista esclarecer ..."). É uma intervenção em um debate, feita de
acordo com as modalidades de um gênero, de uma argumentação "sobre", e não um
empreendimento teórico "sobre" a argumentação: antes do Tratado, nenhum trabalho
exibe tal programa. A novidade, em francês, é clara.

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O Paradigma Clássico

Do ponto de vista da organização clássica das disciplinas, a argumentação está ligada à


retórica, vista como uma "arte do dizer bem", e à lógica, vista como uma "arte de
pensar".

Argumentação na retórica

Existem vários usos da palavra "retórica" e conceitos muito diferentes dessa


disciplina, falamos de retórica verbal e não-verbal, do consciente e do inconsciente.
Algumas dessas retóricas não incluem um componente argumentativo. Por exemplo, a
análise estrutural das figuras é chamada de "retórica geral", na medida em que busca
repensar as figuras do discurso no contexto de uma análise linguística; ela inscreve, à
sua maneira, a retórica "na língua". Mas também pode ser considerada uma retórica
restrita, na medida em que é separada da argumentação e da interação. A partir de
Nietzsche, a retórica foi também definida como a essência da linguagem, uma definição
particularmente ativa no campo da história durante a década de 1970 (Ginzburg, 1999).
Essa retórica também não é argumentativa.
Este texto será limitado à retórica argumentativa , ou teoria retórica da
argumentação. Esta retórica admite como referência inicial A Retórica de Aristóteles.
Ela foi definida pelos teóricos da antiguidade e trazida à era contemporânea por um
paradigma de pesquisa autônomo. Ela possui as características que seguem. É uma
retórica referencial, isto é, inclui uma teoria de indícios, coloca o problema de objetos,
fatos, evidências, mesmo que sua representação adequada só possa ser compreendida no
conflito e negociação de representações; Ela é probatória, isto é, visa fornecer, se não a
prova, pelo menos uma prova melhor; é polifônica ou intertextual ou dialógica , em sua
prática de refutação; seu objeto privilegiado é a intervenção institucional planejada.
Seu caráter eloquente é secundário. No modelo retórico, a teoria da argumentação é a
da invenção, ou seja, a determinação dos argumentos. É dentro desse quadro que os
conceitos de topos (ou lei de passagem, permitindo a transição do argumento para a

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conclusão, é o meio de inferência) e de entimema, isto é, de uma passagem
argumentativa, mista de afetos, de lógica e de estilo.
Do ponto de vista do produto acabado, a argumentação constitui a parte central
do discurso tal como foi pronunciado. Ela desenvolve argumentos em favor da posição
do locutor, e refuta os argumentos contrários. A narração, que às vezes se opõe à
argumentação, é sempre orientada de acordo com os interesses do locutor. Ela constitui
o primeiro dos argumentos.
As questões atuais da argumentação incluem muitos elementos herdados da
visão da argumentação retórica. Consideremos as três definições a seguir:
1. Platão: "o poder de convencer, graças aos discursos, os juízes do
tribunal, os membros do Conselho ao Conselho da Cidade, e todos os
cidadãos à Assembléia, em suma, o poder de convencer em qualquer
reunião dos cidadãos" (452d-e). Esta é a definição de Gorgias,
adversário de Sócrates no diálogo de mesmo nome. Pode-se considerar
que ela fixa o significado atual do termo.
2. Aristóteles: "Vamos admitir, então, que a retórica é a faculdade de
descobrir especulativamente o que em cada caso é capaz de persuadir"
(Retórica : 1, 2, 25).
3. Cícero: a argumentação "parte de proposições indubitáveis ou
verossímeis, e extrai daquilo o que, considerado isoladamente, parece
duvidoso ou menos verossímil" ( Divisões : 46).
Encontramos nessas definições elementos permanentes, como a função
persuasiva (1 e 2); a importância da ligação entre afirmações, que faz a ligação entre
retórica e lógica (3); o endereçamento a um auditório sem uma estrutura de troca (2) -
notemos que os modelos de diálogos estão relacionados não à retórica, mas à dialética.
A situação de argumentação é caracterizada pela insuficiência de informações
disponíveis (falta de tempo, falta de informação ou natureza da questão em discussão),
em uma situação de incerteza marcada pela urgência. Esses pontos essenciais
diferenciam situações de argumentação e situações em que a informação é suficiente,
mas simplesmente desigualmente distribuída. Neste último caso, trata-se de esclarecer e
eliminar mal-entendidos, após o que se supõe que a conclusão seja imposta a todos por
simples cálculo. No primeiro caso, além dessas tarefas de esclarecimento e cálculo
sempre presentes, intervêm pontos de vista (posições discursivas, sistemas de valores,
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interesses) que podem ser radicalmente incompatíveis. Nenhuma das posições pode ser
eliminada completamente, há sempre uma aposta, portanto, um risco: eu escolho A
enquanto temo que a escolha certa seja B; Eu defendo meu partido, sabendo que o juiz,
ou o futuro, podem dar razão ao outro.

Argumentação na lógica

Paralelamente a esta inscrição da argumentação no sistema retórico, como


discurso lógico, a argumentação é definida no quadro de uma teoria das três operações
mentais: a apreensão, o julgamento e o raciocínio. A argumentação corresponde à
terceira dessas "operações do espírito" que constroem o discurso:
 por apreensão, a mente concebe uma ideia de um objeto e o delimita (o homem,
certos homens, todos os homens, nenhum homem);
 pelo julgamento, ele afirma ou nega algo dessa idéia, para chegar a uma
proposição ("o homem é mortal"), que é expresso em uma declaração;
 Pelo raciocínio, ele encadeia proposições de modo a passar do conhecido ao
desconhecido. Esta terceira operação é a argumentação.
No plano linguístico, essas operações cognitivas correspondem respectivamente
a:
 ancoragem referencial do discurso por meio de um termo;
 a construção do enunciado impondo um predicado a esse termo;
 a concatenação de proposições ou argumentação, pela qual novas proposições
são produzidas a partir de proposições já conhecidas. A argumentação no plano
discursivo, portanto, corresponde ao raciocínio no nível cognitivo.
A terceira operação corresponde à lógica das proposições analisadas. Suas
regras são dadas pela teoria do silogismo, que, portanto, fornece a teoria da
argumentação correta. A teoria do discurso falacioso (raciocínios viciosos,
paralogismos, sofismas) constitui a contrapartida.
Esse conjunto retórico / lógico forma a base do sistema no qual a argumentação
foi pensada desde Aristóteles até o final do século XIX.

A Virada do Final do Século XIX

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A situação atual dos estudos de argumentação, particularmente na França, é o
resultado de uma longa tendência histórica, da qual o final do século XIX e o começo
do século XX constituem um momento-chave. Pode-se ter uma ideia do que era então o
conceito de argumentação a partir da situação das duas disciplinas que enquadram a
argumentação, a retórica e a lógica.

Deslegitimação da Retórica

Como parte da criatividade retórica, os estudos argumentativos são inevitavelmente


afetados pelo destino da disciplina retórica. Sabemos que, no final do século XIX, a
retórica foi violentamente criticada como um estudo não científico, portanto ilegítimo, e
eliminado do currículo da universidade republicana, então na sua infância1.
Essa virada se apresenta sobre o pano de fundo histórico do fim do Segundo
Império, a derrota de 1870, e a necessidade de uma Reforma intelectual e moral
(Renan), de um novo começo na vida intelectual como na vida política que estava se
desenvolvendo no âmbito da nascente Terceira República.
Com base em uma visão laica e positivista da ciência, da cultura e da sociedade,
a Terceira República desenvolve uma política científica de redefinição das tarefas
básicas da universidade. O impulso essencial sob todas essas transformações é uma
nova concepção de saber, o saber positivo. A história é a estrela em ascensão, o método
histórico, o método positivo por excelência, capaz de produzir conhecimento científico
no campo das humanidades. Esse conhecimento positivo é concebido como um
antagonista do "saber formal", cujo melhor exemplo é, sem dúvida, o "savor faire"
retórico, o truque discursivo que funciona no momento e não sobrevive à crítica mais
básica. Em face das descobertas positivas da pesquisa histórica, nenhuma visão baseada
em considerações de senso comum, consenso, opinião, à doxa ou aos lugares-comuns
pode ser seriamente apoiada, o saber retórico não é um saber. Além disso, a nova
distribuição do saber em disciplinas especializadas é incompatível com a pretensão
retórica de fornecer a síntese útil de todos os saberes.
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Na França, a retórica como disciplina aplicada e articulada nunca se recuperou dessa acusação. Só a
história da retórica é considerada como digna do campo universitário, e o estudo das práticas discursivas
foi repensado no quadro dos estudos da análise do discurso, da comunicação intitucional, e das interações
interindividuais.

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Duas circunstâncias periféricas agravantes ainda são contra a retórica. Por um
lado, a retórica é a base da educação jesuíta (Compagnion, 1983: 94), enquanto há um
período de intensa disputa entre a Igreja e o Estado, o que leva especialmente a sua
separação em 1905. Por outro lado, pelo uso feito nos colégios jesuítas, a retórica está
ligada ao latim, todos os exercícios retóricos são praticados naquela língua. Agora, esse
período atinge o auge na eterna discussão sobre a necessária emancipação do francês do
latim e, correlativamente, o lugar do latim nos estudos literários. Um Estado laico só
poderia querer emancipar-se da retórica como símbolo de uma educação religiosa
duplamente retrógrada.
Como resultado, o novo currículo dos estudos franceses é redefinido em torno de
uma abordagem histórica da literatura que substitui a abordagem retórica. Em 1888,
Anthelme Chaignet publicou a Retórica e sua história, a última e excelente introdução à
teoria aristotélica da argumentação retórica. Novas formas de expressão acadêmica
aparecem nas escolas secundárias, na composição francesa, na história literária, no
comentário de textos literários. Todos esses novos gêneros explicitamente excluem a
retórica - embora formas retóricas clássicas obviamente permaneçam em uso: como
poderia ser de outra forma?
Não é surpreendente que, ligada à antiga concepção de educação dos saberes, a
retórica se tornasse, por amálgama, o símbolo fácil de uma reação clerical desatualizada
e manipuladora, em absoluto contraste com as tendências da ciência moderna positiva e
com a educação reivindicada pela universidade republicana. Essa é a base do persistente
sentimento de ilegitimidade das práticas retóricas na França, evidenciada por várias
medidas, como o desaparecimento da retórica dos programas do ensino secundário, em
1885, e o desaparecimento, em1902, do “curso de retórica” dos liceus. “ (Compagnion,
1999: 1222, 1233).
Na medida em que os estudos argumentativos estão relacionados a estudos
retóricos, eles estavam claramente do lado errado. Mas até que ponto eles estavam? A
retórica excluída do currículo era a retórica jesuíta, e esta não estava centrada na
argumentação, mas na "praelectio", em outras palavras, em algo como explicação e
amplificação do texto, uma forma de eloquência que não tendia a convencer por
evidência e debate, mas a subjugar pelo esplendor verbal.

Formalização da Lógica. O Neotomismo


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Concluir que a eliminação da retórica leva mecanicamente ao desaparecimento
dos estudos argumentativos seria uma simplificação excessiva. Outras considerações
igualmente conhecidas que parecem ir na mesma direção desfavorável contra a
argumentação entram em jogo; elas correspondem ao novo status da lógica.
A publicação do Begriffschrift, de Gottlob Frege, em 1879, marca o ponto a
partir do qual a lógica não pode mais ser vista como uma "arte de pensar", mas como
uma "arte de calcular", um ramo da matemática. Desde então, para a ala dos lógicos, a
argumentação será apenas o nome de uma forma ultrapassada de lógica. No começo do
século XX, como bem diz Robert Blanché, a lógica clássica é alcançada pelo
"crepúsculo das evidências": "passamos da lógica clássica para as lógicas que
construímos à vontade. E, por sua vez, essa pluralidade de lógicas remove o privilégio
da lógica clássica, que não é mais do que um sistema entre outros, como uma simples
arquitetura formal cuja validade depende apenas de sua coerência interna"(1970 [ 1955]:
71-72).
Uma evolução chega ao fim, e pode ser seguida pelo menos desde Ramus (Ong,
1958), para quem julgamento, lógica e método devem ser pensados a partir da retórica,
em um plano que chamaríamos de epistêmico ou cognitivo. A mutação aparece com
obviedade se comparamos a Lógica ou a arte de pensar contendo além das regras
comuns, várias novas observações próprias para formar o julgamento de Arnauld e
Nicole (1662) ou o Tratado da arte de raciocinar (1796 ) de Condillac. Nesta última
obra, "a arte do raciocínio", inteiramente geometrizada, está localizada fora de qualquer
lógica lingüística - assim, da analogia é retida apenas na proporção (1981 [1796]: 130).
Ao tornar-se axiomatizada, a lógica renuncia a sua função retificadora do
pensamento como sua função crítica. Não fornece mais a base do discurso
racionalmente argumentado. Esses novos mundos científicos romperam todos os laços
com o Organon de Aristóteles; suas práticas não têm nada mais a ver com as da
argumentação discursiva.
Foi nessa época que a lógica se tornou essa disciplina "formal", à qual devem se
opor, nos anos 1950 e 1970, a "lógica natural", a "lógica não-formal" ou a "lógica
substancial”.
Amalgamados a uma retórica deslegitimada, abandonadas pela lógica, os estudos
de argumentação aparecem em péssima posição. No entanto, o interesse por esse tema
persistiu no estreito campo da educação religiosa e da teologia, como parte importante
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do currículo filosófico neotomista. Em 1879 (também a data da publicação do
Begriffschrift , coincidência!), o Papa Leão XIII publica a encíclica Aeterni Patris, que
estabelece Tomás de Aquino e, por meio dele, o aristotelismo, como uma espécie de
filosofia oficial da Igreja Católica, promovendo assim uma visão da lógica como
fundamento do pensamento no preciso momento em que esta orientação estava
cientificamente desatualizada.
Existe certamente uma ligação entre essa decisão e o fato de que é possível
encontrar desenvolvimentos importantes na lógica tradicional, tais como considerações
interessantes sobre os tipos de argumentos e sofismas em livros-texto de filosofia de
inspiracão neotomista - estes mesmos manuais que, no desvio [detour] de uma nota,
rebelam-se contra as concepções formalistas da lógica, por exemplo, o tratado do Abbé
Henri Collin, o Manuel de Filosofia Tomista (1926) visando a educação religiosa em
um nível mais alto. Importantes tratados, como o de Jacques Maritain Elementos da
Filosofia II - A Ordem dos Conceitos - Pequena Lógica (Lógica Formal) (21ª ed.,
1966), também poderiam atestar esse interesse pela lógica como uma filosofia da
cognição natural. no quadro geral do neotomismo.

Teorias da Argumentação e Práticas Argumentativas


As observações anteriores dizem respeito ao estado de um domínio de saberes e
às relações entre disciplinas. A questão do status da argumentação como uma prática
discursiva é bastante distinta. Ao mesmo tempo, discursos polêmicos com conteúdo
político e religioso são particularmente violentos, e produzem, do lado católico, obras
impressionantes, pelo menos pelo seu volume, por exemplo, o Dicionário Apologético
da Fé Católica de J.- B. Jaugey (Paris, Prefácio de 1889), ou Os Esplendores da Fé -
Acordo perfeito de Revelação e Ciência / Fé e Religião do Padre F. Moigno (Paris,
Blériot Frères, 1881). ).
Essas apologias bem-intencionadas mobilizam todos os recursos milenares da
argumentação retórica para disputar, sem defesa/chance, contra as conquistas científicas
mais recentes e estabelecidas, particularmente em áreas como história, antropologia,
geologia, sobre temas como a idade da terra ou a antiguidade do homem. Encontramos
um exemplo prototípico em um argumento de Chateaubriand:
Nós tocamos na última objeção sobre a origem moderna do globo. É dito: "A
terra é uma mulher velha, onde tudo anuncia sua obsolescência. Examine seus
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fósseis, seus mármores, seus granitos, suas lavas, e você lê aí esses inumeráveis
anos [...] ".
Essa dificuldade foi resolvida cem vezes por esta resposta: Deus teve que criar e
sem dúvida criou o mundo com todas as marcas de antiguidade e de
acabamento que nele vemos.
(O Gênio do Cristianismo , 1802, Parte 1, Livro IV, Capítulo V "A Juventude e
a Velhice da Terra").
Existe uma clara incompatibilidade entre o discurso argumentativo baseado no
bom senso e a realidade da prova científica. Exercitando-se fora de seu domínio de
validade, as práticas argumentativas foram expostas à refutação devastadora das
conclusões que apoiavam e, além disso, ao risco de serem invalidadas como um método
potencialmente interessante em qualquer campo de pesquisa. Vale a pena reter a lição.
Paralelamente a essa desqualificação dos modos argumentativos clássicos
aplicados fora de seu campo, poder-se-ia perguntar se as novas orientações científicas
produziram um novo estilo argumentativo. Este parece ser o caso. Deste ponto de
vista, pode-se examinar um livreto como o de J. Bédier, Como a Alemanha tenta
justificar seus crimes (Armand Colin, "Etudes et documents sur la guerre", 1915).
Neste texto publicado no início da guerra, o grande medievalista acusa os alemães de
cometerem crimes de guerra na Bélgica e na França; é uma questão que atravessará a
guerra. Para provar isso, J. Bédier aplica os métodos da crítica histórica científica à
análise de documentos relativos a mortos ou presos: reprodução fotocopiada do
manuscrito, tradução discutida ponto por ponto, consideração dos argumentos do outra
parte. É um estilo argumentativo que contrasta nitidamente com o de outros
documentos que se contentam em ampliar lugares comuns sobre a monstruosidade
germânica.
Em resumo, na virada do século, a situação parece ser a seguinte. A retórica é
cientificamente invalidada como um método incapaz de produzir conhecimento positivo
e associado a um grupo clerical caracterizado pelo seu anti-republicanismo, a ser
excluído do currículo estatal. A lógica, tornando-se formal, é definida como um ramo
da matemática e não mais como uma arte do pensamento capaz de governar o bom
discurso na linguagem natural. Os estudos de argumentação estão restritos à estrutura
da filosofia neotomista e à formação teológica. Eles correm o risco de serem

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desacreditados por intervenções irrelevantes nos campos científicos mais avançados.
Novos estilos argumentativos aparecem, com base no método crítico.
Esta situação permanece inalterada até os anos do pós-guerra. Se essa leitura é
mais ou menos bem fundamentada, ela nos permite vislumbrar as profundas razões para
o "eclipse" da argumentação, que nada tem a ver com negligência e esquecimento. A
argumentação separada de todo suporte científico, servindo a causas ruins, política e
cientificamente retrógradas, não foi esquecida, mas profundamente deslegitimada.

Depois de 1945: uma Reconstrução por Etapas

O Momento Político dos Anos 1950


De modo geral, na Europa, os estudos argumentativos se desenvolveram
notavelmente nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial. As obras de Serge
Tchakotine podem ser consideradas como anunciadoras desta renovação. Em uma obra
famosa e agora injustamente esquecida, A violação das multidões pela propaganda
política , S. Tchakotine caracteriza a propaganda de regimes totalitários como "senso-
propaganda", isto é, propaganda baseada no apelo a instintos irracionais. Ele opõe a ela
uma "ratio-propaganda" baseada na razão (Tchakotine, 1939: 152).
Depois a década de 1950 viu a publicação das obras fundamentais de S. Toulmin
e C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca - evocadas na introdução. Além destas duas obras,
cuja importância é frequentemente enfatizada, devemos observar trabalhos em alemão,
primeiro a obra de Ernst Robert Curtius, A literatura européia e a Idade Média latina
(1948, tradução de 1956). Neste livro, E.R. Curtius reintroduz e redefine o conceito de
topos , sobre o qual ele baseia sua visão da literatura européia (1979 [1948]: 138);
Assim, ele abre um novo campo de pesquisa sobre este tema, o Toposforschung.
Theodor Viehweg propõe uma aplicação do conceito ao direito em Tópico e
Jurisprudência [Topik und Jurisprudenz, 1953, não traduzido em francês]. Um pouco
mais tarde, em 1960, o Manual de Retórica Literária de H. Lausberg [Handbuch der
literarischen Rhetorik , não traduzido para o francês] reconstruiu o sistema da retórica
clássica.
Pode-se supor que esse tão celebrado "reavivamento" dos estudos de
argumentação, que aparece precisamente em plena guerra fria, tenha algo a ver com a
busca de uma ratio-propaganda, a construção de um modo de discurso democrático,
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racional, rejeitando os tipos de discurso totalitário nazista e stalinista. Este projeto de
constituição de uma nova reflexão sobre o logos, sobre a racionalidade do discurso
ordinário, por meio de um conceito autônomo de argumentação, não está tão longe da
visão de Curtius que vê na retórica uma base da cultura europeia. Ele é fundamental
para os projetos de S.E. Toulmin e C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, ainda que o
primeiro o direcione rapidamente para uma problemática dos domínios da
racionalidade. Seja o que for que se pense, é neste contexto ideológico que a
argumentação foi reconstruída.
A articulação das duas ordens de "ratio" e "senso" pode ser claramente vista em
um pequeno livro publicado por Jean-Marie Domenach em 1950 sobre A propaganda
política, que deve ser considerado como um trabalho fundamental para os estudos de
argumentação. De acordo com J.-M. Domenach, a função da propaganda é "criar,
transformar ou confirmar opiniões" (1950: 8). Essa definição equivale, praticamente
palavra por palavra, àquela que C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca dão da
argumentação: "provocar ou aumentar a aderência dos espíritos às teses propostas para
seu assentimento" (1976). [1958]). Mas, enquanto o Tratado só está interessado em
"técnicas discursivas", para Domenach, a propaganda é uma realidade plurisemiótica
cuja análise deve levar em conta não apenas o componente linguageiro, mas também a
imagem, a música, os movimentos das massas, orquestrados ou espontâneos. A
convicção é simplesmente o produto não só do discurso, mas do encontro, do espetáculo
total; não escapa à "senso-propaganda". C. Perelman e S.E.Toulmin veem o discurso
democrático como um discurso monológico construído sobre um modelo jurídico de
racionalidade. J.-M. Domenach se coloca numa perspectiva comunicacional mais
complexa, baseada em disposições institucionais que promovem informação,
disseminação de conhecimentos, bem como uma ampla prática do debate e do "direito
de resposta" (1950: 123-125) - perspectiva não mais retórica, mas dialética.

O Momento Lógico-linguístico dos Anos 1970

A esse período "ideológico", sucede, na França, um momento lógico-linguístico,


iniciado na década de 1970 e muito vivo atualmente. Essas propostas de "novas teorias
da argumentação" não encontram muita ressonância na França. As razões devem ser

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buscadas no que tem sido chamado de "a primeira escola francesa de análise do
discurso", e suas posições teóricas e ideológicas (Plantin 2002: 250-252).
De qualquer modo, o fato é que a reintrodução e a renovação do conceito de
argumentação como um conceito conveniente capaz de organizar a pesquisa em ciência
da linguagem é a obra de Oswald Ducrot em La Preuve et le dire (1973) e Dire et ne
pas dire (1972), e Jean-Claude Anscombre e O. Ducrot em um livro de 1983 sob o
título programa A Argumentação na Língua. Enquanto isso, Jean-Blaise Grize e a escola
de Neuchâtel oferecem um modelo de "lógica natural" para explicar os aspectos
cognitivos da argumentação (Grize 1982, cujo primeiro capítulo, "Abrangência e limites
das formalização" é de 1958).
Note-se que a argumentação reapareceu na França, não no campo do discurso
político como prática crítica, mas no campo do estruturalismo, da lógica linguística, do
cognitivismo. A argumentação não é um meio de regulação racional das diferenças de
interesses, de apreciação; especificamente, ela está na língua, não no discurso em
circulação.

O Diálogo Crítico
Junto a esta inscrição francesa da argumentação em programas de investigação
sobre a língua e a cognição, as pesquisas em língua inglesa trazem à tona a idéia de
diálogo crítico. A pesquisa enfoca a crítica do discurso, pela identificação de falácias;
seus instrumentos são os da lógica, às vezes tomados em sentido lato como "método". O
trabalho de C.L. Hamblin, Fallacies (1970, não traduzido em francês) marca uma etapa
nessa direção de pesquisa, de que ele faz história, apresenta um balanço e propõe uma
renovação, introduzindo a noção de jogo dialógico. A pesquisa sobre paralogismos
(falácias) também tomou o nome, menos "negativo", de lógica informal: trata-se de
trabalhar em certas formas de argumentos, geralmente muito clássicos, facilmente
taxados como falaciosos, e de se questionar sobre as condições pragmáticas da sua
validade (Blair e Johnson, 1980).
Esta pesquisa foi profundamente influenciada desde a década de 1980 pela
pesquisa sobre a linguagem em contexto, a conversação e o diálogo natural. Os
primeiros estudos deste tipo são encontrados em um livro editado em 1982 por J.R. Cox
e Charles A. Willard, Advances in argumentation theory and research. A nova dialética
(1996) de Frans van Eemeren e Rob Grootendorst fundamentalmente renovaram a
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abordagem dos paralogismos e da racionalidade, incluindo-a na perspectiva de um
diálogo regido por regras aceitas pelos interlocutores (ver contribuição de van Eemeren
e Houtlosser neste livro).

Uma Situação Delicada


Como podemos ver, a situação atual dos estudos de argumentação na França não
é simples. Desde o início da década de 1990, o trabalho de Perelman tem desfrutado de
grande popularidade que não obteve na década de 1960. Este retorno é uma
característica importante da situação atual. Paradoxalmente, talvez, sua influência não
seja significativa no campo do direito, mas é clara no campo da filosofia, educação e
análise do discurso político. Os modelos de O. Ducrot, J.-B. Grize e C. Perelman são os
mais utilizados, em paralelo aos modelos baseados no diálogo, acrescidos ou não de um
conjunto de normas. Em todos os casos, são modelos poderosos, baseados em opções
muito fortes e bem diferenciadas, que não definem da mesma maneira seus objetos e
objetivos de pesquisa, e que estão, em última análise, em diferentes disciplinas.
Os retornos sobre a história de uma tradição de pesquisa obviamente instigam
projeções sobre o presente e o futuro. Pode-se pensar que a prioridade dada aos objetos
complexos em uma perspectiva multidisciplinar - que é o traço mais característico da
situação atual - oferece algumas aberturas. Seja como for, o destino desta nova pesquisa
dependerá em grande parte da qualidade da continuidade que se prepara para ela. Que
visão organiza as lições teóricas da argumentação, na França, atualmente? Como vamos
além das sessões "express", que às vezes levam mais à divulgação do que a formação
sistemática? Há neste nível elementos de consenso suficientes para que possam surgir
uma metodologia e questões de pesquisa teórica e historicamente informadas, capazes
de organizar este interesse comum pela argumentação que, actualmente, se manifesta
em todas as disciplinas?

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